O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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O Livro dos Médiuns — 2ª Parte.

(Idioma francês)

Capítulo XIV.


DOS MÉDIUNS.  † 

1. Médiuns de efeitos físicos. (160-162.) — 2. Pessoas elétricas. (163.) — 3. Médiuns sensitivos ou impressionáveis. (164.) — 4. Médiuns audientes. (165.) — 5. Médiuns falantes. (166.) — 6. Médiuns videntes. (167-171.) — 7. Médiuns sonambúlicos. (172-174.) — 8. Médiuns curadores. (175-176.) — 8. Médiuns pneumatógrafos. (177.)

159. Todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por esse fato, médium. 2 Essa faculdade é inerente ao homem; não constitui, portanto, um privilégio exclusivo. Por isso mesmo, raras são as pessoas que dela não possuam alguns rudimentos. 3 Pode, pois, dizer-se que todos são, mais ou menos, médiuns. Todavia, usualmente, assim só se qualificam aqueles em quem a faculdade mediúnica se mostra bem caracterizada e se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que então depende de uma organização mais ou menos sensitiva.  4 É de notar-se, além disso, que essa faculdade não se revela, da mesma maneira, em todos. Geralmente, os médiuns têm uma aptidão especial para os fenômenos desta, ou daquela ordem, donde resulta que formam tantas variedades, quantas são as espécies de manifestações. 5 As principais são: a dos médiuns de efeitos físicos; a dos médiuns sensitivos, ou impressionáveis; a dos audientes; a dos videntes; a dos sonambúlicos; a dos curadores; a dos pneumatógrafos; a dos escreventes, ou psicógrafos.


1. Médiuns de efeitos físicos.  † 


160. Os médiuns de efeitos físicos são particularmente aptos a produzir fenômenos materiais, como os movimentos dos corpos inertes, ou ruídos, etc. 2 Podem dividir-se em médiuns facultativos e médiuns involuntários. (Veja-se a 2ª parte, capítulos II e IV.)

3 Os médiuns facultativos são os que têm consciência do seu poder e que produzem fenômenos espíritas por ato da própria vontade. 4 Conquanto inerente à espécie humana, conforme já dissemos, semelhante faculdade longe está de existir em todos no mesmo grau. Porém, se poucas pessoas há em quem ela seja absolutamente nula, mais raras ainda são as capazes de produzir os grandes efeitos tais como a suspensão de corpos pesados, a translação aérea e, sobretudo, as aparições. 5 Os efeitos mais simples são a rotação de um objeto, pancadas produzidas mediante o levantamento desse objeto, ou na sua própria substância. 6 Embora não demos importância capital a esses fenômenos, recomendamos, contudo, que não sejam desprezados. Podem proporcionar ensejo a observações interessantes e contribuir para a convicção dos que os observem. 7 Cumpre, entretanto, ponderar que a faculdade de produzir efeitos materiais raramente existe nos que dispõem de mais perfeitos meios de comunicação, quais a escrita e a palavra. Em geral, a faculdade diminui num sentido à proporção que se desenvolve em outro.


161. — Os médiuns involuntários ou naturais são aqueles cuja influência se exerce a seu mau grado. 2 Nenhuma consciência têm do poder que possuem e, muitas vezes, o que de anormal se passa em torno deles não se lhes afigura de modo algum extraordinário. 3 Isso faz parte deles, exatamente como se dá com as pessoas que, sem o suspeitarem, são dotadas de dupla vista. 4 São muito dignos de observação esses indivíduos e ninguém deve descuidar-se de recolher e estudar os fatos deste gênero que lhe cheguem ao conhecimento.  5 Manifestam-se em todas as idades e, frequentemente, em crianças ainda muito novas. (Veja-se acima, o capítulo V, das Manifestações físicas espontâneas.)

6 Tal faculdade não constitui, em si mesma, indício de um estado patológico, porquanto não é incompatível com uma saúde perfeita. 7 Se sofre aquele que a possui, esse sofrimento é devido a uma causa estranha, donde se segue que os meios terapêuticos são impotentes para faze-la desaparecer. Nalguns casos, pode ser consequente de uma certa fraqueza orgânica, porém, nunca é causa eficiente. Não seria, pois, razoável tirar dela um motivo de inquietação, do ponto de vista higiênico. 8 Só poderia acarretar inconveniente, se aquele que a possui abusasse dela, depois de se haver tornado médium facultativo, porque então se verificaria nele uma emissão demasiado abundante de fluido vital e, por conseguinte, enfraquecimento dos órgãos.


