1. — Já tínhamos ouvido falar de certos fenômenos espíritas que em 1852 fizeram muito alarido na Baviera renana, nos arredores de Spira, † e sabíamos até que um relato autêntico havia sido publicado numa brochura alemã. Depois de longas e infrutíferas pesquisas, uma dama, dentre as nossas assinantes da Alsácia, † demonstrando nessa circunstância um zelo e uma perseverança de que lhe seremos eternamente agradecidos, finalmente conseguiu obter um exemplar daquela brochura e no-lo ofereceu. Damos, a seguir, sua tradução in extenso; sem dúvida será lida com grande interesse, pois, dentre tantas outras, é uma prova a mais de que os fatos desse gênero são de todos os tempos e países, já que ocorreram numa época em que apenas se começava a falar em Espíritos.
2. PROÊMIO.
Há vários meses um acontecimento muito estranho tornou-se o assunto preferido de todas as conversas em nossa cidade e em seus arredores. Referimo-nos ao Batedor, como é chamado, da casa do alfaiate Pierre Sanger.
Até então nos abstivemos de qualquer relato em nossa folha – o Jornal de Bergzabern – sobre as manifestações que se produziram nessa casa desde o dia 1º de janeiro de 1852. Como, porém, chamaram a atenção geral, a tal ponto que as autoridades se sentiram no dever de pedir ao Dr. Beutner uma explicação a esse respeito, chegando o Dr. Dupping, de Spira, a dirigir-se ao local para observar os fatos, não nos podemos furtar, por mais tempo, ao dever de dar-lhes publicidade.
Não esperem nossos leitores uma apreciação nossa sobre a questão, pois nos sentiríamos muito embaraçados; deixamos essa tarefa aos que, pela natureza de seus estudos e de sua posição, estão mais aptos a se pronunciarem, o que, aliás, farão sem dificuldade, caso consigam descobrir a razão daqueles efeitos. Quanto a nós, limitar-nos-emos ao simples relato dos fatos, principalmente daqueles que testemunhamos ou que ouvimos de pessoas dignas de fé, deixando que o leitor forme a sua própria opinião.
F.-A. Blanck.
Redator do Jornal de Bergzabern.
Maio de 1852.
No dia 1º de janeiro deste ano (1852), na casa em que habitava e num quarto vizinho ao em que comumente ficava, a família Pierre Sanger, de Bergzabern, † ouviu um ruído como se fora um martelamento, iniciando-se por golpes surdos que pareciam vir de longe e que se tornavam progressivamente mais fortes e distintos. Esses golpes davam a impressão de ser desferidos contra a parede, perto da qual se achava o leito onde dormia seu filho, de onze anos de idade. Habitualmente era entre nove horas e meia e dez e meia que o ruído se fazia ouvir. A princípio o casal Sanger não lhe deu maior importância; porém, como tal singularidade se repetisse a cada noite, pensaram que poderia vir da casa vizinha, onde, à guisa de passatempo, um enfermo se distraísse em tamborilar contra a parede. Contudo, logo o casal se convenceu de que o doente não era nem poderia ser a causa do ruído. O chão do quarto foi revolvido, a parede derrubada, mas sem qualquer resultado. O leito foi removido para o lado oposto do quarto; e então – coisa admirável! – o ruído passou a ser ouvido desse lado, tão logo o menino dormia. Estava muito claro que de alguma forma a criança tomava parte na manifestação daquele ruído; como as pesquisas da polícia nada descobriram, começou-se a pensar que o fenômeno pudesse ser atribuído a uma doença do garoto ou a uma particularidade de sua conformação. Contudo, nada até agora veio confirmar essa hipótese. É ainda um enigma para os médicos.
Com o passar do tempo, a coisa não fez senão desenvolver-se; o ruído se prolongou além de uma hora, e as batidas tinham mais força. A criança foi trocada de quarto e de leito, mas o batedor se manifestou. nesse outro quarto, sob a cama, na cama e na parede. As batidas não eram idênticas; ora eram fortes, ora fracas e isoladas, ora, enfim, sucedendo-se rapidamente e seguindo o ritmo das marchas militares e dos bailados.
O garoto ocupava, desde alguns dias, o quarto acima mencionado quando notaram, durante o sono, que ele emitia palavras curtas e incoerentes. Logo se tornaram mais distintas e mais inteligíveis; dir-se-ia que a criança conversava com outra pessoa, sobre a qual tinha autoridade. Entre os fatos que diariamente se produziam, o autor desta brochura narrará um, do qual foi testemunha: Achava-se a criança no leito, deitada sobre o lado esquerdo. Tão logo pegou no sono, os golpes começaram, pondo-se ela a falar assim: “Tu, tu, bate uma marcha.” E o batedor batia uma marcha que se assemelhava bastante a uma marcha da Bavária. † À ordem de “Alto!” dada pela criança, o batedor parou. Então a criança ordenou: “Bate três, seis, nove vezes”, e o batedor executou a ordem. A uma nova ordem de bater 19 golpes, 20 pancadas fizeram-se ouvir; completamente adormecida, a criança disse: “Não está certo, são 20 golpes”, e logo 19 golpes foram contados. Em seguida, o menino ordenou 30 golpes: ouviram-se 30 batidas. “100 golpes”. Não se pôde contar senão até 40, tão rapidamente se sucediam as pancadas. Ao último golpe, disse o garoto: “Muito bem; agora 110”. Aqui só se pôde contar cerca de 50 pancadas. Quando soou o último golpe, o dorminhoco disse: “Não é isso, foram apenas 106” e logo mais quatro pancadas fizeram-se ouvir para completar o número 110. Depois ele pediu: “Mil!”; somente 15 golpes foram dados. “Vamos, diga lá!” Houve ainda 5 pancadas e o batedor parou. Então os assistentes tiveram a ideia de ordenar diretamente ao batedor, executando este as ordens que lhe eram dadas. Ele se calou à ordem de “Alto! Silêncio! Paz!”. Depois, por si mesmo e sem comando, recomeçou a bater. Num canto do quarto, em voz baixa, um dos assistentes disse que queria ordenar, apenas pelo pensamento, 6 batidas. O experimentador postou-se diante do leito e não disse sequer uma palavra: foram ouvidas as 6 pancadas. Ainda por pensamento foram comandados 4 golpes e os 4 golpes foram batidos. A mesma experiência foi tentada por outras pessoas, nem sempre com sucesso. Logo a criança distendeu os membros, afastou o cobertor e se levantou.
