1.
Reunidos em pequeno salão iluminado, observei que a atmosfera permanecia
embalsamada de suave perfume.
2 Recomendou-nos Cornélio
a oração fervorosa e o pensamento puro. Tomando-nos a dianteira, o Instrutor
estacou à frente de reduzida câmara estruturada em substância análoga
ao vidro puro e transparente.
3 Fixei-a, com atenção. Tratava-se
dum gabinete cristalino, em cujo interior poderiam abrigar-se, à vontade,
duas a três pessoas.
4 Destacando-se pela túnica
muito alva, o diretor da casa estendeu a destra em nossa direção e exclamou
com grave entono:
— Os emissários da Providência não devem semear a luz sem proveito;
constituir-nos-ia falta grave receber, em vão, a Graça Divina. 5
Colocando-se ao nosso encontro, os Mensageiros do Pai exercitam o sacrifício
e a abnegação, sofrem os choques vibratórios de nossos Planos mais baixos,
retomam a forma que abandonaram, desde muito, fazem-se humildes como
nós, para que nos façamos tão elevados quanto eles, dignam-se ignorar-nos
as fraquezas a fim de que nos tornemos partícipes de suas gloriosas
experiências…
6 Interrompeu o curso das
palavras, fitou-nos em silêncio e prosseguiu noutro tom:
— Compreendemos que, lá fora, ante os laços morais que ainda nos prendem às
Esferas da carne, é quase inevitável a recepção das reminiscências do
pretérito, a distância. A lembrança tange as cordas da sensibilidade
e sintonizamos com o passado inferior. 7
Aqui, porém, no Santuário da Bênção, é imprescindível observar uma atitude
firme de serenidade e respeito. O ambiente oferece bases à emissão de
energias puras e, em razão disso, responsabilizaremos os companheiros
presentes por qualquer minúcia desarmônica no trabalho a realizar. Formulemos,
pois, os mais altos pensamentos ao nosso alcance, relativamente à veneração
que devemos ao Pai Altíssimo!…
8 Para outra classe de observadores,
o Instrutor Cornélio poderia parecer excessivamente metódico e rigorista;
entretanto, não para nós, que lhe sentíamos a sinceridade profunda e
o entranhado amor às coisas santas.
9 Após longo intervalo, destinado
à nossa preparação mental, tornou ele, sem afetação:
— Projetemos nossas forças mentais sobre a tela cristalina. O quadro a formar-se constará de paisagem simbólica, em que águas mansas, personificando a paz, alimentem vigorosa árvore, a representar a vida. Assumirei a responsabilidade da criação do tronco, enquanto os chefes das missões entrelaçarão energias criadoras fixando o lago tranquilo.
10 E dirigindo-se especialmente
a nós outros, os colaboradores mais humildes, acrescentou:
— Formarão vocês a veste da árvore e a vegetação que contornará as águas serenas, bem como as características do trecho de firmamento que deverá cobrir a pintura mental.
11 Após ligeira pausa, concluía:
— Este, o quadro que ofereceremos ao visitante excepcional que nos falará em breves minutos. Atendamos aos sinais.
12 Dois auxiliares postaram-se
ao lado da pequena câmara, em posição de serviço, e, ao soar de harmonioso
aviso, pusemo-nos todos em concentração profunda, emitindo o potencial
de nossas forças mais íntimas.
13 Senti, à pressão
do próprio esforço, que minha mente se deslocava na direção do gabinete
de cristal, onde acreditei penetrar, colocando tufos de grama junto
ao desenho do lago que deveria surgir… 14
Utilizando as vigorosas energias da imaginação, recordei a espécie de
planta que desejava naquela criação temporária, trazendo-a do passado
terrestre para aquela hora sublime. Estruturei todas as minúcias das
raízes, folhas e flores, e trabalhei, intensamente, na intimidade de
mim mesmo, revivendo a lembrança e fixando-a no quadro, com a fidelidade
possível…
15 Fornecido o sinal de interrupção,
retomei a postura natural de quem observa, a fim de examinar os resultados
da experiência, e contemplei, oh! maravilha!… Jazia o gabinete fundamente
transformado. Águas de indefinível beleza e admirável azul-celeste refletiam
uma nesga de firmamento, banhando as raízes de venerável árvore, cujo
tronco dizia, em silêncio, da própria grandiosidade. Miniaturas prodigiosas
de cúmulos e nimbos estacionavam no céu, parecendo pairar muito longe
de nós… As bordas do lago, contudo, figuravam-se quase nuas e os galhos
do tronco apresentavam-se vestidos escassamente.
