1 Hoje, Senhor, ajoelho-me diante da cruz onde expiraste entre ladrões…
Amigo Sublime, digna-Te abençoar as cruzes que mereço!…
2 De Ti anunciou o profeta ( † ) que Te levantarias junto do povo de Deus, como arbusto verde em solo árido; que não permanecerias, entre nós, como os príncipes encastelados na glória humana, e sim como homem de dor, experimentado nos trabalhos e sofrimentos; que passarias na Terra, ocultando Tua grandeza aos nossos olhos, à maneira de leproso humilhado e desprezível, mas que, nas Tuas chagas e nas Tuas pisaduras, sararíamos as nossas iniquidades, redimindo nossos crimes; que poderias revelar ao mundo a divindade de Tua ascendência, demonstrando o Teu infinito poder e que, no entanto, preferirias a suprema renúncia, caminhando como a ovelha muda para o matadouro; e que, embora assinalado como o Escolhido Celeste, serias sepultado como ladrão comum… 3 Acrescentou Isaías, porém, que, depois de Teu derradeiro sacrifício, novas esperanças desabrochariam no Plano escuro da Terra, através daqueles que seriam os Teus continuadores, na abnegação santificante!…
4 E as Tuas lágrimas, Senhor, orvalharam o deserto de nossos corações e as abençoadas sementes de Teus ensinamentos vivos germinaram no solo ingrato do mundo.
5 Mais de dezenove séculos passaram e tenho ainda a impressão de ouvir-Te a voz compassiva, suplicando perdão para os algozes…
6 Ah! Jesus, compadece-Te de minhas fraquezas e vem, ainda, balsamizar-me o coração ferido e desalentado! Ensina-me a despir a última roupagem de mundana esperança, dá-me forças para olvidar as últimas ilusões!
7 Sem que merecesses, atravessaste o caminho de dor, suportando o madeiro da ignomínia! Ajuda-me, pois, a suportar o madeiro de lágrimas que mereço, no resgate de meus imensos débitos!
8 Amigo Sublime, que subiste o monte da crucificação, redimindo a alma do mundo, ensinando-nos, do cume, a estrada de Teu Reino, auxilia-me a descer para o vale fundo do anonimato, a fim de que eu veja as minhas próprias necessidades, na solidão dos pensamentos humildes.
9 Mestre, que representa minha dor, diante da Tua? Quem sou eu, mísero pecador, e quem és Tu, Mensageiro da Luz Eterna?
10 De quantas chagas necessita o meu frágil coração para expungir os cancros seculares do egoísmo, e de quantos açoites precisarei para exterminar o orgulho impenitente?
11 Abre-me a porta de tuas consolações divinas, para que me renove à luz de Tua bênção!
12 Não Te peço, Senhor, como o rico da Parábola, ( † ) a permissão de voltar ao mundo, a fim de anunciar aos que ainda amo a grandeza de Teu poder; entretanto, rogo o Teu auxílio, para que me não falte visão no caminho redentor. 13 Não posso precipitar-me no abismo que separa a minha fragilidade da Tua magnificência; todavia, posso atravessá-lo, passo a passo, como peregrino de Tua misericórdia. 14 Coração oprimido e cansado pelas sombras de minha própria alma, dá que me desfaça, sem custo, dos derradeiros enganos, antes de seguir mais firmemente a Teu encontro! 15 Despojado de meus transitórios tesouros, mãos limpas das joias que me fugiram dos dedos trêmulos, concede-me o bordão dos caminheiros, aparentemente sem destino por se destinarem aos países ignorados do Céu!
16 Rendo-me, agora, sem condições, ao Teu amor infinito, confio-Te minhas ansiedades supremas e meus sonhos mais ternos de lutador, e já que é necessário abandonar o meu velho cântaro de fantasias, troca-me a túnica das últimas vaidades literárias pelo burel humilde do viajor, interessado em atingir o berço distante, embora os atalhos difíceis e pedregosos!
17 Enche a solidão de meu espírito com a Tua luz, como encheste de perdão, um dia, a noite de nossa ignorância! Desvenda-me a Tua vontade soberana, para que eu me retire, sem esforço, das grades infelizes do capricho terrestre! Ainda que eu não possa divisar todos os escaninhos da nova senda, dá-me Tua claridade misericordiosa, para que meus olhos imperfeitos não andem apagados.
18 Mestre, atende ao peregrino solitário que Te fala, ao pé da cruz, com a dor sem revolta e com a amargura sem desesperação!
19 Amigo Sublime, Tu, que preferiste o madeiro do sacrifício, entre o mundo que Te repelia e o Céu que Te reclamava, pelo amor aos homens e obediência ao Pai, orienta-me na jornada nova! Se é possível, retira da cruz a destra generosa que cravamos no lenho duro da ingratidão com as nossas maldades milenárias e abençoa-me para o longo roteiro a percorrer!
20 Tenho a alma sombria e enregelado o coração!
E enquanto passam, inquietas, as multidões ociosas do mundo, no turbilhão de poeira envenenada, fala-me, Senhor, como falavas aos paralíticos e cegos de Teu caminho:
— “Levanta-te e vai em paz! A tua fé te salvou!…” ( † )
Irmão X
(Humberto de Campos)