Três meses após um acidente fatal com sua moto, o jovem Paulo Rogério Saragoça regressou do Além, pela psicografia de Chico Xavier.
Nessa longa carta mediúnica, ao explicar com detalhes sobre os sonhos vivenciados e as ideias que o apossaram pouco tempo antes da desencarnação, e que lhe deram a plena convicção de viver seus últimos dias na Terra, suas palavras não causaram grande surpresa aos familiares. Isso porque essa notável premonição — que confirma uma desencarnação precoce programada pelo Mais Alto, obedecendo ditames da Justiça Divina — transpareceu em diálogos de Paulo Rogério com vários amigos e com sua irmã Luzia. Ainda mais, semanas antes do acidente que vitimou o jovem motoqueiro, sua mãe e a irmã Luzia receberam, sem nenhum motivo aparente, avisos de uma perda iminente de ente querido, através de intuições (numa delas, Luzia chegou a ter crise de choro após clara intuição) e sonhos, sendo que o tema central da maioria desses sonhos era acidente de moto, envolvendo sempre Paulo Rogério.
Como vemos, através de avisos de Benfeitores Espirituais, refletindo a Misericórdia Divina, essas premonições prepararam os corações de toda a família, amortecendo o duro impacto da separação brusca.
Se, na primeira carta, Paulo Rogério narra seus sonhos premonitórios, na segunda ele confirma a transmissão de um importante recado a sua mãe, por intermédio de dois familiares, também através de sonhos, que chamaremos de reais, isto é, com intercâmbio real entre encarnados (durante o sono físico) e desencarnados.
Eis as cartas do valoroso motoqueiro:
1 Querida mãezinha Marlene e querido papai Francisco, n peço-lhes me abençoem.
2 Estou aqui sob a tutela da vovó Carmen, n a benfeitora que me descerrou a visão para a vida nova que o acidente me compeliu a encontrar.
3 Estou surpreendido, baratinado… Uma sala povoada de amigos que não conheço e que, acredito, igualmente não me conhecem, me concede a oportunidade de escrever estas notícias para a família. 4 Não consigo explicar a mim mesmo o prodígio de que me reconheço objeto, porque habituado à querida motolândia, não me preparei a fim de usar papel e lápis da gentileza de outras pessoas, conquanto pessoas simpáticas e amigas, para tratar de nossos assuntos.
5 Não sei muito, mas creio que devo começar por pedir-lhes não me lastimarem o regresso à Vida Espiritual, em que estou adentrando. A moto não foi a ponte para o salto a que me entreguei, de um mundo para outro. 6 Não me suponham, porém, capaz de haver dado semelhante guinada por mim próprio. A verdade é que, no íntimo, pressentia o término de minha permanência no corpo… Aquilo era uma fixação. 7 Sonhava que fora transportado a mundo diferente do nosso; n despertava, cada manhã, na ideia de que trazia na cabeça vozes que me chamavam para a grande transformação; e, pouco a pouco, a certeza de que me achava em véspera de me desvencilhar do corpo físico, tomou conta de mim… n
8 A moto era meu sonho realizado… Estimava correr qual se estivesse voando e respirava o ar batido pela máquina, como quem havia encontrado caminhos sem poluição… Imaginava-me ganhando competições amistosas, e queria o troféu dos vencedores, para mostrar que o meu cavalo de nervos feitos de aço era o mais resistente…
9 Embora isso, a ideia de morrer não era paixão que possuísse. Queria vida e mais vida; no entanto, lá no fundo de mim próprio, aquele pressentimento me obcecava… 10 Nos momentos que me antecederam a queda, conversei longamente com a Marta, n e falava-lhe de meus estados contraditórios e a estimada amiguinha tentava me buscar para a realidade. 11 Que fazer, porém, se a presciência do meu fracasso de motoqueiro estava incrustada dentro de mim?
12 Preparei-me para mais um ensaio competitivo com os amigos; no entanto, mal sabia que permanecendo no caminho direito, enquanto os meus companheiros tomavam outra pista, fui talvez por isso alcançado, de leve, por um toque do caminhão enorme que passava por nós, acostando-se ligeiramente em mim… 13 Bastou esse leve tocar de máquinas e me vi arremessado à distância… Arremessado e caído numa fase de angústia que passou em momentos… 14 Um torpor me invadiu o cérebro, impedindo-me raciocinar e o resto não me ficou na memória.
15 Posso, no entanto, garantir aos pais queridos que o Antônio amigo não teve qualquer participação no acontecimento. n Não estávamos assim tão juntos, no momento de nossa arrancada, como o serviço de fofocagem quis espalhar. 16 Antônio foi sempre a alegria e o encorajamento de nossa turma e seria incapaz de me deslocar fora de tempo; o problema é que deveria enfrentar a libertação de meu corpo jovem que tanto desejaria ter conservado e havia soado para mim… “a hora última”.
