(Momento da morte I - II - III - IV - V)
TEMAS CORRELATOS: Catalepsia. | Céu, inferno e purgatório. | Desencarnação. | Entes queridos desencarnados. | Erraticidade. | Eutanásia. | Fatalidade. | Finados. | Funeral. | Letargia. | Morte. | Morte e desencarnação. | Mundo Invisível (Mundo de matéria sutil, dos princípios espirituais e dos Espíritos.) | Pranto. | Sepulcro. | Suicídio. | Sobrevivência. | Vida. | Vida espiritual (A vida no Mundo Invisível, na vida Além Morte.)
LEIA NESSES DEPOIMENTOS
as passagens onde os comunicantes relataram a seus familiares encarnados
O QUE SENTIRAM NO MOMENTO DA MORTE.
(Obs. As mortes por SUICÍDIO não constam dos depoimentos abaixo.)
- Deitei-me, mas o sono não vinha… O medo do amanhã tomara conta de minh’alma e, a custo, procurei uma drágea de tranquilizante que me desse algum repouso, e, sorvendo-a, consegui dormir. As emoções daquela noite e daquele dia eram fortes demais e, não sei porque, o sedativo, sem que eu tivesse a menor ideia disso, me paralisou o coração. A princípio, alguma disritmia, depois uma dor muito profunda… O suor abundante molhou travesseiros e roupas de cama e, em seguida, senti-me sem capacidade de movimento. Pouco a pouco, tive a impressão de que desapareceria de mim própria… Então, foi um torpor no qual sonhava, querendo acordar em meu corpo sem poder… Escutei os seus gritos, tentando-me despertar… — “Minha filha! Minha filha! Não me deixe sozinha”; entretanto, eu não conseguia responder que ali me achava ao seu lado, intentando levantar o corpo que se fizera frio e enrijecido. No auge de minha aflição vi alguém que me socorria. Dormi profundamente. Mais tarde, foi o encontro da vovó Luíza que me encorajava. Mostrou-me que o papai Jorge era possuído por forças estranhas a ele próprio e pude ver, por mim mesma, que ele, embora transformado a meu respeito, continuava dominado por alguém que as vidas passadas lhe impunham. Acompanhamo-lo doente, qual se fez com os dias que se seguiram à minha desencarnação, e segui de perto a separação dele e do outro ser que o dominava, quando o papai Jorge foi retirado do corpo. — Luíza. ( † )
- Lembro-me da última frase que o jovem desconhecido me endereçou com a voz suplicante: — “Oi, companheiro, dê-me por favor uma carona. Sou seu colega sem nica no bolso…” O pedido me alcançou o coração e parei a moto. Estava de saída da USP e devia a meu ver prestar um gesto de solidariedade ao amigo anônimo. Coloquei-lhe a garupa ao dispor e seguimos juntos. Não houve tempo para muito diálogo. Passados alguns minutos, o rapaz pediu parada e deixou o pedal que eu lhe havia cedido. Mal nos defrontamos e ele sacou um revólver e os projéteis me atingiram com violência. Compreendi que era o fim. Fixei o infeliz que me prostrara sem comiseração e roguei a Deus em silêncio que me fizesse entender aquele estranho assalto, em que os meus melhores sentimentos haviam sido cruelmente explorados… O desventurado amigo ou inimigo (ainda não sei bem) procurou ganhar distância, mas foi reconhecido. A sangria desatada não me permitia qualquer movimento. Recordo-me de que alguns desconhecidos se abeiraram de mim, no entanto, meu cérebro como que se apagara. Nada mais vi nem ouvi, porque um torpor, que nunca imaginei pudesse ser assim tão forte, se me apoderou do corpo e da mente. Quanto tempo permaneci naquele desmaio sofrido de profunda inconsciência, ainda não sei. Acordei num aposento confortável, assistido por uma senhora em cuja presença adivinhava uma enfermeira prestimosa. Não pude articular a palavra logo após retomar a própria consciência, abrindo os olhos. Notei que uma grande dificuldade me tomara a garganta e, entre pensamentos enfileirando orações, esperei o momento no qual me foi permitido falar. Então, perguntei à protetora diligente sobre o meu próprio destino, já que a minha triste cena final me voltava à memória. Estaria em algum recanto de tratamento na Terra mesmo ou me achava em algum lugar fora do Plano físico? O corpo estava quebrado, dolorido… A senhora me informou que a minha presença, fosse onde fosse, lhe seria muito grata ao coração e me recomendou chamá-la por vovó Josefina. — Renato. ( † )
- Não posso reconstituir todas as fases do retorno a mim mesma, após a anestesia profunda. (…) A cabeça dolorida e quase sempre pesada exigia o tratamento a que me entreguei, confiante… (…) Aceitei os preparativos da enfermagem para a cirurgia até que a picada num de meus dedos me impôs uma sonolência da qual não conseguia sair… O sono cobria todas as áreas de meu cérebro e ignoro quanto tempo se despendeu, desde os sedativos até os impulsos do acordar… Despertei, sentindo-me entontecida, quando ouvi a palavra “Faya”. De quem seria a voz suave que me buscava os ouvidos? Penso que os meus olhos abertos se esforçaram por readquirir a visão. Pela primeira vez notei que o olho é um órgão do corpo e a visão é uma faculdade da alma… Muito devagar, a capacidade de ver me voltou ao íntimo e imaginei que trazia a cabeça raspada e ferida. Tive vontade de gritar e chorar, entretanto, faltavam-me forças. Quando mais forte se me fazia essa ansiedade de me fazer notada, já que me supunha sozinha, a voz tornou a dizer: — “Simone, você já passou pelos riscos da viagem e agora está conosco, em nossa nova moradia. Sei que você ainda não consegue falar como deseja, mas essa inibição é passageira. Querida, um dia, eu também senti a cabeça como que abalada por grande choque. Sofri, chorei, mas tudo passou…” — Simone. ( † )
- Mãe querida, é impossível expressar quanto desejo; se pudesse faria o “striptease” da morte para arrancar-lhe os véus de dor e medo com que a vestem no mundo. O carro nos surpreendeu com a reviravolta havida e o choque foi para mim de impacto, para que dormisse de maneira apressada. E dormi profundamente. Quando despertei, tudo me pareceu natural, como se estivéssemos numa Casa de Saúde para a reabilitação de nosso visual. O Mauro, ao meu lado, supunha o mesmo. A revelação de que o engano estava de nosso lado nos doeu bastante, a princípio, mas pouco a pouco entendemos que era preciso acalmar-nos e tudo passou a condições diferentes. — Tibério. ( † )