Quando lhe perguntaram o que havia acontecido, respondeu que tinha visto um homem grande e mal-encarado, que se mantinha diante de seu leito a apertar-lhe os joelhos. Acrescentou que sentia dor nos joelhos quando o homem batia. A criança dormiu novamente e as mesmas manifestações se reproduziram até que o relógio do quarto bateu onze horas. De repente o batedor parou, o menino entrou em sono tranquilo, o que foi reconhecido pela regularidade da respiração, e nada mais foi ouvido naquela noite. Observamos que o batedor obedecia ao comando de bater marchas militares. Várias pessoas afirmaram que quando se lhe pedia uma marcha russa, austríaca ou francesa, ela era batida com muita exatidão.
No dia 25 de fevereiro, estando adormecido, disse o menino: “Não queres mais bater agora, queres arranhar; pois bem! quero ver como o farás”. Com efeito, no dia seguinte, 26, em lugar das pancadas, ouviu-se um arranhar que parecia vir do leito e que se tem manifestado até hoje. Os golpes se misturavam à raspadela, ora alternadamente, ora simultaneamente, de tal sorte que nas árias de marcha ou de dança a raspadura marcava a primeira parte e os golpes a segunda. Conforme o pedido, a hora do dia e a idade das pessoas presentes eram indicadas por raspagem ou por golpes secos.
Em relação à idade das pessoas, às vezes havia erros, logo corrigidos na 2ª ou 3ª tentativas, quando se dizia que o número de pancadas não era exato. Amiúde, em vez de dar a idade pedida, o batedor executava uma marcha.
A linguagem da criança, durante o sono, tornava-se cada dia mais perfeita. Aquilo que a princípio não passava de simples palavras ou ordens muito breves ao batedor, com o tempo se transformou numa conversa ordenada com os pais. Assim, um dia ele se entreteve com a irmã mais velha sobre assuntos religiosos e, em tom de exortação e de instrução, disse-lhe que devia ir à missa, orar todos os dias e mostrar submissão e obediência aos pais. À noite, retomou o mesmo assunto de conversa; em seus ensinamentos nada havia de teológico, mas apenas algumas noções que se aprende na escola.
Antes dessas palestras, pelo menos durante uma hora ouviam-se pancadas e arranhões, não somente durante o sono do garoto, mas, até mesmo, no estado de vigília. Vimo-lo beber e comer enquanto as batidas e raspadelas se manifestavam, e o vimos também, acordado, a dar ordens ao batedor, que foram todas executadas.
Na noite de sábado, 6 de março, havendo o menino predito a seu pai, durante o dia e completamente desperto, que o batedor apareceria às nove horas, várias pessoas se reuniram na casa dos Sanger. Às nove horas em ponto, quatro golpes foram batidos na parede com tanta violência que os assistentes se assustaram. Logo, e pela primeira vez, as batidas foram dadas na madeira da cama e exteriormente; o leito abalou-se todo. Esses golpes manifestaram-se de todos os lados da cama, ora num lugar, ora noutro. As pancadas e as arranhaduras alternavam-se no leito. A uma ordem do menino e das pessoas presentes, ora os golpes se faziam ouvir no interior do leito, ora no exterior. De repente, a cama levantou-se em sentidos diferentes, enquanto os golpes eram batidos com força. Mais de cinco pessoas tentaram, sem sucesso, fazê-la voltar ao chão; tendo sido abandonada, ela se balançou ainda por alguns instantes, retomando depois a sua posição natural. Esse fato já havia ocorrido uma vez, antes dessa manifestação pública.
Toda noite, também, a criança fazia uma espécie de discurso. Falaremos disso muito sucintamente.
Antes de tudo é preciso notar que o garoto, assim que baixava a cabeça, logo dormia, e as pancadas e os arranhões começavam. Com os golpes, ele gemia, agitava as pernas e parecia sentir-se mal. O mesmo não ocorria com as raspadelas. Chegado o momento de falar, deitava sobre o dorso e sua face tornava-se pálida, assim como suas mãos e braços. Com a mão direita fazia sinal, dizendo: “Vamos! vem para perto do meu leito e junta as mãos: vou te falar do Salvador do mundo.” Então cessavam os golpes e os arranhões, e todos os assistentes ouviam com respeitosa atenção o discurso do adormecido.
A criança falava lentamente e de modo muito inteligível em puro alemão, o que surpreendia bastante, tanto mais quanto se sabia que era menos adiantada do que seus colegas de escola, sobretudo em virtude de uma moléstia dos olhos que a impedia de estudar. Suas palestras versavam sobre a vida e as ações de Jesus, desde os doze anos, de sua presença no templo com os escribas, de seus benefícios à Humanidade e de seus milagres; em seguida, estendia-se sobre o relato de seus sofrimentos, censurando severamente os judeus por o haverem crucificado, apesar de seus numerosos atos de bondade e de suas bênçãos. Terminando, o garoto dirigia a Deus uma prece fervorosa, rogando que “lhe concedesse a graça de suportar, com resignação, os sofrimentos que lhe enviara, pois que o havia escolhido para entrar em comunicação com o Espírito.” Pedia a Deus não o deixasse morrer ainda, pois era apenas uma criança e não queria baixar à tumba escura. Terminados seus discursos, recitava em voz solene o Pater noster, após o que dizia:
“Agora podes vir”; imediatamente as batidas e as arranhaduras recomeçavam. Ainda falou duas vezes ao Espírito e, a cada uma delas, o Espírito batedor parava. Dizia ainda algumas palavras e terminava assim: “Agora podes ir embora, em nome de Deus”. E despertava.
Durante essas conversas os olhos do menino ficavam bem fechados; os lábios, porém, se mexiam; as pessoas que estavam mais próximas do leito podiam observar-lhe os movimentos. A voz era pura e harmoniosa.
Ao despertar, perguntavam-lhe o que havia visto e o que se tinha passado. Respondia: “O homem que vem me ver” “Onde está ele?” – “Perto de meu leito, com as outras pessoas” “Vistes as outras pessoas?” – “Vi todas que estavam perto de meu leito”.
Compreende-se facilmente que tais manifestações encontraram muitos incrédulos e que se supôs mesmo que essa história toda não passasse de mistificação; mas o pai era incapaz de charlatanice, sobretudo de um charlatanismo que teria exigido toda a habilidade de um prestidigitador profissional. Ele gozava da reputação de um homem honrado e honesto.