162. A razão se revolta à lembrança das torturas morais e corporais a que a ciência tem por vezes sujeitado criaturas fracas e delicadas, para se certificar da existência de fraude da parte delas. 2 Tais experimentações, amiúde feitas maldosamente, são sempre prejudiciais às organizações sensitivas, podendo mesmo dar lugar a graves desordens na economia orgânica [leia-se: no organismo]. Fazer semelhantes experiências é brincar com a vida. 3 O observador de boa-fé não precisa lançar mão desses meios. Aquele que está familiarizado com os fenômenos desta espécie sabe, aliás; que eles são mais de ordem moral, do que de ordem física e que será inútil procurar-lhes uma solução nas nossas ciências exatas.

4 Por isso mesmo que tais fenômenos são mais de ordem moral, deve-se evitar com escrupuloso cuidado tudo o que possa sobreexcitar a imaginação. 5 Sabe-se quê de acidentes pode o medo ocasionar e muito menos imprudências se cometeriam, se conhecido fosse todos os casos de loucura e de epilepsia, cuja origem se encontra nos contos de lobisomens e papões. 6 Que não será, se generalizar-se a persuasão de que o agente dos aludidos fenômenos é o diabo? Os que espelham semelhantes ideias não sabem a responsabilidade que assumem: podem matar7 Ora, o perigo não existe apenas para o paciente, mas também para os que o cercam, os quais podem ficar aterrorizados, ao pensarem que a casa onde moram se tornou um covil de demônios. 8 Esta crença funesta é que foi causa de tantos atos de atrocidade nos tempos de ignorância. Entretanto, se houvesse um pouco mais de discernimento, teria ocorrido aos que os praticaram que não queimavam o diabo, por queimarem o corpo que supunham possesso do diabo. Desde que do diabo é que queriam livrar-se, ao diabo é que era preciso matassem. 9 Esclarecendo-nos sobre a verdadeira causa de todos esses fenômenos, a Doutrina Espírita lhe dá o golpe de misericórdia. Longe, pois, de concorrer para que tal ideia se forme, todos devem, e este é um dever de moralidade e de humanidade, combate-la onde exista.

10 O que há a fazer-se, quando uma faculdade dessa natureza se desenvolve espontaneamente num indivíduo, é deixar que o fenômeno siga o seu curso natural: a Natureza é mais prudente do que os homens. 11 Acresce que Providência tem seus desígnios e aos maiores destes pode servir de instrumento a mais pequenina das criaturas. 12 Porém, forçoso é convir, o fenômeno assume por vezes proporções fatigantes e importunas para toda gente. n Eis, então, o que em todos os casos importa fazer-se. 13 No capítulo V das Manifestações físicas espontâneas, já demos alguns conselhos a este respeito, dizendo ser preciso entrar em comunicação com o Espírito, para dele saber-se o que quer. O meio seguinte também se funda na observação.

14 Os seres invisíveis, que revelam sua presença por efeitos sensíveis, são, em geral, Espíritos de ordem inferior e que podem ser dominados pelo ascendente moral. A aquisição deste ascendente é o que se deve procurar. (Ver nº 251, 254, 279.)

15 Para alcançá-lo, preciso é que o indivíduo passe do estado de médium natural ao de médium voluntário16 Produz-se, então, efeito análogo ao que se observa no sonambulismo. Como se sabe, o sonambulismo natural cessa geralmente, quando substituído pelo sonambulismo magnético. 17 Não se suprime a faculdade, que tem a alma, de emancipar-se; dá-se-lhe outra diretriz. O mesmo acontece com a faculdade mediúnica. 18 Para isso, em vez de pôr óbices ao fenômeno, coisa que raramente se consegue e que nem sempre deixa de ser perigosa, o que se tem de fazer é concitar o médium a produzi-los à sua vontade, impondo-se ao Espírito. 19 Por esse meio, chega o médium a sobrepujá-lo e, de um dominador às vezes tirânico, faz um ser submisso e, não raro, dócil. 20 Fato digno de nota e que a experiência confirma é que, em tal caso, uma criança tem tanta e, por vezes, mais autoridade que um adulto: mais uma prova a favor deste ponto capital da Doutrina, que o Espírito só é criança pelo corpo; que tem por si mesmo um desenvolvimento necessariamente anterior à sua encarnação atual, desenvolvimento que lhe pode dar ascendente sobre Espíritos que lhe são inferiores.

