Espiritismo e Espiritualismo.
(2.)
— Dissidências. (3.)
— Fenômenos espíritas simulados. (4.)
— Impotência dos detratores. (5.)
— O maravilhoso e o sobrenatural. (6.)
— Oposição da Ciência. (7-10.)
— Falsas explicações dos fenômenos. (11-14.)
— Não basta que os incrédulos vejam para que se convençam. (15.)
— Boa ou má-vontade dos Espíritos para convencer. (16.)16.)
— Origem das ideias espíritas modernas. (17.)
— Meios de comunicação. (18-20.)
— Médiuns interesseiros.
(21-23.) — Médiuns e feiticeiros. (24,
25.) — Diversidade dos Espíritos. (26-29.)
— Utilidade prática das manifestações. (30.)
— Loucura, suicídio e obsessão. (31.)
— Esquecimento do passado. (32.)
— Elementos de convicção. (33, 34.)
— Sociedade Espírita de Paris. (35.)
— Interdição do Espiritismo. (36.) |
Médiuns interesseiros.
21. O Visitante. — Antes de se entregarem a um estudo de longo fôlego, algumas pessoas gostariam de estar certas de que não vão perder o tempo, certeza que lhes daria um fato concludente, mesmo obtido à custa de dinheiro.
A. K. — Naquele que não se quer dar ao trabalho de estudar, há mais curiosidade que desejo real de se instruir; ora, os Espíritos, assim como eu, não gostam dos curiosos. Além disso, eles têm grande antipatia pela cobiça e jamais se prestariam a satisfazer a cupidez de quem quer que fosse; crer que Espíritos superiores como Fénelon, Bossuet, Pascal, Santo Agostinho, se ponham às ordens do primeiro que os chame, a tanto por hora, é fazer uma ideia bem falsa das nossas relações com o mundo espiritual. Não, senhor; as comunicações de além-túmulo são assunto grave demais e exigem muito respeito para serem assim exibidas.
Sabemos, aliás, que os fenômenos espíritas não se produzem como o movimento das rodas de um mecanismo, pois que dependem da vontade dos Espíritos. Mesmo admitindo-se que um indivíduo possua aptidão mediúnica, nada lhe garante obter uma manifestação em dado momento. Se os incrédulos são levados a suspeitar da boa-fé dos médiuns em geral, seria muito pior se neles encontrassem o estímulo do interesse; poder-se-ia suspeitar, e com razão, que o médium retribuído simulasse uma manifestação qualquer, quando o Espírito não o auxiliasse, já que é desejo dele ganhar dinheiro de qualquer forma. Ora, além de que o desinteresse absoluto é a melhor garantia de sinceridade, repugnaria à razão evocar por dinheiro os Espíritos das pessoas que nos são caras, supondo que eles consintam nisso, o que é pouco provável; em todo o caso, só se prestariam a isso Espíritos de classe inferior, pouco escrupulosos quanto aos meios, e que não merecem confiança alguma; e estes mesmos, muitas vezes, encontram um prazer maligno em frustrar as combinações e os cálculos de seu evocador.
A natureza da faculdade mediúnica opõe-se, pois, a que ela se torne uma profissão, pois que depende de uma vontade estranha à do médium, e que lhe pode faltar no momento em que mais precise dela, a menos que ele a substitua pela astúcia. Porém, considerando-se que os fenômenos não se produzem ao acaso, mesmo admitindo-se inteira boa-fé, seria puro efeito do acaso se, em sessão paga, se produzisse exatamente aquilo que desejávamos ver para nos convencermos. Dai cem mil francos a um médium e não conseguireis que ele obtenha dos Espíritos o que estes não queiram fazer; essa dádiva, que viria desnaturar a intenção e transformá-la em violento desejo de lucro, seria antes um motivo para que ele fosse malsucedido. Quando todos estiverem convencidos desta verdade - que a afeição e a simpatia são os mais poderosos móveis de atração para os Espíritos compreenderão facilmente que os Espíritos não atendem às solicitações de alguém que tenha a ideia de servir-se deles para ganhar dinheiro.