Para responder a essas suspeitas e fazê-las cessar, o garoto foi levado para uma casa estranha. Mal lá chegou e as batidas e arranhaduras fizeram-se ouvir. Além disso, alguns dias antes tinha ido com sua mãe a um pequeno vilarejo chamado Capelle, a cerca de meia légua de distância, à casa da viúva Klein; ele se disse fatigado; deitaram-no sobre um canapé e logo o mesmo fenômeno se produziu. Várias testemunhas podem confirmar o fato. Embora a criança demonstrasse estar bem de saúde, devia, apesar disso, ser afetada por uma doença que, se não fosse provada pelas manifestações acima relatadas, pelo menos o seria pelos movimentos involuntários dos músculos e dos sobressaltos nervosos.
Para terminar, destacamos que há algumas semanas a criança foi conduzida à casa do Dr. Beutner, onde deveria permanecer, a fim de que o sábio pudesse estudar de mais perto os fenômenos em questão. Desde então cessou todo o barulho na casa dos Sanger, passando, todavia, a produzir-se na casa do Dr. Beutner.
Tais são, em toda a sua autenticidade, os fatos que se passaram. Nós os entregamos ao público sem emitir juízo de valor. Oxalá possam os mais entendidos dar-lhes uma explicação satisfatória.
Blanck.
3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESPÍRITO BATEDOR DE BERGZABERN.
É fácil a explicação solicitada pelo narrador que acabamos de citar; não existe senão uma, e apenas a Doutrina Espírita é capaz de fornecê-la. Esses fenômenos nada têm de extraordinário para quem esteja familiarizado com os que nos habituaram os Espíritos. Sabe-se que papel certas pessoas atribuem à imaginação. Sem dúvida, se a criança somente houvesse tido visões, os partidários da alucinação ter-se-iam sentido cobertos de razão. Mas aqui havia efeitos materiais de natureza inequívoca e que tiveram um grande número de testemunhas; seria preciso se imaginasse que todos estivessem alucinados a ponto de pensarem ouvir o que de fato não escutavam e verem a mobília mudando de lugar; ora, nisso haveria um fenômeno mais extraordinário ainda. Aos incrédulos só resta um recurso: negar; é mais fácil e dispensa o raciocínio.
Examinando as coisas do ponto de vista espírita, torna-se evidente que o Espírito que se manifestou era inferior ao da criança, visto que lhe obedecia; era mesmo subordinado aos assistentes, pois que também lhe davam ordens. Se não soubéssemos pela Doutrina que os Espíritos ditos batedores estão embaixo na escala, aquilo que se passou seria uma prova disto. Realmente não se conceberia que um Espírito elevado, assim como nossos sábios e filósofos, viesse divertir-se em bater marchas e valsas; numa palavra, a representar o papel de um pelotiqueiro, nem submeter-se aos caprichos dos seres humanos. Mostra-se sob os traços de um homem mal encarado, circunstância que não pode senão corroborar essa opinião; em geral a moral se reflete no envoltório. Para nós está, pois, demonstrado que o batedor de Bergzabern é um Espírito inferior, da classe dos Espíritos levianos, que se manifestou como tantos outros o fizeram e ainda fazem todos os dias.
Agora, com que propósito veio? A notícia não diz que haja sido chamado; hoje, que se tem mais experiência sobre essas coisas, não se deixaria vir um visitante tão estranho sem se informar o que ele quer. Portanto, só podemos fazer uma conjectura. É verdade que nada fez que revelasse maldade ou má intenção; não experimentou o menino nenhum distúrbio, nem físico, nem moral; só os homens teriam podido perturbar sua moral, ferindo-lhe a imaginação com os contos ridículos, e é muito bom que não o tenham feito. Por muito inferior que fosse esse Espírito, não era mau nem malevolente; simplesmente era um desses Espíritos tão numerosos que, sem cessar e sem o sabermos, nos rodeiam. Nessa circunstância pode ter agido por mero capricho, como também o poderia fazer por instigação de Espíritos elevados, com vistas a despertar a atenção dos homens e de os convencer da realidade de um poder superior que se encontra fora do mundo corporal.
Quanto ao menino, é certo que era um desses médiuns de efeitos físicos, dotados, mau grado seu, dessa faculdade, e que estão para os outros médiuns assim como os sonâmbulos naturais estão para os sonâmbulos magnéticos. Essa faculdade, dirigida por um homem experimentado nessa nova ciência, poderia ter produzido coisas mais extraordinárias ainda, susceptíveis de lançar nova luz sobre esses fenômenos, que não são maravilhosos senão para os que não os compreendem.
[Revista de junho de 1858.]
4. O ESPÍRITO BATEDOR DE BERGZABERN.
II.
Extraímos as passagens seguintes de uma nova brochura alemã, publicada em 1853, pelo Sr. Blanck, redator do jornal de Bergzabern, sobre o Espírito batedor de que falamos em nosso número do mês de maio. Os fenômenos extraordinários ali relatados, cuja autenticidade não poderia ser posta em dúvida, provam que, a esse respeito, nada podemos invejar da América. Notar-se-á, nesse relato, o cuidado minucioso com que os fatos foram observados. Seria desejável que em casos semelhantes se votasse a mesma atenção e a mesma prudência. Sabe-se hoje que os fenômenos desse gênero não resultam de um estado patológico, mas denotam sempre, entre aqueles em que se manifestam, uma excessiva sensibilidade, fácil de ser superexcitada. O estado patológico não é a causa eficiente, mas pode ser-lhe consecutivo. A mania de experimentação, em casos análogos, mais de uma vez causou acidentes graves que não teriam ocorrido se se tivesse deixado a Natureza agir por si mesma. Em nossa Instrução prática sobre as manifestações encontram-se os conselhos necessários para esse fim. Sigamos o Sr. Blanck em seu relato:
“Os leitores de nossa brochura, intitulada Os Espíritos Batedores, viram que as manifestações de Philippine Senger têm um caráter enigmático e extraordinário. Relatamos esses fatos maravilhosos desde seu início até o momento em que a criança foi conduzida ao médico real do cantão. Examinaremos, agora, o que se passou desde aquele dia.
