O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Cartas e crônicas — Irmão X


3

A petição de Jesus

1 …E Jesus, retido por deveres constrangedores, junto da multidão, em Cafarnaum, falou a Simão, num gesto de bênção:

— Vai, Pedro! Peço-te!… Vai à casa de Jeremias, o curtidor, para ajudar. Sara, a filha dele, prostrada no leito, tem a cabeça conturbada e o corpo abatido… Vai sem delonga, ora ao lado dela, e o Pai, a quem rogamos apoio, socorrerá a doente por tuas mãos.

2 Na manhã ensolarada, pôs-se o discípulo em marcha, entusiasmado e sorridente com a perspectiva de servir. A tarde, quando o Sol cedia as últimas posições à sombra noturna, vinha de retorno enunciando inquietação e pesar no rosto áspero.

— Ah! Senhor! — Disse ao Mestre que lhe escutava os apontamentos, — todo esforço baldado, tudo em vão!…

— Como assim?

3 E o apóstolo explicou amargamente, qual se fora um odre de fel a derramar-se:

— A casa de Jeremias é um antro de perdição… Antes fosse um pasto selvagem.  4 O abastado curtidor é um homem que ajuntou dinheiro, a fim de corromper-se. De entrada, dei com ele bebericando vinho num paiol, a cuja porta bati, na esperança de obter informações para demandar o recinto doméstico. Não parecia um patriarca e sim um gozador desavergonhado. Sentava-se na palha de trigo e, de momento a momento, colava os lábios ao gargalo de pesada botelha, desferindo gargalhadas, ao pé de serva bonita e jovem, que se refestelava no chão, positivamente embriagada… Ao receber-me, começou perguntando quantos piolhos trago à cabeça e acabou mandando-me ao primogênito… 5 Saí à procura de Zoar, o filho mais idoso, e achei-o, enfurecido, no jogo de dados em que perdia largas somas para conhecido traficante de Jope. Acolheu-me aos berros, explicando que a sorte da irmã não lhe despertava o menor interesse… Por fim, expulsou-me aos coices, dando a ideia de uma besta-fera solta no campo… 6 Afastava-me, apressado, quando esbarrei com a dona da casa. Dei-lhe a razão de minha presença; contudo, antes de atender-me, passou a espancar esquelética menina, alegando que a criança lhe havia surrupiado um figo, enquanto a pequena chorosa tentava esclarecer que a fruta havia sido devorada por galos de estimação… Somente após ensanguentar a vítima, resolveu a megera designar o aposento em que poderia avistar-me com a filha enferma…

7 Ante o olhar melancólico do ouvinte, o discípulo prosseguiu:

— A dificuldade, porém, não ficou nisso…Visivelmente transtornada por bagatela, a velha sovina errou na indicação, pois entrei numa alcova estreita, onde fui defrontado por Josué, o filho mais moço do curtidor, que mergulhava a mão num cofre de joias. Desagradavelmente surpreendido, fez-se amarelo de raiva, acreditando decerto que eu não passava de alguém a serviço da família, a fim de espionar-lhe os movimentos. 8 Quando ergueu o braço para esmurrar-me, supliquei-lhe considerasse a minha situação de visitante em missão de paz e socorro fraterno… Embora contrafeito, conduziu-me ao quarto da irmã… Ah! Mestre, que tremenda desilusão!…Não duvido de que se trata de uma doente, mas, logo me viu, a estranha criatura se tornou inconveniente, articulando gestos indecorosos e pronunciando frases indignas… Não aguentei mais… Fugi, horrorizado, e regressei pelo mesmo caminho…

9 Observando que o Amigo Sublime se resguardava, triste e silencioso, volveu Simão, após comprido intervalo:

— Senhor, não fui, acaso, bastante claro? Porventura, não terei procurado cumprir-te honestamente os desejos? Seria justo, Mestre, pronunciar o nome de Deus, ali, entre vícios e deboche, avareza e obscenidade?

10 Jesus, porém, depois de fitar longamente o céu, a inflamar-se de lumes distantes, fixou no companheiro o olhar profundamente lúcido e exclamou com serenidade:

— Pedro, conheço Jeremias, a esposa e os filhos, há muito tempo… Quando te incumbi de ir ao encontro deles, apenas te pedi para auxiliar!...


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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