Nosso Senhor foi denominado Jesus de acordo com as orientações do anjo a José (Mt 1.21) e Maria (Lc 1.31). Quando dado a alguma criança, este nome expressa tão somente a fé dos pais em Deus como o salvador de seu povo, ou sua fé na salvação próxima de Israel. Dando-o ao filho de Maria, teve por objetivo expressar a missão especial que ele cumpriria: “lhe chamarás por nome Jesus; porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21). Cristo deriva-se do grego Christos, que corresponde ao hebreu Messias (ungido). Jesus, portanto, era o nome pessoal de nosso Senhor, e Cristo era seu título (o Cristo); embora o último tenha sido também usado por nós como nome próprio, isolado da palavra Jesus, ou junto dela. O objetivo do presente artigo é esboçar a sequência da vida de nosso Senhor na Terra, a fim de relacionar os principais acontecimentos e colocá-los em sua ordem provável.
CRONOLOGIA.
As datas exatas do nascimento, batismo, e morte de Jesus não podem absolutamente ser demonstrados; mas atualmente a maioria dos estudiosos concordam dentro de estreitos limites. Nosso costumeiro calendário cristão originou-se com Dionísio Exiguus, um abade romano que morreu em A. D. 556. Ele selecionou primeiramente o ano da encarnação de Nosso Senhor como referência às datas que deviam ser calculadas para antes ou depois. Fixou, no entanto, o ano 754 de Roma, como aquele em que o Cristo nasceu, e esse ano, portanto, passou a chamar-se A. D. 1. Mas as declarações de Josefo deixam claro que Herodes, o Grande, que morreu pouco depois de Jesus nascer (Mt 2.19-22), morreu vários anos antes do ano 754 de Roma. Sua morte ocorreu trinta e sete anos depois de haver sido nomeado rei pelos romanos, que foi em A. U. C. 714. Isto talvez foi em 751 ou 750, de acordo com Josefo, contando ou não as frações de um ano como anos inteiros. O ano 750 é, contudo, o mais provável por uma declaração de Josefo, de que logo antes da morte de Herodes ele mandou matar dois rabinos Judeus, e que na noite de sua execução ocorreu um eclipse da lua. Cálculos astronômicos mostram que em 750 houve um eclipse lunar parcial na noite de 12 ou 13 de março; mas em 751 não houve nenhum eclipse. Josefo também narra que Herodes morreu pouco antes da Páscoa que começou em 12 de abril de 750. Podemos, portanto, com considerável confiança datar a morte de Herodes em primeiro de abril do ano 750 de Roma, que era o ano 4 E. C. n Nós devemos, portanto, colocar os acontecimentos dados nos Evangelhos antes dessa data, ocorridos entre o nascimento de Jesus e a morte de Herodes, num período provável de dois ou três meses. O nascimento do Cristo, portanto, deu-se nos fins do ano 5 E. C. ou princípios do ano 4 E. C. A observância do dia 25 de dezembro não surgiu antes do quarto século, de modo que não tem nenhuma autoridade. Pode, no entanto, ser aceito como uma aproximação à verdade, e assim o nascimento do Cristo seria designado para 25 de dezembro do ano 5 E. C.. Isto põe-no cinco anos antes do calendário de Dionísio, que designou-o para 25 de dezembro do ano A. D 1. A data do começo do ministério público de nosso Senhor deve ser obtida principalmente de Lucas 3.23, onde é dito que no seu batismo ele tinha aproximadamente trinta anos de idade. A expressão está obviamente indefinida; mas, supondo que ele nasceu a 25 de dezembro do ano 5 E. C., teria, assim, trinta anos em 25 de dezembro do ano A. D. 26. A data tradicional do batismo é 6 de janeiro, e se, de qualquer forma, supusermos que aconteceu em A. D. 27, a expressão de Lucas, “quase trinta anos de idade”, estaria correta. Esta data também é confirmada pela declaração dos judeus (João 2.20), feita pouco depois de seu batismo “para se edificar este templo gastaram-se quarenta e seis anos”. A reconstrução do templo por Herodes começou, como poderia ser demonstrado, em 20-19 E. C.; de modo que os quarenta e seis anos, supondo que eles tivessem decorridos quando a observação foi feita, nos traria outra vez ao A. D. 27. Se, finalmente, “o ano décimo quinto do reinado de Tibério” (Lc 3.1), quando João Batista começou o seu ministério, for considerado como correto, pode ser a época em que Tibério estava associado com Augusto no império (A. D. 11 a 12), coincide com A. D. 26 e, mais ainda, concorda com nossos outros cálculos. É verdade que todos estes itens de evidência contêm pontos em que as opiniões não podem deixar de diferir; mas as datas que nós demos parecem ser as mais prováveis e se apoiam umas às outras. A duração do ministério do Cristo e, portanto, o ano da sua morte, são fixados pelo número de Páscoas que João anota em seu Evangelho. Se nós tivéssemos somente os Evangelhos sinópticos (veja: Evangelho) poderíamos deduzir que seu ministério durou apenas um ano, e esta opinião não era incomum antigamente. Mas o Evangelho de João fala de pelo menos três Páscoas (2.13; 6.4; 13.1), e é altamente provável que a festa referida em João 5.1 era também uma Páscoa. Nesse caso, o ministério do Cristo incluiu quatro Páscoas, na última das quais ele morreu; e, se foi batizado em A. D. 27, sua primeira Páscoa foi em abril desse ano e ele morreu em A. D. 30, quando a festa da páscoa se realizou a 7 de abril. Aqueles que pensam que João 5.1 não se refere a uma Páscoa, datam a morte do Cristo em A. D. 29. Nós obtemos assim, como as principais datas prováveis na vida do Cristo: Nascimento, 25 de dezembro (?) do ano 5 E. C.; batismo e começo do seu ministério, 27 de janeiro (?), A. D.; morte, 7 de abril do ano A. D. 30.
CONDIÇÃO POLÍTICA DOS JUDEUS.
Quando Jesus nasceu, Herodes, o Grande, um homem capaz mas cruel, era o rei dos judeus. Seu reino incluía a Samaria e a Galileia assim como a Judeia. Era um idumeu por nascimento, embora professasse a religião judaica. Seu pai Antipater, tinha sido nomeado governador da Judeia por Júlio César, e, depois de vários caprichos da sorte, Herodes foi declarado rei dos judeus pelos romanos em 40 A. C. Mas, apesar de independente de várias maneiras, Herodes governava pelo favor e na dependência dos Romanos, que se haviam transformado nos verdadeiros governadores do mundo. Na sua morte, no ano 4 E. C, seu reino foi dividido entre seus filhos. Arquelau recebeu a Judeia e a Samaria. Herodes Antipas recebeu a Galileia e a Pereia e Herodes Filipe recebeu o território a nordeste do mar de Galileia (Lucas 3.1). Mas no décimo ano de seu reinado Arquelau foi deposto por Augusto, e desde então, Judeia e Samaria foram governadas por procuradores romanos até a destruição de Jerusalém, com exceção dos anos A. C. 41-44, quando Herodes Agripa I foi investido com o poder real (At 12.1). Durante o ministério do Cristo, portanto, a Galileia e a Pereia, onde ele gastou a maior parte do seu tempo, estavam sob o governo de Herodes Antipas (Mt 14.3; Mc 6.14; Lc 3.1,19; 13.31; 23.8-12), enquanto que Samaria e Judeia eram governadas diretamente pelos romanos através de seu procurador, que naquela época era Pôncio Pilatos. O governo romano se direto ou indireto, irritava sumamente os judeus, e, durante a vida do Cristo, a terra estava num estado quase constante de fermentação política. Conquanto os romanos procurassem dar tanta autonomia para a nação quanto possível, de modo que seu Sanedrim, ou corte suprema, exercia jurisdição em um número muito grande de casos; e ainda que os conquistadores concedessem muitos privilégios aos judeus, especialmente a respeito de suas observâncias religiosas, mesmo assim a nação irritava-se sob uma dominação estrangeira, que era muito positiva, quando desejava sê-lo, e que jamais pretendeu conceder-lhes sua antiga liberdade. A aristocracia judaica, porém, inclusive a maior parte dos saduceus, não eram hostis aos Romanos. Os fariseus, que incluía os religiosos mais rígidos, estavam dispostos a dedicar-se à conservação do Judaísmo, enquanto evitavam geralmente as complicações políticas. Lemos também que os herodianos, indubitavelmente favoreciam as reivindicações da família de Herodes ao trono judeu, enquanto aprendemos com Josefo que os patriotas políticos sucessivamente se empenhavam em vão para livrar-se do jugo romano. Em tais condições, um que reivindicasse ser o Messias facilmente seria envolvido em dificuldades políticas. Veremos que Jesus cuidadosamente e com êxito evitou este perigo para poder proclamar em espírito e verdade o Reino de Deus.
CONDIÇÃO RELIGIOSA DOS JUDEUS.