Quando a criança deixou a casa do Dr. Bentner para regressar à casa paterna, as batidas e arranhaduras recomeçaram na casa do pai Senger; até esse momento, e mesmo depois da cura completa da jovem, as manifestações foram mais marcantes e mudaram de natureza. n Neste mês de novembro (1852) o Espírito começou a assobiar; a seguir ouvia-se um ruído comparável ao de uma roda de carrinho de mão que girasse sobre o seu eixo seco e enferrujado; mas o mais extraordinário de tudo, incontestavelmente, foi a desordem dos móveis no quarto de Philippine, n desordem que durou quinze dias. Uma ligeira descrição do lugar parece-me essencial. O quarto tem aproximadamente 18 pés de comprimento por 8 de largura; chega-se a ele pela sala comum. A porta que comunica essas duas peças abre-se à direita. O leito da criança estava colocado à direita; no meio havia um armário e, no canto esquerdo, a mesa de trabalho de Senger, na qual foram feitas duas cavidades circulares, cobertas por tampas.
Na noite em que começou o tumulto, a Sra. Senger e Francisque, sua filha mais velha, estavam sentadas na primeira sala, perto de uma mesa, ocupadas em descascar vagens; de repente uma pequena roda, lançada do quarto de dormir, caiu perto delas. Ficaram tanto mais amedrontadas quanto sabiam que ninguém, além de Philippine, então mergulhada em sono profundo, se encontrava no quarto. Além disso, a rodinha fora lançada do lado esquerdo, embora se achasse na prateleira de um pequeno móvel, colocado à direita. Se houvesse partido do leito, deveria ter alcançado a porta e aí se detido; tornava-se evidente, portanto, que a criança nada tinha a ver com o caso. Enquanto a família Senger externava sua surpresa sobre o acontecimento, alguma coisa caiu da mesa no chão: era um pedaço de pano que; antes, estava mergulhado numa bacia cheia de água. Ao lado da rodinha jazia também uma cabeça de cachimbo, havendo a outra metade ficado sobre a mesa. O que tornava a coisa ainda mais incompreensível era que a porta do armário onde estava a pequena roda, antes de ser atirada, achava-se fechada, a água da bacia não estava agitada e nenhuma gota se havia derramado sobre a mesa. De repente a criança, sempre adormecida, grita do leito: Pai, vá embora, ele atira! Saiam! Eles vos atirarão também. Obedeceram a essa ordem, e assim que foram à primeira sala a cabeça do cachimbo foi atirada com muita força, sem que, no entanto, se quebrasse. Uma régua, que Philippine usava na escola, seguiu o mesmo caminho. O pai, a mãe e sua filha mais velha entreolhavam-se apavorados e, como refletissem sobre o caminho a tomar, uma grande plaina do Sr. Senger e uma grande tora de madeira foram lançadas de sua banca de carpinteiro para o outro quarto. Sobre a mesa de trabalho, as tampas estavam no lugar e, apesar disso, os objetos que elas cobriam também haviam sido jogados longe. Na mesma noite os travesseiros da cama foram lançados sobre o armário e o cobertor atirado contra a porta.
Num outro dia haviam posto aos pés da menina, debaixo do cobertor, um ferro de passar pesando cerca de seis libras; logo foi atirado na outra sala; o cabo tinha sido retirado e foi encontrado sobre uma cadeira no quarto de dormir.
Fomos testemunhas de que cadeiras colocadas a cerca de três pés do leito foram derrubadas e as janelas abertas, embora antes estivessem fechadas, e isso tão logo havíamos virado as costas para entrar na peça vizinha. Uma outra vez, duas cadeiras foram levadas para cima da cama, sem desarrumar as cobertas. No dia 7 de outubro havia-se fechado firmemente a janela e estendido diante dela um lençol branco. Desde que deixamos o quarto, foram dados golpes redobrados e tão violentos que as pessoas que passavam pela rua fugiram espavoridas. Correram para o quarto: a janela estava aberta, o lençol jogado sobre o pequeno armário ao lado, a coberta do leito e os travesseiros no chão, as cadeiras de pernas para o ar e a criança em seu leito, protegida unicamente pela camisola. Durante catorze dias a Sra. Senger somente se ocupou de arrumar a cama.
Uma vez tinham deixado uma harmônica sobre uma cadeira: sons fizeram-se ouvir; entrando precipitadamente no quarto encontraram a criança, como sempre, tranquilamente deitada em sua cama; o instrumento estava sobre a cadeira, mas não tocava mais. Uma noite o Sr. Senger saía do quarto da filha quando recebeu, nas costas, a almofada de um assento. De outra vez, foi um par de chinelos velhos, sapatos que estavam debaixo do leito ou tamancos que lhe iam ao encontro. Muitas vezes também sopravam a vela acesa, colocada sobre a mesa de trabalho. As pancadas e as arranhaduras alternavam-se com essa demonstração do mobiliário. O leito parecia movimentar-se por mão invisível. À ordem de: “Balançai a cama”, ou “Ninai a criança”, o leito ia e vinha, num e noutro sentido, com barulho; à ordem de “Alto!”; ele parava. Nós, que presenciamos o fato, podemos afirmar que quatro homens que se sentaram na cama foram levantados também, sem poderem deter o seu movimento; foram erguidos com o móvel. Ao fim de catorze dias cessou a desordem dos móveis e a essas manifestações sucederam-se outras.
Na noite do dia 26 de outubro, encontravam-se no quarto, dentre outras pessoas, os Srs. Louis Soëhnee, licenciado em Direito, e o capitão Simon, ambos de Wissembourg, † assim como o Sr. Sievert, de Bergzabern. Nesse momento Philippine Senger encontrava-se mergulhada em sono magnético. n O Sr. Sievert apresentou-lhe um papel contendo cabelos para ver o que faria com eles. Ela abriu o papel sem, no entanto, pôr os cabelos à mostra, aplicou-os sobre as pálpebras fechadas e depois os afastou, como se quisesse examiná-los a distância, dizendo: “Gostaria muito de saber o que contém esse papel… São cabelos de uma dama que desconheço… Se ela quiser vir, que venha… Não posso convidá-la, já que não a conheço”. Às perguntas que lhe dirigiu o Sr. Sievert, não respondeu; mas, tendo colocado o papel na palma da mão, que estendia e revirava, o papel ficou suspenso. Em seguida o colocou na ponta do indicador e com a mão, por bastante tempo, descreveu um semicírculo, dizendo: “Não caia”, e o papel se manteve na ponta do dedo; em seguida, à ordem de “Agora cai”, ele se destacou sem que ela tivesse feito o menor movimento para determinar-lhe a queda. De repente, virando-se para o lado da parede, disse: “Agora quero pregar-te à parede”; e aplicou o papel à parede, que ali ficou fixado em torno de 5 a 6 minutos, após o que o retirou. Um exame minucioso do papel. e da parede não revelou qualquer causa de aderência. Acreditamos ser um dever informar que o quarto estava perfeitamente iluminado, o que nos possibilitava examinar completamente essas particularidades.