- Não pensava que a ausência do corpo físico surgisse em meu caminho com aquela violência. Um mal súbito, sensação de asfixia. E, depois, o corre-corre de tanta gente procurando, debalde, uma solução para o problema que deixara de ser um enigma, a fim de que a resposta da vida aparecesse a mim, acima de qualquer dúvida sobre a morte. osso dizer-lhes que não vou assim tão bem como desejaria, mas não me sinto, de qualquer modo, tão mal como no acontecimento imprevisto poderia parecer. Fui arrancado da experiência física, ao modo de árvore sacudida até às raízes pelo vento forte. A tempestade havia de terminar como se desdobrou, ante os meus olhos assombrados. Estava morto e vivo. Ignoro se vocês entenderão isso na realidade fulminativa com que o assunto ainda me surpreende. Sempre ouvia as referências dos amigos espíritas, escutava avisos e anotações da mamãe e, efetivamente, não categorizava os temas e informações que vocês me apresentavam qual se fossem pura alucinação. Faltava-me o pendor para ser um companheiro militante. Acreditava e não acreditava. E porque o tempo surgisse cada vez mais escasso, ia colocando de quarentena as verdades que me descobriram, quando poderia eu haver tido suficiente ponderação para descortiná-las antes do “clique” em que me vi apagado e reaceso. Penso que vocês possuem experiência bastante para imaginar com acerto o itinerário novo a que me vi atirado pelas circunstâncias. Creio-me, porém, na obrigação de afirmar-lhes que um sono pesado me selou as pálpebras, que não mais consegui reabrir. Ouvia as palavras da mamãe e dos familiares outros, mas em vão procurava discernir as vozes da querida Clery e dos nossos filhos. Foi um torpor invencível, como se estivesse repentinamente dopado por agentes de sedação, que me anulavam qualquer impulso para respostas positivas. Compreendi que uma força se me extinguia no corpo e tive a ideia de que os meus órgãos seriam pilhas elétricas que se vissem desligadas, uma por uma, à frente de um poder que não me cabia controlar. Vocês todos, com mamãe, Clery e os meninos, diante de mim, não me opus ao desmaio que me subjugava com certa doce violência que não sei definir. Mas, no fundo, mamãe, seu filho continua sendo seu filho, e tudo que aprendi em religião me voltou de súbito à memória. Ah! homem algum, criatura alguma na Terra, que não haja obtido experiências enormes pela meditação ou pela dor, conseguirá calcular o que seja essa energia prodigiosa da fé viva, atuando no coração, em momentos assim, quando nos vimos em trânsito de uma vida para outra! Senti-me novamente menino e lembrei minha mãe colocando-me as mãos postas em prece. Foi, assim, na condição de homem devolvido à condição de criança, que entrei na Vida Espiritual. — Hilário. ( † )
- Lembrar-se-á você de que, várias vezes, conversamos, quase a medo, sobre os assuntos da morte. Sabia de minha parte que as coronárias caminhavam para transformações inevitáveis e a circulação para o médico tem o seu alfabeto infalível. Compreendia, e, creia minha querida, que esperava orando. Não sentia vontade alguma de deixá-la assim tão cedo para nós, apesar dos meus 66 janeiros laboriosamente vividos. Entretanto, parece-me que a lista de chamados funciona igualmente aqui com a força das conscrições militares. O comando da morte é irresistível. Quando assinalei a dor característica, entendi o que me aguardava em momentos rápidos, mas uma sensação de sono me invadia totalmente. Dormi ao modo da criatura anestesiada para cirurgia de alto curso e tão somente acordei com amigos do “Bezerra de Menezes” que me amparavam. Em criança, muitas vezes, recebi preces de uma senhora, irmã dos espíritas de então, dona Hortência Gripp, amiga de nossa família em Recanto de Nova Friburgo, e com lágrimas de agradecimento recebi dela e do nosso caro Dr. Bezerra de Menezes os primeiros cuidados. — Orlando Van Erven. ( † )
- Quando me encontrei no carro com a nossa Mariquinha, um sono estranho me abateu. Era como se eu estivesse sob o efeito de um narcótico poderoso. Queria acordar, mas não tinha forças. Senti a inquietação da querida companheira a querer despertar-me e a aflição do nosso amigo motorista, mas parecia-me trazer uma barra de ferro sobre a cabeça. Sem dores, sem aflições. Dormi contra meu gosto e quando regressei a mim, vi-me qual uma criança nos braços de minha mãe Santa, que foi sempre minha santa mãe. Meu espanto foi enorme. Parecia que estava retornando aos tempos de menino… Na mente, apareceu a paisagem de Cravinhos e tornei a ver meu pai João e minha mãe, acariciando-me e ensinando-me a rezar. Não sei ainda se enxerguei mesmo ou se estavam em meu pensamento as imagens dos amigos, Professor João Nogueira e do Alves Guimarães. Vi-me perto do Scalabrini e tornei a me reencontrar em oração com minha mãe, na capela de São José do Bonfim. Depois, as impressões se emaranharam… Comecei a reconhecer minha mãe e o meu filho Hilário a me falarem com brandura que a vida havia mudado para mim… — Germano. ( † )
- Desejo dizer à nossa Sheila, que se me lembro de algum detalhe da ocorrência, recordo-me claramente de que certa máquina pesada, provavelmente algum caminhão carregado, nos atirou o carro sobre o poste. Depois disso, estou na condição de esquecido, qual sucede com ela própria. Uma certa amnésia me absorveu e me demorei bastante no torpor que não sei explicar. Depois de obter aqui a assistência necessária, soube que ela, a nossa querida Sheila, estava inconformada e abatida, até mesmo pensando na maneira de nos seguir, à Jacqueline e a mim, como se fosse culpada de um acontecimento do qual nenhum de nós três tomou parte. — Carlos Henrique. ( † )