16 O Instrutor, célere, retomou
a palavra e dirigiu-se a nós com firmeza:
— Meus amigos, a vossa obrigação não foi integralmente cumprida. Atentai para os detalhes incompletos e exteriorizai vosso poder dentro da eficiência necessária! Tendes, ainda, quinze minutos para terminar a obra.
17 Entendemos, sem maiores
explicações, o que desejava ele dizer e concentramo-nos, de novo, para
consolidar as minudências de que deveria revestir-se a paisagem.
18 Procurei imprimir mais energia
à minha criação mental e, com mais presteza, busquei colocar as flores
pequeninas nas ramagens humildes, recordando minhas funções de jardineiro,
no amado lar que havia deixado na Terra. Orei, pedi a Jesus me ensinasse
a cumprir o dever dos que desejavam a bênção do seu divino amor naquele
Santuário e, quando a notificação soou novamente, confesso que chorei.
19 O desenho vivo da gramínea
que minha esposa e os filhinhos tanto haviam estimado, em minha companhia
no mundo, adornava as margens, com um verde maravilhoso, e as mimosas
flores azuis, semelhando-se a miosótis silvestres, surgiam abundantes…
20 A árvore cobrira-se de folhagem
farta e vegetação de singular formosura completava o quadro, que me
pareceu digno de primoroso artista da Terra.
21 Cornélio sorriu, evidenciando
grande satisfação, e determinou que os dois auxiliares conservassem
a destra unida ao gabinete. Desde esse momento, como se uma operação
magnética desconhecida fosse posta em ação, nossa pintura coletiva começou
a dar sinais de vitalidade temporária. Algo de leve e imponderável,
semelhante a caricioso sopro da Natureza, agitou brandamente a árvore
respeitável, balouçando-se os arbustos e a minúscula erva, a se refletirem
nas águas muito azuis, docemente encrespadas de instante a instante…
22 Minha gramínea
estava, agora, tão viva e tão bela que o pensamento de angustiosa saudade
do meu antigo lar ameaçou, de súbito, meu coração ainda frágil. Não
eram aquelas as flores miúdas que a esposa colocava, diariamente, no
quarto isolado, de estudo? Não eram as mesmas que integravam os delicados
ramos que os filhos me ofereciam aos domingos pela manhã? 23
Vigorosas reminiscências absorveram-me o ser, oprimindo-me inesperadamente
a alma, e eu perguntava a mim mesmo por que mistério o Espírito enriquecido
de observações e valores novos, respirando em campos mais altos da inteligência,
tem necessidade de voltar ao pequenino círculo do coração, como a floresta
luxuriante e imponente que não prescinde da singela e reduzida gota
d’água para dessedentar-lhe as raízes… 24
Senti o anseio mal disfarçado de arrebatá-los compulsoriamente da Crosta,
transportando-os para junto de mim, desejoso de reuni-los, ao meu lado,
em novo ninho, sem separação e sem morte, a fazer-lhes experimentar
os júbilos da vida eterna… Minhas lágrimas estavam prestes a cair. Bastou,
no entanto, um olhar de Jerônimo para que eu me reajustasse.
Arremessei para muito longe de mim toda a ideia angustiosa e consegui reaver a posição do cooperador decidido nas edificações do momento.
2.