Na noite seguinte deram-lhe outros objetos: chaves, moedas, cigarreiras, anéis de ouro e de prata; todos, sem exceção, ficavam suspensos à sua mão. Notaram que a prata aderia a ela mais facilmente que as outras substâncias, pois tiveram dificuldade em retirar-lhe as moedas e essa operação causou-lhe dor. Um dos fatos mais curiosos nesse gênero foi o seguinte: Sábado, 11 de novembro, o oficial que estava presente deu-lhe seu sabre com o tiracolo, pesando ao todo 4 libras, conforme verificação feita; o conjunto ficou suspenso pelo dedo do médium, balançando-se por bastante tempo. O que não é menos singular é que todos os objetos, qualquer que fosse a matéria de que eram feitos, também ficavam suspensos. Essa propriedade magnética comunicava-se pelo simples contato das mãos às pessoas suscetíveis da transmissão do fluido; disso tivemos vários exemplos.
Um capitão, o Sr. Cavaleiro de Zentner, então servindo na guarnição de Bergzabern, testemunha desses fenômenos, teve a ideia de pôr uma bússola perto da menina, para observar suas variações. Na primeira tentativa, a agulha desviou-se 15 graus, permanecendo imóvel nas seguintes, embora a criança a segurasse em uma das mãos e a acariciasse com a outra. Essa experiência provou que esses fenômenos não poderiam ser explicados pela ação do fluido mineral, até porque a atração magnética não se exerce indiferentemente sobre todos os corpos.
Habitualmente, quando a pequena sonâmbula se dispunha a iniciar suas sessões, chamava ao quarto todas as pessoas que lá se encontravam. Simplesmente dizia: “Vinde! Vinde!”, ou então “Dai, dai.” Muitas vezes só se tranquilizava quando todas as pessoas, sem exceção, estavam perto de sua cama. Então pedia, com diligência e impaciência, um objeto qualquer; tão logo lhe era dado, ligava-se a seus dedos. Frequentemente acontecia que dez, doze ou mais pessoas estavam presentes e cada uma lhe apresentava vários objetos. Durante a sessão não permitia que lhe tomassem nenhum deles; parecia sobretudo preferir os relógios; abria-os com grande habilidade, examinava o movimento, fechava-os e depois os colocava perto de si para cuidar de outra coisa. Ao final, devolvia a cada um o que lhe haviam confiado; examinava os objetos com os olhos fechados e jamais se enganava de proprietário. Se alguém estendesse a mão para tomar o que não lhe pertencia, ela o repelia. Como explicar essa distribuição múltipla e sem erros a tão grande número de pessoas? Em vão tentaram fazer o mesmo com os olhos abertos. Terminada a sessão e retirados os estranhos, as pancadas e arranhaduras, momentaneamente interrompidas, recomeçaram. É preciso acrescentar que a criança não queria que ninguém ficasse ao pé de sua cama, perto do armário, o que entre os dois móveis deixava um espaço de aproximadamente um pé. Se alguém aí se interpusesse, com um gesto os afastava. E se recusassem, demonstrava grande inquietude, ordenando, com gestos imperiais, que deixassem o lugar. Uma vez ela exortou os assistentes a jamais ocuparem o local proibido, porque não queria que acontecesse problema com ninguém. Era tão positiva essa advertência que ninguém a esqueceu daí por diante.
Algum tempo depois, às pancadas e arranhaduras juntou-se um zumbido comparável ao som produzido por uma grossa corda de violoncelo. Uma espécie de assobio misturava-se a esse zumbido. Se alguém pedisse uma marcha ou uma dança, seu desejo era satisfeito: o músico invisível mostrava-se muito complacente. Com o auxílio das arranhaduras, chamava pelo nome as pessoas da casa ou os estranhos presentes; esses entendiam a quem eram dirigidos os apelos. A esse chamado, a pessoa designada respondia sim, para dar a entender que sabia tratar-se dela; então era executada, em sua homenagem, um trecho de música, que por vezes dava lugar a cenas divertidas. Se alguém que não fosse chamado respondia sim, a arranhadura fazia-se entender por um não, exprimido a seu modo, de que nada tinha a dizer-lhe naquele momento. Tais fatos se produziram pela primeira vez na noite do dia 10 de novembro e continuam a manifestar-se até hoje.
Eis agora como procedia o Espírito batedor para designar as pessoas. Desde várias noites, havia-se notado que, aos diversos convites para fazer tal ou qual coisa, ele respondia por um golpe seco ou por uma arranhadura prolongada. Tão logo o golpe seco era dado, o batedor começava a executar o que se desejasse dele; ao contrário, quando arranhava, não satisfazia o pedido. Um médico teve então a ideia de tomar por sim o primeiro ruído, e por não o segundo, sendo desde então confirmada essa interpretação. Notou-se também que, por uma série de arranhões mais ou menos fortes, o Espírito exigia certos objetos das pessoas presentes. Por força de atenção, e notando a maneira por que o ruído se produzia, pôde-se compreender a intenção do batedor. Assim, por exemplo, o Sr. Senger contou que certa manhã, ao romper do dia, ouvira barulhos modulados de certa maneira; sem ligar a isso nenhum sentido, percebeu que não cessavam senão quando ele estava fora do leito, daí compreendendo que significavam: “Levanta-te”. Foi assim que, pouco a pouco, familiarizou-se com essa linguagem e, por certos sinais, pôde reconhecer as pessoas designadas.
Chegou o aniversário do dia em que o Espírito batedor se havia manifestado pela primeira vez; numerosas mudanças se tinham operado no estado de Philippine Senger. As batidas, os arranhões e os zumbidos continuavam, mas, a todas essas manifestações juntou-se um grito particular, que ora se assemelhava ao de um ganso, ora ao de um papagaio ou ao de qualquer outra ave de grande porte; ao mesmo tempo, ouvia-se um como que repicar na parede, semelhante ao ruído das bicadas de um pássaro. Nessa época, Philippine Senger falava muito durante o sono, parecendo preocupada sobretudo com um certo animal, semelhante a um papagaio, postado ao pé do leito, gritando e dando bicadas na parede. Desejando-se ouvir o papagaio gritar, este emitia gritos pungentes. Fizeram-se diversas perguntas, às quais respondeu por gritos do mesmo gênero; várias pessoas ordenaram-lhe dizer Kakatoès, † e foi ouvida distintamente a palavra Kakatoès, como se houvera sido pronunciada pelo próprio pássaro. Silenciaremos sobre os fatos menos interessantes, limitando-nos a relatar o que houve de mais notável em relação às modificações sobrevindas ao estado físico da garota.