Aquele, pois, que precisa de fatos que o convençam, deve provar aos Espíritos sua boa vontade por meio de uma observação séria e paciente, caso deseje ser auxiliado por eles; pois se é verdade que a fé não se impõe, não menos verdade é dizer que não se pode comprá-la.
22. O Visitante. — Compreendo esse raciocínio do ponto de vista moral; entretanto, não é justo que aquele que emprega seu tempo, a bem da causa, não seja indenizado, já que fica impedido de trabalhar para viver.
A. K. — Em primeiro lugar, será mesmo no interesse da causa que ele o faz, ou no seu próprio interesse? Se deixou o seu trabalho é porque não lhe satisfazia e esperava ganhar mais em um novo ou ter menos fadiga. Não há devotamento algum em se empregar o tempo em uma coisa de que se espera tirar lucro. É exatamente como se alguém dissesse que o padeiro fabrica o pão no interesse da Humanidade. A mediunidade não é o único recurso; se ele não a tivesse, procuraria ganhar a vida de outro modo. Os médiuns verdadeiramente sérios e devotados, quando não têm uma existência independente, buscam os meios de viver no trabalho ordinário e não abandonam suas profissões; só consagram à mediunidade o tempo que lhe podem dar, sem prejuízo de outras ocupações; empregando parte do tempo destinado ao lazer e ao repouso nesse trabalho mais útil, eles se mostram devotados, tornam-se apreciados e respeitados.
Além disso, a abundância dos médiuns nas famílias torna inúteis os médiuns profissionais, ainda que estes ofereçam todas as garantias desejáveis, o que é muito raro. Se não fosse o descrédito que acompanha esse gênero de exploração, para o qual me felicito de haver concorrido bastante, os médiuns mercenários se multiplicariam com muito mais rapidez e os jornais viriam sempre cheios de seus reclamos. Ora, para um que fosse leal, haveria cem charlatães que, abusando de uma faculdade real ou simulada, teriam causado o maior dano ao Espiritismo. É, pois, um princípio: todos quantos veem no Espiritismo outra coisa que não seja a exibição de um fenômeno curioso, que compreendem e tomam a peito a dignidade, a consideração e os verdadeiros interesses da Doutrina reprovam toda espécie de especulação, qualquer que seja a forma ou disfarce com que se apresente. Os médiuns sérios e sinceros, isto é, os que compreendem a santidade do mandato que Deus lhes confiou, evitam até as aparências do que pudesse fazer pairar sobre eles a menor suspeita de cobiça, considerando uma injúria a acusação de tirarem qualquer lucro da sua faculdade.
Admiti, senhor, por mais incrédulo que sejais, que um médium nessas condições causaria sobre vós uma impressão totalmente diversa da que sentiríeis, se lhe tivésseis pago para vê-lo trabalhar, ou, mesmo que fôsseis admitido por favor, se soubésseis que atrás de tudo aquilo havia uma questão de dinheiro; concordai que o vendo antes animado de um verdadeiro sentimento religioso, estimulado somente pela fé e não pelo desejo do ganho, involuntariamente ele conquistaria o vosso respeito; e, seja ele ainda o mais humilde proletário, inspirar-vos-á mais confiança, porque não há motivo algum para suspeitardes da sua lealdade. Pois bem! Encontrareis mil como este contra um que não esteja nas mesmas condições, sendo esta uma das causas que mais têm concorrido para o crédito e a propagação da Doutrina, ao passo que, se ela só tivesse intérpretes interesseiros, não contaria a quarta parte dos adeptos que tem hoje.
É perfeitamente compreensível que os médiuns profissionais sejam muito raros, pelo menos na França; que sejam desconhecidos na maioria dos centros espíritas da província, onde a reputação de mercenários bastaria para que os excluíssem de todos os grupos sérios, e onde para eles o oficio não seria lucrativo, por causa do descrédito de que se tornariam objeto e da concorrência dos médiuns desinteressados, que se encontram por toda parte.