21 A moralização de um Espírito, pelos conselhos de uma terceira pessoa influente e experiente, não estando o médium em estado de o fazer, constitui frequentemente meio muito eficaz. Mais tarde voltaremos a tratar dele.


2. [Pessoas elétricas.]


163. Nesta categoria parece, à primeira vista, se deviam incluir as pessoas dotadas de certa dose de eletricidade natural, verdadeiros dínamos humanosn a produzirem, por simples contato, todos os efeitos de atração e repulsão. Errado, porém, fora considerá-las médiuns, porquanto a vera mediunidade supõe a intervenção direta de um Espírito. Ora, no caso de que falamos, concludentes experiências hão provado que a eletricidade é o agente único desses fenômenos. 2 Esta estranha faculdade, que quase se poderia considerar uma enfermidade, pode às vezes estar aliada à mediunidade, como é fácil de verificar-se na história do Espírito batedor de Bergzabern. Porém, as mais das vezes, de todo independe de qualquer faculdade mediúnica. 3 Conforme já dissemos, a única prova da intervenção dos Espíritos é o caráter inteligente das manifestações. Desde que este caráter não exista, fundamento há para serem atribuídas a causas puramente físicas. 4 A questão é saber se as pessoas elétricas estarão ou não mais aptas, do que quaisquer outras, a tornar-se médiuns de efeitos físicos. Cremos que sim, mas só a experiência poderia demonstrá-lo.


3. Médiuns sensitivos ou impressionáveis.


164. Chamam-se assim as pessoas suscetíveis de sentir a presença dos Espíritos por uma impressão vaga, por uma espécie de leve roçadura sobre todos os seus membros, sensação que elas não podem explicar. 2 Esta variedade não apresenta caráter bem definido. Todos os médiuns são necessariamente impressionáveis, sendo assim a impressionabilidade mais uma qualidade geral do que especial. 3 É a faculdade rudimentar indispensável ao desenvolvimento de todas as outras. 4 Difere da impressionabilidade puramente física e nervosa, com a qual preciso é não seja confundida, porquanto, pessoas há que não têm nervos delicados e que sentem mais ou menos o efeito da presença dos Espíritos, do mesmo modo que outras, muito irritáveis, absolutamente não os pressentem.  5 Esta faculdade se desenvolve pelo hábito e pode adquirir tal sutileza, que aquele que a possui reconhece, pela impressão que experimenta, não só a natureza, boa ou má, do Espírito que lhe está ao lado, mas até a sua individualidade, como o cego reconhece, por um certo não sei quê, a aproximação de tal ou tal pessoa. Torna-se, com relação aos Espíritos, verdadeiro sensitivo. 6 Um bom Espírito produz sempre uma impressão suave e agradável; a de um mau Espírito, ao contrário, é penosa, angustiosa, desagradável. Há como que um cheiro de impureza.


4. Médiuns audientes.


165. Estes ouvem a voz dos Espíritos. 2 É, como dissemos ao falar da pneumatofonia, algumas vezes uma voz interior, que se faz ouvir no foro íntimo; 3 de outras vezes, é uma voz exterior, clara e distinta, qual a de uma pessoa viva. 4 Os médiuns audientes podem, assim, travar conversação com os Espíritos.  5 Quando têm o hábito de se comunicar com determinados Espíritos, eles os reconhecem imediatamente pela natureza da voz. 6 Quem não seja dotado desta faculdade pode, igualmente, comunicar com um Espírito, se tiver, a auxiliá-lo, um médium audiente, que desempenhe a função de intérprete.

7 Esta faculdade é muito agradável, quando o médium só ouve Espíritos bons, ou unicamente aqueles por quem chama. 8 Assim, entretanto, já não é, quando um Espírito mau se lhe agarra, fazendo-lhe ouvir a cada instante as coisas mais desagradáveis e não raro as mais inconvenientes. 9 Cumpre-lhe, então, procurar livrar-se desses Espíritos, pelos meios que indicaremos no capítulo da Obsessão.