Como já explicado, a religião, em grande parte era afetada pelas condições políticas. Assim, agora as classes oficiais estavam preocupadas, as esperanças puramente religiosas do Velho Testamento tinham sido quase esquecidas, e mesmo entre o povo a ideia de um reino temporal tinha quase substituído a de um reino espiritual. Encontramos nos Evangelhos duas seitas principais, os fariseus e os saduceus. A primeira era religiosa e tinha influência maior entre o povo; mas eles substituíram a tradição teológica e cerimonial, como também sutilezas casuísticas, pela palavra de Deus, e em suas mãos a religião de Moisés e dos profetas se tornou estreita, estéril, e sem espiritualidade. Os fariseus opunham-se naturalmente à religião espiritual e não convencional que Jesus ensinou, e especialmente por apelar para a tradição das Escrituras. Os saduceus, por outro lado, eram os aristocratas. Eles incluíam as altas famílias sacerdotais. Eram infectados pela cultura gentílica, rejeitavam as tradições farisaicas, e se interessavam mais pela política que pela religião. Eles foram levados finalmente a oporem-se a Jesus porque pensavam que seu sucesso perturbaria as relações políticas existentes (Jo 11.48). Entretanto as cerimônias de adoração a Deus continuavam com muita magnificência no templo em Jerusalém, o povo assistia com fidelidade e em grande número às festas religiosas, e o zelo da nação por seus privilégios e tradições religiosas nunca foram maiores, enquanto que algumas vezes uma epidemia de patriotismo misturado com fanatismo abanavam as brasas da esperança popular transformando-as numa chama. Contudo havia alguns que preservaram ainda no espírito e na fé uma religião pura. Eram encontrados principalmente, embora não completamente, entre as classes humildes. Neles a expectativa de um salvador do pecado não tinha desaparecido, e do seio de um destes círculos pios surgiu Jesus. O povo judeu, portanto, ao tempo da vida do Cristo era ainda um povo religioso. Eles conheciam o Velho Testamento que era lido em suas sinagogas e o ensinavam para seus filhos. A nação estava num estado de interesse religioso como também de desassossego político. Estes fatos explicam-nos o excitamento popular causado pelas pregações de João Batista e de Jesus, a oposição das classes governantes a ambos, e o sucesso do método empregado por Jesus em evangelizar, assim como o destino que ele previa inevitável bem de início, mesmo humanamente falando.
A VIDA DE JESUS.
As circunstâncias do nascimento de Jesus, como registrado nos Evangelhos, estavam de acordo com sua dignidade e com as predições sobre o Messias, mas também harmonizavam-se com a aparência humilde que o Salvador teria na Terra. Como Malaquias havia profetizado (3.1; 4.5,6), um precursor no espírito e poder de Elias, devia preceder o Senhor quando este viesse ao seu templo, assim, Lucas conta-nos primeiro o nascimento de João Batista, o precursor do Cristo (Lc 1.5-25). Um certo sacerdote pio, chamado Zacharias, que não tinha nenhum filho e já bastante avançado em anos, desempenhava seus deveres no templo. Foi escolhido por sorteio, como era costume, para oferecer o incenso no altar do lugar santo, representando as orações de Israel. O anjo Gabriel apareceu-lhe e anunciou-lhe que seria o pai do precursor, do Messias prometido. Isto foi provavelmente em outubro de 6 E. C. Depois de terminado seu serviço no templo, ele e sua esposa Isabel, retornaram a seu lar numa cidade das colinas do país de Judá (Lc 1.39), e aguardaram a realização da promessa. Seis meses mais tarde o anjo apareceu a Maria, uma donzela provavelmente da linhagem de David que vivia em Nazaré e foi prometida em casamento a José, que certamente descendia do grande rei de Israel (Mt 1.1-16; Lc 1.27); José era carpinteiro por ofício, homem de classe humilde embora de elevada descendência, e um israelita devoto. Para Maria o anjo anunciou que ela estava para se tornar a mãe do Messias (Lc 1.28-38) pelo poder do Espírito Santo trabalhando nela, e que aquela criança, que devia ser chamada Jesus, teria o trono de seu pai David. Para seu conforto ela também foi informada da gravidez de Isabel, que era sua parente. Quando o anjo a deixou, Maria apressou-se em levar proteção e afeto à casa de Zacharias. Quando se encontraram, o espírito de profecia veio sobre estas duas mulheres. Enquanto Isabel saudou Maria como a mãe de seu Senhor, Maria, como a velha Ana (1 Sm 2. 1-10), proferiu uma canção de elogio pela salvação de Israel que estava chegando e pela honra que tinha sido conferida a ela. É evidente que estes acontecimentos extraordinários foram considerados por ambas como resultante do espírito de fé forte e santa exaltação, a expressão perfeita da esperança histórica de Israel. Quando estava próximo o tempo determinado para Isabel dar à luz a criança que ela tinha concebido, Maria retornou a Nazaré. Sua maior proteção contra a repreensão estava, porém, assegurada por Deus. José, vendo sua condição, estava disposto a aguardar calmamente sua acusação pública, mas mesmo diante deste tratamento ameno foi prevenido. Um anjo revelou-lhe em sonho a causa da condição de Maria; disse-lhe que ela estava para ter o Messias por seu filho; e, como Isaías predisse, o Messias deveria nascer de uma virgem. Com fé igual à de Maria, José acreditou na mensagem e fez de Maria sua esposa legal. Estava assim assegurado que a criança de Maria nasceria de uma virgem, e ao mesmo tempo teria legalmente um pai humano, e sua mãe estaria protegida pelo amor e respeitabilidade de um marido. Sem dúvida estes fatos foram conhecidos por Maria mais tarde. Pelo fato de que nem o Cristo nem seus apóstolos apelassem para a sua concepção milagrosa como prova de sua missão messiânica, nenhuma razão há para duvidar da narrativa. O acontecimento não era um que podia ser usado como prova pública. Mas a narrativa do nascimento do Cristo harmoniza-se belamente com o que nós agora sabemos da sua dignidade e sua missão sobre a Terra. O Messias devia ser a flor perfeita da vida espiritual de Israel; e então Jesus nasceu no seio deste piedoso círculo familiar onde a religião pura do Antigo Testamento era crida e estimada. O Messias devia aparecer em surdina; e assim Jesus veio no lar do carpinteiro nazareno. O Messias devia ser o filho de David, e assim que José, seu pai legal, e provavelmente Maria, sua mãe real, eram descendentes de David. O Messias devia ser a encarnação de Deus, um ser divino unindo a si uma natureza humana, e então Jesus nascia de mulher, mas milagrosamente concebido pelo poder do Espírito Santo. [v. Natureza do Cristo]
Depois de relatar o nascimento de João e o cântico profético que emanaram dos lábios longamente selados de seu pai Zacharias (Lc 1.57-69), sobre o advento do precursor do Messias, o evangelista Lucas explica como Jesus nasceu em Belém. O imperador Augusto ordenou um senso de todos os súditos do império, e embora Palestina estivesse sob o governo de Herodes, seus habitantes também foram incluídos no decreto. O alistamento dos judeus, entretanto, ocorreu pelo método judeu, pelo qual cada pai de uma casa era registrado, não em seu lugar de habitação, mas onde sua família pertencia por sua linhagem. Consequentemente José teve que ir a Belém, a casa original de David. Maria acompanhou-o. Quando chegaram, o lugar de alojamento ou khan, onde os desconhecidos eram permitidos permanecer, já estava plenamente ocupado, e eles só acharam abrigo num estábulo, que pode ter sido, como a primeira tradição afirma, uma caverna perto do povoado. Tais cavernas frequentemente eram usadas em Belém para estábulos. Nós não somos informados se algum gado estivesse ocupando o estábulo. Pode ser que não fosse utilizado naquele momento. Um estábulo nesse país e entre seu povo não pareceria um lugar desprezível para alojamento como a nós outros; mas era um humilde abrigo para o nascimento do Messias. Contudo tal local foi o destinado ao nascimento do filho de Maria, e ela o deitou numa manjedoura (Lc 2.7). Mas embora nascido tão