O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Notáveis reportagens com Chico Xavier reproduzidas do jornal O Globo — Autores diversos


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Humberto de Campos dirige-se, dos cimos intangíveis, àqueles que “ainda se acham mergulhados nas sombras do mundo”

“O objetivo de minhas palavras póstumas é somente demonstrar o homem desencarnado e a imortalidade dos seus atributos”

Por detrás do véu de Ísis — Um pouco da outra vida — De novo como um menino, na Miritiba distante — O turbilhão da saudade — o presente — “O espetáculo do mundo me desola e espanta” — Humberto abandonou a fonética…


PEDRO LEOPOLDO,  †  25 (Do enviado especial do GLOBO, Clementino de Alencar) — Continuação — Tornada assim difícil a concentração, José Cândido dá por encerrados os trabalhos.

Apressa-se então o repórter em recolher as mensagens. Algumas folhas já estão sendo lidas por três ou quatro dos assistentes, junto à mesa. Outras estão ainda na frente do médium que as estende ao jornalista.

Reunidas imediatamente todas as folhas psicografadas, temos em mão: três sonetos assinados, o primeiro recebido, por Antero de Quental; o segundo, por Cruz e Souza; o terceiro por Auta de Souza; e ainda a crônica de Humberto de Campos e uma pequena mensagem do Espírito guia e protetor do médium, Emmanuel. Tudo devidamente autenticado pelas três rubricas, ao alto da página.

Um dos presentes faz a Chico Xavier um pedido a que este atende: lê em voz alta, todas as mensagens. A seguir, começa a retirada dos assistentes. A sessão está finda. Colhemos, das pessoas de mais destaque presentes, algumas impressões e retiramo-nos para o hotel, a fim de nos entregarmos a uma leitura mais demorada daquelas páginas recém-grafadas pelo médium.


Frases que nos ocorrem…


Lemos e relemos aquelas mensagens no silêncio da tranquila noite sertaneja que já ia adiantada.

Depois nos quedamos a meditar sobre tudo aquilo e nossos pensamentos começaram a girar em torno destas frases que, logo no dia seguinte à nossa chegada, ouvimos:

“Admiro-o, apenas, como médium, porque, nesses seus momentos, ele realiza algo de extraordinário… venha-lhe a capacidade dos Espíritos, de Deus ou do diabo, seja lá de onde for…”

Humberto aos que “ainda se acham mergulhados nas sombras do mundo”

Eis a crônica psicografada por Chico Xavier, na sessão de ontem à noite: n


“Antigamente eu escrevia nas sombras para os que se conservavam nas claridades da Vida. Hoje, escrevo na luz branda da espiritualidade para quantos ainda se acham mergulhados nas sombras do mundo. Quero crer, porém, que tão dura tarefa me foi imposta nas mansões da Morte, como esquisita penitência ao meu bom gosto de homem que colheu, quanto pode, dos frutos saborosos da árvore paradisíaca dos nossos primeiros pais, segundo as Escrituras.

“Contudo, não desejo imitar aquele velho Tirésias que, à força de proferir alvitres e sentenças, conquistou dos deuses o dom divinatório em troca dos preciosos dons da vida.

“Por esta razão, meu pensamento não se manifesta entre vocês que aqui acorreram para ouvi-lo, como o daquelas entidades batedoras, que em Hydesville, na América do Norte, por intermédio das irmãs Fox, viviam nos primórdios do Espiritismo, contando histórias e dando respostas surpreendentes com as suas pancadas ruidosas e alegres.

“Devo também esclarecer ao sentimento de curiosidade que os tangeu, até aqui, que não estou exercendo ilegalmente a medicina, como grande parte dos defuntos, os quais, hoje em vida, vivem diagnosticando e receitando mezinhas e águas milagrosas para os enfermos.

