1.
Antes de iniciar os trabalhos de nossa expedição socorrista, o Assistente
Jerônimo conduziu-nos ao Templo da Paz, na zona consagrada ao serviço de auxílio,
onde esclarecido instrutor comentaria as necessidades de cooperação
junto às entidades infelizes, nos Círculos mais baixos da vida espiritual
que rodeiam a Crosta da Terra.
2 A maravilhosa noite derramava
inspirações divinas.
Ao longe, constelações faiscantes semelhavam-se a pérolas caprichosamente
dispostas numa colcha de veludo imensamente azul. 3
A paisagem lunar oferecia detalhes encantadores. Picos e crateras salientavam-se
à nossa vista, embora, a considerável distância, num deslumbramento
de filigrana preciosa. 4
Fulgurava o Cruzeiro do Sul como símbolo sublime, desenhado ao fundo
azul-escuro do firmamento. Canópus, Sírius, Antares brilhavam, infinitamente,
figurando-se-nos balizas radiosas e significativas do céu. 5
A Via Láctea, dando-nos a impressão de prodigioso ninho de mundos, parecia
um dilúvio de moedas resplandecentes a se derramarem de cornucópia gigantesca
e invisível, convidando-nos a meditar nos segredos excelsos da Natureza
divina. 6 E as suaves
virações noturnas, osculando-nos a mente em êxtase, passavam apressadas,
sussurrando-nos grandiosos pensamentos, antes de se dirigirem às Esferas
distantes…
7 O Templo, edificado
no sopé de graciosa colina, apresentava aspecto festivo, em virtude
da iluminação feérica a projetar singulares efeitos nos caminhos adjacentes.
As torres, à maneira de agulhas brilhantes, alongavam-se pelo céu, contrastando
com o indefinível azul da noite clara e, cá em baixo, as flores de variadas
figurações eram taças luminosas, servindo luz e perfume, balouçando,
de leve, na folhagem, ao sopro incessante do vento.
8 Não éramos os únicos interessados
na palestra da noite, porque numerosos grupos de irmãos se dirigiam
ao interior, acomodando-se no recinto. Eram entidades de todas as condições,
fazendo-nos sentir o geral interesse pelas lições em perspectiva.
9 Seguíamos, o Assistente
Jerônimo, o padre Hipólito, a enfermeira Luciana e eu, constituindo
pequena equipe de trabalho, incumbida de operar na Crosta Planetária,
durante trinta dias, aproximadamente, em caráter de auxílio e estudo,
com vistas ao nosso desenvolvimento espiritual.
10 Jerônimo, o orientador de
nossas atividades pela nobreza de sua posição, percebendo-me a curiosidade
perante as movimentadas conversações em derredor, explicou, gentil:
— Muito justa a atenção, em torno do assunto. Admito que a quase totalidade dos interessados e estudiosos que afluem à casa integram comissões e agrupamentos de socorro nas regiões menos evolvidas.
11 E demorando o olhar nas
fileiras de jovens e velhos que demandavam o interior, acrescentou:
— A palavra do Instrutor Albano Metelo merece a consideração excepcional da
noite. Trata-se dum campeão das tarefas de auxílio aos ignorantes e
sofredores dos Círculos imediatos à Crosta Terrestre. Somos aqui diversos
grupos de aprendizes, e a experiência dele nos proporcionará infinito
bem.
2.
Breves minutos decorreram e penetramos, por nossa vez, o recinto radioso.
Vagavam no ar suaves melodias, precedendo a palavra orientadora. Flores perfumosas, ornamentando o ambiente, embalsamavam a nave ampla.
2 Alguns instantes
agradabilíssimos de espera e o emissário apareceu na tribuna simples,
magnificamente iluminada. Era um ancião de porte respeitável, cujos
cabelos lhe teciam uma coroa de neve luminosa. De seus olhos calmos,
esplendidamente lúcidos, irradiavam-se forças simpáticas que de súbito
nos dominaram os corações. 3
Depois de estender sobre nós a mão amiga, num gesto de quem abençoa,
ouviu-se o coro do Templo entoando o hino “Glória aos Servos Fiéis”:
3. Ó Senhor!
Abençoa os teus servos fiéis,
Mensageiros de tua paz,
Semeadores de tua esperança.