Algum tempo antes do Natal as manifestações renovaram-se com mais energia; os golpes e os arranhões tornaram-se mais violentos e duravam mais tempo. Mais agitada que de costume, muitas vezes Philippine pedia para não dormir em sua cama e, sim, na de seus pais; rolava no leito, clamando: “Não posso mais ficar aqui; vou sufocar; eles vão me encerrar na parede; socorro!” E sua calma só retornava quando a carregavam para o outro leito. Apenas nele se achava e golpes muito fortes eram ouvidos no alto; pareciam partir do sótão, como se um carpinteiro martelasse sobre as vigas; algumas vezes eram tão vigorosos que a casa ficava toda abalada, as janelas vibravam e as pessoas presentes sentiam o chão tremer sob os pés; golpes semelhantes eram dados igualmente contra a parede, perto da cama. Às perguntas formuladas, as mesmas pancadas respondiam como ordinariamente, alternando-se sempre com as arranhaduras. Não menos curiosos, os fatos que se seguem reproduziram-se muitas vezes:
Quando todo ruído havia cessado e a menina repousava tranquilamente em seu pequeno leito, viram-na muitas vezes prostrar-se e unir as mãos, mantendo fechados os olhos; depois virava a cabeça para todos os lados, ora à direita, ora à esquerda, como se algo extraordinário atraísse sua atenção. Um amável sorriso corria-lhe então sobre os lábios; dir-se-ia que se dirigia a alguém; estendia as mãos e, por esse gesto, compreendia-se que apertaria as mãos de alguns amigos ou conhecidos. Viram-na também depois de tais cenas retomar sua primeira atitude suplicante, unindo novamente as mãos e curvando a cabeça até tocar o cobertor, após o que se endireitava e derramava lágrimas. Então suspirava e parecia orar com grande fervor. Nesses momentos sua fisionomia se transformava: ficava pálida e adquiria a expressão de uma mulher de 24 a 25 anos. Muitas vezes esse estado durava mais de meia hora, durante o qual só exclamava ah! ah! As batidas, os arranhões, o zumbido e os gritos cessavam até o momento do despertar. Então o batedor novamente se fazia ouvir, procurando executar árias alegres, de modo a dissipar a impressão penosa deixada na assistência. Ao despertar, a criança estava muito abatida; podia apenas levantar os braços, e os objetos que lhe eram apresentados não ficavam mais suspensos em seus dedos.
Curiosos em conhecer o que ela havia experimentado, interrogaram-na várias vezes. Somente após reiterados pedidos foi que se decidiu a contar que havia visto conduzirem e crucificarem o Cristo no Gólgota; † que a dor das santas mulheres prostradas ao pé da cruz e a crucificação haviam-lhe produzido uma impressão impossível de descrever. Também tinha visto uma porção de mulheres e de virgens vestidas de negro, e pessoas jovens em longas roupas brancas, percorrendo em procissão as ruas de uma bela cidade; finalmente, foi conduzida a uma vasta igreja, onde assistiu a um serviço fúnebre.
Em pouco tempo o estado de Philippine Senger se alterou de modo a causar inquietação quanto à sua saúde, porque, estando acordada, divagava e sonhava em voz alta; não reconhecia os pais, nem a irmã, nem qualquer outra pessoa, vindo esse estado agravar-se mais ainda por uma completa surdez que persistiu durante quinze dias. Não podemos silenciar sobre o que se passou nesse lapso de tempo.
A surdez de Philippine manifestou-se de meio-dia às três horas, ela mesma declarando que ficaria surda durante um certo tempo e que cairia doente. O que há de singular é que, por vezes, recuperava a audição durante cerca de meia hora, com o que se mostrava feliz. Ela própria predizia o momento em que a surdez se manifestaria e desapareceria. Uma vez, entre outras, anunciou que à noite, às oito e meia, ouviria claramente durante uma meia hora; com efeito, à hora predita voltou a ouvir, e isso durou até às nove horas.
Durante a surdez seus traços se modificavam; seu rosto adquiria uma expressão de estupidez, que perdia tão logo retornava ao estado normal. Nada, então, causava impressão sobre ela; ficava sentada, olhando as pessoas presentes fixamente e sem as reconhecer. Ninguém se podia fazer compreender a não ser por sinais, aos quais em geral não respondia, limitando-se a fitar os olhos sobre os que lhe dirigiam a palavra. Uma vez agarrou pelo braço, de repente, uma das pessoas presentes e lhe disse, empurrando-a: Quem és, pois? Nessa situação permanecia às vezes por mais de hora e meio imobilizada na cama. Seus olhos mantinham-se semiabertos e parados num ponto qualquer; de vez em quando giravam à direita e à esquerda, voltando depois ao mesmo lugar. Toda a sensibilidade parecia então embotada: o pulso apenas batia e, quando lhe colocavam uma lâmpada diante dos olhos, não fazia nenhum movimento: dir-se-ia morta.
Durante a surdez, numa noite em que se achava deitada, aconteceu pedir uma lousa e um giz, escrevendo em seguida: “Às onze horas falarei alguma coisa, mas exijo que permaneçam quietos e silenciosos”. Depois dessas palavras acrescentou cinco sinais semelhantes à escrita latina, mas que nenhum dos assistentes pôde decifrar. Foi escrito na lousa que ninguém compreendia aqueles sinais. Em resposta a essa observação, ela escreveu: “Não é que não possais ler!” E mais embaixo: “Não é alemão, é uma língua estrangeira”. Em seguida, virando a lousa, escreveu do outro lado: “Francisque (sua irmã mais velha) sentar-se-á à mesa e escreverá o que eu ditar”. Fez acompanhar essas palavras de cinco sinais semelhantes aos primeiros e entregou a lousa. Notando que tais sinais ainda não eram compreendidos, pediu de volta a lousa e aditou: “São ordens particulares”.
Um pouco antes das onze horas, disse: “Ficai tranquilos; que todos se sentem e prestem atenção!” e, ao baterem onze horas virou-se em seu leito e entrou em sono magnético habitual. Alguns instantes mais tarde pôs-se a falar, sem interrupção, durante cerca de meia hora. Entre outras coisas declarou que durante o ano em curso produzir-se-iam fatos que ninguém compreenderia, e que todas as tentativas feitas para os explicar seriam infrutíferas.