Cornélio, de pé, ante a paisagem viva, enquanto nos mantínhamos sentados,
estendeu os braços na direção do Alto e suplicou:
— Pai da Criação Infinita, permite, ainda uma vez, por misericórdia, que os teus mensageiros excelsos sejam portadores de tua inspiração celeste para esta casa consagrada aos júbilos de tua bênção!… Senhor, fonte de toda a Sabedoria, dissipa as sombras que ainda persistem em nossos corações, impedindo-nos a gloriosa visão do porvir que nos reservaste; faze vibrar, entre nós, o pensamento augusto e soberano da confiança sem mescla e deixa-nos perceber a corrente benéfica de tua bondade infinita, que nos lava a mente mal desperta e ainda eivada de escuras recordações do mundo carnal!… Auxilia-nos a receber dignamente teus devotados emissários!…
2 Focalizando a mente em nossos
trabalhos, o Instrutor prosseguiu, noutra inflexão de voz:
— Sobretudo, ó Pai, abençoa os teus filhos que partem, a caminho dos Círculos inferiores, semeando o bem. Reparte com eles, humildes representantes de tua grandeza, os teus dons de infinito amor e de inesgotável sabedoria, a fim de que se cumpram teus sagrados desígnios… Acima, porém, de todas as concessões, proporciona-lhes algo de tua divina tolerância, de tua complacência sublime, de tua ilimitada compreensão, para que satisfaçam, sem desesperação e sem desânimo, os deveres fraternais que lhes cabem, ante os que ignoram ainda as tuas leis e sofrem as consequências dos desvios cruéis!…
3 Calou-se o orientador do
Santuário e, dentro da imponente quietude da câmara, vimos que a paisagem,
formada de substância mental, começou a iluminar-se, inexplicavelmente,
em seus mínimos contornos.
Guardava a ideia de que reduzido sol surgiria à nossa vista sob a nesga de céu, no quadro singular. Raios fulgurantes penetravam o fundo esmeraldino e vinham refletir-se nas águas.
4 Cornélio, de mãos erguidas
para o alto, mas sem qualquer expressão ritualística, em vista da simplicidade
espontânea de seus gestos, exclamou:
— Bem-vindo seja o portador de Nosso Pai Amantíssimo!
5 Nesse instante, sob nossos
olhos atônitos, alguém apareceu no gabinete, entre a vegetação e o céu.
Semelhava-se a um sacerdote de culto desconhecido, trajando túnica lirial.
Fisionomia simpática de ancião, apresentava-se nimbado de luz indescritível
e seu olhar nos mantinha extasiados e presos, num misto de veneração
e encantamento, sem que nos fosse possível qualquer fuga mental de sua
presença sublime.
6 Via-se-lhe apenas o busto
cheio, parecendo-me que os seus membros inferiores se ocultavam naturalmente
na folhagem abundante. Seus braços e mãos, todavia, revelavam-se com
todas as minudências anatômicas, porque com a destra nos abençoava num
gesto amplo, mantendo na outra mão pequeno rolo de pergaminhos brilhantes,
deixando-nos perceber dourado cordão atado à cinta.
7 Visivelmente sensibilizado,
o diretor da casa saudou, nominalmente:
— Venerável Asclépios, n sê conosco!
O emissário, em voz clara e sedutora, desejou-nos a Paz do Cristo e, em seguida, dirigiu-nos a palavra em tom inexprimível na linguagem humana (abstenho-me aqui de qualquer tradução incompleta e imperfeita, atendendo a imperativos da consciência).
8 Ouvimo-lo sob infinita emoção,
sem que qualquer de nós contivesse as lágrimas. O verbo do admirável
mensageiro que chegava de Esferas Superiores, trazendo-nos a bênção
divina, caía-nos nalma de modo intraduzível e acordava-nos o espírito
eterno para a infinita glória de Deus e da Vida Imortal.
9 Não conseguiria descrever
o que se passava em mim próprio. Jamais escutara alguém com aquele misterioso
e fascinante poder magnético de fixação dos ensinamentos de que se fizera
emissário.
10 Ao abençoar-nos, ao término
da maravilhosa alocução, irradiavam-se de sua destra muito alva pequeninos
focos de luz, em forma de minúsculas estrelas que se projetavam sobre
nós, invadindo-nos o tórax e a fronte e fazendo-nos experimentar o júbilo
inenarrável de quem sorve, feliz, vigorosos e renovadores alentos de
vida.
Quiséramos prolongar, indefinidamente, aqueles minutos divinos, mas tudo fazia acreditar que o mensageiro estava prestes a despedir-se.
3.
Interpretando, contudo, o pensamento da maioria, Cornélio dirigiu-lhe
a palavra e indagou, humilde, se os irmãos presentes poderiam endereçar-lhe
algumas solicitações.
O arauto celeste aquiesceu, sorrindo, num gesto silencioso, colocando-nos à vontade, dando-me a impressão de que aguardava semelhante pedido.