Para suprir a faculdade que lhes falta, ou a insuficiência da clientela, há falsos médiuns que tudo aproveitam, servindo-se das cartas, da clara de ovo, da borra de café, etc., a fim de satisfazer a todos os gostos, esperando por esse meio, na falta de espíritas, atrair os que ainda creem nessas tolices. Se eles só prejudicassem a si mesmos, o mal não seria grande; porém, há pessoas que, sem nada aprofundarem, confundem o abuso com a realidade, e disso se aproveitam os mal-intencionados, para dizer que é nisso que consiste o Espiritismo. Já vedes, pois, senhor, que se a exploração da mediunidade leva à prática de abusos que prejudicam a Doutrina, o Espiritismo sério tem razão de não aceitá-la, de repelir o seu auxilio.
23. O Visitante. — Tudo isso é muito lógico, concordo; entretanto, como os médiuns desinteressados não se acham à disposição de qualquer pessoa, nós nos sentimos constrangidos de os incomodar. Tais escrúpulos, porém, não nos embaraçam, quando buscamos aquele que recebe uma paga, pois estamos certos de que não lhe vamos roubar o tempo. Muita gente que deseja convencer-se encontraria mais facilidade se existis- sem médiuns públicos.
A. K. — Se os médiuns públicos, como lhes chamais, não oferecem as garantias requeridas, como poderiam ser úteis para levar alguém à convicção? O inconveniente que assinalais não destrói os outros, bem mais graves, que já vos citei. As pessoas iriam procurá-los mais por divertimento, para ouvir a buena-dicha, do que como meio de instrução. Aquele que deseja seriamente convencer-se encontra os meios de que precisa, mais cedo ou mais tarde, se tiver perseverança e boa vontade; porém, quando não está preparado para tal, não é por assistir a uma sessão que ficará convencido, sobretudo se sair dali com uma impressão desfavorável e, portanto, menos disposto a prosseguir num estudo em que nada viu de sério. É o que tem provado a experiência.
A par das considerações morais, porém, os progressos da ciência espírita, fazendo-nos conhecer melhor as condições em que se produzem as manifestações, mostram-nos hoje uma dificuldade material de que antes não se suspeitava: a necessidade de afinidades fluídicas entre o Espírito evocado e o médium. Ponho de lado toda ideia de fraude e embuste, e suponho que exista a mais completa lealdade. Para que um médium profissional possa oferecer toda segurança às pessoas que o venham consultar, é necessário que possua uma faculdade permanente e universal, isto é, que ele possa comunicar-se facilmente com qualquer Espírito e a todo o momento, para estar constantemente à disposição do público, como um médico, e satisfazer a todas as evocações que lhe sejam pedidas. Ora, isto é o que não se encontra em médium algum, seja entre os desinteressados, seja entre os outros, e isto por causas independentes da vontade do Espírito, o que não posso desenvolver aqui porque não estou fazendo um curso de Espiritismo.
Limito-me a dizer-vos que as afinidades fluídicas, princípio do qual derivam as faculdades mediúnicas, são individuais e não gerais, podendo existir do médium para tal Espírito, e não para tal outro; que, sem essas afinidades, cujas variantes são múltiplas, as comunicações são incompletas, falsas ou impossíveis; que, na maior parte das vezes, a assimilação fluídica entre o Espírito e o médium só se estabelece depois de algum tempo, ou somente uma vez em dez acontece que ela seja completa desde a primeira vez. Como vedes, senhor, a mediunidade é subordinada a leis, de certo modo orgânicas, às quais todo médium está sujeito; ora, não se pode negar que isto é um obstáculo para a mediunidade profissional, uma vez que a possibilidade e a exatidão das comunicações decorrem de causas que não dependem do médium nem do Espírito. (Veja-se mais adiante, no capítulo II, o parágrafo sobre os médiuns.)
Se, pois, repelimos a exploração da mediunidade, não é por capricho, nem por espírito de sistema, mas porque os princípios que regem as relações com o mundo .invisível se opõem à regularidade e precisão necessárias naquele que se põe à disposição do público, e a quem o desejo de satisfazer à clientela, que lhe paga, arrasta ao abuso. Com isso não quero dizer que todos os médiuns interesseiros sejam charlatães; digo somente que a ambição do ganho impele ao charlatanismo e autoriza a suspeita de velhacaria, quando não a justifica. Quem deseja convencer-se deve, antes de tudo, procurar elementos de sinceridade.