Durante a surdez da jovem Senger a desordem dos móveis, a abertura inexplicada das janelas e a extinção das luzes colocadas na mesa de trabalho repetiram-se várias vezes. Certa noite aconteceu que dois bonés, que estavam pendurados em um cabide do quarto de dormir, foram atirados sobre a mesa do outro quarto, derrubando uma xícara cheia de leite que se esparramou pelo chão. As batidas contra o leito eram tão violentas que o deslocaram de seu lugar; algumas vezes foi mesmo desmontado ruidosamente, sem que as pancadas se fizessem ouvir.
Como houvesse ainda pessoas incrédulas, ou que atribuíam essas singularidades a uma brincadeira da criança, que, segundo elas, batia ou arranhava com os pés ou com as mãos, se bem tivessem os fatos sido constatados por mais de cem testemunhas, e que fora verificado que a mocinha tinha os braços estendidos sobre a coberta enquanto se produziam os ruídos, o capitão Zentner imaginou um meio de os convencer. Mandou trazer da caserna dois cobertores muito grossos, os quais foram postos um sobre o outro e ambos envolveram o colchão e os lençóis da cama; eram felpudos, de tal sorte que neles seria impossível produzir o mais leve ruído por simples atrito. Vestindo uma simples camisa e uma camisola de dormir, Philippine foi colocada sobre os cobertores; apenas acomodada, as arranhaduras e os golpes se produziram como antes, ora na madeira do leito, ora no armário vizinho, conforme o desejo que era manifestado.
Acontecia muitas vezes que quando alguém cantarolava ou assobiava uma ária qualquer o batedor o acompanhava e os sons percebidos pareciam provir de dois, três ou quatro instrumentos: ao mesmo tempo ouvia-se arranhar, bater, assobiar e retumbar, conforme o ritmo da ária cantada. Muitas vezes também o batedor pedia a um dos assistentes que cantasse uma canção; designava-o pelo processo que já conhecemos e, quando a pessoa compreendia que era a si mesma que o Espírito se dirigia, perguntava, por sua vez, se devia cantar tal ou qual ária; respondia-se-lhe por sim ou não. Ao cantar a ária indicada, um acompanhamento de zumbidos e assobios fazia-se ouvir perfeitamente no compasso. Depois de uma música alegre, frequentemente o Espírito pedia o hino: Grande Deus, nós te louvamos, ou a canção de Napoleão I. Se se lhe pedisse para tocar sozinho esta última canção, ou qualquer outra, executava-a do começo ao fim.
As coisas iam assim na casa dos Senger, quer de dia, quer de noite, durante o sono ou no estado de vigília da menina, até o dia 4 de março de 1853, época em que as manifestações entraram numa nova fase. Esse dia foi marcado por um fato ainda mais extraordinário que os precedentes.
(Continua no próximo número.)
5.
Observação. – Esperamos que nossos leitores não nos censurem
pela extensão que demos a esses curiosos detalhes, e que leiam a sua
continuação com não menor interesse. Faremos notar que esses fatos não
nos vêm de além-mar, cuja distância é um grande argumento, pelo menos
para certos cépticos; nem mesmo vêm de além-Reno, porquanto se passaram
em nossas fronteiras, quase sob nossos olhos e há seis anos apenas.
Como se vê, Philippine Senger era uma médium natural muito complexa; além da influência que exercia sobre os fenômenos bem conhecidos dos ruídos e movimentos, era uma sonâmbula extática. Conversava com seres incorpóreos que via; ao mesmo tempo via os assistentes e lhes dirigia a palavra, embora nem sempre lhes respondesse, o que prova que em certos momentos se achava isolada. Para aqueles que conhecem os efeitos da emancipação da alma, as visões que relatamos nada têm que não possam ser explicadas facilmente; nesses momentos de êxtase é provável que o Espírito da criança se visse transportado para algum país longínquo, onde assistia, talvez em recordação, a uma cerimônia religiosa. Pode-se admirar da lembrança que conservava ao despertar, mas esse fato não é insólito; de resto, pode-se notar que a lembrança era confusa, sendo necessário insistir muito para provocá-la.
Se observarmos atentamente o que se passava durante a surdez, reconheceremos sem dificuldade um estado cataléptico. Uma vez que essa surdez era apenas temporária, é evidente que não provocava alterações nos órgãos da audição. O mesmo podemos dizer da obliteração momentânea das faculdades mentais, que nada tinha de patológico, visto que, num dado instante, tudo voltava ao estado normal. Essa espécie de estupidez aparente resultava de um desprendimento mais completo da alma, cujas excursões faziam-se com maior liberdade, não deixando aos sentidos senão a vida orgânica. Que se julgue, pois, o efeito desastroso que teria resultado de uma intervenção terapêutica em semelhante circunstância! Fenômenos do mesmo gênero podem produzir-se a cada momento; não saberíamos, nesse caso, recomendar maior circunspecção; uma imprudência pode comprometer a saúde e até mesmo a vida.
[Revista de julho de 1858.]
6.
O ESPÍRITO BATEDOR DE BERGZABERN.
III.
(TERCEIRO ARTIGO.)
Continuamos a citar a brochura do Sr. Blanck, redator do Jornal de Bergzabern. n
“Os fatos que vamos relatar ocorreram de sexta-feira, 4, a quarta-feira, 9 de março de 1853; depois, nada semelhante se produziu. Nessa época Philippine não mais dormia no quarto que conhecemos: seu leito havia sido transferido para a peça vizinha, onde ainda se acha presentemente. As manifestações tomaram um caráter tão estranho que é impossível admitir a sua explicação pela intervenção dos homens. Aliás, são de tal modo diferentes das que haviam sido observadas anteriormente, que todas as opiniões iniciais caíram por terra.
