Espiritismo e Espiritualismo.
(2.)
— Dissidências. (3.)
— Fenômenos espíritas simulados. (4.)
— Impotência dos detratores. (5.)
— O maravilhoso e o sobrenatural. (6.)
— Oposição da Ciência. (7-10.)
— Falsas explicações dos fenômenos. (11-14.)
— Não basta que os incrédulos vejam para que se convençam. (15.)
— Boa ou má-vontade dos Espíritos para convencer. (16.)16.)
— Origem das ideias espíritas modernas. (17.)
— Meios de comunicação. (18-20.)
— Médiuns interesseiros. (21-23.)
— Médiuns e feiticeiros. (24,
25.) — Diversidade dos Espíritos. (26-29.)
— Utilidade prática das manifestações. (30.)
— Loucura, suicídio e obsessão. (31.)
— Esquecimento do passado.
(32.) — Elementos de convicção. (33, 34.)
— Sociedade Espírita de Paris. (35.)
— Interdição do Espiritismo. (36.) |
Esquecimento do passado.
32. O Visitante. — Não consigo explicar a mim mesmo como o homem pode aproveitar da experiência adquirida em suas existências anteriores, se não se lembra delas, visto como, desde que lhe falta essa reminiscência, cada existência é para ele qual se fora a primeira; deste modo, está sempre a recomeçar.
Suponhamos que cada dia, ao despertar, perdemos a memória de tudo quanto fizemos no dia anterior: quando chegássemos aos setenta anos, não estaríamos mais adiantados do que aos dez; ao passo que recordando nossas faltas, inaptidões e punições que disso nos resultassem, esforçar-nos-íamos por evitá-las.
Para me servir da comparação que fizestes do homem, na Terra, com o aluno de um colégio, eu não compreendo como este poderia aproveitar as lições da quarta série, por exemplo, não se lembrando do que aprendeu na anterior. Ora, essas soluções de continuidade na vida do Espírito interrompem todas as relações e fazem dele, de certo modo, um novo ser; isto nos leva a concluir que os nossos pensamentos morrem com cada uma das nossas existências, para renascer em outra, sem consciência do que fomos; é uma espécie de aniquilamento.
A. K. — De pergunta em pergunta, levar-me-eis a fazer um curso completo de Espiritismo. As objeções que fazeis são muito naturais em quem ainda nada conhece, mas que, mediante estudo sério, pode encontrar respostas muito mais explicitas do que as que posso dar numa explicação sumária que, por certo, deve sempre provocar novas questões. Tudo se encadeia no Espiritismo, e, quando se toma o conjunto, vê-se que seus princípios decorrem uns dos outros, servindo-se mutuamente de apoio; então, o que parecia uma anomalia, contrária à Justiça e à sabedoria de Deus, parece muito natural e vem confirmar essa justiça e essa sabedoria. Tal é o problema do esquecimento do passado, que se prende a outras questões de não menor importância; por isso, apenas tocarei de leve no assunto.
Embora em cada existência um véu encubra o passado do Espírito, nem por isso ele perde as suas aquisições anteriores; apenas esquece o modo por que as conquistou. Para me servir da comparação com o aluno, direi que pouco importa saber onde, como, com que professores ele estudou as matérias de uma série, contanto que as saiba quando passar para a série seguinte. Que lhe importa saber se foi castigado por preguiça ou insubordinação, se os castigos o tornaram laborioso e dócil? É assim que, reencarnando, o homem traz, por intuição e como ideias inatas, o que adquiriu em ciência e moralidade. Digo em moralidade porque, se no curso de uma existência ele se melhorou, aproveitou as lições da experiência, tornar-se-á melhor quando voltar; seu Espírito, amadurecido na escola do sofrimento e do trabalho, terá mais firmeza; longe de ter de recomeçar tudo, ele possui um fundo que vai sempre crescendo e sobre o qual se apoia para fazer maiores conquistas.
A segunda parte da vossa objeção, relativa ao aniquilamento do pensamento, não tem base mais segura, porque esse esquecimento só ocorre durante a vida corpórea; ao deixá-la, o Espírito recobra a lembrança do seu passado; então poderá julgar do caminho que seguiu e do que lhe resta ainda fazer; não há, pois, essa solução de continuidade em sua vida espiritual, que é a vida normal do Espírito. Esse esquecimento temporário é um beneficio da Providência; muitas vezes só se adquire experiência por meio de provas rudes e terríveis expiações, cuja recordação seria muito penosa e só viria aumentar as angústias e tribulações da vida presente.
Se os sofrimentos da vida parecem longos, que aconteceria se a eles acrescentássemos a lembrança do passado? Vós, por exemplo, senhor, sois hoje um homem de bem, mas talvez devais isso aos rudes castigos que sofrestes pelos malefícios que hoje vos repugnariam à consciência; que sensação experimentaríeis se vos lembrásseis de ter sido outrora enforcado por vossa maldade? Não vos perseguiria a vergonha de saber que o mundo não ignorava o mal que tínheis feito? Que vos importa o que fizestes e o que sofrestes para expiar, se hoje sois um homem digno de estima? Aos olhos do mundo, sois um homem novo, e aos olhos de Deus, um Espírito reabilitado. Livre da reminiscência de um passado importuno, agis com mais liberdade; é para vós um novo ponto de partida; vossas dívidas anteriores estão pagas, cabendo-vos o cuidado de não contrair outras.
Quantos homens gostariam de assim poder, durante a vida, lançar um véu sobre os seus primeiros anos! Quantos não têm dito, ao chegar ao termo de sua carreira: “Se eu tivesse de recomeçar, não faria mais o que fiz!”. Pois bem! O que eles não podem fazer nesta mesma vida, farão em outra; em uma nova existência, seu Espírito trará, em estado de intuição, as boas resoluções que tiver tomado. É assim que se efetua gradualmente o progresso da Humanidade.
Suponhamos, ainda, o que é um caso muito comum, que, em vossas relações, em vossa família mesmo se encontre um indivíduo que vos deu outrora muitos motivos de queixa, que talvez vos arruinou, ou desonrou em outra existência, e que, Espírito arrependido, veio encarnar-se em vosso meio, ligar-se a vós pelos laços de família, a fim de reparar suas faltas para convosco, por seu devotamento e afeição; não vos acharíeis mutuamente na mais embaraçosa posição se ambos vos lembrásseis de vossas passadas inimizades? Em vez de se extinguirem, os ódios se eternizariam.
Conclusão: a recordação do passado perturbaria as relações sociais e seria um obstáculo ao progresso. Quereis uma prova? — Suponde que um indivíduo condenado às galés tome a firme resolução de tornar-se um homem de bem; que lhe acontece quando termina a pena? A sociedade o repele e essa repulsa o lança de novo nos braços do vício. Se, porém, desconhecessem os seus antecedentes, ele seria bem acolhido; e, se ele mesmo os esquecesse, poderia ser honesto e andar de cabeça erguida, em vez de curvá-la sob o peso da vergonha que não consegue olvidar.
Isto está em perfeita concordância com a Doutrina dos Espíritos, a respeito dos mundos superiores ao nosso planeta. Em tais mundos, onde só reina o bem, a lembrança do passado nada tem de penosa, razão pela qual seus habitantes se recordam da sua existência precedente, como nós nos recordamos hoje do que ontem fizemos. Quanto à lembrança do que fizeram em mundos inferiores, ela só produz neles a impressão de um sonho mau e nada mais.