5. Médiuns falantes.  † 


166. Os médiuns audientes, que apenas transmitem o que ouvem, não são, a bem dizer, médiuns falantes2 Estes últimos, as mais das vezes, nada ouvem. Neles, o Espírito atua sobre os órgãos da palavra, como atua sobre a mão dos médiuns escreventes.  3 Querendo comunicar-se, o Espírito se serve do órgão que se lhe depara mais flexível no médium. A um, toma da mão; a outro, da palavra, a um terceiro, do ouvido. 4 O médium falante geralmente se exprime sem ter consciência do que diz e muitas vezes diz coisas completamente estranhas às suas ideias habituais, aos seus conhecimentos e, até, fora do alcance de sua inteligência.  5 Embora se ache perfeitamente acordado e em estado normal, raramente guarda lembrança do que diz. 6 Em suma, nele, a palavra é um instrumento de que se serve o Espírito, com o qual uma terceira pessoa pode comunicar-se, como pode com o auxílio de um médium audiente.

7 Nem sempre, porém, é tão completa a passividade do médium falante. Alguns há que têm a intuição do que dizem, no momento mesmo em que pronunciam as palavras. 8 Voltaremos a ocupar-nos com esta espécie de médiuns, quando tratarmos dos médiuns intuitivos. [n.º 180.]


6. Médiuns videntes.  † 


167. Os médiuns videntes são dotados da faculdade de ver os Espíritos. 2 Alguns gozam dessa faculdade em estado normal, quando perfeitamente acordados, e conservam lembrança precisa do que viram. 3 Outros só a possuem em estado sonambúlico, ou próximo do sonambulismo.  4 Raro é que esta faculdade se mostre permanente; quase sempre é efeito de uma crise passageira. 5 Na categoria dos médiuns videntes se podem incluir todas as pessoas dotadas de dupla vista. 6 A possibilidade de ver em sonho os Espíritos resulta, sem contestação, de uma espécie de mediunidade mas não constitui, propriamente falando, o que se chama médium vidente. 7 Explicamos esse fenômeno no capítulo VI das Manifestações visuais.

8 O médium vidente julga ver com os olhos, como os que são dotados de dupla vista; mas, na realidade, é a alma quem vê e por isso é que eles tanto veem com os olhos fechados, como com os olhos abertos; donde se conclui que um cego pode ver os Espíritos, do mesmo modo que qualquer outro que tem perfeita a vista. 9 Sobre este último ponto caberia fazer-se interessante estudo, o de saber se a faculdade de que tratamos é mais frequente nos cegos. 10 Espíritos que na Terra foram cegos nos disseram que, quando vivos, tinham, pela alma, a percepção de certos objetos e que não se encontravam imersos em negra escuridão.


168. Cumpre distinguir as aparições acidentais e espontâneas da faculdade propriamente dita de ver os Espíritos. 2 As primeiras são frequentes, sobretudo no momento da morte das pessoas que aquele que vê amou ou conheceu e que o vêm prevenir de que já não são deste mundo. Há inúmeros exemplos de fatos deste gênero, sem falar das visões durante o sono. 3 De outras vezes, são, do mesmo modo, parentes, ou amigos que, conquanto mortos há mais ou menos tempo, aparecem, ou para avisar de um perigo, ou para dar um conselho, ou, ainda, para pedir um serviço. 4 O serviço que o Espírito pode solicitar é, em geral, a execução de uma coisa que lhe não foi possível fazer em vida, ou o auxílio das preces.  5 Estas aparições constituem fatos isolados, que apresentam sempre um caráter individual e pessoal, e não efeito de uma faculdade propriamente dita. 6 A faculdade consiste na possibilidade, senão permanente, pelo menos muito frequente de ver qualquer Espírito que se apresente, ainda que seja absolutamente estranho ao vidente. 7 A posse desta faculdade é o que constitui, propriamente falando, o médium vidente.

8 Entre esses médiuns, alguns há que só veem os Espíritos evocados e cuja descrição podem fazer com exatidão minuciosa. Descrevem-lhes, com as menores particularidades, os gestos, a expressão da fisionomia, os traços do semblante, as vestes e, até, os sentimentos de que parecem animados.  9 Outros há em quem a faculdade da vidência é ainda mais ampla: veem toda a população espírita ambiente, a se mover em todos os sentidos, cuidando, poder-se-ia dizer, de seus afazeres. [v. Adrien.]