- Observei que o papai se inclinava sobre mim como a buscar-me as últimas frases que eu pudesse dizer, contudo, uma voz interior me solicitava paciência e aceitação da vontade de Deus. A dor moral superava as dores físicas pela minha impossibilidade de comunicação, entretanto, chegou o instante em que me entreguei, de todo, ao Eterno Pai e roguei a Jesus fizesse de mim aquilo que estava nos desígnios do Mais Alto. Foi quando me senti longe, qual se forças imensas me conduzissem para local diferente… Um alívio inesperado me banhou os sentidos e dormi profundamente. Quanto tempo gastei nesse repouso inconsciente, ainda não sei, mas ao despertar, com evidentes melhoras, foi o padrinho Antônio Guerra a primeira pessoa a abraçar-me. Confesso que a surpresa era para mim alegria e sofrimento, porque não me restavam dúvidas, quanto à realidade… — Carlos Alberto Elisei. ( † )
- Não foi afogamento. Senti um esmorecimento no corpo todo e não vi cousa alguma, a não ser que acordava com tantas medidas perto de mim. Eu estava, porém, dormindo e acordado. O corpo dormia perto e eu mesmo, sem nada compreender, estava rente a ele. Por fim, era tanta perturbação em minha cabeça que tentava entender sem possibilidades para isso, que caí num desmaio… É tudo o que posso dizer, até que esbarrei no hospital em que me vi para depois voltar a casa a fim de tentar consolá-la… Meu avô Romano, meu grande avô Rojas e outros amigos responsabilizaram-se por seu filho e fiquei em nosso lar, buscando remediar o sofrimento, mas até agora tudo tem sido em vão. — Orlando Lazzaro. ( † )
- Ainda estou assim diferente, às vezes querendo dormir muito, mas estou mais alegre, porque vocês voltaram a fazer de nossa casa o jardim de paz e felicidade que sempre foi. Logo que cheguei aqui, chorava muito, porque ouvia vocês e todos em casa me chamando. Acordei num quarto muito claro e muito agradável, desde que me vi por fora do Hospital, mas sentia muito frio, apesar do ambiente de conforto. Pensei que estava em casa de alguma pessoa nossa ao sair do sono longo em que me vi de um instante para outro e gritei por papai, por você, mãezinha, gritei muito, até que a enfermeira perto de mim trouxe um amigo que me falou ser também meu avô — o meu avô que está aqui comigo. Ele me abraçou e me disse para descansar… — Eduardo Zibordi. ( † )
- A princípio, aquele choque de máquinas foi para mim um acontecimento indescritível. Não sei quantos metros voei pelos ares, ante o choque da máquina pesada que me atirou para diante. Mas, aquele era o momento certo para o meu regresso à Vida Espiritual. Desmaiar, dormir um sono de pesadelos terríveis e acordar sobressaltado procurando onde me haviam colocado, foram ocorrências para as quais não me achava preparado. De começo, julguei que estava em casa de tratamento em nossa cidade e que só me faltava a presença dos meus, no entanto, uma senhora se destacou dentre os enfermeiros que me assistiam, para dialogar comigo. Ela me pareceu, para logo, uma parenta muito querida, porque até na voz guardava profunda semelhança com a sua. Depois de acariciar-me, na tentativa de me pacificar, disse-me que já não me achava mais em nossa casa e que me competia guardar paciência e conformação, duas atitudes difíceis para quem se reconhece acidentado e fora do ambiente doméstico. Buscando enxugar minhas lágrimas de rapazinho estouvado, declarou-me que era a vovó Ana Dantas e que zelaria por mim. Bastou que a morte do corpo me tomasse as ideias, até então em dúvida sobre o meu verdadeiro estado, para que a enxergasse com o papai Hélio por dentro de mim, como se lhes trouxesse os retratos vivos no coração. — Georthon. ( † )
- O choque foi muito brusco e me vi sob a pressão do engenho que me parecia tão leve ao montá-lo. Compreendi, para logo, depois do acidente havido, que a transformação seria certa. Não desejo empregar a palavra “morte” num acontecimento que não me afetou o Espírito em ponto algum. Afinal essa dona do pânico não existe. Tanto choram por essa ocorrência que, a rigor, é a sombra por ausência da luz… De começo, era compreensível que me visse quase desesperado… Eu não sabia cousa alguma acerca do que viria depois e o temor do desconhecido me tomou o coração de assalto. Creia, porém, a querida mãezinha Lourdes que o seu carinho e o amor por meu pai estavam em meus pensamentos na Grande Mudança. Além da queda de que fui vítima, não tive ensejo para refletir em muitos assuntos, porque desfaleci num desmaio total. (…) Lutei vigorosamente contra a exaustão de minhas forças, mas o sono me venceu, qual o sedativo que provoca o repouso de uma criança. Entretanto, sem que eu saiba ainda quanto tempo estive inconsciente, como quem se demorasse num casulo, para acordar em novo ambiente, fui surpreendido pelo carinho de alguém que me tomara nos braços quando a moto foi atirada sobre mim. Esse regaço de mulher e de mãe me lembrou a suavidade de sua ternura de sempre para comigo e, quando despertei, ei-la que se me deu a conhecer, tranquilizando-me o coração agitado. Era a vovó Ernesta que me solicitava dormir sem medo e ao despertar era ainda ela mesma a me convidar para o retorno à esperança e à Vida. — Carlos Roberto. ( † )
- Quando me senti dentro do estouro que me recordava uma bomba de guerra, imaginei que poderia socorrer os companheiros Ulisses e Maia que estavam comigo; entretanto, não encontrei recurso algum para movimentar-me. O cérebro como que se me obscurecera de modo total e não me sentia dono das mãos e dos pés, a fim de cumprir o meu dever de fraternidade para com os amigos que me partilhavam aquele deslizar pelos caminhos, despreocupadamente. Não vi, porém, nem o Ulisses e nem o Silião Maia, pois parecia que uma cegueira repentina me tomara os olhos e o próprio discernimento. Era muita agitação para que eu pudesse concatenar ideias para a oração, mas, instintivamente, entreguei-me a Deus, na condição de menino frágil que se recolhe ao regaço materno em momento de perigo. Um leve sopro de brisa que não compreendi me acalmou quase que de repente, à maneira das criaturas perturbadas que a injeção misericordiosa costuma sedar