O verbo “sofrer” aparece ainda nas estrofes que trazem o nome do poeta dos “Broquéis”, mas já agora do lado do “deslumbramento” da alma livre.
PEDRO LEOPOLDO, † 26 (Do enviado especial do GLOBO, Clementino de Alencar) — Conforme dizíamos na correspondência de ontem, relativa à sessão realizada na noite de 24, em casa de José Cândido, recebera o médium, além da crônica atribuída a Humberto de Campos, três sonetos e uma rápida mensagem de Emmanuel.
Dessa parte restante da produção colhida na citada reunião, é que nos ocuparemos hoje.
Os sonetos são três, assinados, respectivamente, Antero de Quental, Cruz e Souza e Auta de Souza, e foram grafados, todos, apenas em 10 minutos, pelo médium.
Conforme observação que já comunicamos, anteriormente, a letra varia em cada uma dessas peças poéticas, apresentando-se grande redonda, nos versos de Quental: menor um pouco e ainda arredondada, no de Auta de Souza; e, por fim, miúda, reta, nervosa, nos versos de Cruz e Souza.
Fatalidade
A primeira página grafada, naquela noite, pelo médium, foi o soneto de Antero de Quental, sob este título: “Fatalidade”.
Em 1932, escrevendo sobre versos psicografados por Chico Xavier, Humberto de Campos, conforme assinalamos em reportagem anterior dizia, referindo-se aos versos de Quental encontrados no “Parnaso de Além-Túmulo”:
“Antero de Quental continua triste, trágico no outro mundo, e disposto, parece, a suicidar-se de novo, para reaparecer neste.”
Agora, temos aqui, diante dos olhos, novos versos do autor de “O Cavaleiro e a Morte”. É o mesmo tom solene, profundo, do poeta luso. Apenas parece que, ao fim de mais esses dois anos e pouco de vida do Além, adoçou-se um tanto — é a expressão que nos ocorre — o pessimismo do poeta. Pelo menos, ele já vê, lá, no reino da Morte, “onde a grande certeza principia”, o “fim de toda a amargura da descrença”.
E senão vejamos o que ele nos diz nestes últimos versos, psicografados, anteontem, pelo médium de Pedro Leopoldo: n
Fatalidade
Crê-se na Morte o Nada, e, todavia,
A Morte é a própria Vida ativa e intensa,
Fim de toda a amargura da descrença,
Onde a grande certeza principia.
O meu erro, no mundo da Agonia,
Foi crer demais na angústia e na doença
Da alma que luta e sofre, chora e pensa,
Nos labirintos da Filosofia…
E no meio de todas as canseiras
Cheguei, enfim, às dores derradeiras
Que as tormentas de lágrimas desatam!…
Nunca, na Terra, a crença se realiza,
Porque em tudo, no mundo, o homem divisa
A figura das dúvidas que matam.
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.Antero de Quental
As fronteiras de cinza e esquecimento
Passemos ao soneto de Cruz e Souza, encimado por este título: “Felizes os que têm Deus”.
O verbo “sofrer” ainda aparece nesses versos que trazem ao pé o nome do poeta dos “Broquéis”, mas já, agora, ao lado do “deslumbramento” da vida da alma livre, para além das “fronteiras de cinza e esquecimento”.
E para aqueles que tanto admiraram e admiram o grande torturado, é como um suave conforto à saudade, esses versos em que julgamos ver o poeta “no bergantim sagrado da Esperança”.
Vejamos o soneto de Cruz e Souza: n
Felizes os que têm Deus
Entre esse mundo de apodrecimento
E a vida de alma livre, de alma pura,
Ainda se encontra a imensidade escura
Das fronteiras de cinza e esquecimento.
Só o pensador que sofre e anda à procura
Da verdade e da luz no sentimento,
Pode guardar esse deslumbramento
Da Fé — fonte de mística ventura.
Feliz o que tem Deus nessa batalha
Da miséria terrena, que estraçalha
Todo o anseio de amor ou de bonança!…
Venturoso o que vai por entre as dores
Atravessando o oceano de amargores,
No bergantim sagrado da Esperança.
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Cruz e Souza
Sombras errantes e abandonadas
Agora, o terceiro soneto, o de Auta de Souza. É toda uma exortação de mocidade malograda à alma daqueles que, como no verso de Bilac, viveram sós, morreram puros.
“Almas de virgens”, intitula-se o soneto: n
Andam sombras errando abandonadas,
Ao pé das lousas e das covas frias,
Almas de pobres freiras desamadas,
Perambulando pelas sacristias.
Almas das que não foram desposadas,
Como bandos de rolas erradias,
Angélicas visões de bem-amadas,
Mortas na aurora rútila dos dias…
Virgens mortas! Tristíssimas oblatas
De um sacrário de luz piedoso e santo,
Que sonhais entre os tálamos celestes,
Entoai nos céus as tristes serenatas
Com as vossas roxas túnicas de pranto,
Cantando à luz do amor que não tivestes!…
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Auta de Souza
A derradeira mensagem
Restam apenas agora algumas ligeiras linhas. E a pequena mensagem de Emmanuel, grafada já quando a assistência, conforme dissemos, começava agitar-se um pouco, na impaciência muito compreensível de ler as páginas já escritas.
Essa mensagem é uma rápida observação sobre aquele momento, como se vê pelo seu teor, que é o seguinte:
[Psicografia teledinâmica]
“Meus filhos, a fenomenologia espírita não objetiva maravilhar os vossos olhos! O que me ocorre dizer é que deveis guardar, do observado, as vossas conclusões morais.
“Os Espíritos comunicantes não se acham aqui em vosso meio, pessoalmente, mas transmitiram as suas mensagens de um Plano distante, fenômeno este que podereis avaliar, com as vossas ondas hertzianas, segundo a lei analógica da qual me sinto na necessidade de utilizar. Esses trabalhos não são tão simples, porém, com a misericórdia divina, eu me conservei aqui auxiliando o médium para que não fossem de um efeito contraproducente as vibrações das mentes que aqui se encontram na sua diversidade de opiniões e pensamentos.
“Deus vos guie.”
Emmanuel
Eis aí expostos os resultados, a produção psicográfica da sessão de anteontem.
A seguir, exporemos as opiniões e impressões que colhemos da assistência, ao fim da reunião.
E depois… Ah! Mas isto ainda é segredo… Calemos, por enquanto… [v. cap. 14]
Clementino de Alencar
[1] Essa mensagem foi também publicada pela FEB e é a 16ª do 10º capítulo do
livro “Parnaso de Além-Túmulo”
[2] Essa mensagem foi também publicada pela FEB e é a 28ª do 26º capítulo do
livro “Parnaso de Além-Túmulo”
[3] Essa mensagem foi também publicada pela FEB e é a 11ª do 16º capítulo do
livro “Parnaso de Além-Túmulo”