Vestuário dos Espíritos. (126.) — A escrita direta, ou pneumatografia.
(127.)
— Formação espontânea de objetos tangíveis. (128.1-9.)
— Modificação das propriedades da matéria. Ação magnética curadora.
(128.10-131.)
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Vestuário dos Espíritos.
126.
Temos dito que os Espíritos se apresentam vestidos de túnicas, envoltos
em largos panos, ou mesmo com os trajes que usavam em vida. 2
O envolvimento em panos parece costume geral no mundo dos Espíritos.
3
Mas, onde irão eles buscar vestuários semelhantes em tudo aos que traziam
quando vivos, com todos os acessórios que os completavam? É fora de
qualquer dúvida que não levaram consigo esses objetos, pois que os objetos
reais temo-los ainda sob as vistas. Donde então provêm os de que usam
no outro mundo? Esta questão deu sempre muito que pensar. 4
Para muitas pessoas, porém, era simples motivo de curiosidade. A ocorrência,
todavia, confirmava uma questão de princípio, de grande importância,
porquanto sua solução nos fez entrever uma lei geral, que também encontra
aplicação no nosso mundo corpóreo. Múltiplos fatos a vieram complicar
e demonstrar a insuficiência das teorias com que tentaram explicá-la.
5 Até certo ponto, poder-se-ia compreender a existência do traje, por ser possível considerá-lo como, de alguma sorte, fazendo parte do indivíduo. 6 O mesmo, porém, não se dá com os objetos acessórios, qual, por exemplo, a caixa de rapé do visitante da senhora doente, de quem falamos no n.º 116. Notemos, a este propósito, que ali não se tratava de um morto, mas de um vivo, e que tal senhor, quando voltou em pessoa, trazia na mão uma caixa de rapé semelhante em tudo à da aparição. Onde encontrara seu Espírito a que tinha consigo, quando sentado junto ao leito da doente? 7 Poderíamos citar grande número de casos em que Espíritos, de mortos ou de vivos, apareceram com diversos objetos, tais como bengalas, armas, cachimbos, lanternas, livros, etc.
8 Veio-nos então uma ideia: a de que, possivelmente, aos corpos inertes da terra correspondem outros, análogos, porém etéreos, no mundo invisível; de que a matéria condensada, que forma os objetos, pode ter uma parte quintessenciada, que nos escapa aos sentidos. 9 Não era destituída de verossimilhança esta teoria, mas se mostrava impotente para explicar todos os fatos. 10 Um há, sobretudo, que parecia destinado a frustrar todas as interpretações. Até então, não se tratara senão de imagens, ou aparências. Vimos perfeitamente bem que o perispírito pode adquirir as propriedades da matéria e tornar-se tangível, mas essa tangibilidade é apenas momentânea e o corpo sólido se desvanece qual sombra. Já é um fenômeno muito extraordinário; porém, o que o é ainda mais é produzir-se matéria sólida persistente, conforme o provam numerosos fatos autênticos, 11 notadamente o da escrita direta, de que falaremos minuciosamente em capítulo especial. Todavia, como este fenômeno se liga intimamente ao assunto de que agora tratamos, constituindo uma de suas mais positivas aplicações, antecipar-nos-emos, colocando-o antes do lugar em que, pela ordem, deveria ser explanado.
[A escrita direta, ou pneumatografia.]
127.
A escrita direta, ou pneumatografia, é a que se produz espontaneamente,
sem o concurso, nem da mão do médium, nem do lápis. 2
Basta tomar-se de uma folha de papel branco, o que se pode fazer com
todas as precauções necessárias, ter a certeza da ausência de qualquer
fraude, dobrá-la e depositá-la em qualquer parte, numa gaveta, ou simplesmente
sobre um móvel. Feito isso, se a pessoa estiver nas devidas condições,
ao cabo de mais ou menos longo tempo encontrar-se-ão, traçados no papel,
letras, sinais diversos, palavras, frases e até dissertações, as mais
das vezes com uma substância acinzentada, análoga à plumbagina, de outras
vezes com lápis vermelho, tinta comum e, mesmo, tinta de imprimir.
3
Eis o fato em toda a sua simplicidade e cuja reprodução, se bem pouco
comum, não é, contudo, muito rara, porquanto pessoas há que a obtêm
com grande facilidade. 4
Se ao papel se juntasse um lápis, poder-se-ia supor que o Espírito se
servira deste para escrever. Mas, desde que o papel é deixado inteiramente
só, evidente se torna que a escrita se formou por meio de uma matéria
depositada sobre ele. 5
De onde tirou o Espírito essa matéria? Tal o problema, a cuja solução
fomos levados pela caixa de rapé a que há pouco nos referíamos. [n.º 116.]
