O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Crônicas de Além-Túmulo — Humberto de Campos


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Escrevendo a Jesus

1 Meu Senhor Jesus: Dirijo-vos esta carta quase como nos últimos tempos em que o fazia na Terra, fechado nas perplexidades da incompreensão. Muitas vezes imaginei que estivésseis acessível à visão de todos aqueles que se evadem do mundo pela porta escura da morte, a fim de premiar os bons e punir pessoalmente os culpados, como os modernos chefes de Estado, que distribuem medalhas de honra nas datas festivas e exaram sentenças condenatórias em seus gabinetes.

2 Mas, não é assim, Senhor! Todas as ingênuas e doces concepções do Catolicismo se esfumaram na minha imaginação. A morte não faz de um homem um anjo; amontoa-nos, aos magotes, onde possa caber toda a imensidade das nossas fraquezas e aí, na contemplação das nossas realidades e das nossas misérias, descerra um fragmento dos véus do seu grande mistério. Então sentimo-nos reconfortados pela esperança, e basta esse raio de luz para que sejamos deslumbrados na vossa glória.

3 Se é verdade que não vos buscávamos nos caminhos da Terra, não era justo que nos viésseis esperar à porta do Céu.

Todavia, Senhor, não é para exprobrar o meu passado, no mundo, que vos dirijo esta carta. É para vos contar que os homens vão reviver novamente a tragédia da vossa morte. Muitos judeus influentes promovem, na atualidade uma ação tendente a esclarecer o processo que motivou a vossa condenação. É verdade que esses movimentos tardios, para apurar os erros do passado, não são novos. Joana d’Arc foi canonizada após a calúnia, o martírio e o vilipêndio e, ainda agora, no Brasil, foi revivido o processo que fizera de Pontes Visgueiro um monstro nefando, movimento esse que lhe atenuou a falta, humanizando-se a sua figura através da análise minuciosa dos fatos recapitulados pelo Sr. Evaristo de Morais.  † 

4 Os descendentes dos vossos algozes querem reparar a violência dos seus avós. Objetivam a reconstrução do mesmo cenário de antanho. A corte provincial romana, o tribunal famoso dos israelitas, copiando a situação com a possível fidelidade. Eu queria, porém, acrescentar, entre parêntesis, que o mesmo Caifás  †  ainda estará no Sinédrio  †  para punir e julgar.

5 Foi pensando tudo isso, Senhor, que fui a Jerusalém observar detidamente os lugares santos. Se ultimamente contemplei a cidade arruinada dos profetas, no momento em que se comemorava a vossa paixão e a vossa morte, tendo fixado no espírito os quadros dolorosos do vosso martírio não pude observar detalhadamente as suas ruínas, desde o momento em que a minha atenção foi solicitada pela magnânima figura de Iscariote. [v. Judas Iscariotes]

6 É verdade que os séculos guardarão aí, para sempre os traços indeléveis da vossa ligeira passagem pelo planeta. Jerusalém prosseguirá contando aos peregrinos do mundo inteiro a sua história de lamentações e dores. Reconheci, contudo, a dificuldade para copiarem o passado com as suas coisas e com as suas circunstâncias.

7 Conta-se que, anos depois da vossa crucificação, o Rabi Aguiba  †  foi, com alguns companheiros visitar as ruínas do templo onde haviam ecoado as vossas divinas palavras. Mas, o local sagrado onde se venerava o Santo dos Santos  †  era refúgio dos chacais, que fugiram espantados com a presença dos homens.

8 Hoje, igualmente, Senhor, Jerusalém não possui a fisionomia de outrora. Nos lugares onde se derramava o perfume do incenso e da mirra, há cheiro pronunciado de gasolina e vapores. Os burricos graciosos foram substituídos pelos automóveis confortáveis. Os ingleses vivem ocidentalizando as ruínas abandonadas. Sobre o mar da Galileia,  †  em Tiberíades,  †  foi construído um balneário elegante cheio de banhistas com seus trajes multicores, sentindo-se ali como em Copacabana, ou Biarritz.  †  9 A Judeia está cortada de linhas férreas, de estradas macadamizadas, de cinematógrafos, de iluminações elétricas, de serviços modernos. Há até, Senhor, um poderoso judeu russo chamado Rutemburgo, que captou energia elétrica nas águas mansas do Jordão, à força de mecanismos e represas. Aquelas águas sagradas e claras, que batizaram os cristãos, movem hoje poderosas turbinas. As usinas estão em toda a parte. Todas essas instalações têm alterado a fisionomia da região.

10 Certamente, Senhor, conhecestes Haifa,  †  que era um ninho tranquilo e doce, à sombra do monte Carmelo,  †  sobre o qual Elias encontrou os profetas de Baal, ( † ) confundindo-os com a sabedoria das suas palavras. Pois, hoje, palpita ali enorme cidade, guardando uma grande estação de depósito de petróleo, onde a marinha inglesa costuma abastecer-se.

11 O campo suave de Mizpeh,  †  onde a voz de Samuel se fez ouvir durante trinta dias consecutivos, exortando Israel, transformou-se num imenso aeródromo onde pousam as aves metálicas do progresso, cheias de notícias e de ruídos.

12 Torna-se difícil reconstituir o ambiente da vossa injusta condenação. Mas os homens, Senhor, nunca dispensaram a teatralidade e as máscaras de suas vidas. É possível que engendrem um dramalhão, no qual, a pretexto de vos reabilitar perante a História, subvertam, ainda mais, no abismo da sua materialidade, a profunda significação espiritual da vossa doutrina.

13 As multidões não serão inquiridas agora a respeito da sua preferência por Barrabás.  †  Os pontífices do Sinedrim não conseguirão colocar nos vossos braços misericordiosos uma cana à guisa de cetro, nem ferir vossa fronte com a coroa de espinhos. Certamente mandarão erigir ironicamente um colosso de pedra, à vossa semelhança, injuriando a vossa memória. Os chamados crentes ajoelhar-se-ão aos pés dessa estátua impassível, suplicando, no seu cepticismo elegante, a vossa bênção, antes de se levantarem para devorar-se uns aos outros, como Cains desvairados.

14 Ah! Senhor! nós sabemos que do vosso trono estrelado vindes velando por esse orbe tão pequenino e tão infeliz! A manjedoura e a cruz ainda constituem o maior tesouro dos humildes e dos infortunados. Mas, vede, Senhor, como as ervas más se alastram pela Terra…

Cortai-as, Jesus, para que o trigo louro da paz e da verdade resplandeça na vossa seara bendita. E que os homens, reunidos no mesmo jugo suave da fraternidade que nos ensinastes, descansem embalados no cântico sublime da vossa misericórdia e do vosso amor.


Humberto de Campos

(Irmão X)


8 de março de 1937.


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