repentinamente. Uma voz amiga me pedia dormir. Dormir! Era tudo o que me restava fazer, porque, a suportar as alucinações que me tomaram de assalto, era preferível o esquecimento de mim mesmo. Senti que dois braços me tomavam com carinho semelhante ao seu e alcancei o torpor que me conduziu ao sono pesado e real que se sucedeu ao baque de forças do qual fôramos vítimas. Mais tarde, sem que eu possa precisar o tempo em que perdurou a minha auto-omissão, despertei sob os cuidados de alguém que me velava pacientemente. Achava-me ainda incapaz de falar, ao modo de alguém que jazia no fundo de um poço, sendo içado vagarosamente por energias que até hoje não pude penetrar. Tive a ideia de estar regressando a mim mesmo. Abri os olhos com dificuldades e notei que não me encontrava em nossa casa. Espantado, dirigi-me, em pensamento, à senhora que me amparava e ela explicou-me com bondade que fora transferido de uma vida para outra. Aquilo me chocou de modo indefinível. — Casto Luiz. ( † )
- Mal vira a máquina estancar sob a pressão de minha vontade firme e a velocidade repentinamente cortada, como que se vingou de mim, atirando-me para longe. Caí desamparado e percebi que estava faceando o maior perigo de minha vida. Não pude erguer-me. Minha coluna parecia-me quebrada e a cabeça entrou em pane, porque não mais consegui coordenar as minhas ideias. Percebi que me apanhavam cuidadosamente, mas não pude discernir coisa alguma. Estava reduzido a um trapo sanguinolento; entretanto, não ignorava que me conduziam a um hospital. Ouvia vozes sem entendê-las, porque a minha própria vida estava se afastando de meu entendimento. Escutei as palavras lavadas de pranto de nossa Magali, a quem os médicos endereçavam uma solicitação que não entendi. Minha atenção esgotava-se na falta de resistência a que chegara. Pensava em si, mãezinha Izar, com ânsia de ouvi-la perto. Nada conseguia falar, e quanto mais se acentuava a dor que eu sentia no peito, vi o papai ao meu lado, convidando-me a segui-lo. Outros amigos o acompanhavam e me recomendavam saísse da apatia a que estava me acomodando, de modo a segui-los com urgência. Mãe, deixei o meu corpo, como quem se afastava de uma roupa que se fizera imprestável, e logo de saída, conquanto me sentisse privado da visão, senti uma dor muito grande no tórax. Os amigos de meu pai me solicitaram esquecesse o vigor daquela agulhada que me transtornava todo o ser, no entanto, eles se apressaram em me auxiliar com o magnetismo curativo e a dor desapareceu. Soube mais tarde de que naquele momento eu tivera o coração do corpo físico arrancado para servir ao transplante que favoreceria um homem que se avizinhava da morte. Meu pai informou que a medida fora autorizada por minha irmã e deu-me a conhecer a utilidade da providência, de vez que eu não mais recuperaria o corpo quebrado até a medula. Explicou-me que era justo o trabalho que se fez, entregando-se o meu coração, que ainda pulsava, ao irmão doente que, com isso, poderia continuar vivendo, e esclareceu-me com tanta lógica que acabei aderindo, reconhecendo que a Magali, vendo-me quase morto, do ponto de vista físico, permitira que o meu coração servisse para alguém que necessitava dele. Logo que me confessei agradecido e satisfeito com a medida, notei que o coração em meu corpo espiritual pulsava forte e robusto. — Roberto Igor. ( † )
- Alguma ruptura de vasos me atingira, porque, por mais buscasse falar, não mais encontrei a possibilidade de qualquer expressão, dentro da noite alta. Rememorei meus estudos de medicina, revisei os meus doentes e os meus apuros na psiquiatria para definir-lhes as emoções e, em seguida, querida mãezinha, as recordações da infância e do lar desfilaram diante da minha visão íntima. (…) O estudo, as exigências da vida e as lutas naturais de um rapaz que deseja atingir a própria maturação de um dia para outro, tudo, tudo estava ali comigo naqueles instantes, nos quais me sentia naufragar num mar de névoa… Hoje sei que as Leis de Deus nos poupam os sofrimentos da chamada morte, que não é mais que transformação, sem ser mudança radical em nós mesmos, e naqueles momentos entreguei-me de todo ao torpor que me sedava todos os nervos… Quando despertei, vi-me ao lado de almas queridas, as Marias, minhas avós, e do Toni que sorria, ao meu lado… Aquilo era por demais eloquente para que eu fizesse indagações; no entanto, as lágrimas me vieram do coração para os olhos. Pensava em seu amor, em meu pai e na irmã querida e nos amigos. Creia que a minha luta para harmonizar-me com a realidade não foi pequena. Senti-me sob o peso de uma saudade gigantesca, mesmo porque não sei se existe algum médico preparado para morrer. — Luiz Antônio. ( † )
- Aliás, ao que me lembro, era domingo. Despedi-me da nossa querida Lilian com uma tristeza esquisita no coração. De quando a quando nós dois fazíamos um resumo ligeiro dos pequenos desacordos, em que por vezes nos achávamos de mergulho total, mas sinceramente, naquela hora, a sombra que me possuía era mesmo uma espécie de entardecer por dentro da gente. Queria expressar alegria, no entanto, o meu sorriso era mais uma careta de menino doente. Depois foi a disparada. Tinha ciúmes da máquina que me obedecia com tanta segurança. Pensava nisso, refletindo nas distâncias a que ela consequentemente me transportava a fim de refazer pensamentos e reavaliar meus problemas, quando o choque me apagou. Se alguma ideia estava sobrando em minha cabeça, ainda não sei. O negócio era cair de uma vez e dormir sem pensar. Quando despertei tudo estava diferente, mas a muito custo é que consegui admitir a minha transferência. Chorar, chorei muito, não posso ocultar isso. Mas os parentes me acomodaram. Era necessário esquecer a roupa estragada e desvincular-me da moto a fim de recuperar a tranquilidade. — Moacyr. ( † )