Sabe-se que no quarto onde dormia a mocinha, as cadeiras e os outros móveis muitas vezes eram derrubados, as janelas abriam-se com estrondo, sob golpes repetidos. Há cinco semanas ela permanece no quarto comum, onde, desde o princípio da noite, até a manhã seguinte, há sempre uma luz; pode-se, pois, ver perfeitamente o que ali se passa. Eis o fato observado sexta-feira, 4 de março:
Philippine ainda não estava deitada; achava-se no meio de algumas pessoas que conversavam com o Espírito batedor quando, de repente, a gaveta de uma mesa muito grande e pesada, que se encontrava na sala, foi puxada e empurrada com grande barulho e com uma impetuosidade extraordinária. Os assistentes ficaram fortemente surpreendidos com essa nova manifestação; no mesmo instante, a própria mesa começou a movimentar-se em todos os sentidos, avançando em direção à lareira, perto da qual estava sentada Philippine. Por assim dizer, perseguida pelo móvel, viu-se obrigada a deixar o seu lugar e correr para o meio do quarto; mas a mesa voltou-se nessa direção e se deteve a meio pé da parede. Colocaram-na. em seu lugar costumeiro, de onde não se mexeu mais; entretanto, as botas que se encontravam debaixo dela, e que todos puderam ver, foram jogadas no meio do quarto, com grande pavor das pessoas presentes. Uma das gavetas recomeçou a deslizar nas corrediças, abrindo-se e fechando-se por duas vezes, de início muito vivamente e, depois, de forma cada vez mais lenta; quando estava completamente aberta, acontecia ser sacudida com estrondo. Deixado sobre a mesa, um pacote de fumo mudava de lugar a todo instante. As pancadas e arranhaduras eram ouvidas na mesa. Philippine, que então gozava de excelente saúde, achava-se no meio das pessoas reunidas e de forma alguma parecia inquieta com todas essas estranhezas, que se repetiam todas as noites, desde sexta-feira; domingo, porém, foram ainda mais notáveis.
Por várias vezes a gaveta foi puxada e empurrada com violência. Depois de haver estado em seu antigo dormitório, Philippine voltou subitamente, foi tomada de sono magnético e deixou-se cair numa cadeira, onde por várias vezes foram ouvidas as arranhaduras. Suas mãos apoiavam-se sobre os joelhos e a cadeira ora se movia para a direita, ora para a esquerda, ou para frente e para trás. Viam-se os pés dianteiros da cadeira se erguerem, enquanto a cadeira balançava num equilíbrio impressionante sobre os pés traseiros. Tendo sido levada para o meio do quarto, tornou-se mais fácil observar esse novo fenômeno. Então, a uma palavra de ordem, a cadeira girava, avançava ou recuava mais ou menos depressa, ora num sentido, ora noutro. Durante essa dança singular os pés da criança arrastavam-se no chão, como se estivessem paralisados; através de gemidos e levando a mão à fronte diversas vezes, dava a entender que estava com dor de cabeça. Depois, despertando de repente, pôs-se a olhar para todos os lados, sem compreender a situação: seu mal-estar a havia deixado. Ela se deitou; então as pancadas e arranhaduras, antes produzidas na mesa, fizeram-se ouvir no leito, com força e de maneira divertida.
Pouco antes, tendo uma campainha produzido sons espontâneos, tiveram a ideia de prendê-la à cama: logo se pôs a tocar e a balançar. O que houve de mais curioso nessa circunstância foi o fato de a campainha permanecer imobilizada e em silêncio, quando a cama era levantada e deslocada. Por volta da meia-noite todo o ruído cessou e a assistência dispersou-se.
Na segunda-feira à noite, 15 de maio, prenderam ao leito uma grande campainha; imediatamente fez-se ouvir um barulho desagradável e ensurdecedor. No mesmo dia, ao meio-dia, as janelas e a porta do quarto de dormir foram abertas, mas de maneira silenciosa.
Devemos dizer, também, que a cadeira em que se sentava Philippine, na sexta-feira e no sábado, levada pelo Sr. Senger para o meio do quarto pareceu-lhe muito mais leve que de costume: dir-se-ia que força invisível a sustentava. Querendo empurrá-la, um dos assistentes não encontrou a menor resistência: a cadeira parecia deslizar por si mesma no assoalho.
O Espírito batedor ficou em silêncio durante três dias: quinta-feira, sexta-feira e sábado da Semana Santa. Somente no Domingo de Páscoa os golpes recomeçaram, imitando o som de sinos; eram ritmados e compunham uma ária. No dia 1º de abril, mudando de guarnição e puxadas por uma banda de música, as tropas deixaram a cidade. Ao passarem diante da casa dos Senger, o Espírito batedor executou, no leito, à sua maneira, o mesmo trecho que era tocado na rua. Algum tempo antes, haviam escutado no quarto como que os passos de alguém, e como se tivessem jogado areia no assoalho.
Preocupado com os fatos que acabamos de relatar, o governo do Palatinado † propôs ao Sr. Senger internar a filha numa casa de saúde, em Frankenthal, † proposta aceita. Sabemos que em sua nova residência a presença de Philippine deu origem aos mesmos prodígios de Bergzabern, e que os médicos daquela cidade, tanto quanto os nossos, não lhes puderam determinar a causa. Além disso, estamos informados de que somente os médicos têm acesso à mocinha. Por que tomaram essa medida? Nós o ignoramos, e não nos permitimos censurá-la; porém, se o que lhe deu causa não foi o resultado de alguma circunstância particular, pensamos que deveriam deixar entrar, perto da interessante criança, se não todo o mundo, pelo menos as pessoas recomendáveis.”
Observação. – Só tomamos conhecimento dos diferentes fatos aqui expostos pelo relatório que deles o Sr. Blanck publicou; entretanto, uma circunstância acaba de nos pôr em contato com uma das pessoas que mais se distinguiram nesse caso e que, a respeito, houve por bem fornecer-nos documentos circunstanciados do mais alto interesse. Através de evocação, obtivemos igualmente explicações bastante curiosas e muito instrutivas desse Espírito batedor, dadas por ele mesmo. Como esses documentos nos chegaram muito tarde, adiaremos sua publicação para o próximo número.
[1] Teremos ocasião de falar da indisposição dessa criança; como, entretanto, depois de sua cura reproduziram-se os mesmos efeitos, isso é uma prova evidente de que eram independentes de seu estado de saúde.
[2] N. do T.: Nota-se que há discordância do relator da brochura quanto ao sexo da criança responsável pelos fenômenos, aqui apresentada como uma menina, ao invés do garoto descrito no fascículo do mês anterior. O mesmo podemos dizer dos nomes próprios, ora grafados como Sanqer ou Senqer, ora como Beutner ou Bentner.
[3]
Uma sonâmbula de Paris havia entrado em relação com a jovem Philippine
e, desde então, esta caía espontaneamente em sonambulismo. Nessa ocasião
passavam-se fatos notáveis, que relataremos de outra vez. (Nota do tradutor
francês.)
[4] Devemos à cortesia de um de nossos amigos, o Sr. Alfred Pireaux, empregado da administração dos Correios, a tradução dessa interessante brochura.