2 Onde haja sombras
de dor,
Acende-lhes a lâmpada da alegria;
Onde domine o mal, ameaçando a obra do bem,
Abre-lhes a porta oculta de tua misericórdia;
Onde surjam acúleos do ódio,
Auxilia-nos a cultivar as flores bem-aventuradas de teu sacrossanto amor!
3 Senhor! São eles
Teus heróis anônimos,
Que removem pântanos e espinheiros,
Cooperando em tua divina semeadura…
4 Concede-lhes os júbilos
interiores,
Da claridade sagrada em que se banham as almas redimidas.
Unge-lhes o coração com a harmonia celeste
Que reservas ao ouvido santificado;
Descortina-lhes as visões gloriosas
Que guardas para os olhos dos justos;
Condecora-lhes o peito com as estrelas da virtude leal…
5 Enche-lhes as mãos de
dádivas benditas
Para que repartam em teu nome
A lei do bem,
A luz da perfeição,
O alimento do amor,
A veste da sabedoria,
A alegria da paz,
A força da fé,
O influxo da coragem,
A graça da esperança,
O remédio retificador!…
6 Ó Senhor,
Inspiração de nossas vidas,
Mestre de nossos corações,
Refúgio dos séculos terrestres,
Faze brilhar teus divinos lauréis
E teus eternos dons,
Na fronte lúcida dos bons —
Os teus servos fiéis!
4.
O Instrutor ouviu, em silêncio, de olhos molhados, deixando transparecer
íntimo júbilo, enquanto a maioria da assembleia disfarçava discretamente
as lágrimas que os acentos harmoniosos do cântico nos arrancavam do
coração. 2 Em
se perdendo no espaço as derradeiras notas da melodia sublime,
sem qualquer luxo de gesticulação, Metelo saudou-nos com expressiva simplicidade,
desejando-nos a Paz do Senhor, e prosseguiu:
3 — Não mereço, amigos, o
preito de carinho desta noite. Não tenho servido fielmente Aquele que
nos ama desde o princípio e, por isso, vosso hino confunde-me. Mero
soldado das lides evangélicas, trabalho ainda no campo da própria redenção.
4 Fez ligeira pausa, fitou-nos,
paternal, e continuou:
— Mas… a minha personalidade não interessa. Venho falar-vos de nossos
trabalhos singelos, nas regiões espirituais ligadas à Crosta da Terra.
Ó meus irmãos! É necessário apelar para as nossas energias mais recônditas.
As zonas purgatoriais multiplicam-se, assustadoramente, em derredor
dos homens encarnados. 5
À distância dos teatros de angústia, vinculados às realizações edificantes
de nossa colônia espiritual, preservando valiosas reservas da vida infinita
para essa mesma Humanidade que se debate no sofrimento e nas trevas,
nem sempre formulamos uma ideia exata da ignorância e da dor que atormentam
a mente humana, quanto aos problemas da morte. 6
A felicidade faz que nasçam aqui as fontes inesgotáveis da esperança.
Os que se preparam, ante os voos maiores da Eternidade, trazem os olhos
voltados para a Esfera Superior, na contemplação do ilimitado porvir,
e os que se esforçam por merecer a bênção da reencarnação na Crosta
Terrestre, fixam as suas aspirações mais fortes no soberano propósito
de redenção, organizando-se perante o futuro, ousados nas solicitações
de trabalho e arrojados no bom ânimo. 7
Todos os pormenores da vida, nesta cidade, falam alto de nossos objetivos
de equilíbrio e elevação. Não longe de nós, começam a brilhar os raios
da alvorada radiante dos mundos melhores, convidando-nos à visão beatífica
do Universo e à gloriosa união com o Divino. 8
Mas… — o orador fez significativo intervalo, parecendo escutar vozes
e chamamentos de paisagens distantes, e prosseguiu; — e os nossos irmãos
que ainda ignoram a luz? Subiríamos até Deus, num círculo fechado? Como
operar o insulamento egoístico e partir a caminho do Pai Amoroso e Leal
que acende o Sol para os santos e os criminosos, para os justos e injustos?