[Formação espontânea de objetos tangíveis.]
128.
Foi o Espírito São Luís quem nos deu essa solução, mediante as respostas
seguintes:
1º Citamos um caso de aparição do Espírito de uma pessoa viva. Esse Espírito tinha uma caixa de rapé, do qual tomava pitadas. Experimentava ele a sensação que experimenta um indivíduo que faz o mesmo?
“Não.”
2º Aquela caixa de rapé tinha a forma da de que ele se servia habitualmente e que se achava guardada em sua casa. Que era a dita caixa nas mãos da aparição?
“Uma aparência. 2 Era para que a circunstância fosse notada, como realmente foi, e não tomassem a aparição por uma alucinação devida ao estado de saúde da vidente. 3 O Espírito queria que a senhora em questão acreditasse na realidade da sua presença e, para isso, tomou todas as aparências da realidade.”
3º Dizes que era uma aparência; mas, uma aparência nada tem de real, é como uma ilusão de ótica. Desejáramos saber se aquela caixa de rapé era apenas uma imagem sem realidade, ou se nela havia alguma coisa de material?
“Certamente. 2 É com o auxílio deste princípio material que o perispírito toma a aparência de vestuários semelhantes aos que o Espírito usava quando vivo.”
3 NOTA. É evidente que a palavra aparência deve ser aqui tomada no sentido de aspecto, imitação. 4 A caixa de rapé real não estava lá; a que o Espírito deixava ver era apenas a representação daquela: era, pois, com relação ao original, uma simples aparência, embora formada de um princípio material.
5 A experiência ensina que nem sempre se deve dar significação literal a certas expressões de que usam os Espíritos. Interpretando-as de acordo com as nossas ideias, expomo-nos a grandes equívocos. Daí a necessidade de aprofundar-se o sentido de suas palavras, todas as vezes que apresentem a menor ambiguidade. É esta uma recomendação que os próprios Espíritos constantemente fazem. 6 Sem a explicação que provocamos, o termo, aparência, que de contínuo se reproduz nos casos análogos, poderia prestar-se a uma interpretação falsa.
4º Dar-se-á que a matéria inerte se desdobre? Ou que haja no mundo invisível uma matéria essencial, capaz de tomar a forma dos objetos que vemos? Numa palavra, terão estes um duplo etéreo no mundo invisível como os homens são nele representados pelos Espíritos?
“Não é assim que as coisas se passam. 2 Sobre os elementos materiais disseminados por todos os pontos do espaço, na vossa atmosfera, têm os Espíritos um poder que estais longe de suspeitar. 3 Podem, pois, eles concentrar à sua vontade esses elementos e dar-lhes a forma aparente que corresponda a dos objetos materiais.”
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NOTA. Esta pergunta, como se pode ver, era a tradução do nosso pensamento,
isto é, da ideia que formávamos da natureza de tais objetos. [Vide
acima o indicador 8, item 126.] Se as respostas, conforme alguns
o pretendem, fossem o reflexo do pensamento, houvéramos obtido a confirmação
da nossa teoria e não uma teoria contrária.
5º Formulo novamente a questão, de modo categórico, a fim de evitar todo e qualquer equívoco: São alguma coisa as vestes de que os Espíritos se cobrem?
“Parece-me que a minha resposta precedente resolve a questão. 2 Não sabes que o próprio perispírito é alguma coisa?”
6º Resulta, desta explicação, que os Espíritos fazem passar a matéria etérea pelas transformações que queiram e que, portanto, com relação a caixa de rapé, o Espírito não a encontrou completamente feita, fê-la ele próprio, no momento em que teve necessidade dela, por ato de sua vontade. E, do mesmo modo que a fez, pôde desfaze-la. Outro tanto naturalmente se dá com todos os demais objetos, como vestuários, joias, etc. Será assim?
“Mas, evidentemente.”
7º A caixa de rapé se tornou tão visível para a senhora de que se trata, que lhe produziu a ilusão de uma tabaqueira material. Teria o Espírito podido torná-la tangível para a mesma senhora?
“Teria.”