“Tampouco, na minha qualidade de repórter “falecido”, sou portador de alguma mensagem sensacional dos paredros comunistas que já se foram dessa vida para a melhor, êmulos dos Lenines, dos Kropotkines, cujos cérebros, a esta hora, devem estar transbordando teorias momentosas para o instante amargo que o mundo está vivendo.

“O objetivo das minhas palavras póstumas é somente demonstrar o homem… desencarnado e a imortalidade dos seus atributos. O fato é que vocês não me viram.

“Mas, contem lá fora que enxergaram o médium. Não afirmem que ele se parece com o Mahatma Gandhi, pois que lhe falta uma tanga, uma cabra e a experiência anosa do “Leader” nacionalista da Índia. Mas, historiem com sinceridade o caso das suas roupas remendadas e tristes de proletário e da sua pobreza limpa e honesta, que anda por esse mundo arrastando tamancos para remissão de suas faltas nas anteriores encarnações. Quanto a mim, digam que eu estava por detrás do véu de Ísis.

“Mesmo assim, na minha condição de intangibilidade, não me furto ao desejo de lhes contar algo a respeito desta “outra vida”, para onde todos têm de regressar. Se não estou nos infernos, de que fala a teologia dos cristãos, não me acho no sétimo paraíso de Maomé. Não sei contar as minhas aperturas na dolorosa perspectiva de completo abandono em que me encontrei, logo após abrir os meus olhos no reino extravagante da Morte. Afigurou-se-me que eu ia diretamente consignado ao Aqueronte, cujas águas amargosas deveria transpor, como as sombras, para nunca mais voltar, porque não cheguei a presenciar nenhuma luta entre São Gabriel e os Demônios, com as suas balanças trágicas, pela posse de minha alma. Passados, porém, os primeiros instantes de inusitado receio, divisei a figura miúda e simples do meu Tio Antoninho, que me recebeu nos seus braços carinhosos de santo.

“Em companhia, pois, de afeições terrenas, no recanto fabuloso, que é a minha temporária morada, ainda estou como aparvalhado entre todos os fenômenos da sobrevivência. Ainda não cheguei a encontrar os sóis maravilhosos, as esferas, os mundos cometários, portentos celestes que Flammarion descreveu na sua “Pluralidade dos Mundos”. Para o meu Espírito, a Lua ainda prossegue na sua carreira como esfinge eterna do espaço, embuçada no seu burel de freira morta.

“Uma saudade doida e uma ânsia sem-termo fazem um turbilhão no meu cérebro: é a vontade de rever, no reino das sombras, meu pai e a minha irmã. Ainda não pude fazê-lo. Mas, num movimento de maravilhosa retrospecção, pude volver à minha infância na Miritiba longínqua.  †  Revi suas velhas ruas semiarruinadas pelas águas do Piriá e pelas areias implacáveis… Revi os dias que se foram e senti, novamente, a alma expansiva de meu pai, como um galho forte e alegre do tronco robusto dos Véras, e à minha frente, nos quadros vivos da memória, abracei a minha irmãzinha inesquecida, que era em nossa casa modesta como um anjo pequenino da Assunção de Murilo, que se tivesse corporificado de uma hora para outra sobre as lamas da terra…

“Descansei à sombra das árvores largas e fartas, escutando ainda as violas caboclas, repinicando os sambas da gente das praias nortistas e que tão bem ficaram arquivados na poesia encantadora e simples de Juvenal Galeno.

“Da Mititiba distante transportei-me a Parnaíba,  †  onde vibrei com o meu grande mundo liliputiano… Em espírito, contemplei com a minha mãe as folhas enseivadas do meu cajueiro, derramando-se na terra entre as harmonias do canto choroso das rolas morenas dos recantos distantes da minha terra.

