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Para muita gente, a oposição das corporações científicas constitui,
quando não uma prova, pelo menos forte presunção contrária. 2 Não somos
dos que se rebelam contra os cientistas, pois não queremos que digam
que os insultamos; ao contrário, nós os temos em grande estima e ficaríamos
muito honrados se fôssemos contados entre eles. 3 Mas a opinião deles
não pode representar, em todas as circunstâncias, uma sentença irrevogável.
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Desde que a Ciência sai da observação material dos fatos, e trata de
os apreciar e explicar, o campo está aberto às conjecturas. 5 Cada um
constrói seu sistemazinho, que deseja fazer prevalecer e o sustenta
com obstinação. 6 Não vemos diariamente as opiniões mais contraditórias
serem alternadamente preconizadas e rejeitadas, ora repelidas como erros
absurdos e depois proclamadas como verdades incontestáveis? 7 Os fatos,
eis o verdadeiro critério de nossos julgamentos, o argumento sem réplica.
8 Na ausência dos fatos, a dúvida é a opinião do homem sensato.
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No tocante às coisas notórias, a opinião dos sábios 67 é, com toda
razão, digna de fé, pois eles sabem mais e melhor que o vulgo. Mas,
em termos de princípios novos, de coisas desconhecidas, sua maneira
de ver quase sempre é hipotética, visto que não se acham mais livres
de preconceitos que os outros. 10
Direi mesmo que o sábio talvez tenha mais preconceitos que qualquer
outro, pois uma propensão natural o leva a subordinar tudo ao ponto
de vista em que se especializou: o matemático não vê prova senão numa
demonstração algébrica, o químico refere tudo à ação dos elementos,
etc. 11
Todo homem que faz uma especialidade, a ela se aferra com todas as forças.
Tirai-o daí e o vereis quase sempre delirar, por querer submeter tudo
ao mesmo crivo; é uma consequência da fraqueza humana. 12
Consultarei, pois, de bom grado e com toda confiança, um químico sobre
uma questão de análise, um físico sobre a força elétrica, um mecânico
sobre uma força motriz. 13
Hão, porém, de permitir-me, sem que isto afete a estima a que têm direito
por seu saber especial, que eu não tenha em melhor conta suas opiniões
negativas sobre o Espiritismo, do que o parecer de um arquiteto sobre
uma questão de música.
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Mas será preciso diploma oficial para se ter bom senso? E não haverá
fora das cátedras acadêmicas senão tolos e imbecis? 15 Que se dignem lançar
os olhos para os adeptos da Doutrina Espírita, a fim de verem se entre
eles só existem ignorantes, e se o número imenso de homens de mérito
que a têm abraçado permite relegá-la ao rol das crenças vulgares. 16 O
caráter, o saber desses homens merece que se diga: Já que eles afirmam,
deve haver pelo menos alguma coisa.
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Repetimos ainda que, se os fatos com que nos estamos ocupando se houvessem
restringido ao movimento mecânico dos corpos, a pesquisa da causa física
desse fenômeno entraria no domínio da Ciência. 18
Como, porém, se trata de uma manifestação fora do âmbito das leis da
Humanidade, escapa à competência da ciência material, porque não pode
ser explicada por algarismos, nem por uma força mecânica. 19
Infelizmente, o erro de muita gente consiste em querer submeter tais
fenômenos às mesmas experiências dos fenômenos ordinários, sem atentar
que um fenômeno que sai do círculo dos conhecimentos usuais deve ter
sua razão de ser para ficar fora desses mesmos conhecimentos, nem pode
ser comprovado pelas mesmas experiências. 20
Quando surge um fato novo, que não tem relação com nenhuma ciência conhecida,
o sábio, para estudá-lo, deve fazer abstração de sua ciência e dizer
a si mesmo que se trata de um estudo novo, impossível de ser feito com
ideias preconcebidas. >>>
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N.T.: Savants, no original. Assim eram chamados os cientistas, os pesquisadores
de uma ciência no século XIX. Contudo, muitas vezes Kardec utilizou
esse vocábulo no seu sentido lato, isto é, para designar homens eruditos,
judiciosos, sensatos, prudentes, enfim, homens que revelam muita sabedoria,
sejam ou não “cientistas”. Assim, de acordo com o contexto da palavra
savants na frase, ora ela é traduzida como “sábios”, ora como “cientistas”.