169. Assistimos uma noite à representação da ópera Oberon, em companhia de um médium vidente muito bom. 2 Havia na sala grande número de lugares vazios, muitos dos quais, no entanto, estavam ocupados por Espíritos, que pareciam interessar-se pelo espetáculo. 3 Alguns se colocavam junto de certos espectadores, como que a lhes escutar a conversação. 4 Cena diversa se desenrolava no palco: por detrás dos atores muitos Espíritos, de humor jovial, se divertiam em arremedá-los, imitando-lhes os gestos de modo grotesco; outros, mais sérios, pareciam inspirar os cantores e fazer esforços por lhes dar energia. 5 Um deles se conservava sempre junto de uma das principais cantoras. Julgando-o animado de intenções um tanto levianas e tendo-o evocado após a terminação do ato, ele acudiu ao nosso chamado e nos reprochou, com severidade, o temerário juízo: “Não sou o que julgas, disse; sou o seu guia e seu Espírito protetor; sou encarregado de dirigi-la.” Depois de alguns minutos de uma palestra muito séria, deixou-nos, dizendo: “Adeus; ela está em seu camarim; é preciso que vá vigiá-la.” 6 Em seguida, evocamos o Espírito Weber, autor da ópera, e lhe perguntamos o que pensava da execução da sua obra. “Não de todo má; porém, frouxa; os atores cantam, eis tudo. Não há inspiração. 7 Espera, acrescentou, vou tentar dar-lhes um pouco do fogo sagrado.” Foi visto, daí a nada, no palco, pairando acima dos atores. Partindo dele, um como eflúvio se derramava sobre os intérpretes. Houve, então, nestes, visível recrudescência de energia. [O fato acima pressupõe que Allan Kardec fez a evocação e conversou com os Espíritos no próprio recinto teatral.]


170. Outro fato que prova a influência que os Espíritos exercem sobre os homens, à revelia destes: 2 Assistíamos, como nessa noite, a uma representação teatral, com outro médium vidente. 3 Travando conversação com um Espírito espectador, disse-nos ele: “Vês aquelas duas damas sós, naquele camarote da primeira ordem? Pois bem, estou esforçando-me por fazer que deixem a sala.” Dizendo isso, o médium o viu ir colocar-se no camarote em questão e falar às duas. De súbito, estas, que se mostravam muito atentas ao espetáculo, se entreolharam, parecendo consultar-se mutuamente. Depois, vão-se e não mais voltam. O Espírito nos fez então um gesto cômico, querendo significar que cumprira o que dissera. Não o tornamos a ver, para pedir-lhe explicações mais amplas. 4 É assim que muitas vezes fomos testemunha do papel que os Espíritos desempenham entre os vivos. 5 Observamo-los em diversos lugares de reunião, em bailes, concertos, sermões, funerais, casamentos, etc., e por toda parte os encontramos atiçando paixões mas, soprando discórdias, provocando rixas e rejubilando-se com suas proezas. 6 Outros, ao contrário, combatiam essas influências perniciosas, porém, raramente eram atendidos.


171. A faculdade de ver os Espíritos pode, sem dúvida, desenvolver-se, mas é uma das de que convém esperar o desenvolvimento natural, sem o provocar, em não se querendo ser joguete da própria imaginação. 2 Quando o gérmen de uma faculdade existe, ela se manifesta de si mesma.  3 Em princípio, devemos contentar-nos com as que Deus nos outorgou, sem procurarmos o impossível, por isso que, pretendendo ter muito, corremos o risco de perder o que possuímos.