humildemente não deveria ser sem atestação. Naquela noite, pastores num campo próximo de Belém foram visitados por anjos, que disseram a eles do nascimento do Messias e onde ele estava, e cantaram para os pastores: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens de boa vontade.” (Lc 2.14). Os pastores apressados foram a Belém e viram a criança. Eles relataram o que eles viram e ouviram, e então retornaram novamente para seus rebanhos. Tudo isso estava assim em notável harmonia com a missão do Messias. Mas devemos lembrar-nos de que este fato ocorreu num círculo de camponeses humildes, e que não provocou nenhum ruído no mundo exterior. Durante algum tempo José e Maria demoraram-se em Belém. No oitavo dia o menino foi circuncidado (Lc 2.21) e foi-lhe dado o nome anunciado, Jesus. Quarenta dias depois de seu nascimento (Lv 12), seus pais o levaram ao templo, como a lei ordenava, Maria fez oferendas de purificação e apresentou a criança ao Senhor. O primogênito de mãe hebreia devia ser redimido pelo pagamento de cinco siclos (Nm 18.16), e isto queria dizer que eles o trouxeram para “apresentá-lo ao Senhor.” A mãe também tinha de oferecer sua ação de graças, e foi especialmente anotado por Lucas que Maria deu a oferta dos pobres, “um par de rolas ou dois pombinhos”. As condições modestas da família são assim mais uma vez atestadas. Mas o humilde Messias não deixaria a casa de seu Pai sem reconhecimento. Um santo homem idoso, por nome Simeão, veio ao templo e o espírito de inspiração caiu sobre ele logo que avistou a criança. Deus lhe havia prometido que ele não morreria até que houvesse visto o Messias. Tomando o menino em seus braços, Simeão rendeu graças e predisse a glória e a tristeza de sua vida (Lc 2.25-35). Havia também uma profetisa de idade avançada chamada Ana, que permanecia continuamente no templo, a qual também testemunhou o advento do Cristo (Lc 2.36-38). Porém, um testemunho mais notável vem logo a seguir. Pouco depois de José e Maria terem retornado a Belém, certos magos do Oriente apareceram em Jerusalém, declarando que tinham visto a estrela do Messias nos céus e tinham vindo para adorá-lo. Eles indubitavelmente aprenderam dos judeus dispersos por todo oriente da expectativa de um próximo rei na Judeia que seria um grande libertador dos homens. Eram também, sem dúvida, estudiosos das estrelas, e Deus usou de suas noções supersticiosas para fazê-los testemunhas do mundo gentílico, esperando na meio-luz da religião natural pela vinda do Salvador, de quem eles sentiam necessidade, mas cujo caráter real não compreendiam. No oriente eles tinham visto uma estrela que por alguma razão eles consideraram ser o indicador do nascimento do rei Judeu. Vindo a Jerusalém, eles inquiriram por ele. Suas informações incomodaram igualmente o supersticioso Herodes, e chamando os escribas, ele exigiu que dissessem onde o Messias devia nascer. Quando disseram que ele haveria de nascer em Belém, Herodes enviou os mágicos para lá, mas pediu a eles que prometessem informá-lo se achassem a criança. A caminho de Belém viram outra vez a estrela sobre Belém, e, tendo achado Jesus, ofereceu-lhe presentes raros, incenso, ouro, e mirra. Nós podemos imaginar com que renovada admiração José e Maria devem ter recebido estes visitantes inesperados e estranhos. Eles eram outro sinal do elevado destino daquela criança. Os magos, no entanto, foram advertidos por Deus para não retornar a Herodes, pois esse homem mau só pretendia usá-los para destruir o rei recém nascido. Partiram para casa, portanto, por outro caminho. José também foi advertido por um anjo do perigo iminente, e foi instruído para levar Maria e o menino ao Egito, bem longe do alcance de Herodes. E foi bem na hora, porque logo depois o rei cruel, cuja prontidão em assassinar seus próprios filhos é relatado por Josefo, enviou soldados para matar todas as crianças masculinas em Belém que fossem menores de três anos de idade. Esperou assim realizar o objetivo que tinha sido anulado pela fuga dos magos sem informá-lo relativamente à criança que eles buscavam. Belém era um lugar pequeno e o número de crianças mortas não pode ter sido grande; mas o ato era suficientemente cruel. Jesus, porém, escapou, quanto tempo ele foi mantido no Egito nós não sabemos. Provavelmente por alguns meses. Havia muitos judeus lá, de modo que José poderia facilmente encontrar um refúgio. Mas a seu devido tempo o anjo informou-o da morte de Herodes e aconselhou-o que retornasse. Aparentemente seu primeiro propósito foi criar a criança em Belém, cidade de David. Mas o temor de Arquelau, filho de Herodes, fizeram-no hesitar. Deus deu-lhes novas instruções e, de acordo com elas, José e Maria procuraram mais uma vez seu velho lar em Nazaré. Por causa disto, Jesus apareceu entre o povo, quando sua vida pública começou, como o profeta de Nazaré, o nazareno. Tais são alguns dos incidentes preservados nos Evangelhos sobre o nascimento e a infância de Jesus. Por mais maravilhosos que nos pareçam, não atraíram nenhuma atenção naquele tempo por parte do mundo. As poucas pessoas que deles se ocuparam ou se esqueceram ou mantiveram-nos para si. Mas quando a igreja foi fundada podemos supor que Maria contou-os aos discípulos. Mateus e Lucas têm relatos bem independentes um do outro, o primeiro ilustra a missão real de Jesus, o Messias, e a realização das profecias; o último explica a origem de Jesus e o princípio histórico de sua vida.
Após o retorno a Nazaré, nada mais é-nos dito da vida de Jesus, exceto um incidente de sua visita com seus pais no templo quando ele completou doze anos de idade (Lc 2.41-51). Esse incidente, porém, é instrutivo. Mostra a religiosidade continuada de José e Maria e o treinamento devocional que eles procuraram dar à criança. Mostra também o desenvolvimento espiritual bem cedo de Jesus, pois ele já se interessava principalmente por essas questões religiosas que os rabinos judeus davam nas instruções aos seus pupilos. Nós não devemos imaginar o menino de doze anos a instruir os doutores, mas como um aluno de uma de suas escolas no templo, e que demonstrou por suas perguntas uma introspecção espiritual que os surpreendeu. O incidente ilustra também a vida naturalmente humana que Jesus levou. Ele cresceu, como somos informados, “em sabedoria e estatura [ou idade], e em graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52). As maravilhas da sua infância foram indubitavelmente mantidas em segredo por José e Maria, e Jesus não parecia a seus companheiros e à família como um ser sobrenatural ou sábio, mas unicamente notável por sua força espiritual e pureza moral. Considerando em conjunto, porém, outros fatos casualmente mencionados nos Evangelhos, nós podemos formar alguma ideia das circunstâncias em que a infância e a juventude de Jesus se desenvolveu. Ele era membro de uma família com quatro irmãos e algumas irmãs (Mc 6.3, etc.). Alguns supuseram que eram filhos de José de uma união anterior; outros que eram primos do Cristo. Parece-nos bem natural e bíblico acreditar que eram filhos de José e Maria, nascidos depois de Jesus. Mas de qualquer modo, Jesus cresceu em uma família, experimentando os prazeres e a disciplina da vida familiar. Tornou-se, como José, um carpinteiro (3), de modo que estava acostumado ao trabalho manual. Mas a disciplina espiritual também não lhe faltava; as crianças judias estavam bem instruídas nas Escrituras, e a familiaridade de nosso Senhor com elas é evidente por seus ensinos. Suas parábolas também revelam um espírito sensível aos ensinamentos da natureza, e que devem tê-lo sempre encantado, ponderar a evidência do pensamento divino nas obras das mãos do criador. Nazaré, embora algo isolado, estava no limite da parte mais ocupada do mundo judeu e não longe de algumas das cenas mais famosas da história de Israel. Dos penhascos por trás da cidade pode-se contemplar muitos lugares associados com os grandes eventos. Não longe estava o mar da Galileia, ao redor do qual reunia-se uma vida variada do mundo em miniatura. Era