- Nunca havia pensado que alguém pudesse voar com a tranquilidade dos passarinhos. A beleza do acontecimento me impelia à despreocupação pelos horários. A querida benfeitora, depois de uma longa excursão aérea, com estações de pouso em topos de montes, iluminados e belos, me trouxe novamente à casa; no entanto, eu que não era amiga da morte, segundo é de seu conhecimento, me senti subitamente desajustada. Por que retomar o corpo pesado e doente, quando me fora possível efetuar a viagem maravilhosa a que me referi? querida mãe Amélia [avó], porque para mim ela se fizera naqueles instantes minha verdadeira mãe, me recordou que estava em meu arbítrio fazer a opção: ficar com ela na vida espiritual ou regressar ao convívio dos meus entes queridos. Senti saudade intraduzível da Sara Renata e da Alessandra, e me vi atraída por você, para nossa Martha Amélia, para o nosso estimado João Batista; entretanto, a diferença que passara a conhecer pesou na balança e entre permanecer sempre enferma e queixosa, e a existência nova que se achava ao meu dispor, meditei igualmente no trabalho que lhes impunha e, verificando que me seria possível prosseguir trabalhando espiritualmente em nosso grupo, em auxílio de nossas crianças, não mais vacilei na escolha. Bastou que me manifestasse favorável à renovação para que meu coração doente fizesse o sinal de satisfação por se ver livre da pressão de minha vontade de continuar vivendo com vocês. À medida que lhe notava os movimentos cada vez mais vagarosos, fortaleci na mente o propósito de me transferir para o lado em que os nossos Amigos Espirituais trabalham tanto e, em minutos breves, o órgão fatigado me entregava a demissão do corpo, estacionando de todo. Era dia ou noite? Seria o dia 27 ou dia 28, aquele que me conferia a independência? Não consegui saber porque o desligamento de meu veículo físico me impunha um certo delíquio, que eu não poderia estudar de momento. — Amélia. ( † )
- Quando o carro tombou totalmente, vendo a expressão daqueles que me rodeavam, esforcei-me, ainda, por retomar o corpo que o acidente inutilizara, principalmente para agir, de algum modo, em auxílio ao Paulo, mas tudo baldado. O corpo não me atendeu e não pude senão recordar as nossas preces e repeti-las no íntimo, preparando-me para o que nos pudesse acontecer. A verdade é que não mais vi os meus como desejava e curvei-me com reverência ao Eterno Pai, cujos desígnios são sempre justos para com todos nós. Creia que me senti no vazio ao perceber que não mais conseguiria rever a família, mas não tive tempo para longas reflexões porque um sono estranho se me apossou de todas as energias e desmaiei, ao reconhecer-me incapaz de falar ou de agir no sentido de reconfortá-los. Desde a pressão das ferragens sobre nós, registrei a presença de duas mãos que me afagavam e só ao despertar notei que me achava diante de uma benfeitora que se me deu a conhecer por vovó Maria Cândida, de quem recebi cuidados maternais. Sem dúvida, não me sentia eu próprio. Delirava. Chamava por todos da família, na ilusão de que fora conduzido a certo posto de socorro, porém, a única resposta era o sorriso silencioso da senhora que me auxiliava sem reclamações. Depois de dois dias, após o nosso despertar, referindo-me ao Paulo e a mim, fomos transportados para uma clínica de socorro, não longe da nossa cidade, onde Paulo e eu fomos cirurgiados na cabeça e nas regiões lesadas pelo choque havido. Soube, então, que estávamos amparados pelos médicos Dr. Antônio Ricardo Pinho e Dr. Júlio Costa, benfeitores da comunidade francana. Em pouco tempo nos reconhecíamos perfeitamente bem, mas começaram as saudades a se me acumularem no peito. — Luís Roberto. ( † )
- Você não pode imaginar a minha surpresa naquela noite aparentemente calma. Vi-me em sonho, ao lado de meu avô Ambrósio. Vi um sonho-realidade, no qual o via tão claramente, como se estivéssemos juntos em plena luz. Conversamos pelas ruas e, de minha parte, observava que o ar estava mais leve e mais puro. Em dado momento, um amigo se aproximou de nós e estendeu-me a mão fraterna. Meu avô apressou-se em apresentá-lo: — “Veja Renato, aqui é o nosso amigo Dr. Trajano Barros de Camargo, um companheiro e um amigo de todos os momentos.” O recém-chegado sorriu, aumentando o meu espanto e diligenciou tranquilizar-me, afirmando: — “Já sei, meu caro rapaz. A nossa estranheza é muito grande nestes momentos.” Aquele homem simpático e aquela voz… Não cheguei a tremer de susto; no entanto, admirei-me, como era natural. Estava ciente de que o Doutor Trajano fora um homem correto e de rara nobreza, mas sabia que estávamos dialogando com um amigo morto. Muitas vezes atravessara a rua que lhe guarda o nome, e de pronto nada consegui responder. Meu avô explicou-lhe que eu era um recruta, um novato naquela situação e o Doutor Trajano me colocou à vontade. Manifestei o desejo de voltar à nossa casa e os dois me acompanharam. Entramos, desde que o Doutor Trajano possuía o aval do meu avô Ambrósio para agir com intimidade. O amigo permaneceu em nossa sala-de-estar e volvi ao quarto. Quis acordar o meu próprio corpo; entretanto, a mudança havida me estremeceu. Meu corpo, de que me orgulhava tanto na boa apresentação, estava imóvel. À medida que os meus receios cresciam, o meu corpo espiritual, em cuja posse já havia entrado sem perceber, se mostrava mais consistente. Esforcei-me um tanto mais; no entanto, sucedera o imprevisto com o qual nunca poderia contar. A minha máquina física estava inerte. Pasmo e arrasando-me de dor, indaguei de meu avô se aquilo era a morte. E o avô Ambrósio, compadecendo-se de mim, fixou um gesto afirmativo em resposta. Senti-me envolto num clima de gelo e caí nos braços de meu avô que me aconselhou a retirada. Confesso a você, querida Marilu, que chorei convulsivamente, por mim, por você, por meus pais e por nossos filhos e não tive outro recurso senão aceitar o braço que o avô Ambrósio me oferecia para sair. O Doutor Trajano, experiente e generoso, aproximou-se de nós e deliberou igualmente amparar-me. Foi quando me estirei nos braços de ambos os benfeitores e entrei num desmaio indescritível. Despertei ignorando o tempo que despendera para tornar a mim próprio. A casa que me acolhia era simples e agradável. Uma senhora que me solicitou chamá-la por Ana, que é o nome de minha mãe, se incumbia ali de prestar-me todos os favores que uma enfermeira de família concede a um doente. — Renato. ( † )