4 Quando dissemos serem frequentes os casos de aparições espontâneas (n.º 107), não quisemos dizer que são muito comuns. 5 Quanto aos médiuns videntes, propriamente ditos, ainda são mais raros e há muito que desconfiar dos que se inculcam possuidores dessa faculdade.  6 É prudente não se lhes dar crédito, senão diante de provas positivas.  7 Não aludimos sequer aos que se dão à ilusão ridícula de ver os Espíritos glóbulos, que descrevemos no n.º 108, falamos apenas dos que dizem ver os Espíritos de modo racional. 8 É fora de dúvida que algumas pessoas podem enganar-se de boa-fé, porém, outras podem também simular esta faculdade por amor-próprio, ou por interesse. 9 Neste caso, é preciso, muito especialmente, levar em conta o caráter, a moralidade e a sinceridade habituais; 10 todavia, nas particularidades, sobretudo, é que se encontram meios de mais segura verificação, porquanto algumas há que não podem deixar suspeita, como, por exemplo, a exatidão no retratar Espíritos que o médium jamais conheceu quando encarnados. 11 Pertence a esta categoria o fato seguinte: Uma senhora, viúva, cujo marido se comunica frequentemente com ela, estava certa vez em companhia de um médium vidente, que não a conhecia, como não lhe conhecia a família. Disse-lhe o médium, em dado momento: Vejo um Espírito perto da senhora. — Ah! disse esta por sua vez: É com certeza meu marido, que quase nunca me deixa. — Não, respondeu o médium, é uma mulher de certa idade; está penteada de modo singular; traz um bandó branco sobre a fronte. Por essa particularidade e outros detalhes descritos, a senhora reconheceu, sem haver possibilidade de engano, sua avó, em quem naquele instante absolutamente não pensava. 12 Se o médium houvesse querido simular a faculdade fácil lhe fora acompanhar o pensamento da dama. Entretanto, em vez do marido, com quem ela se achava preocupada, ele vê uma mulher, com uma particularidade no penteado, da qual coisa alguma lhe podia dar ideia. 13 Este fato prova também que a vidência, no médium, não era reflexo de qualquer pensamento estranho. (Veja-se o n.º 102.)


7. Médiuns sonambúlicos.


172. Pode considerar-se o sonambulismo uma variedade da faculdade mediúnica,  2 ou, melhor, são duas ordens de fenômenos que frequentemente se acham reunidos. 3 O sonâmbulo age sob a influência do seu próprio Espírito; é sua alma que, nos momentos de emancipação, vê, ouve e percebe, fora dos limites dos sentidos. 4 O que ele externa tira-o de si mesmo; suas ideias são, em geral, mais justas do que no estado normal, seus conhecimentos mais dilatados, porque tem livre a alma. Numa palavra, ele vive antecipadamente a vida dos Espíritos. 5 O médium, ao contrário, é instrumento de uma inteligência estranha; é passivo e o que diz não vem de si. 6 Em resumo, o sonâmbulo exprime o seu próprio pensamento, enquanto que o médium exprime o de outrem. 7 Mas, o Espírito que se comunica com um médium comum também o pode fazer com um sonâmbulo; dá-se mesmo que, muitas vezes, o estado de emancipação da alma facilita essa comunicação. 8 Muitos sonâmbulos veem perfeitamente os Espíritos e os descrevem com tanta precisão, como os médiuns videntes. 9 Podem confabular com eles e transmitir-nos seus pensamentos. 10 O que dizem, fora do âmbito de seus conhecimentos pessoais, lhes é com frequência sugerido por outros Espíritos. 11 Aqui está um exemplo notável, em que a dupla ação do Espírito do sonâmbulo e de outro Espírito se revela e de modo inequívoco.


173. Um de nossos amigos tinha como sonâmbulo um rapaz de 14 a 15 anos, de inteligência muito vulgar e instrução extremamente escassa. 2 Entretanto, no estado de sonambulismo, deu provas de lucidez extraordinária e de grande perspicácia. 3 Excedia, sobretudo, no tratamento das enfermidades e operou grande número de curas consideradas impossíveis. 4 Certo dia, dando consulta a um doente, descreveu a enfermidade com absoluta exatidão. — Não basta, disseram-lhe, agora é preciso que indiques o remédio. Não posso, respondeu, meu anjo doutor não está aqui. — Quem é esse anjo doutor de quem falas? — O que dita os remédios. Não és tu, então, que vês os remédios? — Oh! não; estou a dizer que é o meu anjo doutor quem mos dita.

5 Assim, nesse sonâmbulo, a ação de ver o mal era do seu próprio Espírito que, para isso, não precisava de assistência alguma; a indicação, porém, dos remédios lhe era dada por outro. Não estando presente esse outro, ele nada podia dizer. 6 Quando só, era apenas sonâmbulo; assistido por aquele a quem chamava seu anjo doutor, era sonâmbulo-médium.