9 Metelo mostrou uma chama
de zelo sagrado nos olhos percucientes e exclamou, depois de curta reflexão:
— Nós, que procuramos a santidade e a justiça, alcançaríamos, acaso,
semelhante orientação, se outras fossem as circunstâncias que nos regeram
até aqui? Construtores de nossos próprios destinos, por delegação natural
do Criador, onde permaneceríamos, agora, sem os favores da oportunidade
e o obséquio da proteção de benfeitores desvelados? 10
Indubitavelmente, os ensejos de elevação felicitam todas as criaturas;
no entanto, é imprescindível ponderar que a bênção da fonte pode converter-se
em venenosa água estagnada, se a trancamos num poço incomunicável. 11
E as dádivas recebidas por nós são inúmeras e os dons que nos foram
distribuídos, imensos… Seria completo o nosso regozijo, havendo lágrimas
atrás de nossos passos? Como entoar hinos de hosana à felicidade sobre
o coro dos soluços? Nobilíssimo, todo impulso de atingir o cume; entretanto,
que veremos após a ascensão? Entre os júbilos de alguns, identificaríamos
a ruína e a miséria de multidões inapreciáveis!…
5.
Nesse momento, envolvido nas vibrações de profundo interesse dos ouvintes,
imprimiu novo acento ao verbo luminoso e tornou com indefinível melancolia:
2 — Também eu tive
noutro tempo a obcecação de buscar apressado a montanha. A Luz de cima
fascinava-me e rompi todos os laços que me retinham embaixo, encetando
dificilmente a jornada. A princípio, feri-me nos espinhos pontiagudos
da senda, experimentei atrozes desenganos… 3
Consegui, porém, vencer os óbices imediatos e ganhei, jubiloso, pequenina
eminência. Em me voltando, todavia, espantou-me a visão terrífica do
vale: o sofrimento e a ignorância dominavam em plena treva. 4
Desencarnados e encarnados lutavam uns contra os outros, em combates
gigantescos, disputando gratificações dos sentidos animalizados. O ódio
criava moléstias repugnantes, o egoísmo abafava impulsos nobres, a vaidade
operava horrenda cegueira… 5
Cheguei a sentir-me feliz, diante da posição que me distanciava de tamanhas
angústias. Contudo, quando mais me vangloriava, dentro de mim mesmo,
embalado na expectativa de atravessar mais altos cumes, eis que, certa
noite, notei que o vale se represava de fulgente luz. 6
Que sol misericordioso visitava o antro sombrio da dor? Seres angélicos
desciam, céleres, de radiosos pináculos, acorrendo às zonas mais baixas,
obedecendo ao poder de atração da claridade bendita. 7
“Que acontecera?” — perguntei ousadamente, interpelando um dos áulicos
celestiais. — “O Senhor Jesus visita hoje os que erram nas trevas do
mundo, libertando consciências escravizadas”. 8
Nem mais uma palavra. O mensageiro do Plano Divino não podia conceder-me
mais tempo. Urgia descer para colaborar com o Mestre do Amor, diminuindo
os desastres das quedas morais, amenizando padecimentos, pensando feridas,
secando lágrimas, atenuando o mal, e, sobretudo, abrindo horizontes
novos à Ciência e à Religião, de modo a desfazer a multimilenária noite
da ignorância. 9 Novamente
sozinho, na peregrinação para o Alto, reconsiderei a atitude que me
fizera impaciente. Em verdade, para onde marchava meu Espírito, despreocupado
da imensa família humana, junto da qual haurira minhas mais ricas aquisições
para a vida imortal? Porque enojar-me, ante o vale, se o próprio Jesus,
que me centralizava as aspirações, trabalhava, solícito, para que a
Luz de Cima penetrasse as entranhas da Terra? Não praticava eu o crime
execrável da usura, olvidando aqueles entre os quais adquirira o roteiro
destinado à minha própria ascensão? Como subir sozinho, organizando
um céu exclusivo para minhalma, lastimavelmente abstraído dos valores
da cooperação que o mundo me prodigalizava com generosidade e abundância?
10 Mostrava-se o Instrutor
intensamente comovido.
— Detive-me, então, — continuou, — e voltei. Efetivamente, o caminho
vertical e purificador da superioridade é a sublime destinação de todos.
O cume, bafejado de resplendor solar, é sempre um desafio benéfico aos
que vagueiam sem rumo, na planície. O alto polariza, naturalmente, as
supremas esperanças dos que ainda permanecem em baixo… 11
Todavia, à medida que penetramos o domínio da altura, imprimem-se-nos
na mente e no coração as leis sublimes de fraternidade e misericórdia.