também um período, como já foi dito, de muita animação política, e os lares judeus frequentemente viviam agitados com notícias de acontecimentos variados. Não há nenhuma razão para supor que Jesus cresceu em isolamento. Nós antes devemos imaginá-lo vivamente entusiasmado com o progresso dos acontecimentos na Palestina. Quanto à língua comumente falada por ele, parece ter sido o aramaico, que havia substituído o hebraico, uma língua mais antiga entre os primeiros judeus, ele deve ter frequentemente ouvido o grego muito usado e pode ter se familiarizado com ele. Todo este período de sua vida, porém, os evangelistas ignoram; seus livros não foram escritos para dar a biografia de Jesus, mas reportar seu ministério público. Podemos ver o bastante, porém, para provar a naturalidade da vida humana do Salvador, sua adaptação ao ambiente onde se preparava para seu futuro trabalho, a beleza do seu caráter, e assim o desdobramento gradual de sua vida humana na expectativa da hora em que se ofereceria como o Messias de Deus a seu povo. Essa hora estava próxima quando, talvez no verão do A. D. 26, João, filho de Zacharias, que até então havia passado uma vida de devoção ascética no deserto (Lc 1.80), recebeu de Deus a missão de chamar a nação ao arrependimento por seus pecados e prepará-la para a vinda do Messias. João mudou-se para um lugar ao longo do vale do Jordão, e administrou o rito do batismo àqueles que acreditaram em sua mensagem. Ele chamou tanto a nação como os indivíduos ao arrependimento pelos pecados, falava no tom dos antigos profetas, especialmente de Elias, e anunciava que o Messias estava próximo, que ele purificaria Israel com julgamentos, e faria expiação pelos pecados do mundo (Mt 3; Mc 1.1-8; Lc 3.1-18; Jo 1.19-36). O efeito de seu ministério foi difuso e profundo. Até da Galileia o povo afluía ao seu sermão. O Sanedrim enviou uma deputação para inquiri-lo de sua autoridade (Jo 1.19-28). Enquanto as classes governantes eram insensíveis ao seu apelo (Mt 21.25), o entusiasmo e o excitamento popular foram despertados, e o caráter puramente religioso da sua mensagem levou os israelitas verdadeiramente piedosos a acreditar que a esperança longamente adiada de Israel estava por fim para ser cumprida. Depois que o ministério de João tinha se desdobrado por algum tempo, talvez por uns seis meses ou mais, Jesus apareceu dentre a multidão e pediu que o profeta o batizasse. A introspecção inspirada do batista reconheceu nele um que não tinha nenhuma necessidade de arrependimento; viu nele, de fato, não menos que o Messias de Deus. “Tenho necessidade,” disse, “de ser batizado por ti, e tu vens a mim?” (Mt 3.14). Nós não devemos supor que Jesus não soubesse perfeitamente bem ser ele mesmo o Cristo. Sua resposta, antes, mostra-nos o contrário: “Deixa por ora; porque assim nos convém cumprir toda a justiça” (3.15). O significado do batismo para ele, em parte, era sua dedicação pessoal à obra anunciada por João, e também a tomada consciente sobre si do pecado do povo que ele tinha vindo salvar. Quando saía do batismo (Mc 1.10), João (Jo 1.33,34) viu os céus abertos e o Espírito de Deus, na forma de um pombo, descendo e permanecendo sobre ele, e ouviu uma voz que vinha de cima dizendo: “Este é o meu Filho amado, em quem eu me comprazo” (Mt 3.17). Esta era a doação plena da natureza humana de nosso Senhor ao poder espiritual para o seu ministério. Sendo verdadeiramente humano, como também divino (v. Natureza do Cristo), tudo isso foi mostrado pela tentação que imediatamente se seguiu. Ele não deveria iniciar seu trabalho sem a preparação mental adequada. Realizando sua vocação, ele foi transportado em espírito para o deserto, indubitavelmente para meditação. Lá o grande tentador encontrou-o e buscou perverter seus propósitos para fins egoístas e mundanos. Jesus deve ter relatado esta experiência a seus discípulos. Conquanto não devermos duvidar da realidade externa do tentador e das características físicas da cena que nos foram descritas (Mt 4.1-11; Lc 4.1-13), nós não devemos nos esquecer de que o poder da tentação, com um fim provavelmente fatal, estava na sutileza com que o mundo foi apresentado a Jesus como mais atrativo do que a vida de obediência a Deus. A tentação durou quarenta dias e Jesus retornou dali para o Jordão inteiramente dedicado aos humildes, sofrendo o que ele sabia ser a vontade de Deus para o seu Messias. Em seguida ele começou o chamamento dos discípulos. Ainda assim, nenhuma alta proclamação do seu advento, inaugurou sua obra. O Batista apresentou-o a alguns de seus discípulos como o Cordeiro de Deus (Jo 1.29, 36). Dois deles João e André, seguiram o novo mestre. Simão logo uniu-se a eles (35-42). No dia seguinte Filipe e Natanael foram convidados (43-51). Com este pequeno grupo Jesus retornou calmamente à Galileia, e em Caná fez seu primeiro milagre, em que os discípulos viram os primeiros sinais de sua próxima glória (2.1-11). Devemos anotar a ausência de qualquer tentativa dele fazer uma exibição pública. O movimento novo começou com a fé de alguns obscuros galileus. A narrativa de João deixa bem claro que Jesus estava inteiramente ciente de quem era e do que tinha vindo fazer. Ele só esperava o momento favorável para oferecer-se a Israel como seu Messias. Esse momento aconteceu naturalmente durante a próxima Páscoa (abril, A. D. 27). De Cafarnaum, onde ele, sua família e os discípulos tinham ido (12), subiu a Jerusalém e aí procedeu à purificação do templo, expulsando os comerciantes que o profanavam. Era um ato digno de profeta reformar os abusos flagrantes no culto a Deus; mas as palavras do Cristo “não façais da casa de meu Pai casa de negociação”, indica que ele era mais do que um profeta (16). Era de fato, uma convocação pública de Israel segui-lo no trabalho de reforma religiosa, mas quando os judeus o rejeitaram ele procedeu à organização da nova igreja do futuro; mas ele próprio não esperou que eles o seguissem. Isto é provado pela predição velada de sua morte nas mãos dos judeus (19), enquanto que na conversa com Nicodemos ele claramente mostra a necessidade de um novo nascimento e de seu próprio sacrifício (3.1-21), para que pudéssemos entrar no reino de amor, o qual Deus tinha-o enviado para estabelecer. Nosso conhecimento deste primeiro ministério de Jesus na Judeia nós o devemos a S. João (2.13 a 4.3). Durou aparentemente mais ou menos nove meses. Depois da Páscoa Jesus se retirou da cidade ao interior da Judeia, e tendo achado a nação relutante em segui-lo, ele começou a pregar, como o batista ainda o fazia, a necessidade do arrependimento. Durante algum tempo os dois trabalharam lado a lado. Até que a missão providencial de João estivesse claramente finda, só então Jesus começaria sua própria independência. Ambos trabalharam juntos para apressar o avanço espiritual da nação. Jesus começou finalmente a atrair mais discípulos que João. Isto levou-o a terminar seu ministério na Judeia, para que não aparecesse como um rival do seu cooperador (Jo 4.1-3). Ele se dirigiu uma vez mais em direção à Galileia. Na passagem por Samaria aconteceu sua memorável entrevista com a mulher samaritana no poço de Jacob (4-42). Mas apressou-se para o norte. Chegando à Galileia, notou que sua fama tinha-o precedido (43-45). Um nobre de Cafarnaum buscou-o em Caná onde ele se encontrava, e rogou-lhe a cura de seu filho (46-54). Estava claro que a Galileia era o lugar onde ele deveria trabalhar e que os campos já estavam brancos, prontos para a colheita (35). Parece, então, que algo aconteceu, indicando que a hora de começar seu trabalho havia, de fato, providencialmente chegado. Chegou a notícia de que João Batista tinha sido posto na prisão por Herodes Antipas. A obra do precursor estava terminada. A velha igreja judaica tinha sido chamada suficientemente ao arrependimento e à reforma, e tinha-se recusado escutar. Jesus começou em seguida a pregar o reino de Deus na Galileia, anunciando os princípios geradores da nova dispensação, e reunindo o núcleo da igreja futura.