8º Tê-la-ia a senhora podido tomar nas mãos, crente de estar segurando uma caixa de rapé verdadeira?
“Sim.”
9º Se a abrisse, teria achado nela rapé? E, se aspirasse esse rapé, ele a faria espirrar?
“Sem dúvida.”
[Modificação das propriedades
da matéria.]
10º Pode então o Espírito dar a um objeto, não só a forma, mas também propriedades especiais?
“Se o quiser. 2 Baseado neste princípio foi que respondi afirmativamente às perguntas anteriores. 3 Tereis provas da poderosa ação que os Espíritos exercem sobre a matéria, ação que estais longe de suspeitar, como eu disse há pouco.”
11º Suponhamos, então, que quisesse fazer uma substância venenosa. Se uma pessoa a ingerisse, ficaria envenenada?
“Teria podido, 2 mas não faria, por não lhe ser isso permitido.”
12º Poderá fazer uma substância salutar e própria para curar uma enfermidade? E já se terá apresentado algum caso destes?
“Já, muitas vezes.”
13º Então, poderia também fazer uma substância alimentar? Suponhamos que tenha feito uma fruta, uma iguaria qualquer: se alguém pudesse comer a fruta ou a iguaria, ficaria saciado?
“Ficaria, sim; 2 mas, não procures tanto para achar o que é tão fácil de compreender. 3 Um raio de sol basta para tornar perceptíveis aos vossos órgãos grosseiros essas partículas materiais que enchem o espaço onde viveis. Não sabes que o ar contém vapores d’água? Condensa-os e os farás voltar ao estado normal. Priva-as de calor e eis que essas moléculas impalpáveis e invisíveis se tornarão um corpo sólido e bem sólido, e, assim, muitas outras substâncias de que os químicos tirarão maravilhas ainda mais espantosas. 4 Simplesmente, o Espírito dispõe de instrumentos mais perfeitos do que os vossos: a vontade e a permissão de Deus.”
5 OBSERVAÇÃO. A Questão da saciedade é aqui muito importante. Como pode produzir a saciedade uma substância cuja existência e propriedades são meramente temporárias e, de certo modo, convencionais? 6 O que se dá é que essa substância, pelo seu contato com o estômago, produz a sensação da saciedade, mas não a saciedade que resulta da plenitude. 7 Desde que uma substância dessa natureza pode atuar sobre a economia [o organismo] e modificar um estado mórbido, também pode, perfeitamente, atuar sobre o estômago e produzir aí a impressão da saciedade. 8 Rogamos, todavia, aos senhores farmacêuticos e inventores de reconstituintes que não se encham de zelos, nem creiam que os Espíritos lhes venham fazer concorrência. 9 Esses casos são raros, excepcionais e nunca dependem da vontade. Doutro modo, toda a gente se alimentaria e curaria a preço baratíssimo.
14º Os objetos que, pela vontade do Espírito, se tornam tangíveis, poderiam permanecer com esse caráter e tornarem-se de uso?
“Isso poderia dar-se, 2 mas não se faz. Está fora das leis.”
15º Têm todos os Espíritos, no mesmo grau, o poder de produzir objetos tangíveis?
“É fora de dúvida que quanto mais elevado é o Espírito, tanto mais facilmente o consegue. 2 Porém, ainda aqui, tudo depende das circunstâncias. 3 Desse poder também podem dispor os Espíritos inferiores.”
16º O Espírito tem sempre o conhecimento exato do modo por que compõe suas vestes, ou os objetos cuja aparência ele faz visível?
“Não; muitas vezes concorre para a formação de todas essas coisas, praticando um ato instintivo, que ele próprio não compreende, se já não estiver bastante esclarecido para isso.”
17º Uma vez que o Espírito pode extrair do elemento universal os materiais que lhe são necessários à produção de todas essas coisas e dar-lhes uma realidade temporária, com as propriedades que lhes são peculiares, também poderá tirar dali o que for preciso para escrever, possibilidade que nos daria a explicação do fenômeno da escrita direta?
“Até que, afinal, chegaste ao ponto.”
2 NOTA. Era, com efeito, aí que queríamos chegar com todas as nossas questões preliminares. A resposta prova que o Espírito lera o nosso pensamento.
18º Pois que a matéria de que se serve o Espírito carece de persistência, como é que não desaparecem os traços da escrita direta?
“Não faças jogo de palavras. Primeiramente, não empreguei o termo — nunca. [nº 14.]