2 A irmã Semprônia, que chefiava
pela primeira vez a turma de socorro ao serviço de amparo aos órfãos,
foi a primeira a consultá-lo:
— Venerável amigo, — disse com transparente sinceridade, — temos algumas cooperadoras
na Crosta que esperam de nós uma palavra de ordem e reconforto para
prosseguirem nos serviços a que se devotaram de coração fiel. Desde
muito tempo, experimentam perseguições declaradas e toleram o sarcasmo
contínuo de adversários gratuitos que lhes ferem o espírito sensível,
atacando-lhes os melhores esforços, através de maldades sem conto. Inegavelmente,
não cedem ante os fantasmas da sombra e mobilizam as energias no trabalho
de resistência cristã… 3
Exercendo funções de colaboradora, nesta expedição de socorro que agora
chefio pela primeira vez, conheço, de perto, a dedicação que nossas
amigas testemunham na obra sublime do bem, mas não ignoro que padecem,
heroicas e leais, há quase trinta anos sucessivos, ante o assédio de
inimigos implacáveis e cruéis.
4 Após curto silêncio, que
ninguém se atreveu a interromper, a consulente concluiu, perguntando:
— Que devemos dizer a elas, respeitável amigo? Por que palavras esclarecedoras
e reconfortantes sustentar-lhes o ânimo em tão longa batalha? De alma
voltada para o nosso dever, aguardamos de vossa generosidade o alvitre
oportuno.
5 Vimos, então, o
inesperado. O mensageiro ouviu, paciente e bondoso, revelando grande
interesse e carinho na expressão fisionômica e, depois que Semprônia
deu por terminada a consulta, retirou uma folha dentre os pergaminhos
alvinitentes que trazia, de modo intencional, e abriu-a à nossa vista,
lendo todos nós o versículo quarenta e quatro do capítulo cinco do Evangelho
do Apóstolo Mateus:
— “Eu, porém, vos digo — amai a vossos inimigos, bendizei os que vos
maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos perseguem
e caluniam.”
6 O processo de esclarecimento
e informação não podia ser mais direto, nem mais educativo.
Decorridos alguns instantes, Semprônia exclamou humildemente:
— Compreendo, venerável amigo!
7 O emissário, sem qualquer
afetação dos que ensinam por amor-próprio, comentou:
— Os adversários, quando bem compreendidos e recebidos cristãmente, constituem precioso auxílio em nossa jornada para a União Divina.
A síntese verbal condensava explicações, que somente seriam razoáveis
em compactos discursos.
8 A meu ver, não obstante
a beleza e edificação do ensino recolhido, o método não recomendava
extensão de perguntas de nosso lado, mas o Irmão Raimundo, do grupo
socorrista dedicado à assistência aos loucos, tomou a iniciativa e interrogou:
— Tolerante amigo, que fazer ante as dificuldades que me defrontam
nos serviços marginais da tarefa? Interessando a órbita de nossos deveres,
junto dos desequilibrados mentais da Crosta Terrestre, venho assistindo
a certo agrupamento de irmãos encarnados que não vêm interpretando as
obrigações evangélicas como deviam. 9
Em verdade, convocam-nos à colaboração espiritual, pronunciando belas
palavras, mas no terreno prático se distanciam de todas as atitudes
verbais da crença consoladora. Estimam as discussões injuriosas, fomentam
o sectarismo, dão grande apreço ao individualismo inferior que desconsidera
o esforço alheio, por mais nobilitante que seja esse. Quase sempre,
entregam-se a rixas infindáveis e gastam o tempo estudando meios de
fazerem valer as limitações que lhes são próprias. 10
Por mais que lhes ensinemos a humildade, recorrendo, não a nós, mas
ao exemplo eterno do Cristo, mais se arvoram em críticos impiedosos,
não apenas uns dos outros, e, sim, de setores e situações, pessoas e
coisas que lhes não dizem respeito, incentivando a malícia e a discórdia,
o ciúme e o desleixo espiritual. No entanto, reúnem-se metodicamente
e nos chamam à cooperação em seus trabalhos. Que fazer, todavia, respeitável
orientador, para que maiores perturbações não se estabeleçam?