O grande ministério de Jesus na Galileia durou aproximadamente dezesseis meses. Ele tomou para seu centro o agitado mercado comercial de Cafarnaum. Na Galileia ele estava em meio de uma população predominantemente judia, era, contudo, uma região desprovida de interferência das autoridades religiosas da nação. Seu propósito evidente era apresentar o Reino de Deus em espírito e verdade, e, por suas poderosas obras, convencer os homens da sua autoridade e do caráter do reino. Pediu que acreditassem que Ele tinha vindo desvendar o caráter real de Deus e suas exigências aos homens. Ele não aplicou a si mesmo o nome de Messias, porque teria sido facilmente mal entendido por mentes carnais. Ele geralmente denominava-se o Filho do homem. A princípio não falou de sua morte. Eles não estavam prontos para ouvir falar disto. Ensinou os princípios da religião verdadeira, sendo ele mesmo seu expoente autorizado. Suas obras poderosas despertaram o maior entusiasmo. Ele assim habilitou-se a atrair a atenção das massas, até que todo mundo estava ávido por vê-lo e ouvi-lo. Mas, como previu, o resultado final foi a decepção do povo com suas ideias não convencionais, somente um pequeno grupo permaneceu fiel a ele. Contudo, por seus ensinos, anunciou verdades que esse grupo de discípulos foi encarregado de espalhar por todo o mundo após sua morte. Em relação à ordem dos acontecimentos, ou primeiro ministério da Galileia, devemos consultar os artigos Harmonia dos Evangelhos e EVANGELHO. Nós aqui anotamos apenas as principais fases da história, a primeira delas foi o início de sua obra. Ela foi marcada por surpreendentes milagres, pelo convite à crença no Evangelho, e pelo entusiástico despertar do interesse por Jesus por parte dos galileus; incluindo os acontecimentos na Harmonia, começando com a primeira rejeição em Nazaré e terminando com o banquete de Levi. O encerramento desta fase de sua obra, que durou cerca de quatro meses, resultou que Jesus passou a ser o centro geral dos interesses galileus, e reuniu em torno de si uma pequena companhia de seguidores dedicados. Até agora, não estamos bem informados sobre seus ensinos; mas do que nós somos informados e dos milagres significativos que ele apresentou, como a cura do endemoninhado (Mc 1.23-27), a cura do leproso (40-45), a cura do paralítico (1-12), a pesca milagrosa (Lc 5.1-12) deixa bem claro que o valor de sua mensagem estava substancialmente no que ele anunciou em Nazaré (Lc 4.18-21), “O Espírito do Senhor repousou sobre mim, pelo que ele me consagrou com a sua unção, e enviou-me a pregar o Evangelho aos pobres, a sarar aos quebrantados de coração, a anunciar aos cativos redenção, e aos cegos vistas, a pôr em liberdade aos quebrantados para seu resgate, a publicar o ano favorável do Senhor, e o dia da retribuição.” O aspecto da questão, no entanto, logo começou a mudar, pela oposição surgida da parte dos fariseus. Esta é a segunda fase do ministério na Galileia. Jesus visitou Jerusalém (Jo 5.1) e aí curou o paralítico em dia de sábado, de vez que os conflitos com os príncipes e rabinos apareceu inesperadamente. Mas o conflito parece ter sido propositalmente provocado por Jesus, para que por ele a diferença entre o espírito de seu ensino e aquele do Judaísmo atual pudesse aparecer. Nós vemos nele agora, o intérprete espiritual do Antigo Testamento, destacando seu significado real, e fazendo-o (5) com um apelo expresso à sua própria autoridade espiritual como Filho de Deus e designado por Ele para instruir os homens. Esta fase inclui, além do que vemos em João 5, os incidentes da colheita das espigas de milho e da cura de um homem que tinha a mão ressequida; veja EVANGELHO. O conflito com os fariseus e o avanço continuado do interesse popular por ele, ao lado da organização dos seus discípulos, constituíram a terceira fase desta parte do seu ministério. Ele agora designou seus doze apóstolos, e, num dia famoso, deu no sermão da montanha uma descrição do caráter e da vida dos verdadeiros membros do Reino de Deus. É uma demonstração sublime de uma vida genuinamente religiosa, em alegre união com seu Pai celestial, consagrada ao serviço da salvação do mundo, real cumprimento da antiga lei, embora totalmente oposta à formalidade e superficialidade do farisaísmo, o ideal de confiança e comunhão dos homens para com Deus. No sermão do monte, Jesus não pretendeu ensinar o meio de salvação, nem fez que ele constituísse, de alguma forma, a totalidade de seu Evangelho. Ele, como os apóstolos, ensina a salvação pela fé nele mesmo. Mas neste sermão, vai contra o farisaísmo e a ignorância popular, e delineia a vida espiritual que é a manifestação do reino divino, cuja entrada a fé em Jesus conduz. Os esboços da nova organização tendo, deste modo, sido enunciados, nós temos, como a quarta fase, uma sucessão de milagres e excursões de Jesus pela baixa Galileia, sendo acompanhado por seus apóstolos, com a finalidade de estender sua influência. Esta fase se estende harmoniosamente do final do sermão do monte ao tempo quando Herodes indagou quem era o novo mestre. Durante estes meses o interesse popular em Jesus aumentou firmemente, mas a oposição dos fariseus aumentou igualmente. O ponto mais notável aqui, na história, é o grande dia das parábolas. A parábola era uma forma de instrução em que Jesus não tinha rivais. Tinha por fim dar o conhecimento da verdade às mentes receptivas, mas evitando o ensino direto que daria a seus inimigos um motivo para interferir com ele. O aparecimento das parábolas em seu ensino somente neste período mostra a gravidade crescente da situação, necessitando de uma certa reserva por parte do Cristo. Devemos, ao mesmo tempo, admirarmo-nos da habilidade incomparável com que ele incorporava nestas histórias simples as verdades mais profundas relativamente à origem, progresso, perigos e destino do reino espiritual que ele veio estabelecer no mundo. Extensivamente, porém, sobreveio uma crise à sua obra na Galileia. Herodes Antipas começou a indagar acerca de Jesus, e o fato era um aviso de que complicações, tais como as que levaram ao encarceramento de João, e posteriormente ao seu assassinato, pudessem surgir. A nova situação dava ao povo boa oportunidade de testar suas relações com a verdade. Então ocorreu um fato que decidiu a questão. Jesus buscou temporário retiro com os doze; mas a multidão o seguiu para um lugar deserto na costa nordeste do mar da Galileia, e, tendo compaixão por suas necessidades, ele milagrosamente alimentou a todos, em número de cinco mil, com cinco pães e dois peixes. Os galileus entusiasmados desejaram tomá-lo à força e fazê-lo um rei (Jo 6.15); mas esse fato provou que eles haviam entendido mal sua missão. Era tempo de levar sua obra ao fim. Desde o início ele tinha avisado que veio para morrer, e que só morrendo podia ser o Salvador (3.14,15). Era agora a hora de preparar-se para o sacrifício. No dia seguinte, depois da alimentação dos cinco mil, Jesus proferiu em Cafarnaum, o discurso registrado em 6. 22-7, falando de si como o pão da vida e da necessidade de comer sua carne e de beber seu sangue. Então, depois de algumas denúncias de distorções ideológicas da religião farisaica (Mc 7.1-23), encerrou seu ministério público na Galileia e foi com seus discípulos para a região em que ele até agora havia estado trabalhando. O próximo grande período da vida do Cristo é chamado de último ministério na Galileia; vide artigo Harmonia dos Evangelhos. Durou seis meses. Nele Jesus foi, pela primeira vez em sua vida, ao território gentio, a saber, as regiões de Tiro e Sidônia (Mc 7.24). Então, tendo aparentemente passado para o sul ao longo do lado oriental do Jordão superior e do mar da Galileia, encontramo-lo na região de Decápolis. Ele foi outra vez ao longo da parte norte da Galileia, e por fim retornou novamente a Cafarnaum. Este período foi principalmente dedicado à preparação de seus discípulos para sua morte próxima e para a extensão de seu Evangelho a todos os povos. Pregou pouco, e principalmente aos gentios ou às pessoas meio pagãs no sul e leste do mar da Galileia. Finalmente, perto de Galileia de Filipos, na base do monte Hermom, ele extraiu de Pedro e do restante de seus discípulos a plena confissão de sua missão como Messias, e também disse a eles claramente de sua morte e ressurreição próxima, e da necessidade que cada seguidor seu tem, de estar disposto também a suportar a cruz (Mt 16.24). Pouco depois ocorreu a transfiguração, em que três dos seus apóstolos viram sua glória, e na qual, parece, dedicou-se finalmente, com a sublime exaltação de seu espírito, ao sacrifício que a lei e os profetas anunciaram, como foi lembrado por Moisés e Elias, e que tinha sido ansiosamente esperado. Depois repetiu a predição da sua morte, e, tendo retornado a Cafarnaum deu instruções adicionais a seus discípulos (Mt 18), naquela concepção de servir a Deus com humildade, abnegação e amor, onde ele próprio num grande ato de devoção é o exemplo permanente.