Os grandes orientadores da Humanidade não mediram a própria grandeza
senão pela capacidade de regressar aos círculos da ignorância para exemplificarem
o amor e a sabedoria, a renúncia e o perdão aos semelhantes. 12
É por esse motivo que necessitamos temperar todo impulso de elevação
com o sal do entendimento, evitando a precipitação nos despenhadeiros
do egoísmo e da vaidade fatais.
6.
Metelo silenciou por instantes e, diante da comoção com que lhe acompanhávamos
a palestra, retomou o verbo com outra inflexão de voz:
2 — Outrora, quando
nos envolvíamos ainda nos fluidos da carne terrestre, supúnhamos com
desacerto que a vaidade e o egoísmo somente poderiam vitimar os homens
encarnados. 3 A Teologia,
não obstante o ministério respeitável que lhe está afeto, enclausurava-nos
a mente em fantasiosas concepções do reino da verdade. Esperávamos um
paraíso fácil de ser conquistado pela deficiência humana, e temíamos
um inferno difícil de realizar a obra divina. Nossas ideias alusivas à morte
confinavam-se a essas ridículas limitações. 4
Hoje, porém, sabemos que, depois do túmulo, há simplesmente continuação
da vida. Céu e inferno residem dentro de nós mesmos. 5
A virtude e o defeito, a manifestação sublime e o impulso animal, o
equilíbrio e a desarmonia, o esforço de elevação e a probabilidade da
queda perseveram aqui, após o trânsito do sepulcro, compelindo-nos à
serenidade e à prudência. 6
Não nos encontramos senão em outro campo de matéria variada, noutros
domínios vibratórios do próprio Planeta em cuja Crosta tivemos experiências
quase inumeráveis. 7
Como não equilibrar, portanto, o coração no exercício efetivo da solidariedade?
Logicamente não exortamos ninguém a novos mergulhos no lodo antigo,
não desejamos que os companheiros previdentes regressem à posição de
filhos pródigos, distanciados voluntariamente do Eterno Pai, nem pretendemos
interromper a marcha laboriosa dos servidores de boa vontade, a caminho
dos Cimos da Vida. 8
Apelamos tão só no sentido de cooperardes nos trabalhos de socorro às
Esferas escuras. Sois livres e dispondes de tempo, no desempenho dos
deveres nobilitantes a que fostes chamados em nossa colônia espiritual.
Nada mais razoável que o proveito da oportunidade no planejamento da
ascese. 9 Entretanto,
na qualidade de velho cooperador das tarefas de auxílio, ousamos rogar
vosso interesse generalizado pelos que erram “no vale da sombra e da
morte”, ( † )
aguardando a esmola possível de vosso tempo, em favor dos nossos semelhantes,
defrontados agora por situações menos felizes, não em virtude dos desígnios
divinos, mas em razão da imprevidência deles mesmos. Contudo, qual de
nós não foi invigilante algum dia?
10 Fez o orador uma pausa mais
longa e continuou:
— De nossos amigos encarnados não podemos esperar, por enquanto, concurso
maior e mais eficiente nesse sentido. Presos nas grades sensoriais,
progridem lentamente na aprendizagem das leis que regem a matéria e
a energia. 11 Quando
convidados a visitar nossos Círculos de edificação, fora da instrumentalidade
fisiológica, regressam ao corpo assombrados pelas visões rápidas que
lhes foi possível arquivar e, em transmitindo suas lembranças aos contemporâneos,
operam a coloração da água simples e pura da verdade com os seus “pontos
de vista” e predileções pessoais no terreno da Ciência, da Filosofia
e da Religião. 12
Bernardin de Saint-Pierre, o romancista trazido por amigos a regiões
vizinhas da Crosta Planetária, volta ao seu meio de ação e traça aspectos
que asseverou pertencerem ao Planeta Vênus. 13
Huyghens, o astrônomo, recebe mentalmente algum noticiário de nossas
Esferas de luta e ensaia teorias referentes à vida em outros mundos,
afirmando que os processos biológicos nos orbes distantes são absolutamente
análogos aos da Crosta da Terra. 14
Teresa d’Ávila, a religiosa santificada, transporta-se à paisagem de
nosso Plano onde se lamentam almas sofredoras, e torna ao corpo carnal,
descrevendo o inferno para os seus ouvintes e leitores. 15
Swedenborg, o grande médium, percorre alguns trechos de nossas zonas
de ação e pinta os costumes das “habitações astrais” como melhor lhe
parece, imprimindo às narrações os fortes característicos de suas concepções
individuais. 16 Quase
todos os que vieram momentaneamente ao nosso campo de trabalho voltam
ao esforço humano, exibindo a experiência de que foram objeto, pincelando-a
com a tinta de suas inclinações e estados psíquicos. 17
Porque se encontram fundamente arraigados ao “chão inferior” do próprio
“eu”, acreditam enxergar outros mundos em situações iguais à da Terra,
nosso maravilhoso templo, cujas dependências não se restringem à Esfera
da Crosta sobre a qual os homens de carne pousam os pés. 18
A Terra é também nossa grande mãe, cujos braços acolhedores se estendem
pelo espaço além, ofertando-nos outros campos de aprimoramento e redenção.
