1.
Dado o meu interesse crescente pelos processos de alimentação, Lísias
convidou:
— Vamos ao grande reservatório da colônia. Lá observará coisas interessantes. Verá que a água é quase tudo em nossa estância de transição.
2 Curiosíssimo, acompanhei
o enfermeiro sem vacilar. Chegados a extenso ângulo da praça, o generoso
amigo acrescentou:
— Esperemos o aeróbus. n
3 Mal me refazia da
surpresa, quando surgiu grande carro, suspenso do solo a uma altura
de cinco metros mais ou menos e repleto de passageiros. Ao descer até
nós, à maneira de um elevador terrestre, examinei-o com atenção. 4
Não era máquina conhecida na Terra. Constituída de material muito flexível,
tinha enorme comprimento, parecendo ligada a fios invisíveis, em virtude
do grande número de antenas na tolda. Mais tarde, confirmei minhas suposições,
visitando as grandes oficinas do Serviço de Trânsito e Transporte.
5 Lísias não me deu tempo
a indagações. Aboletados convenientemente no recinto confortável, seguimos
silenciosos. Experimentava a timidez natural do homem desambientado,
entre desconhecidos. A velocidade era tanta que não permitia fixar os
detalhes das construções escalonadas no extenso percurso. A distância
não era pequena, porque só depois de quarenta minutos, incluindo ligeiras
paradas de três a três quilômetros, me convidou Lísias a descer, sorridente
e calmo.
2.
Deslumbrou-me o panorama de belezas sublimes. O bosque, em floração
maravilhosa, embalsamava o vento fresco de inebriante perfume. Tudo
em prodígio de cores e luzes cariciosas. 2
Entre margens bordadas de grama viçosa, toda esmaltada de azulíneas
flores, deslizava um rio de grandes proporções. A corrente rolava tranquila,
mas tão cristalina que parecia tonalizada em matiz celeste, em vista
dos reflexos do firmamento. 3
Estradas largas cortavam a verdura da paisagem. Plantadas a espaços
regulares, árvores frondosas ofereciam sombra amiga, à maneira de pousos
deliciosos, na claridade do Sol confortador. Bancos de caprichosos formatos
convidavam ao descanso.
4 Notando o meu deslumbramento,
Lísias explicou:
— Estamos no Bosque das Águas. Temos aqui uma das mais belas regiões de “Nosso Lar”. Trata-se de um dos locais prediletos para as excursões dos amantes, que aqui vêm tecer as mais lindas promessas de amor e fidelidade, para as experiências da Terra.
5 A observação ensejava considerações
muito interessantes, mas Lísias não me deu azo a perguntas nesse particular.
Indicando um edifício de enormes proporções, esclareceu:
6 — Ali é o grande
reservatório da colônia. Todo o volume do Rio Azul, que temos à vista,
é absorvido em caixas imensas de distribuição. As águas que servem a
todas as atividades da colônia partem daqui. 7
Em seguida, reúnem-se novamente, abaixo dos serviços da Regeneração,
e voltam a constituir o rio, que prossegue o curso normal, rumo ao grande
oceano de substâncias invisíveis para a Terra.
8 Percebendo-me a indagação
íntima, acrescentou: — Com efeito, a água aqui tem outra densidade.
Muito mais tênue, pura, quase fluídica.
9 Notando as magníficas construções
que me fronteavam, interroguei:
— A que Ministério está afeto o serviço de distribuição?
— Imagine, — elucidou Lísias, — que este é um dos raros serviços materiais do Ministério da União Divina!
— Que diz? — Perguntei, ignorando como conciliar uma e outra coisa.
10 O visitador sorriu e obtemperou
prazenteiro:
— Na Terra quase ninguém cogita seriamente de conhecer a importância
da água. Em “Nosso Lar”, contudo, outros são os conhecimentos. 11
Nos círculos religiosos do planeta, ensinam que o Senhor criou as águas. ( † )
Ora, é lógico que todo serviço criado precisa de energias e braços para
ser convenientemente mantido. Nesta cidade espiritual, aprendemos a
agradecer ao Pai e aos seus divinos colaboradores semelhante dádiva.
12 Conhecendo-a mais
intimamente, sabemos que a água é veículo dos mais poderosos para os
fluidos de qualquer natureza. Aqui, ela é empregada sobretudo como alimento
e remédio. 13 Há
repartições no Ministério do Auxílio absolutamente consagradas à manipulação
de água pura, com certos princípios suscetíveis de serem captados na
luz do Sol e no magnetismo espiritual. Na maioria das regiões da extensa
colônia, o sistema de alimentação tem aí suas bases. 14
Acontece, porém, que só os Ministros da União Divina são detentores
do maior padrão de espiritualidade superior, entre nós, e cabe a eles
a magnetização geral das águas do Rio Azul, a fim de que sirvam a todos
os habitantes de “Nosso Lar”, com a pureza imprescindível. 15
Fazem eles o serviço inicial de limpeza e os institutos realizam trabalhos
específicos, no suprimento de substâncias alimentares e curativas. Quando
os diversos fios da corrente se reúnem de novo, no ponto longínquo,
oposto a este bosque, ausenta-se o rio de nossa zona, conduzindo em
seu seio nossas qualidades espirituais.
16 Eu estava embevecido com
as explicações.
— No planeta, — objetei, — jamais recebi elucidações desta natureza.
— O homem é desatento, há muitos séculos, — tornou Lísias; — o mar equilibra-lhe
a moradia planetária, o elemento aquoso fornece-lhe o corpo físico,
a chuva dá-lhe o pão, o rio organiza-lhe a cidade, a presença da água
oferece-lhe a bênção do lar e do serviço; entretanto, ele sempre se
julga o absoluto dominador do mundo, esquecendo que é filho do Altíssimo,
antes de qualquer consideração. 17
Virá tempo, contudo, em que copiará nossos serviços, encarecendo a importância
dessa dádiva do Senhor. Compreenderá, então, que a água, como fluido
criador, absorve, em cada lar, as características mentais de seus moradores.
18 A água, no mundo,
meu amigo, não somente carreia os resíduos dos corpos, mas também as
expressões de nossa vida mental. 19
Será nociva nas mãos perversas, útil nas mãos generosas e, quando em
movimento, sua corrente não só espalhará bênção de vida, mas constituirá
igualmente um veículo da Providência Divina, absorvendo amarguras, ódios
e ansiedades dos homens, lavando-lhes a casa material e purificando-lhes
a atmosfera íntima.
20 Calou-se o interlocutor
em atitude reverente, enquanto meus olhos fixavam a corrente tranquila
a despertar-me sublimes pensamentos.
André Luiz
[1] Carro aéreo, que seria na Terra um grande funicular. †
[Funicular: Do lat. funiculus, cordel, cabo. Ex: Teleférico. † Sistema de transporte destinado a subir e descer fortes declives e em que a tração do veículo é feita por cabos acionados por motor estacionário. Vide no YouTube o primeiro passeio do teleférico do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Vide também: Algumas referênciasao uso de itens materiais no Mundo Invisível do Plano Espiritual, como edificações providas dos mais diversos objetos, aparelhos, veículos de transporte, etc.]