Estamos agora provavelmente no princípio do outono de A. D. 29, e deixando Cafarnaum pela última vez Jesus “mostrou um semblante intrépido e resoluto para ir para Jerusalém” (Lc 9.51). O próximo período do seu ministério é chamado as últimas viagens a Jerusalém. É impossível seguir em ordem exata os movimentos de nosso Senhor, porque S. Lucas, de quem dependemos principalmente para o registro deste período, não segue um método cronológico preciso de narração. Mas as características principais do período são suficientemente claras. Jesus agora procurou atrair toda a atenção pública, incluindo a Judeia. Enviou os setenta para anunciar sua vinda. Visitou Jerusalém na festa dos tabernáculos (Jo 7), e outra vez, na festa da dedicação (10.22), e em ambas as ocasiões mostrou-se repetidamente ao povo. Chamou a si de luz do mundo e bom pastor do rebanho de Deus, e contendeu intrepidamente com os doutores que se lhes opuseram. Ele também andou pela Judeia e Pereia, explicando em discursos populares e com a maior beleza de ilustrações como jamais o fizera, a verdadeira vida religiosa e a ideia real de Deus e do seu culto. Por essa ocasião vieram as parábolas do bom Samaritano, do banquete de núpcias, da ovelha e da dracma perdidas, do filho pródigo, do administrador infiel, do homem rico e Lázaro, da viúva inoportuna, do fariseu e do publicano. Assim, o anúncio do Evangelho tornou-se mais completo, enquanto a ferocidade da oposição dos príncipes se tornou mais intensa, até que ocorreu um fato que levou as questões a um clímax. Vieram contar a Jesus da doença de seu amigo Lázaro de Betânia. Indo a ele, encontrou-o já morto de quatro dias, e em seguida ele eclipsou todos os seus milagres anteriores, chamando o homem morto para a vida (11.1-46). O milagre foi tão estupendo e se deu tão próximo de Jerusalém que teve um efeito profundo no povo da capital; e o Sanedrim, sob a direção do sumo sacerdote Caifás, decidiu que a influência de Jesus só podia ser destruída por sua morte (47-53). Em seguida Jesus retirou-se da vizinhança (54), evidentemente determinado a não morrer antes da Páscoa. Como a festa estava próxima começou a aproximar-se da cidade vindo da Pereia (Mt 19 e 20; Mc 10; Lc 18.15 até cap. 19. 28), ele ia ensinando, mas predizendo também sua morte e ressurreição, até que alcançou Betânia uma vez mais, seis dias antes da festa (Jo 12.1). Em Betânia, Maria, irmã de Lázaro, ungiu a sua cabeça e pés enquanto estava jantando, um fato em que Jesus viu uma profecia muda de seu enterro próximo. Mas no dia seguinte ele fez a entrada triunfal em Jerusalém montado num burrinho. Por que ele incitava a raiva dos dirigentes, oferecendo-se publicamente como Messias, e demonstrando o caráter pacífico do reino que ele tinha vindo estabelecer. No dia seguinte ele retornou outra vez à capital, e pelo caminho amaldiçoou a figueira estéril, embora estivesse florescendo, a qual era um emblema da igreja judaica, tão capaz, embora pretensiosa e estéril. Então, como três anos antes, ele limpou o templo dos comerciantes que profanavam seus átrios, convidando assim, uma vez mais, a nação a segui-lo numa purificação de Israel. Mas embora os peregrinos vindos para a festa aglomerassem sobre ele, saudando-o na entrada triunfal como o Messias, os príncipes mantiveram sua inimizade resoluta. No dia seguinte (terça-feira) visitou outra vez a cidade. Quando chegou ao templo, foi defrontado por um deputação do Sanedrim, exigindo explicasse a autoridade para seus atos. Isto ele recusou explicar, sabendo que eles já tinham resolvidos destruí-lo, enquanto que pelas parábolas dos dois filhos, do feitor iníquo e das bodas do filho do rei, ele descreveu a desobediência deles para com Deus, a infidelidade de Israel à sua elevada confiança, e a desolação certa que sobreviria à igreja infiel e à cidade. Em seguida ele foi interrogado por uma sucessão de perguntas que buscavam encontrar alguma acusação contra ele ou enfraquecer sua reputação. Os fariseus e os herodianos perguntaram-lhe sobre a legalidade de pagar tributo a César; os saduceus interrogaram-no sobre a ressurreição; um doutor da lei sobre o grande mandamento; e ele, tendo silenciado cada um por sua vez, confundindo-os com sua pergunta a respeito da citação de David, do Messias como seu Senhor, porquanto a linguagem do salmista implicava claramente que quando Jesus se dizia filho de Deus e semelhante a Ele, não blasfemava. Foi um dia de amargos conflitos. Jesus denunciou veementemente os líderes indignos do povo (Mt 23.1-38). Quando alguns gregos desejaram vê-lo ele viu nisso um presságio da rejeição dos judeus, e que os gentios seriam seus seguidores, compreendendo que o fim estava próximo (Jo 12.20-50). Quando deixou o templo ele disse tristemente a seus discípulos que logo aquele esplêndido edifício estaria em ruínas, e mais tarde na mesma noite deu a quatro deles suas predições sobre a destruição de Jerusalém, a expansão do Evangelho, os padecimentos de seus seguidores, a do seu próprio segundo advento; e uma predição mostrando-nos que no meio da tempestade levantada pelas hostilidades judaicas sua visão estava clara, e que ele partia para seu destino, sabendo estar no caminho designado para o êxito final. É provável que naquela mesma noite fosse formada a trama para destruí-lo. Nós podemos crer que Judas, um dos doze, estava há muito distanciado das ideias espirituais do Mestre. Lamentava-se também pela recusa do Cristo em buscar um reino mundano; pois João conta-nos que Judas era um homem avarento. Na ceia em Betânia tinha-se tornado afinal, inteiramente cônscio da sua total falta de simpatia para com Jesus, e quando o desapontamento que sentia pelo fracasso de suas esperanças cresceu, tornando-se mais agudo, resolveu descarregar sua raiva entregando o Senhor aos príncipes. Sua oferta mudou seus planos. Eles intencionavam esperar até depois da festa para dar tempo das multidões partirem. Mas na ausência de qualquer prova real contra Jesus eles ficaram por demais alegres aproveitando-se da proposta do traidor. O dia seguinte (quarta-feira) parece ter sido passado por Jesus em recolhimento. Ele provavelmente permaneceu em Betânia. Na quinta-feira, à tarde, devia ser morto o cordeiro pascal e depois do pôr-do-sol aconteceria a ceia pascal, começando então o sétimo dia da festa em que os pães asmos eram comidos por todos os Israelitas piedosos. Nesse dia Jesus enviou Pedro e João à cidade para prepararem a Páscoa para ele e os doze. Enviou-os, sem nenhuma dúvida, à casa de um discípulo ou amigo (Mt 26.18); mas pelo artifício da narração, de que quando entrassem na cidade seguissem um homem que eles encontrariam transportando um jarro d’água, ele manteve o lugar em segredo do resto da assembleia dos discípulos, e sem dúvida com o propósito de impedir Judas de entregá-lo aos sacerdotes, e assim turbar sua última preciosa entrevista com os apóstolos. Quando a noite veio celebrou com eles a ceia pascal. Para seguir a ordem dos acontecimentos durante a noite, veja novamente a Harmonia. Na visão de alguns e de acordo com o Evangelho de João (13.1,29; 18.28; 19.31) Jesus foi crucificado no dia 14 do mês de Nisã, o dia seguinte à morte do cordeiro pascal, e assim ele não comeu a ceia de Páscoa no tempo regular, mas antecipou-a por um dia; este ponto de vista parece ser completamente incompatível com as palavras relatadas por Mateus (26.17-19), Marcos (14.12-16), e Lucas (22. 7-13,15), e as citações de João podem ser explicadas na hipótese que nós damos a seguir. n Deve-se anotar que com toda a probabilidade Judas se retirou antes do estabelecimento da Eucaristia, e que Jesus predisse por duas vezes a negação de Pedro, uma vez no quarto superior e outra vez quando no caminho para o Getsêmani. O Evangelho de João não relaciona o estabelecimento da Eucaristia, mas dá os últimos discursos do Senhor com os apóstolos, em que ele conforta-os em vista da sua partida, revelando a união espiritual inalterável entre ele mesmo e eles, e a missão do Espírito que traria satisfação a eles. Registra também sua sublime oração sacerdotal (17). A caminho de Getsêmani Jesus ainda advertiu os discípulos que eles logo seriam dispersados, e convocou-os para uma reunião com ele, depois de sua ressurreição, na Galileia. A agonia no jardim de Getsêmani foi a rendição final e completa de si, o último grande ato de sacrifício. Foi interrompido pela vinda de Judas com uma companhia de soldados, obtida indubitavelmente da guarnição próxima ao templo sob o pretexto de prender uma pessoa sediciosa (Jo 18.3, 12), junto com alguns guardas levitas e servos do sumo sacerdote. Judas sabia que Jesus tinha o costume de se recolher no Getsêmani. Supõem alguns, no entanto, que ele primeiramente foi ao quarto alto e vendo que Jesus havia partido, seguiu para o Monte das Oliveiras, em cuja base estava o Jardim. Jesus, depois de uma breve expostulação, submeteu-se à apreensão; depois do que, seus discípulos fugiram. Os captores levaram-no primeiramente a Anás (13), sogro de Caifás, onde submeteu-se a um interrogatório preliminar, enquanto se reunia o Sanedrim (13,14, 19-24). Não é improvável que Anás e Caifás vivessem no mesmo palácio, porque as negações de Pedro parecem ter ocorrido no átrio do palácio, enquanto aconteciam os interrogatórios perante Anás e diante do