11 O mensageiro esperou que
o consulente se desse por satisfeito em suas indagações e, em seguida,
muito calmo, repetiu a operação anterior, e tivemos, ante os olhos,
outro pergaminho, com a inscrição do versículo onze, do capítulo seis,
da primeira
epístola do Apóstolo Paulo a Timóteo:
— “Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas e segue a justiça, a piedade, a fé, a caridade, a paciência, a mansidão.”
12 Permaneceu Raimundo na expectativa,
figurando-se-nos não haver interpretado a advertência, quanto devia,
mas a explicação sintética do visitante não se fez esperar:
— O discípulo que segue as virtudes do Mestre, aplicando-as a si próprio, foge às inutilidades do plano exterior, acolhendo-se ao santuário de si mesmo, e auxilia os nossos irmãos imprevidentes e perturbados, rixosos e ingratos, sem contaminar-se.
13 Registrando as palavras
sábias de Asclépios, Raimundo pareceu acordar para a verdade e murmurou,
com algum desapontamento:
— Aproveitarei a lição.
Novo silêncio verificou-se entre nós.
14 A Irmã Luciana, porém, que
nos integrava o pequeno grupo, tomou a palavra e perguntou:
— Esclarecido mentor, esta é a primeira vez que vou à Crosta em tarefa definida de socorro. Podereis fornecer-me, porventura, a orientação de que necessito?
O emissário, que parecia trazer respostas bíblicas preparadas de antemão, desdobrou nova folha e lemos, admirados, o versículo nove do capítulo quatro da primeira epístola do Apóstolo da Gentilidade aos tessalonicenses:
— “Quanto, porém, à caridade fraternal, não necessitais de que vos escreva, visto que vós mesmos estais instruídos por Deus que vos ameis uns aos outros.”
15 Algo confundida, Luciana
observou, reverente:
— Compreendo, compreendo…
— O Evangelho aplicado, — comentou o mensageiro, delicadamente, — ensina-nos
a improvisar os recursos do bem, nas situações mais difíceis.
16 Fez-se, de novo, extrema
quietude na câmara. Talvez pelo nosso péssimo hábito de longas conversações
sem proveito, adquirido na Crosta Planetária, não encontrávamos grande
encanto naquelas respostas francas e diretas, sem qualquer lisonja ao
nosso personalismo dominante.
17 Rolavam instantes pesados,
quando observamos a gentileza e a sensibilidade do diretor do Santuário
da Bênção. Notando que Semprônia, Raimundo e Luciana eram alvos de nossa
indiscreta curiosidade, Cornélio inquiriu de Asclépios, como se fora
mero aprendiz:
— Que fazer para conservar alegria no trabalho, perseverança no bem, devotamento à verdade?
18 O mensageiro contemplou-o,
num sorriso de aprovação e simpatia, identificando-lhe o ato de amor
fraternal, e descerrou novo pergaminho, em que se lia o versículo
dezesseis do capítulo cinco da primeira carta de Paulo aos tessalonicenses:
— “Regozijai-vos sempre.”
Em seguida, falou, jovial:
— A confiança no Poder Divino é a base do júbilo cristão, que jamais deveremos perder.
19 O Instrutor Cornélio meditou
alguns momentos e rogou, humilde:
— Ensina-nos sempre, venerável irmão!…
Decorreram minutos sem que os demais utilizassem a palavra. Fazendo menção de despedir-se, o sublime visitante comentou, afável:
— À medida que nos integramos nas próprias responsabilidades, compreendemos que a sugestão direta nas dificuldades e realizações do caminho deve ser procurada com o Supremo Orientador da Terra. Cada Espírito, herdeiro e filho do Pai Altíssimo, é um mundo por si, com as suas leis e características próprias. Apenas o Mestre tem bastante poder para traçar diretrizes individuais aos discípulos.
20 Logo após, abençoou-nos,
carinhoso, desejando-nos bom ânimo.
Reconfortados e felizes, vimos o mensageiro afastar-se, deixando-nos envoltos numa onda de olente e inexplicável perfume.
Ambos os auxiliares, que se mantinham a postos, retiraram as mãos do gabinete e, depois de várias operações magnéticas efetuadas por eles, desapareceu a pintura mental, voltando a peça de cristal ao aspecto primitivo.
4.
Tornando à conversação livre, indagações enormes oprimiam-me o cérebro.