17 Motos, carros, ônibus de todas as modalidades, carretas, comboios, bicicletas e veículo algum guardam a culpa do que sucede aos respectivos usuários… 18 Mãezinha Marlene, auxilie-me com os seus pensamentos de conformação e de paz. 19 Do sono pesado em que me mostrei, fui acordado pela criatura maravilhosa que me ensinou a chamá-la por vovó Carmen e surpreendeu-me ao declarar que me queria e me quer bem, tanto quanto a carregou no colo em criança; e sob o amparo desse anjo bom, em forma de parenta e mulher, vou atravessando os dias novos.
20 Peço aos queridos pais não se entristecerem por minha causa. Lembremo-nos das queridas irmãs Luzia e Andréa n que precisam de amor e proteção qual me acontecia.
21 Espero que me perdoem se fui tão gamado com a minha moto, colocando-a acima de qualquer garota que me oferecesse ocasião para um pedaço de sonho… 22 Ainda não sei por que me agarrei tanto à máquina que sempre me foi favorita, mas a vovó Carmen me esclarece que todo aquele entusiasmo era o anseio de conquistar o espaço e transitar pelos céus. 23 Creio que a minha avó tem razão, embora continue com as minhas fantasias preso à necessidade de caminhar, chumbado à terra ou chumbado ao chão de matéria diferente que nos sustenta aqui a paisagem. n
24 Querida mamãe e querido papai Francisco, perdoem-me e queiram-me bem como sempre. Envio um abraço às irmãs queridas, e um alô à turma de companheiros. Não posso escrever mais.
25 Ainda não disponho de força bastante para fazer o meu pensamento caminhar no papel; entretanto, o meu coração está repleto de amor e do reconhecimento com que os tenho comigo, lá no fundo de minhas ideias de rapaz que não chegou a ser o filho esperado. 26 Creiam, no entanto, que melhorarei e um dia lhes serei útil, na disciplina necessária do filho servidor em que os pais amigos se continuam.
27 Pedindo-lhes o auxílio do otimismo de que necessito a fim de reviver por aqui, sem frustrações e sem arrependimentos tardios, reúno-os num só abraço, entregando-lhes todo o carinho que sou capaz de sentir, com as muitas saudades e as muitas esperanças do filho reconhecido,
Paulo Rogério Saragoça n
NOTAS E IDENTIFICAÇÕES
1 — Psicografia de Francisco Cândido Xavier, em reunião pública do Grupo Espírita da Prece (GEP), Uberaba, MG, na noite de 17/2/1984.
2 — Marlene e Francisco — Marlene Barchetta Saragoça e Francisco Saragoça, seus pais, residentes em São Paulo, Capital.
3 — Vovó Carmen — Carmen Picon Rosa, bisavó materna, desencarnada em 15/12/1956.
4 — Sonhava que fora transportado a mundo diferente do nosso; — Os sonhos são estudados com profundidade na literatura espírita, e dentro da qual destacaremos: O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, Cap. 8, Segunda Parte; Evolução em Dois Mundos, André Luiz, F.C. Xavier e W. Vieira, FEB, Cap. 17, Primeira Parte; Conduta Espírita, André Luiz, W. Vieira, FEB, Cap. 30; O Consolador, Emmanuel, F.C. Xavier, FEB, § 49.
5 — despertava, cada manhã, na ideia de que trazia na cabeça vozes que me chamavam para a grande transformação; e, pouco a pouco, a certeza de que me achava em véspera de me desvencilhar do corpo físico, tomou conta de mim… — “Muito frequentemente o homem tem pressentimento do seu fim (…). Esse pressentimento lhe vem dos seus Espíritos protetores que querem adverti-lo a estar pronto para partir, ou que levantam sua coragem nos momentos em que lhe é mais necessária.” (O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, IDE, Questão 857.)
6 — Marta — Namorada.
7 — Posso garantir aos pais queridos que o Antônio amigo não teve qualquer participação no acontecimento. — Explicou-nos sua irmã Luzia: “Correu o boato de que Antônio, um dos seus amigos, havia empurrado Rogério de sua moto, o que provocou desespero em nossa família.” Nesse particular, portanto, a carta mediúnica promoveu muita paz no seio da família Saragoça.
8 — Luzia e Andréa — Irmãs.
9 — chumbado ao chão de matéria diferente que nos sustenta aqui a paisagem. — “(…) e onde o Espírito estiver situado pela sua identidade vibratória, seja onde for nesse vasto espaço magnético, sob seus pés terá terra firme e sobre sua cabeça céu aberto, já que seus sentidos não estarão aptos para perceberem as Esferas que lhe estão acima.” (Cidade no Além, F.C. Xavier, Heigorina Cunha, Espíritos André Luiz e Lucius, Salvador Gentile, IDE, 5ª ed., p. 70.)
10 — Paulo Rogério Saragoça — Nasceu em São Paulo, a 23/10/1964, e desencarnou nessa mesma Capital, a 19/11/1983.