- Não saberia contar o que sucedeu. Uma grande carreta impeliu-nos, decerto contra a vontade do motorista que a conduzia, para o outro lado da estrada onde, por um relâmpago de tempo, tive a impressão de que seguíamos viagem a salvo de quaisquer dificuldades, quando outra carreta nos apareceu de improviso sem possibilidade de freagem e o resto já sabem; o massacre foi total, Rita e eu com os filhos Luiz Eduardo, Leandro e André nada mais vimos; o nosso pensamento foi transitoriamente cassado, assim creio, porque tivemos a pressão irresistível da grande máquina sobre nós e acabamos todos desmaiados ou diluídos no impacto. O sofrimento foi muito grande para nós quando acordamos, sob os cuidados de pessoas que nos pareciam estranhas. Em breve tempo, soubemos que estávamos despojados do corpo físico, o corpo que nos prende à existência na Terra. Uma enfermaria ampla nos resguardava. Ao lado de Rita e André estava o nosso irmão Senhor João Bosco Carbone e comigo estavam familiares queridos, com a minha bisavó comandando a assistência de que nos víamos necessitados. E até hoje o tratamento de recomposição prossegue, porque emocionalmente estávamos alucinados. Somente agora, vamos situando cada ocorrência na faixa da realidade e estamos contando com a Bondade de Deus para saber como será o remate de nossa convalescença. Das minudências de nosso reajuste não sei dizer o que poderia contar. Existem problemas aqui que o homem comum não entenderia, se lhe fosse exposto à visão. — Luiz César. ( † )
- Quando me vi longe do corpo, intuitivamente tudo compreendi. Minha avó Amália, que se me deu a conhecer, falou por mim o que eu desejaria perguntar… O aneurisma fora um problema insopitável. Deu-me todos os detalhes do tratamento e se referia à bondade dos médicos que me amparavam sem possibilidade de me socorrer. Desfeita a estrutura do processo enfermiço que me tomava a vida mental, o tumor adquiriu o destaque que não me deixava lugar a qualquer engano. Compreendo que a ruptura do tumor, que eu trazia sem perceber, represara de sangue todas as áreas de meu cérebro e as explicações da vovó Amália se fizeram para mim somente a confirmação do que eu percebera, mas tudo em torno de mim era diferente. As saudades de casa invadiram minha alma toda e não consegui resistir às lágrimas que me vinham do coração. A desencarnação, em meu caso, fora tão fácil, mas a libertação se consumou com muita dificuldade. Não posso negar aos pais queridos que lhes chorei a falta nas saudades do papai e da Liede, durante muitos dias… — Selma. ( † )
- Comprei o revolver que mais se parecia a uma peça de museu, à vista de minha inexperiência no assunto. Coloquei a peça em minha pasta de serviço, mais no propósito de recuperá-la, através de rigorosa limpeza, que de usá-la por mim mesmo. A aquisição me passou pela cabeça por assunto banal que não me pedia qualquer consideração especial. Longe me achava de pensar que o apetrecho se voltaria contra mim, sem o concurso de minhas próprias mãos. Era sexta-feira e imaginava como seria o repouso domingueiro, quando busquei a companhia do nosso Luiz Antônio, a fim de trocarmos opiniões sobre negócios habituais. Tudo seguia com espontaneidade em nosso encontro de escritório, quando a pasta caiu no piso da sala e a disparada se processou, fatal. Lembro-me apenas de que fui atingido pelo projétil que rompera o próprio revestimento da bolsa para alcançar-me e coloquei a mão no peito, experimentando uma dor aguda que, sem demora, se converteu em mim, no assombro que me prostrou. Quis reagir, falar, perguntar, observar com mais clareza o que se passava, no entanto, creio que perdia sangue à medida que adquiria o torpor que me pôs em branco as menores linhas do pensamento… Só mais tarde, entendi que uma força divina me propiciara a bênção do sono que me dominou por vários dias… Quantos, ainda não sei… Recordo-me, porém, de que despertei na ideia de que seria recuperado. Tudo à frente se revestia de tanta identificação com o que via na Terra que, de imediato, me supus num hospital de socorro urgente, mas, a pouco e pouco, os enfermeiros que me acompanhavam me deram a entender que tudo era diferente… Meu corpo era o mesmo, aos meus olhos, e a região do ferimento trazia tampões adequados, induzindo-me a crer que me achava em nosso Plano de experiências físicas. Tão logo melhorei, trouxeram-me vovó Maria de Freitas para o diálogo. Não a conheci, de pronto, no entanto, com a paciência que somente as mães conseguem acumular, notificou-me o ocorrido… Senti-me desorientado, aflito… Bastou que a verdade me invadisse a mente, para que me abrisse aos sentimentos do lar e, então, qual se eu trouxesse um vídeo por dentro de mim, passei a vê-los orando e chorando por minha causa… — Cláudio Rogério. ( † ) ( † )
- A queda do avião fora um acontecimento de expressão indefinível. Quando reconheci que a descida desgovernada era problema sem solução, pensei em suas preces por um segundo só… Sabia que embaixo, no campo, devia estar a multidão em festa, conquanto a chuva que caíra momentos antes… Entreguei-me, porém, a Deus, e nada mais senti que um longo arrepio precedendo o sono agitado em que penetrei… O que foi semelhante pesadelo, não sei contar. Sei apenas que me vi com a vovó Marina e com o bisavô Assyrio num campo de repouso que julguei a princípio fosse uma dependência de hospital para acidentados… Até que me convenci de que não mais me vinculava ao Plano Físico, hesitei muito em admitir a verdade. Vovó Marina me conduziu, então, à nossa casa e vi que a senhora não me via mais e, porque eu chorasse, me recordo de que o seu pensamento foi atraído para um retrato meu e ouvi as suas preces encharcadas de lágrimas por minha causa… — Laerte. ( † )