Sanedrim. No primeiro exame Jesus recusou-se a responder aos inquéritos, isso exigia que alguma evidência contra ele fosse produzida. Ele foi manietado, porém, e enviado à presença de Caifás, onde o Sanedrim apressadamente se reuniu. Nenhuma evidência explícita de blasfêmia, que era o crime que eles procuravam imputar contra ele, pode ser encontrada; de modo que o sumo sacerdote foi solenemente forçado a adjurá-lo de dizer se era o Messias. Então Jesus fez a reivindicação bem claramente, e a corte irritada condenou-o como digno de morte por blasfêmia. O espírito injusto dos seus juízes transpareceu na zombaria irreverente a que ele foi submetido. Era, entretanto, da lei que as decisões do Sanedrim deviam ser tomadas de dia. Consequentemente de manhã muito cedo o tribunal se reuniu novamente e as mesmas formalidades foram observadas (Lc 22.66-71), e então, desde que era exigida a permissão do governador para a execução de um criminoso, eles apressaram-se a levar Jesus a Pilatos. A indecente pressa de todo o processo mostra o temor que tinham de que o povo pudesse talvez impedir sua destruição. Pilatos residia provavelmente no palácio de Herodes no Monte Sião. Mas a distância da casa do sumo sacerdote não era grande, e era ainda muito cedo quando o governador foi chamado para ouvir sua petição. Desejaram a princípio receber permissão para a execução sem investigar a culpabilidade, mas isto ele recusou fazer (Jo 18.29-32). Então eles acusaram Jesus de “perverter a nação, e proibir dar o tributo a César, dizendo que ele próprio dizia ser o Cristo e rei” (Lc 23.2). Depois que Jesus tinha dito ao governador que ele era rei (3), Pilatos interrogou-o em particular (Jo 18.33-38), e descobriu o caráter totalmente apolítico e inofensivo de suas reivindicações. Declarou em seguida que ele não achou nenhuma culpa nele e que o deixaria ir (Lc 23.4). Mas o governador estava em realidade amedrontado de contrariar a vontade de seus perigosos súditos, e quando eles exigiram ferozmente a crucificação de Jesus ele recorreu a vários expedientes fracos para afastar de si a responsabilidade. Sabendo que Jesus era da Galileia, Pilatos enviou-o a Herodes Antipas (Lc 23.7-11), que também estava em Jerusalém; mas Herodes recusou exercer a jurisdição. Entrementes a multidão tinha aumentado, e o governador apelou para que eles dissessem que prisioneiro ele devia liberar como era seu costume na Páscoa. Ele evidentemente esperava que a popularidade de Jesus o salvaria dos sumo sacerdotes. Mas estes últimos persuadiram a populaça a pedir a soltura de Barrabás. A mensagem de sua esposa aumentou a ansiedade de Pilatos por libertar Jesus; mas embora ele houvesse por várias vezes apelado para a multidão a seu favor, eles foram implacáveis e sanguinários. O governador estava receoso de agir contra suas próprias convicções e vacilando, deu permissão para a execução. Mas enquanto o açoite que sempre precedia a crucificação estava em andamento no corredor de seu palácio, ele não pode descansar. E outra vez procurou satisfazer os judeus com o espetáculo de Jesus sangrando e coroado de espinhos, mas eles, encorajados com o sucesso, clamavam que ele devia morrer porque se fez a si mesmo o Filho de Deus (Jo 19.1-7). Isto, no entanto, aumentou as superstições de Pilatos, de modo que ele examinou outra vez a Jesus em particular e novamente procurou liberá-lo (8-12); mas os judeus por fim apelaram à sua ambição política e praticamente acusaram-no de deslealdade a César auxiliando um rei rival. Isto decidiu a questão. Pilatos teve a triste satisfação de ouvir dos judeus que eles proclamavam sua total sujeição ao imperador (13-15), e com isso ele cedeu Jesus para a execução. Jesus morreria, portanto, sem ter cometido crime algum e sem qualquer processo legal contra ele. Sua sentença de morte era literalmente um assassinato judicial. A execução foi confiada a quatro soldados (Jo 19.23) sob o encargo de um centurião. Com ele dois assaltantes comuns também foram levados à morte. As vítimas normalmente carregavam suas cruzes, toda ela ou a parte transversal. Jesus parece tê-la carregado inteira, desde que desfaleceu sob ela. O lugar da crucificação estava a pouca distância fora da cidade. n A vítima normalmente era pregada à cruz no chão e só depois a cruz era colocada ereta no buraco preparado para ela. O crime do delinquente era escrito numa tabuleta e colocado sobre a cabeça do condenado. No caso de Jesus a acusação foi escrita em hebraico, grego, e latim. Sua forma mais longa é dada por João (19.19), “Jesus de Nazaré, rei dos judeus”. Marcos conta-nos que era “a hora terça” (9:00 horas A. M.) quando a crucificação terminou. Se nos lembrarmos de que o processo começou “logo ao raiar do dia” (Lc 22.66), sua conclusão às nove horas aproximadamente não parecerá inacreditável. Está, todavia, de acordo com a pressa que caracterizou a ação dos judeus desde o início.
Os incidentes que os Evangelhos relatam ocorridos durante a crucificação nós não mencionaremos aqui. Tais sofredores frequentemente permaneciam vivos por vários dias; mas o corpo já esgotado de Jesus não suportou agonia tão longa. À nona hora [três da tarde] ele expirou com um grande grito. As palavras ditas na cruz, entretanto, indicam que reteve sua consciência até o fim, e que compreendia perfeitamente a importância de todo o acontecido. Quando ele morreu parece que havia poucas pessoas presentes. A multidão que o havia seguido a princípio havia retornado à cidade. Os sacerdotes que o ridicularizaram também haviam partido. Alguns discípulos e os soldados são, ao que sabemos, os únicos presentes até o fim. Os príncipes, portanto, não estavam cientes que tinha morrido. Relutante por terem os corpos dependurados na cruz no SABAT, eles foram a Pilatos e pediram-lhe que suas pernas fossem quebradas; mas, quando os soldados vieram a Jesus com este propósito acharam-no já morto. Um, no entanto, furou-lhe seu lado para assegurar-se de que estava morto, João, que estava próximo, viu sangue e água fluir da ferida (19.34). Jesus parece ter morrido literalmente com o coração opresso. Entrementes José de Arimateia, um discípulo secreto de Jesus, embora fosse homem rico e um dos membros do Sanedrim, e que não havia consentido na condenação do seu Mestre (Lc 23.51) sabendo de sua morte, implorou pelo corpo de Jesus. Jesus foi colocado por ele e alguns outros, num sepulcro novo, lavrado em uma rocha, num jardim que era de José de Arimateia.
Agora está claro que os discípulos ficaram totalmente desconcertados e oprimidos pela apreensão repentina da morte de seu Senhor. Embora há registro de que por três ocasiões foram prevenidos de sua morte e ressurreição no terceiro dia, eles estavam por demais aflitos sem ter qualquer esperança. Ele tinha dito para irem à Galileia encontrá-lo, e eles demoravam em Jerusalém. Sua conduta não parecerá estranha, nem a narrativa duvidosa, a todos aqueles que conhecem o abatimento que frequentemente acompanha uma decepção amarga e triste. Consequentemente Jesus apareceu para eles em Jerusalém e sua vizinhança. As narrativas da ressurreição nos Evangelhos não dão, porém, notícias completas dos acontecimentos. Eles não fingem dispor da evidência para comprovar a realidade da ressurreição. Ela consiste no testemunho dos apóstolos a quem ele repetidamente apareceu (1 Co 15.3-8). Nos Evangelhos nós temos vários eventos preservados ou por causa de seu interesse intrínseco ou por causa da instrução espiritual que eles forneceram aos crentes. A ordem dos acontecimentos parece ter sido quase a seguinte: No primeiro dia da semana, de manhã cedo, duas companhias de mulheres pias da Galileia foram ao túmulo ungir o corpo de Jesus para o enterro permanente. Um grupo consistia em Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e Salomé (Mc 16.1). Joana e outras mulheres não mencionadas formavam provavelmente o segundo grupo (Lucas 24.10, que é uma declaração geral, inclui a relação de todas as mulheres). O primeiro grupo viu a pedra rolada longe do sepulcro, e Maria Madalena, supondo que o corpo havia sido roubado, retornou a Pedro e a João com a notícia (Jo 20.1,2). Suas companheiras continuaram, e entrando na tumba ouviram do anjo a notícia da ressurreição e a mensagem para os discípulos (Mt 28.1-7; Mc 16.1-7). Quando se retiravam apressadas, podemos supor que encontraram a outra companhia de mulheres, e que todo o grupo retornou novamente ao túmulo, tão só para receber dos dois anjos uma garantia e uma orientação mais enfática (Lc 24.1-8). As mulheres então apressaram-se em direção à cidade com a notícia, e a meio caminho Jesus as encontrou (Mt 28.9,10). Entrementes Maria Madalena tinha relatado a Pedro e a João que o túmulo estava vazio, e eles correram para lá encontrando-o assim (Jo 20.3-10). Maria Madalena havia seguido-os e, quando partiram do jardim, ela permaneceu, e a ela também Jesus fez uma aparição (11-18). Finalmente todas as mulheres retornaram aos discípulos e relataram as maravilhosas notícias. Não será unicamente pelo testemunho destas mulheres que deverá repousar a fé na ressurreição do Cristo. Durante o dia ele apareceu a Pedro (c 24.34; 1 Co 15.5), mais tarde a dois discípulos que iam a Emaús (Lc 24.13-35), e à noite a todos os onze exceto Tomé (36. 