Espiritismo e Espiritualismo. (2.)
— Dissidências. (3.)
— Fenômenos espíritas simulados. (4.)
— Impotência dos detratores. (5.)
— O maravilhoso e o sobrenatural. (6.)
— Oposição da Ciência. (7-10.)
— Falsas explicações dos fenômenos. (11-14.)
— Não basta que os incrédulos vejam para que se convençam. (15.)
— Boa ou má-vontade dos Espíritos para convencer. (16.)
— Origem das ideias espíritas modernas. (17.)
— Meios de comunicação. (18-20.)
— Médiuns interesseiros. (21-23.)
— Médiuns e feiticeiros. (24, 25.)
— Diversidade dos Espíritos. (26-29.)
— Utilidade prática das manifestações. (30.)
— Loucura, suicídio e obsessão. (31.)
— Elementos de convicção. (33, 34.)
— Sociedade Espírita de Paris. (35.)
— Interdição do Espiritismo. (36.) |
1. O Visitante. — Compreendo, cavalheiro, a utilidade do estudo preliminar de que acabais de falar. Como predisposição pessoal, dir-vos-ei que não sou a favor nem contra o Espiritismo, mas esse assunto me excita o interesse no mais alto grau. Entre as pessoas do meu conhecimento, há partidários e adversários dele; tenho ouvido argumentos muito contraditórios a respeito e me propunha submeter-vos algumas das objeções que foram feitas em minha presença e que me parecem de certo valor, ao menos para mim, que vos confesso total ignorância a respeito.
Allan Kardec. — Será um prazer, senhor, responder às perguntas que me quiserdes dirigir, desde que sejam feitas com sinceridade e sem segundas intenções, embora eu não tenha a pretensão de poder responder a todas. O Espiritismo é uma ciência que acaba de nascer e da qual resta ainda muito a aprender; seria, pois, grande presunção de minha parte querer remover todas as dificuldades; só poderei dizer o que sei.
O Espiritismo prende-se a todos os ramos da Filosofia, da Metafísica, da Psicologia e da Moral; é um campo imenso que não pode ser percorrido em algumas horas. Haveis de compreender, senhor, que me seria materialmente impossível repetir de viva voz e a cada um em particular tudo quanto tenho escrito sobre essa matéria, para uso geral. Fazendo uma leitura prévia, cada indivíduo encontrará resposta à maior parte das questões que lhe venham naturalmente à mente; essa leitura tem a dupla vantagem de evitar repetições inúteis e de provar o sincero desejo de instruir-se. Se, depois dela, ainda restarem dúvidas ou pontos obscuros, sua explicação se tornará mais fácil, porque já se possui um ponto de apoio e não se precisa perder tempo em rever os princípios mais elementares. Se o permitirdes, limitar-nos-emos, até nova ordem, a algumas questões genéricas.
2. O Visitante. — Tudo bem; tende a bondade de chamar-me à ordem sempre que eu dela me afaste.
Pergunto-vos, em primeiro lugar, qual a necessidade da criação de novos termos: espírita e espiritismo, para substituir: espiritualista e espiritualismo, que existem na língua vulgar e são por todos compreendidos? Já ouvi alguém classificar tais termos de barbarismos.
A. K. — Há muito tempo a palavra espiritualista já tem uma acepção bem determinada; é a Academia Francesa que no-la dá: Espiritualista, aquele ou aquela pessoa cuja doutrina é oposta ao materialismo.
Todas as religiões são necessariamente fundadas sobre o espiritualismo. Quem quer que creia que em nós existe outra coisa, além da matéria, é espiritualista, o que não implica a crença nos Espíritos e nas suas manifestações. Como o podereis distinguir daquele que tem esta crença? Sereis obrigado a vos servirdes de uma perífrase e dizer: É um espiritualista que crê ou não crê nos Espíritos.
Para coisas novas precisamos de palavras novas, a fim de evitarmos os equívocos. Se eu tivesse dado à minha Revista a qualificação de espiritualista, não lhe teria especificado o objetivo, porque, sem desmentir-lhe o título, bem poderia nada dizer nela sobre os Espíritos, e até combatê-los.
Algum tempo atrás, li num jornal, a propósito de uma obra filosófica, um artigo em que se dizia que o seu autor a teria escrito do ponto de vista espiritualista. Ora, os partidários dos Espíritos ficariam singularmente desapontados se, confiando nessa indicação, acreditassem encontrar alguma concordância entre o que ela ensina e as ideias por eles admitidas. Se adotei os termos espírita, espiritismo, é porque eles exprimem, sem equívoco, as ideias relativas aos Espíritos. Todo espírita é necessariamente espiritualista, mas nem todos os espiritualistas são espíritas. Ainda que os Espíritos fossem uma quimera, havia utilidade em adotar termos especiais para designar o que a eles se refere, visto que as ideias falsas, assim como as verdadeiras, devem ser expressas por termos próprios.
Além disso, essas palavras não são mais bárbaras do que as outras que as ciências, as artes e a indústria diariamente estão criando; com certeza, elas não o são mais do que aquela que Gall imaginou para a sua nomenclatura das faculdades, como: secretividade, combatividade, alimentatividade, afecionividade, etc. Há pessoas que, por espírito de contradição, criticam tudo que não provém delas, tomando ares de oposicionistas; aqueles que assim provocam tão pequeninas chicanas não provam senão uma coisa: a pequenez de suas ideias. Agarrar-se a tais bagatelas é demonstrar falta de boas razões.
As palavras espiritualismo, espiritualista são inglesas, e têm sido empregadas nos Estados Unidos desde que começaram a surgir as manifestações dos Espíritos; no início, e durante algum tempo, elas também foram empregadas na França; logo, porém, que apareceram os termos espírita, espiritismo, compreendeu-se a sua utilidade e foram imediatamente aceitos pelo púbico. Hoje, seu uso está tão generalizado que os próprios adversários, aqueles que no princípio os classificavam de barbarismos, não empregam outros. Os sermões e as pastorais que fulminam o Espiritismo e os espíritas viriam produzir enorme confusão se fossem dirigidos ao espiritualismo e aos espiritualistas.
Bárbaros ou não, esses termos estão hoje incluídos na língua usual e em todas as línguas da Europa; são os únicos empregados em todas as publicações, favoráveis ou contrárias, feitas em todos os países. Eles ocupam o topo da coluna da nomenclatura da nova ciência; para exprimir os fenômenos especiais dessa ciência, tínhamos necessidade de termos especiais; o Espiritismo hoje possui a sua nomenclatura, tal como a Química. n
As palavras espiritualismo e espiritualista, aplicadas às manifestações dos Espíritos, não são hoje mais empregadas, salvo pelos adeptos da escola americana.
[1]
N. de A K.: Essas palavras já têm. aliás, direito de cidadania; estão
no suplemento do Pequeno dicionário dos dicionários franceses, [Petit
Dictionnaire des Dictionnaires français;] extraído de Napoléon
Landais, obra cuja tiragem alcança 20 mil exemplares. Aí encontramos
a definição e a etimologia das palavras: erraticidade, medianímico,
médium, mediunidade, perispírito, pneumatografia, pneumatofonia, psicógrafo,
psicografia, psicofonia, reencarnação. sematologia, espírita, espiritismo,
espiritista, estereotita, tiptologia. Elas também se encontram na
nova edição do Dicionário Universal, de Maurice Lachâtre, com
todos os desenvolvimentos que comportam.