- O choque foi muito grande para mim, porque não esperava a campainha de renovação para assim tão cedo, no meu modo de entender… Ver-me arrancada dos meus, justamente quando o nosso Alexandre era comigo e com o João a esperança de nosso futuro, me doeu de maneira inexplicável. Não estou inconformada, estou surpreendida. Entretanto, rogo para que me ajudem. Mamãe, a princípio, acordando num ambiente estranho, não poderia supor que me achasse em outra casa que não fosse algum Instituto para socorro de emergência, e por isso chamei por sua presença, de meu pai e pela presença do João quase que desesperadamente. Foi a vovó Maria Crepaldi quem se abeirou de mim, com o intuito de pacificar-me. Acomodar-me à situação não era assim tão fácil, mesmo porque, além do marido, um filhinho estava à minha espera… O resultado foi aquele pranto de criança incompreendida, que a vovó Maria se encarregou de consolar. — Marisa. ( † )
- Aquele choque de veículos, entre Bulhões e Bonfinópolis, ainda me ressoa no cérebro qual se fosse uma bomba a me estourar nos ouvidos. Lembro-me: um caminhão desgovernado atirou-nos o carro para uma frente que não sei descrever. A batida foi violenta, de tal modo que o tio Gomes e eu nos sentimos projetados para fora sem saber como se verificou o acontecido. A princípio, em minha cabeça tudo era sonolência com a esperança de acordar em algum lugar de socorro; mas, da sonolência passei a um sono profundo de que somente voltei com o seu pranto e o pranto de nossa querida Ilma a chamar-me. Julguei houvesse sido instalado em algum pronto-socorro, no entanto, em tempo breve, tudo ficou muito claro. Meu avô Armando Cavalcanti e o meu tio Joaquim se deram a conhecer e pude receber a verdade com o assombro de um menino que se vê, repentinamente, arrebatado de casa para o desconhecido. — Antônio Carlos. ( † )
- Quando notei que não mais conseguia manejar o cérebro com a facilidade possível, a princípio, o receio do desconhecido me tomou o espírito inteiramente. Sabia que vocês ambas se achavam ausentes e, embora isso, buscava selecionar as vozes que ouvia, para tentar encontrá-las nos que me cercavam… A luta em mim, comigo mesmo, perdurou por tempo estreito. Um desmaio suave me levou a perder a consciência própria e dormi por algum tempo… Quantas horas? Não sei ainda precisar. Despertei, porém, ao lado de nossa querida Pia e de minha mãe Acácia que para logo me fizeram sentir a renovação que eu deveria esperar e não queria estar esperando… — Cássio. ( † )
- Eu não queria ser feliz sem vocês e por isso mesmo, embora percebendo que protetores espirituais me sugeriam paz e esperança, eu rogava esperanças e paz a fim de regressar para a casa. A aceitação foi bastante demorada. Não conseguia falar, no entanto, meus ouvidos estavam de tal modo sensíveis que pareciam funcionar fora de mim, trazendo ao meu íntimo as menores particularidades do que se falava sobre os meus problemas orgânicos. Escutava e lutava contra as ideias de calma naqueles momentos estranhos. Por fim, notei que era impossível pensar em regresso com as energias exaustas… Passei à oração, pedindo a Jesus me amparasse. Em dado instante, acreditei que iria dormir, e que naquela condição sonhava com minhas avós, entretanto, o sonho não era isso. Era mudança. Ouvi o choro abafado das meninas e fiquei espantada. Nesse ponto de meu novo caminho, aproximaram-se de mim diversas senhoras que se declararam irmãs da benfeitora Carolina Malheiros e oraram comigo… Nas vibrações de paz daquelas preces, adormeci de verdade para somente acordar depois de um tempo, cuja duração ainda não sei definir. Despertei muito fraca e muito cansada. As surpresas eram tantas, desde a queda de minhas forças, que não me admirei ao saber que me achava sem a vestimenta do corpo terrestre. A cabeça estava um tanto desorientada, tive a ideia de que me levantava de um sono por sedativos, de cuja influência não me livraria sem dificuldade e aceitei todas as instruções que me traçavam. — Ivone. ( † )
- As pessoas no mundo, ao que hoje me parece, estão dormindo mesmo quando acordadas, pois não costumamos imaginar que possuímos um corpo que é o nosso próprio corpo depois da morte física. Papai, agora, imagino que a forma verdadeira é a de cá, onde me vejo presentemente e que aí no mundo temos apenas um xerox da pessoa que realmente somos. Tudo aqui mudou e, ao mesmo tempo, preciso dizer que a mudança não é assim sensacional. Estou muito bem tratado num hospital maior que o Sírio Libanês, e onde os aparelhos para as minhas melhoras não me castigam tanto o estômago e os intestinos. Estou melhorando, pouco a pouco, mas melhorando sempre. Noto também que estou com os meus raciocínios amadurecidos. Não saberia hoje escrever na condição do rapazinho doente que eu fui. Não sei explicar a ocorrência, nem sei dizer quanto tempo estive em regime de sonoterapia ou de anestesia mesmo, depois que me retiraram do corpo que não me aguentava mais. Nos instantes de partida, quis conversar com a nossa querida Belmira (Mira) e agradecer por todas as bênçãos que recebi, mas um torpor invencível me invadiu a cabeça. Parecia a mim mesmo, alguém que não vencia a sede de dormir. Quando acordei, supondo-me no hospital e no mesmo setor de gastroenterologia, chamei por mamãe e Belmira, mas em meio das enfermeiras desconhecidas, apareceu a nossa tia Maria, a quem mamãe me ensinou a tratar como sendo para ela um neto que ela não conseguia ver. Uma alegria muito grande me tomou o coração. Julguei que a nossa doce e velha tia Maria se curara dos olhos e nem de longe entendi que estávamos em outro campo vibratório. (…) Não foi fácil habituar-me à nova situação, porque as dores voltavam e fui obrigado a tomar sedativos. Compreendi, pouco a pouco, que ninguém desencarna de uma vez, como também, na Terra ninguém nasce sem preparação. Agora, tenho apenas alguns resquícios da dor muito raramente, quando me afundo de todo nas recordações do hospital da Terra. — Carlos Gataz. ( † )