43; Jo 20.19-23). Naquela ocasião ele comeu diante deles, provando a realidade de sua ressurreição física. n Até então, porém, Tomé ainda não acreditava, os discípulos permaneceram em Jerusalém, e no domingo seguinte Jesus novamente apareceu para eles, e provou ao apóstolo em dúvida que ele de fato tinha ressuscitado (Jo 20.24-29). Então, parece que os apóstolos retornaram para a Galileia. Nós lemos em seguida que sete deles estavam pescando no mar da Galileia quando o Senhor apareceu para eles (João 21). Tendo se compromissado com eles, encontrou-os também num monte da Galileia e deu-lhes “a grande comissão,” com a garantia de seu poder e presença (Mt 28.16-20). Esta pode ter sido muito provavelmente a ocasião quando quinhentos discípulos estavam presentes (1 Co 15.6). Logo depois ele apareceu também a Tiago (7), mas nós não sabemos onde. Finalmente, os apóstolos vieram outra vez a Jerusalém, e conduzindo-os ao Monte das Oliveiras a um lugar onde se avistava Betânia (Lc 24.50,51) foi elevado ao céu e uma nuvem envolveu-o ocultando sua visão (At 1.9-12). Temos assim dez aparições do Salvador ressuscitado registradas no Novo Testamento, enquanto Paulo corretamente adiciona a aparição a ele a caminho de Damasco (1 Co 15.8). Houve talvez, outras aparições não registradas. Lucas diz (At 1.3) isso “manifestou a si mesmo vivo com muitas provas depois da sua paixão, aparecendo-lhes por quarenta dias”. Mas ele não continuou com eles um intercâmbio constante como havia feito antes. Ele apenas manifestou-se a eles (Jo 21.1). Os quarenta dias entre sua ressurreição e a ascensão, formaram evidentemente um período de transição, em que teve a intenção de treinar os discípulos para a sua obra futura. Era necessário dar ampla, repetida e variada prova da ressurreição, e isto como vimos foi feito. Era necessário dar-lhes instrução relativamente à necessidade da sua morte e do caráter do reino que através de seus trabalhos devia estabelecer. Era necessário salientar-lhes por sua morte e ressurreição o cumprimento das Escrituras, pois só assim eles viriam que a nova era a continuidade da antiga dispensação. Eles não estavam prontos para esta instrução antes da sua morte, mas receberam-na repetidamente durante estes quarenta dias (Lc 24.44-48; Jo 20.21-23; 21.15-22; At 1.3-8). E finalmente as experiências dos quarenta dias treinaram os discípulos para pensar em seu Mestre como ausente mas ainda vivo; como invisível mas ainda próximo deles; como ressuscitado para a nova vida mas ainda retendo sua antiga natureza, agora, todavia, num corpo glorificado, que eles amavam; como exaltado mas ainda o mesmo, de forma que eles foram preparados para ir adiante e proclamar o Filho glorificado de Deus e o rei coroado de Israel, mas também o Homem de Nazaré e o Cordeiro de Deus que leva o pecado do mundo. Enquanto isso os judeus afirmaram que seus discípulos haviam roubado seu corpo. Temendo isto haviam solicitado de Pilatos no dia da sua morte uma guarda militar para vigiar o túmulo. Quando ocorreu a ressurreição, acompanhada, como somos informados, pela descida de um anjo que rolou a pedra do túmulo, os soldados ficaram extremamente assustados e depois fugiram. Pagãos e supersticiosos como eram, sem dúvida não se impressionaram menos pelo que eles tinham visto, homens ignorantes que normalmente eram, eles consideravam as aparições como fantasmagóricas. Mas os príncipes, supondo que talvez pudessem explicar o relatório dos soldados por uma fraude da parte dos discípulos, deram dinheiro aos homens para manterem a questão em silêncio, e assim o foi divulgada a versão de que o corpo tinha sido roubado enquanto os soldados dormiam (Mt 28.11-15). No dia de Pentecostes, porém, os apóstolos começaram a dar testemunho da ressurreição, e o número de crentes cresceu rapidamente (At 2, etc.); foi por tentativas forçadas, e não por provas, que os principais sacerdotes tentaram silenciar as testemunhas e subjugar a seita em crescimento (At 4). Nós não buscamos neste artigo expor os ensinos de Jesus, mas a estrutura externa e o movimento histórico de sua vida. Por último aparece, como recolhemo-lo dos Evangelhos, uma revelação gradual e progressiva de si e da sua mensagem, que constitui uma das evidências mais fortes da verdade em que o nosso conhecimento se baseia. A realidade da humanidade do Cristo tornou a ele, deste modo, possível aparecer como um ser real da história humana, relacionado a um ambiente particular, e apresentando sua vida como uma carreira que se move natural embora firmemente, a um objetivo definido. Sua vida foi genuinamente humana e portanto, capaz de tratamento histórico. Ao mesmo tempo Jesus soube e declarou ser mais do que um simples homem (ex. Mt 11.27; Jo 5.17-38; 10.30; 17.5, etc.). Com sua autorevelação, seus discípulos avançaram na compreensão da sua divina dignidade (Mt 16.16; Jo 20.28). Então uma reflexão da experiência anterior, sob a iluminação do Espírito, fizeram sua divindade ainda mais evidente a eles, até que o último dos apóstolos sobreviventes foi levado a tornar-se o quarto evangelista e apresentar a vida terrena do seu Senhor, a encarnação do Verbo divino. Contudo S. João nunca se esqueceu e tampouco a humanidade real de Jesus lhe ficou obscurecida. Ele nos dá a verdade plena relativamente à pessoa do grande Mestre. “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1.1), e “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, (e nós vimos a sua glória, a sua glória como de Filho unigênito do Pai), cheio de graça e verdade” (14). “Estas [coisas] são escritas”, conclui, “para que vós creiais que Jesus é o Cristo, Filho de Deus, e de que, crendo-o assim, tenhais a vida em seu nome” (20-31). (G. T. P.)
NOTA — As palavras de João 13.1 não querem dizer que tudo que foi registrado no cap. 13 se deu “antes da festa da Páscoa”, mas é uma observação preliminar descrevendo o amoroso espírito em que a Páscoa fatal foi celebrada por Jesus, 13.29, “Compra as coisas que havemos mister para o dia da festa” podem referir-se às coisas necessárias para o dia seguinte, em que as contribuições do livre arbítrio das pessoas eram apresentadas; 18.28, “para que eles possam comer a Páscoa”, pode querer dizer simplesmente “manter o festival pascal” 19.31, “a preparação” não era a preparação para a Páscoa, mas para o SABAT.
OS IRMÃOS DO SENHOR.
Seus nomes são dados nos Evangelhos como Tiago, José ou Joses, Simão e Judas (Mt 13.55; Mc 6.3). Aparecem na companhia de Maria (Mt 12.47-50; Mc 3.31-35; Lc 8.19-21), foram a Cafarnaum com ela, Jesus e os últimos discípulos no começo do ministério do Cristo (Jo 2.12), mas foi dito que eles não acreditaram em Jesus senão no final de sua vida (Jo 7.4,5). Após a ressurreição, no entanto, eles são encontrados junto aos discípulos (At 1.14), e depois são mencionados como trabalhadores cristãos (1 Co 9.5). Tiago, um deles (Gl 1.19), tornou-se um distinto líder da igreja de Jerusalém (At 12.17; 15.13; Gl 1.19), e foi o autor da epístola que leva seu nome; veja Tiago, irmão do Senhor. Em que sentido ele era um dos “irmãos” do Cristo foi muito questionado. Em épocas remotas eram considerados como filhos de José por um antigo casamento. O desaparecimento de José dos Evangelhos sugere que havia morrido, e pode ter sido muito mais velho que Maria, e pode ter sido casado anteriormente. Este ponto de vista é possível, mas, em vista de Mt 1.25 e Lc 2.7, não é provável. No quarto século Jerônimo propôs outra explicação, a saber: que eles eram primos do Cristo pelo lado materno, filhos de Alfeu (ou Cléofas) e de uma irmã homônima de Maria. Isto é inferido principalmente por uma combinação de Mc 15.40 e Jo 19.25 (tendo o último pensado em mencionar três mulheres), e da identidade do nomes Alfeu e Cléofas. Deste ponto de vista Tiago, o filho de Alfeu e talvez mais Simão e Judas dos apóstolos, eram irmãos do Cristo. Mas os apóstolos são distintos de seus irmãos; os últimos não acreditavam nele, e é improvável que duas irmãs tivessem o mesmo nome. Outro ponto de vista muito antigo é que eles eram primos pelo lado de José, e alguns supuseram mesmo que eles eram os filhos da viúva do irmão de José pelo levirato (Dt 25.5-10). Mas todas estas teorias parece terem-se originado de um desejo de manter a virgindade perpétua de Maria. Que eles eram filhos de José e Maria, nascidos depois de Jesus, é uma explicação natural, e que Maria teve outros filhos fica implícito em Mt 1.25 e Lc 2.7. Este ponto de vista explica também a associação constante dos “irmãos” com Maria. G. T. P. — (Dicionário da Bíblia de John D. Davis) ©
[1] E.C.: A Era Cristã inicia-se quatro anos depois do nascimento de Jesus Cristo. — A.D.: Abrev. de Anno Domini (no ano do Senhor) utilizada nas inscrições latinas e que corresponde à abrev. portuguesa d.C. (depois de Cristo)
[2] GÓLGOTA.
— Nome grego derivado do aramaico gulgalta, e do hebraico,
gulgoleth, caveira.
[3] Ressurreição
física. — Respeitando todos os pontos de vista, e, sem querer menosprezar
os dogmas relativos à nosso Senhor Jesus Cristo e sua ressurreição;
pessoalmente acreditamos em sua ressurreição em corpo espiritual, o
qual poderia materializar quando e como desejasse; e que o desaparecimento
de seus despojos se deu por desmaterialização, semelhantemente ao ocorrido
diante de grande multidão no templo, em passagem narrada por João Evangelista.
(b> † ). K. J.