Não me contive. 2 Com
a permissão de Jerônimo e liderando companheiros tão curiosos e pesquisadores
quanto eu mesmo, acerquei-me de Cornélio e despejei-lhe aos ouvidos
grande cópia de interrogações. Acolheu-me, benévolo, e informou:
3 — Pertence Asclépios
a comunidades redimidas do Plano dos Imortais, nas regiões mais elevadas
da zona espiritual da Terra. 4
Vive muito acima de nossas noções de forma, em condições inapreciáveis
à nossa atual conceituação da vida. 5
Já perdeu todo contato direto com a Crosta Terrestre e só poderia fazer-se
sentir, por lá, através de enviados e missionários de grande poder.
6 Apreciável é o sacrifício
dele, vindo até nós, embora a melhoria de nossa posição, em relação
aos homens encarnados. Vem aqui raramente. Não obstante, algumas vezes,
outros mentores da mesma categoria visitam-nos por piedade fraternal.
7 — Não poderíamos, por nossa
vez, demandar o Plano de Asclépios, a fim de conhecer-lhe a grandeza
e sublimidade? — Perguntei.
— Muitos companheiros nossos, — assegurou-nos o Instrutor, — por merecimentos
naturais no trabalho, alcançam admiráveis prêmios de viagens, não só
às Esferas superiores do Planeta que nos serve de moradia, mas também
aos Círculos de outros mundos…
8 Sorriu e acrescentou:
— Não devemos esquecer, porém, que a maioria efetua semelhantes excursões somente na qualidade de viajores, em processo estimulante do esforço pessoal, à maneira de jovens estudantes de passagem rápida pelos institutos técnicos e administrativos das grandes nações. Raros são ainda os filhos do Planeta em condições de representá-lo dignamente noutros orbes e Círculos de vida do nosso sistema.
9 Não me deixei impressionar
e prossegui perguntando:
— Asclépios, todavia, não mais reencarnará na Crosta?
O Instrutor gesticulou, significativamente, e esclareceu:
— Poderá reencarnar em missão de grande benemerência, se quiser; todavia, senão a intervalos de cinco a oito séculos entre as reencarnações.
— Oh! Deus, — murmurei, — como é grandioso semelhante estado de elevação!
— Constitui sagrado estímulo para todos nós, — ajuntou o mentor atenciosamente.
10 — Devemos acreditar, — interroguei,
admirado, — seja esse o mais alto grau de desenvolvimento espiritual
no Universo?
O diretor da casa sorriu, compassivo, em face de minha ingenuidade e considerou:
— De modo algum. Asclépios relaciona-se entre abnegados mentores da
Humanidade Terrestre, partilha da soberana elevação da coletividade
a que pertence, mas, efetivamente, é ainda entidade do nosso Planeta,
funcionando, embora, em Círculos mais altos de vida. 11
Compete-nos peregrinar muito tempo, no campo evolutivo, para lhe atingirmos
as pegadas; no entanto, acreditamos que o nosso visitante sublime suspira
por integrar-se no quadro de representantes do nosso orbe, junto às
gloriosas comunidades que habitam, por exemplo, Júpiter e Saturno. 12
Os componentes dessas, por sua vez, esperam, ansiosos, o instante de
serem convocados às divinas assembleias que regem o nosso sistema solar.
13 Entre essas últimas,
estão os que aguardam, cuidadosos e vigilantes, o minuto em que serão
chamados a colaborar com os que sustentam a constelação de Hércules,
a cuja família pertencemos. 14
Os que orientam nosso grupo de estrelas aspiram, naturalmente, a formar,
um dia, na coroa de gênios celestiais que amparam a vida e dirigem-na,
no sistema galáxico em que nos movimentamos. E sabe meu amigo que a
nossa Via-Láctea, viveiro e fonte de milhões de mundos, é sômente
um detalhe da Criação Divina, limitada nesga do Universo?!…
15 As noções de infinito
encerraram a reunião encantadora no Santuário da Bênção. Cornélio estendeu-nos
a mão, almejando-nos felicidade e paz, e despedimo-nos, sob enorme impressão,
entre a saudade e o reconhecimento.
André Luiz
[1] Asclépios — Vide origem desse nome na Mitologia Greco-romana.