- O vovô Luiz me acolheu qual se fora meu próprio pai. Carinho e proteção, amor e bênção. Tenho poucas lembranças porque estou reabilitando a memória, no entanto, não consigo enfileirar muitas recordações. Sei que fui levado para Ribeirão e depois trazido para casa, onde, apesar dos fatos que me esperavam, não pude me furtar ao sono pesado que me cerrou as pálpebras. Quando despertei, foi aquela cena de hospital com ar puro e recintos muito brancos, doando-me a vida que fora entregue a tratamento em uma clínica especializada. — Pedro Luís. ( † )
- A moto não foi a causa. Todos estão certos que eu sabia agir com prudência. O fato é que meu encontro com a estaca final de tempo terrestre estava ali, naquele abalroamento que não me impôs sofrimento algum. Para mim, querida mãezinha, foi apenas um choque, um desmaio, um lapso de tempo e, depois, um acordar que não esperava, embora pressentisse. A verdade é que as lágrimas de casa foram também as minhas, até que meu avô Eduardo e outros amigos me restabelecessem a tranquilidade. — Eduardo Budaszewski. ( † )
- Veja mamãe, a sua palavra sempre recomendava cuidado na altura: o painel do avião poderia estar errado, as nuvens seriam traiçoeiras, as tempestades chegavam de improviso e era preciso muita prudência para não me despedaçar à frente de alguma elevação mais alta da terra. Recordo as suas palavras de amor e preocupação, sempre que me ausentava decolando para subir; e, no entanto, tive de largar o corpo físico na terra mesmo, na poeira do chão. (…) O princípio por aqui foi muito difícil, como acontece a qualquer início: assombros, perguntas, choro sem razão de ser e muita reclamação. Mas, a primeira pessoa que me afagou no despertamento, foi a querida vovó Idalina, que faz questão de substituí-la por aqui, tanto quanto possível, em meu favor. — Cezer ( † )
- O homem providencia tudo com referência ao conforto e a estabilidade que lhe dizem respeito. Pensamos em trabalho e remuneração, família e felicidade, no entanto, nem sempre recordamos as situações inevitáveis a que todos somos destinados. Foi assim que a morte do corpo físico me surpreendeu. Desprevenido. (…) Um muro vibratório nos separa, e tão fortemente estruturado, que somente à custa de muito esforço poderá a ciência dos homens derrubá-lo, um dia, para que os nossos diálogos se façam mais positivos. (…) Aqui encontrei, logo ao despertar, num outro clima de experiência, a vovó Maria e a vovó Amabile, com o Irmão Silva, seu tio na Vida Espiritual e com a beneficência do Padre Euclides, de quem ouvíramos tantas referências… — Oswaldo. ( † )
- Não desejo se fixem na lembrança do que me ocorreu, entretanto, para que não haja culpa em ninguém, posso informar que o acidente que me obrigou a deixar o corpo físico, veio a efetuar-se na Avenida Brasil, onde eu esperava algum ônibus ou taxi, que me reconduzisse ao centro da cidade para compra de algumas lembranças para o Ano Novo. Era o começo da noite do dia 30 de dezembro e queria adiantar-me. A 31, as lojas estariam repletas. Entretanto, quando refletia nisso, um carro grande me atirou de surpresa ao encontro da calçada e não pude evitar a queda do corpo pesado, fraturando a base do crânio. Atormentei-me ao imaginar que a esposa teria dificuldades em reencontrar-me, entretanto, mamãe, muito a contragosto notei que as manifestações verbais me haviam sido cassadas, porque, em vão, tentei articular algumas palavras. Sabia que em casa me esperavam e a impossibilidade de fornecer qualquer informação me afligia, de modo indescritível. Compreendi, porém, que estava atingindo uma crise para a qual as suas palavras amorosas me haviam preparado a receber e tentei aquietar-me. Foi quando a hemorragia cessou ou me pareceu cessar e vi junto de mim a nossa bondosa Mãe Doca a sossegar-me o ânimo assustado. — Eddie. ( † )
- Vínhamos da praia, onde havíamos atravessado as alegrias do domingo, sem pensar noutro assunto que não fosse o retorno à paz de casa, quando o carro enorme investiu sobre o nosso. O pânico estabelecido não durou muito, porque a batida nos silenciara. De minha parte quis gritar, fazer força para socorrer a Sirley e verificar o que havia com os outros, mas o golpe me estirara imóvel. A ânsia de falar não encontrava a boca que me pudesse externar os pensamentos e não consegui senão ouvir gritos, ali na paisagem de Mongaguá, quando nos preparávamos para varar toda a extensão da Praia Grande, a fim de ganhar altura para o caminho de Santa Fé. (…) Mãezinha, de começo para nós e especialmente para mim, tudo foi um sono pesado de injeção sedativa em dose alta para imobilizar um leão. Parece-me que Deus manda os anjos da misericórdia cerrar as pálpebras dos que largam o corpo compulsoriamente, em lances dolorosos qual aquele em que nos vimos, porque somente dei conta de mim num hospital que julguei fosse uma instituição de socorro da Terra mesmo. Não preciso dizer que gritei à feição de criança espavorida chamando a família, mas foi a vovó Isabel com o Monsenhor Gonçalves, que vim a conhecer aqui na vida diferente em que nos encontramos, as pessoas que me esclareceram devidamente. — Arnaldo. ( † )
- Quando o médico pronunciou a notícia que o óbito se fizera, ainda estava com os ouvidos funcionando entre as duas vidas e tive receio e orei, mas de súbito ouvi a voz de meu pai Max solicitando-me paciência e calma. Pareceu-me que as palavras dele se me infiltravam na cabeça por sedativo poderoso que me imobilizou num grande sono. Tive uma série de sonhos que recapitulavam os mínimos fatos de minha existência. Quando acordei, papai e minha avó Berta falavam comigo, convidando-me a pensar em termos de outra vida. As lágrimas me vieram do coração para os olhos e nesse pranto estavam todos os entes que amo, a começar por sua alma querida que me embalou nas horas primeiras da vida na Terra. — Frederico. ( † )
(Momento da morte I - II - III - IV - V)