19 Modificando a inflexão de
voz, prosseguiu:
— As criaturas, porém, atravessam breve período de existência no mundo
carnal. A maioria demora-se nas estações expiatórias do resgate difícil
e confunde-se nas vibrações perturbadoras do sofrimento e do medo. 20
Fazem da morte uma deusa sinistra. Apresentam o fenômeno natural da
renovação com as mais negras cores. Agarradas às sensações do dia que
passa, ignoram como dilatar a esperança e transformam a separação provisória
numa terrível noite de amarguroso adeus. 21
Vítimas da ignorância em que se comprazem, internam-se em florestas
de sombras, onde perdem toda a paz, convertendo-se em presas delirantes
dos infernos de horror, criados por elas mesmas nos desvairamentos passionais.
22 Como esperar delas
a colaboração precisa, com a extensão desejável, se, pela indiferença
para com os próprios destinos, mergulham-se diariamente nos rios de
treva, desencanto e pavor? Unamo-nos portanto, auxiliando-as, segundo
os preceitos evangélicos, descortinando-lhes novos horizontes e aclarando-lhes
os caminhos evolutivos.
23 De olhos fulgurantes e neblinados
de lágrimas, pela evocação talvez de quadros das Esferas sombrias, que
não nos eram dado conhecer, Metelo manteve-se longos instantes em silêncio,
voltando a dizer em tom de súplica:
— Recordemos o Divino Mestre e não desdenhemos a honra de servir, não de acordo com os nossos caprichos pessoais, porém de conformidade com os seus desígnios e suas leis. Campos imensuráveis de trabalho aguardam-nos a cooperação fraterna e a semeadura do bem produzirá nossa felicidade sem fim!…
24 Falou, comovedoramente,
por mais alguns minutos, e, em seguida, invocou as Forças Divinas, arrancando-nos
lágrimas de intraduzível alegria.
Raios de claridade azul-brilhante choveram no recinto, proporcionando-nos a resposta do Plano Superior.
7. Transcorridos alguns momentos de meditação, Metelo fez exibir num grande
globo de substância leitosa, situado na parte central do Templo, vários
quadros vivos do seu campo de ação nas zonas inferiores. 2
Tratava-se da fotografia animada, com apresentação de todos os sons
e minúcias anatômicas inerentes às cenas observadas por ele, em seu
ministério de bondade cristã. n
3 Infelizes desencarnados,
em despenhadeiros de dor, imploravam piedade. Monstros de variadas espécies,
desafiando as antigas descrições mitológicas, compareciam horripilantes,
ao pé de vítimas desventuradas.
4 As paisagens, analisadas
de tão perto, através do avançado processo de fixação das imagens, não
somente emocionavam: infundiam terror. Na intimidade da massa leitosa,
em que eram lançadas, adquiriam expressões de vivacidade indescritível.
Apareciam soturnas procissões de seres humanos despojados do corpo,
sob céus nevoentos e ameaçadores, cortados de cataclismos de natureza
magnética.
5 Pela primeira vez,
contemplava eu semelhante demonstração, sem disfarçar a emoção. Para
onde se dirigiam aquelas fileiras imensas de Espíritos sofredores? Como
se sustentariam os ajuntamentos de almas desalentadas e semi-inconscientes,
que me era dado divisar ali, ante os meus olhos tomados de assombro,
atoladas em poços escuros de lama e padecimento?