“De almas entrelaçadas contemplei o vulto de marfim antigo daquela santa que, como um anjo, espalmou muitas vezes sobre o meu Espírito cansado as suas asas brancas. Beijei-lhe as mãos encarquilhadas, genuflexo, e segurei as contas do seu rosário e as contas miúdas e claras que corriam furtivamente dos seus olhos, acompanhando a sua oração…

“Ave-Maria… Cheia de graça… Santa Maria…. Mãe de Deus…

“Ah! De cada vez que o meu olhar se espraia tristemente sobre a superfície do mundo, volvo minha alma aos firmamentos, tomada de espanto e de assombro… Ainda há pouco, nas minhas surpresas de recém-desencarnado, encontrei na existência dos Espaços, onde não se contam as horas, uma figura de velho, um Espírito-ancião, em cujo coração milenário, presumo refugiadas todas as experiências. Longas barbas de neve, olhos transudando piedade infinita e infinita doçura, da sua fisionomia, de Doutor da Lei nos tempos apostólicos, irradiava-se uma corrente de profunda simpatia.

“— “Mestre! — disse-lhe eu, na falta de outro nome — que podemos fazer para melhorar a situação do orbe terreno? O espetáculo do mundo me desola e espanta… A família parece que se dissolve… o lar está balançando como os frutos podres, na iminência de caírem… a Civilização, com os seus numerosos séculos de leis e instituições, afigura-se-me haver tocado os seus apogeus… De um lado, existem os que se submergem num gozo aparente e fictício, e, do outro, estão as multidões famintas, aos milhares, que não têm senão rasgado, no peito ferido, o sinal da cruz desenhado por Deus com as suas mãos prestigiosas, como os símbolos que Constantino gravara nos seus estandartes… E sobretudo, Mestre, é a perspectiva horrorosa da guerra… Não há tranquilidade e a Terra parece mais um fogareiro imenso, cheio de matérias em combustão…”

“Mas o bondoso Espírito-ancião me respondeu com humildade e brandura:

— “Meu filho… Esquece o mundo e deixa o homem guerrear em paz!…”

“Achei graça no paradoxo, porém só me resta acrescentar: — “Deixem o mundo em paz com a sua guerra e a sua indiferença!”

“Não será minha boca quem vá soprar na trombeta de Josafá. n Cada um guarde aí a sua crença ou o seu preconceito.”

Humberto de Campos


Humberto abandona a fonética


Como se vê, Humberto de Campos, uma vez no outro mundo e livre da Academia, despiu o fardão verde e abandonou a “fonética”, readotando a ortografia antiga…

A crônica acima, enviamo-la tal qual foi ela grafada pelo médium, durante o transe: assim, mantivemos alguns ligeiros erros na mesma observadas, como o de concordância, na expressão “o sentimento de curiosidade que os tangeram até aqui”; o de grafia na palavra “líder”, que deve ser a inglesa “Leader”; a má colocação de algumas vírgulas e a ausência de outras.

No período final, o médium grafou “a sua tença e os seus preconceitos”.

“Tença”, apesar de ser palavra pouco usada, é bom português, significando “pensão, com que se remuneram serviços”, geralmente militares. A impressão que se tem, porém, é de que, no período aludido, caberia melhor a palavra “crença”.

Em todo o caso, a que o médium escreveu foi a que lá deixamos. Todos esses motivos do nosso reparo resultam, provavelmente, da “deficiência do aparelho”, conforme dizem os espíritas, referindo-se às falhas de que se ressinta, porventura, a cultura do médium.


Em 39 minutos!


Não seria de mais, certamente, atribuírem-se os erros citados à rapidez verdadeiramente notável com que foi grafada a mensagem: em 39 minutos!


Clementino de Alencar



[1] Esta crônica é uma reprodução do texto revisado, posteriormente, pelo Autor espiritual, para o lançamento dos livros “Palavras do Infinito” (LAKE, São Paulo, SP, 1ª edição, 1935) e Crônicas de Além-Túmulo (FEB, Rio, RJ, 1º edição em 1937), do qual passou a integrar-se sob o título “Aos que ainda se acham mergulhados nas sombras do mundo.” (Nota do Org.)


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