1 Querida mãezinha Marlene, abençoe-me, em conjunto com meu pai que está constantemente em meu coração.
2 Sei que a saudade lhe afligiu a tal ponto, que foi preciso movimentar-me para doar, em suposto sonho, as minhas notícias à querida Guiomar e à nossa prezada Marli, comunicando a elas o meu desejo de falar-lhe pessoalmente. n
3 Querida mãezinha Marlene, as saudades são nossas. Podemos gravar noticiários numerosos e comentar as novidades do nosso Plano de ação; no entanto, finda a leitura do que escrevêssemos, as saudades permaneceriam intactas, como acontece nesse momento.
4 Agora posso dizer-lhes que o Douglas n é um companheiro dedicado para mim e que o tio Vitório n chegou sem alterações à Vida Espiritual.
5 Estou mais afinado com os imperativos de reeducação e refazimento no recanto em que me localizaram e já não me anima qualquer destaque para a moto que me serviu de veículo para o retorno, porque estou em contato com aparelhos diferentes que me tomam a atenção. 6 Ontem foi a moto veloz e amiga, e agora são as asas superiores às asas Delta que me possuem o interior pelos estudos. n
7 Peço seja dito à Marta, a querida namoradinha, que formulo votos a Deus para que a vejamos plenamente feliz. Não seria possível que ela se escravizasse à minha memória, quando pode se confiar a benfazejas realizações e rogo a ela não me considere indiferente. 8 Acontece que ela é justamente a menina correta e nobre que conhecemos na vida física e sou eu atualmente um residente da Vida Espiritual. 9 Seria exigir demais que ela se entregasse a uma existência de luta e lágrimas por minha causa, pois não é isso que sonhávamos e tenho a satisfação de sabe-la tentando esquecer os nossos planos frustrados por minha desencarnação, buscando respirar na direção de horizontes outros, nos quais encontrará a felicidade n que faz por merecer.
10 Continuo sob o patrocínio de minha avó Carmen, mas estou emplumando novos sonhos para meu trabalho na Vida Maior.
11 Mãezinha, peço-lhe distribuir as minhas lembranças com as irmãs queridas, agradecendo especialmente à nossa Andréa as lembranças e preces com que me reconforta.
12 Mãezinha, com meu pai, receba os meus votos de saúde e felicidade, e incluindo todos os nossos corações amigos no cofre de meus abraços e votos fraternos pela felicidade de todos, e confirmando-lhe ao coração materno que estou firme em todas as nossas comemorações de aniversário, n beija-lhe a fronte querida o seu filho, que se reconhece, sempre mais seu,
Paulo Rogério Saragoça n
NOTAS E IDENTIFICAÇÕES
11 — Psicografia de Francisco C. Xavier, em reunião pública do Grupo Espírita da Prece, Uberaba, a 19/10/1984.
12 — foi preciso movimentar-me para doar, em suposto sonho, as minhas notícias à querida Guiomar e à nossa prezada Marli, comunicando a elas o meu desejo de falar-lhe pessoalmente. — Guiomar Saragoça Ramos, tia paterna, e Marli Ramos, prima paterna, sonharam com Rogério, que lhes pediu transmitir o seguinte recado à sua mãe: ele queria falar-lhe através de uma mensagem e para tal realização, procurasse novamente o médium Chico Xavier.
13 — Douglas — Douglas dos Santos Teco, amigo desencarnado no mesmo dia do passamento de Paulo Rogério, 19/11/1983, também em acidente de moto.
14 — Tio Vitório — Vitório Barchetta, tio materno, também desencarnado na mesma data do falecimento de Paulo Rogério, de grave enfermidade.
15 — estou em contato com aparelhos diferentes que me tomam a atenção. Ontem foi a moto veloz e amiga, e agora são as asas superiores às asas Delta que me possuem o interior pelos estudos. — O Espírito de André Luiz, em alguns de seus livros, psicografados por Francisco Cândido Xavier, nos dá notícias de velozes veículos aéreos (“aeróbus”, “máquina voadora”, “carro voador”, “automóvel de asas”) muito utilizados nos vários planos espirituais que circundam o nosso planeta. (Ver Nosso Lar, FEB, cap. 10; Os Mensageiros, FEB, cap. 19 e 33; e, E a Vida Continua…, FEB, caps. 13, 21 e 26.) Ver também Memórias de um Suicida (Obra Mediúnica), FEB, Yvonne A. Pereira, Primeira Parte, Cap. II.
16 — tenho a satisfação de sabê-la tentando esquecer os nossos planos frustrados (…) buscando horizontes outros, nos quais encontrará a felicidade. — De fato, sua ex-namorada já se casou.
17 — e confirmando-lhe ao coração materno que estou firme em todas as nossas comemorações de aniversário — Esta Segunda Carta foi redigida na data de aniversário de sua mãe, e o natalício de Paulo Rogério seria comemorado dias depois, a 23/10.
Hércio Arantes