6 Em dado instante,
a voz do Instrutor quebrou o silêncio. Diante dum quadro extremamente
doloroso, exclamou em voz firme:
— Muitos de vós sabeis que tenho nesses centros expiatórios os que me foram pais bem-amados na derradeira experiência vivida na carne, prisioneiros ainda de torturantes recordações; no entanto, crede, não nos move qualquer propósito egoístico nas tarefas de auxílio, porque temos aprendido com o Senhor que a nossa família se encontra em toda parte.
7 Observei que ninguém ousou
voltar-se para Metelo em seu testemunho de humildade. Comovidíssimo,
por minha vez, ante a demonstração de entendimento evangélico a que
assistia, notei o olhar expressivo que o Assistente Jerônimo me endereçou,
ao término do noticiário animado e sonoro e procurei alijar de mim mesmo
a preocupação de algo saber, acerca do drama particular do orientador,
anulando meus inferiores impulsos de mera curiosidade.
8 Findos os trabalhos, que
ocuparam pouco mais de duas horas, inclusive a palestra instrutiva,
vários grupos eram apresentados ao Instrutor, por um dos dirigentes
do Templo.
Tive a impressão de que a assembleia em sua feição quase integral era
constituída de legítimos interessados nos trabalhos espontâneos de ajuda
ao próximo. 9 Pelas
saudações e pelas frases de que se faziam acompanhar, percebi que se
aglomeravam, no recinto, grandes e pequenos conjuntos de servidores,
em diversas missões, com objetivos múltiplos. 10
Consagravam-se alguns ao amparo de criminosos desencarnados, outros
ao socorro de mães aflitas, colhidas inesperadamente pelas renovações
da morte, outros, ainda, interessavam-se pelos ateus, pelas consciências
encarceradas no remorso, pelos enfermos na carne, pelos agonizantes
na Crosta, pelos dementes sem corpo físico, pelas crianças em dificuldade
no Plano invisível aos homens, pelas almas desanimadas e tristes, pelos
desequilibrados de todos os matizes, pelos missionários perdidos ou
desviados, pelas entidades jungidas às vísceras cadavéricas, pelos trabalhadores
da Natureza, necessitados de inspiração e carinho.
11 Para todos, possuía o mentor
uma sentença generosa de estímulo e admiração.
Chegada a nossa vez, Jerônimo nos apresentou gentilmente:
— Metelo, temos aqui três companheiros que me seguirão agora, em missão de socorro.
— Muito bem! Muito bem! — Exclamou o interpelado, — que o Divino Servidor os
inspire.
12 Abraçou-nos, com simplicidade,
e perguntou:
— Partem com obrigação especializada?
— Sim, — esclareceu nosso orientador, — devemos atender, nos próximos
trinta dias, a cinco dedicados colaboradores nossos a se desencarnarem,
presentemente, na Crosta. Trabalharam, fiéis à causa do bem, e as nossas autoridades
encarregaram-nos de atender-lhes aos casos pessoais.
13 — Prevejo muito
êxito, — comentou Albano Metelo, fixando em nós o olhar sereno.
Revelando espontânea alegria pelas palavras ouvidas, Jerônimo acrescentou, delicado:
— Confio na dedicação dos meus companheiros. Seguem comigo um ex-padre católico, uma enfermeira e um médico. Seremos quatro servos em ação ativa.
— Compreendo, — aduziu o Instrutor.
14 — Vamos com autorização
para efetuar experiências, estudos e auxílios eventuais, de conformidade
com as circunstâncias, em vista do caráter de nosso trabalho, que nos
prodigalizará ensejo a diferentes observações.
Enviou-nos Metelo reconfortante sorriso de otimismo e confiança, cumprimentou-nos, individualmente, e, depois de abraçar o nosso diretor, com intimidade, exclamou:
— Que o Mestre os ilumine e conduza.
15 Eram as palavras de despedida.
Outro grupo socorrista aproximou-se dele e retiramo-nos do Templo da
Paz, repletos do pensamento salutar de servir aos semelhantes em nome
de Deus.
Lá fora, a noite de maravilhas era bem uma festa silenciosa, em que o aroma das flores convidava para o banquete celeste da luz.
André Luiz
[1] [Vide: Algumas referências ao uso de itens materiais no Mundo Invisível do Plano Espiritual, como edificações providas dos mais diversos objetos, aparelhos, veículos de transporte, etc.]