174. A lucidez sonambúlica é uma faculdade que se radica no organismo e que independe, em absoluto, da elevação, do adiantamento e mesmo do estado moral do indivíduo. 2 Pode, pois, um sonâmbulo ser muito lúcido e ao mesmo tempo incapaz de resolver certas questões, desde que seu Espírito seja pouco adiantado.  3 O que fala por si próprio pode, portanto, dizer coisas boas ou más, exatas ou falsas, demonstrar mais ou menos delicadeza e escrúpulo nos processos de que use, conforme o grau de elevação, ou de inferioridade do seu próprio Espírito. 4 A assistência então de outro Espírito pode suprir-lhe as deficiências.  5 Mas, um sonâmbulo, tanto como os médiuns, pode ser assistido por um Espírito mentiroso, leviano, ou mesmo mau. 6 Aí, sobretudo, é que as qualidades morais exercem grande influência, para atraírem os bons Espíritos. (Veja-se: O Livro dos Espíritos, Sonambulismo, n.º 425, e, aqui, adiante, o capítulo sobre a Influência moral do médium.)


8. Médiuns curadores.  † 


175. Unicamente para não deixar de mencioná-la, falaremos aqui desta espécie de médiuns, porquanto o assunto exigiria desenvolvimento excessivo para os limites em que precisamos ater-nos. 2 Sabemos, ao demais, que um de nossos amigos, médico, se propõe a tratá-lo em obra especial sobre a medicina intuitiva. [Vide na Revista Espírita de Março de 1860: Um médium curador.3 Diremos apenas que este gênero de mediunidade consiste, principalmente, no dom que possuem certas pessoas de curar pelo simples toque, pelo olhar, mesmo por um gesto, sem o concurso de qualquer medicação. 4 Dir-se-á, sem dúvida, que isso mais não é do que magnetismo. Evidentemente, o fluido magnético desempenha aí importante papel; porém, quem examina cuidadosamente o fenômeno sem dificuldade reconhece que há mais alguma coisa. 5 A magnetização ordinária é um verdadeiro tratamento seguido, regular e metódico; no caso que apreciamos, as coisas se passam de modo inteiramente diverso. 6 Todos os magnetizadores são mais ou menos aptos a curar, desde que saibam conduzir-se convenientemente, ao passo que nos médiuns curadores a faculdade é espontânea e alguns até a possuem sem jamais terem ouvido falar de magnetismo. 7 A intervenção de uma potência oculta, que é o que constitui a mediunidade, se faz manifesta, em certas circunstâncias, sobretudo se considerarmos que a maioria das pessoas que podem, com razão, ser qualificadas de médiuns curadores recorre à prece, que é uma verdadeira evocação. (Veja-se atrás o n.º 131.)


176. Eis aqui as respostas que nos deram os Espíritos às perguntas que lhes dirigimos sobre este assunto:


Podem considerar-se as pessoas dotadas de força magnética como formando uma variedade de médiuns?

“Não há que duvidar.”


Entretanto, o médium é um intermediário entre os Espíritos e o homem; ora, o magnetizador, haurindo em si mesmo a força de que se utiliza, não parece que seja intermediário de nenhuma potência estranha.

“É um erro; a força magnética reside, sem dúvida, no homem, mas é aumentada pela ação dos Espíritos que ele chama em seu auxílio. 2 Se magnetizas com o propósito de curar, por exemplo, e invocas um bom Espírito que se interessa por ti e pelo teu doente, ele aumenta a tua força e a tua vontade, dirige o teu fluido e lhe dá as qualidades necessárias.”


Há, entretanto, bons magnetizadores que não creem nos Espíritos.

“Pensas então que os Espíritos só atuam nos que creem neles? 2 Os que magnetizam para o bem são auxiliados por bons Espíritos. 3 Todo homem que nutre o desejo do bem os chama, sem dar por isso, do mesmo modo que, pelo desejo do mal e pelas más intenções, chama os maus.”


Agiria com maior eficácia aquele que, tendo a força magnética, acreditasse na intervenção dos Espíritos?

“Faria coisas que consideraríeis milagre.”


Há pessoas que verdadeiramente possuem o dom de curar pelo simples contato, sem o emprego dos passes magnéticos?

“Certamente; não tens disso múltiplos exemplos?”


Nesse caso, há também ação magnética, ou apenas influência dos Espíritos?

“Uma e outra coisa. 2 Essas pessoas são verdadeiros médiuns, pois que atuam sob a influência dos Espíritos; 3 isso, porém, não quer dizer que sejam quais médiuns curadores, conforme o entendes.”