2
Tratava-se de um objeto material volumoso, ao passo que aqui se trata
de sinais que, por ser útil conservá-los, são conservados. 3
O que quis dizer foi que os objetos assim compostos pelos Espíritos
não poderiam tomar-se objetos de uso comum por não haver neles, realmente,
agregação de matéria, como nos vossos corpos sólidos.”
129 A teoria acima se pode resumir desta maneira: o Espírito atua sobre a matéria; 2 da matéria cósmica universal tira os elementos de que necessite para formar, a seu bel-prazer, objetos que tenham a aparência dos diversos corpos existentes na Terra. 3 Pode igualmente, pela ação da sua vontade, operar na matéria elementar uma transformação íntima, que lhe confira determinadas propriedades. 4 Esta faculdade é inerente à natureza do Espírito, que muitas vezes a exerce de modo instintivo, quando necessário, sem disso se aperceber. 5 Os objetos que o Espírito forma, têm existência temporária, subordinada à sua vontade, ou a uma necessidade que ele experimenta. 6 Pode faze-los e desfaze-los livremente. 7 Em certos casos, esses objetos, aos olhos de pessoas vivas, podem apresentar todas as aparências da realidade, isto é, tornarem-se momentaneamente visíveis e até mesmo tangíveis. 8 Há formação; porém, não criação, atento que do “nada” o Espírito nada pode tirar.
130 A existência de uma matéria elementar única está hoje quase geralmente admitida pela Ciência, 2 e os Espíritos, como se acaba de ver, a confirmam. 3 Todos os corpos da Natureza nascem dessa matéria que, pelas transformações por que passa, também produz as diversas propriedades desses mesmos corpos. 4 Daí vem que uma substância salutar pode, por efeito de simples modificação, tornar-se venenosa, fato de que a Química nos oferece numerosos exemplos. 5 Toda gente sabe que, combinadas em certas proporções, duas substâncias inocentes podem dar origem a uma que seja deletéria. Uma parte de oxigênio e duas de hidrogênio, ambos inofensivos, formam a água. Juntai um átomo de oxigênio e tereis um líquido corrosivo. 6 Sem mudança nenhuma das proporções, às vezes, a simples alteração no modo de agregação molecular basta para mudar as propriedades. Assim é que um corpo opaco pode tornar-se transparente e vice-versa. 7 Pois que ao Espírito é possível tão grande ação sobre a matéria elementar, concebe-se que lhe seja dado não só formar substâncias, mas também modificar-lhes as propriedades, fazendo para isto a sua vontade o efeito de reativo.
131 Esta teoria nos fornece a solução de um fato bem conhecido em magnetismo, mas inexplicado até hoje: o da mudança das propriedades da água, por obra da vontade. 2 O Espírito atuante é o do magnetizador, quase sempre assistido por outro Espírito. 3 Ele opera uma transmutação por meio do fluido magnético que, como atrás dissemos, é a substância que mais se aproxima da matéria cósmica, ou elemento universal. 4 Ora, desde que ele pode operar uma modificação nas propriedades da água, pode também produzir um fenômeno análogo com os fluidos do organismo, donde o efeito curativo da ação magnética, convenientemente dirigida.
5 Sabe-se que papel capital desempenha a vontade em todos os fenômenos do magnetismo. Porém, como se há de explicar a ação material de tão sutil agente? 6 A vontade não é um ser, uma substância qualquer; não é, sequer, uma propriedade da matéria mais etérea que exista. A vontade é atributo essencial do Espírito, isto é, do ser pensante. 7 Com o auxílio dessa alavanca, ele atua sobre a matéria elementar e, por uma ação consecutiva, reage sobre seus compostos, cujas propriedades íntimas vêm assim a ficar transformadas.
8
Tanto quanto do Espírito errante, a vontade é igualmente atributo do
Espírito encarnado; daí o poder do magnetizador, poder que se sabe estar
na razão direta da força de vontade. 9
Podendo o Espírito encarnado atuar sobre a matéria elementar, pode do
mesmo modo mudar-lhe as propriedades, dentro de certos limites. 10
Assim se explica a faculdade de cura pelo contato e pela imposição das
mãos, faculdade que algumas pessoas possuem em grau mais ou menos elevado.
(Veja-se, no capítulo dos Médiuns, o parágrafo referente aos
Médiuns
curadores. Veja-se também a Revista Espírita de julho de
1859, O
zuavo de Magenta; Um
oficial do exército da Itália.)