Pode transmitir-se esse poder?

“O poder, não; mas o conhecimento de que necessita, para exercê-lo, quem o possua. 2 Não falta quem não suspeite sequer de que tem esse poder, se não acreditar que lhe foi transmitido.”


Podem obter-se curas unicamente por meio da prece?

“Sim, desde que Deus o permita; 2 pode dar-se, no entanto, que o bem do doente esteja em sofrer por mais tempo e então julgais que a vossa prece não foi ouvida.”


Haverá para isso algumas fórmulas de prece mais eficazes do que outras?

“Somente a superstição pode emprestar virtudes quaisquer a certas palavras 2 e somente Espíritos ignorantes, ou mentirosos podem alimentar semelhantes ideias, prescrevendo fórmulas. 3 Pode, entretanto, acontecer que, em se tratando de pessoas pouco esclarecidas e incapazes de compreender as coisas puramente espirituais, o uso de determinada fórmula contribua para lhes infundir confiança. 4 Neste caso, porém, não é na fórmula que está a eficácia, mas na fé, que aumenta por efeito da ideia ligada ao uso da fórmula.”


9. Médiuns pneumatógrafos.


177. Dá-se este nome aos médiuns que têm aptidão para obter a escrita direta,  2 o que não é possível a todos os médiuns escreventes. 3 Esta faculdade, até agora, se mostra muito rara. 4 Desenvolve-se, provavelmente, pelo exercício; mas, como dissemos, sua utilidade prática se limita a uma comprovação patente da intervenção de uma força oculta nas manifestações. 5 Só a experiência é capaz de dar a ver a qualquer pessoa se a possui.  6 Pode-se, portanto, experimentar, como também se pode inquirir a respeito um Espírito protetor, pelos outros meios de comunicação. 7 Conforme seja maior ou menor o poder do médium, obtêm-se simples traços, sinais, letras, palavras, frases e mesmo páginas inteiras. 8 Basta de ordinário colocar uma folha de papel dobrada num lugar qualquer, ou indicado pelo Espírito, durante dez minutos, ou um quarto de hora, às vezes mais. 9 A prece e o recolhimento são condições essenciais; 10 é por isso que se pode considerar impossível a obtenção de coisa alguma, numa reunião de pessoas pouco sérias, ou não animadas de sentimentos de simpatia e benevolência. (Veja-se a teoria da escrita direta, capítulo VIII: Laboratório do mundo invisível (n.º 127 e seguintes), e capítulo XII: Pneumatografia.)

11 Trataremos de modo especial dos médiuns escreventes nos capítulos que se seguem.



[1] Um dos fatos mais extraordinários desta natureza, pela variedade e singularidade dos fenômenos é, sem contestação, o que ocorreu em 1852, no Palatinado (Baviera renana), em Bergzabern, perto de Wissemburg. É tanto mais notável, quanto denota, reunidos no mesmo indivíduo, quase todos os gêneros de manifestações espontâneas: estrondos de abalar a casa, derribamento dos móveis, arremesso de objetos ao longe por mãos invisíveis, visões e aparições, sonambulismo, êxtase, catalepsia, atração elétrica, gritos e sons aéreos, instrumentos tocando sem contato, comunicações inteligentes, etc. e, o que não é de somenos importância, a comprovação desses fatos, durante quase dois anos, por inúmeras testemunhas oculares, dignas de crédito pelo saber e pelas posições sociais que ocuparam. A narração autêntica dos aludidos fenômenos foi publicada, naquela época, em muitos jornais alemães e, especialmente, numa brochura hoje esgotada e raríssima. Na Revista Espírita de 1858 se encontra a tradução completa dessa brochura, com os comentários e explicações indispensáveis. Essa, que saibamos, é a única publicação feita em francês do folheto a que nos referimos. Além do empolgante interesse que tais fenômenos despertam, eles são eminentemente instrutivos, do ponto de vista do estudo prático do Espiritismo.


[2] No original francês está, no grifo, “Torpilles humainesTorpille é um peixe semelhante à arraia, que tem órgãos capazes de emitir descargas elétricas. É o peixe-torpedo, à semelhança das denominações que damos, de “enguia-elétrica” ou “peixe-elétrico”, ao peixe poraquê amazônico.


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