1.
Depois de viagem normal, através dos caminhos comuns, alcançamos nevoenta
região, onde asfixiante tristeza parecia imperar incessantemente. De
outras vezes, eu já atravessara sítios semelhantes, gastando apenas
alguns minutos. Agora, porém, era compelido a longa marcha em sentido
horizontal. 2 Atendendo
a imperativos da missão, o Assistente Jerônimo procurava certa localidade,
sob a denominação expressiva de “Casa Transitória de Fabiano”.
3 Tratava-se de grande
instituição piedosa, no campo de sofrimentos mais duros em que se reúnem
almas recém-desencarnadas, nas cercanias da Crosta Terrestre, a qual,
segundo nos informou o chefe da expedição, fora fundada por Fabiano
de Cristo, devotado servo da caridade entre antigos religiosos do Rio
de Janeiro, desencarnado há muitos anos. Organizada por ele, era confiada,
periodicamente, a outros benfeitores de elevada condição, em tarefa
de assistência evangélica, junto aos Espíritos recém-desligados do Plano
carnal.
2 — Na Casa Transitória,
— prosseguia Jerônimo, explicando-nos, — prestaremos o auxílio que nos
seja possível à organização e asilaremos, em seguida, os irmãos que
nos cabe socorrer. Não fossem esses pousos de amor, tornar-se-ia muito
difícil nosso trabalho. 3
Raramente encontramos companheiros carnais em condições de atravessarem
semelhante zona, imediatamente após a morte física. Quase todos permanecem
estonteados, nos primeiros dias. Se entregues à própria sorte, seriam
fatalmente agredidos pelas entidades perversas, ou habilmente desviados
por elas do bom caminho de restauração gradual das energias interiores.
Daí a necessidade desses abrigos fraternais, em que almas heroicas e
dedicadas ao sumo bem consagram-se a santificadas tarefas de amparo
e vigilância.
4 Após breve pausa, concluiu:
— Além disso, teremos aí todo o equipamento necessário n aos trabalhos que nos cumpre realizar.
Curioso, guardei silêncio e esperei.
5 Não se passou muito tempo,
defrontava-nos casarão enorme em plena sombra. Nada que evidenciasse
preocupação artística e bom gosto na construção. Nem árvores, nem jardins
em torno. A edificação baixa e simples mal se destacava no nevoeiro
denso.
6 Certo, percebendo-me a estranheza,
Jerônimo esclareceu:
— O nome do instituto, André, fala por si mesmo. Temos, à frente, acolhedora
casa de transição, destinada a socorros urgentes. 7
Embora seu assombro natural, é asilo móvel, que atende segundo as circunstâncias
do ambiente. Sofre permanente cerco de Espíritos desesperados e sofredores,
condenados pela própria consciência à revolta e à dor. Suas defesas
magnéticas exigem considerável número de servidores e os amigos da piedade
e da renunciação, que aí atendem, passam dia e noite ao lado do sofrimento.
Todavia, o trabalho desta Casa é dos mais dignos e edificantes. 8
Neste edifício de benemerência cristã, centralizam-se numerosas expedições
de irmãos leais ao bem, que se dirigem à Crosta Planetária ou às Esferas
escuras, onde se debatem na dor seres angustiados e ignorantes, em trânsito
prolongado nos abismos tenebrosos. 9
Além disso, a Casa Transitória de Fabiano, à maneira de outras instituições salvadoras, nestas regiões, que representam verdadeiros templos de socorro, é também precioso ponto de ligação com as nossas cidades espirituais em zonas superiores.
10 Nesse instante, antes que
Jerônimo pudesse prosseguir nos esclarecimentos, atingimos as barreiras
magnéticas, a distância de alguns metros do portão de acesso ao interior.
Atendidos por trabalhadores vigilantes, que sem hesitação nos ofereceram passagem, acionamos pequeno aparelho que nos ligou, de pronto, ao porteiro prestativo.
11 Não decorreram muitos minutos
e achamo-nos diante de figura respeitável. Não supunha que a instituição
estivesse administrada por mãos sensíveis de mulher. A Irmã Zenóbia,
aparentando idade madura e aureolada de cabelos negros, proporcionava-nos
informações vivas de sua energia e admirável capacidade de trabalho,
através dos olhos transbordantes de luz.
12 Saudou-nos, afável, sem
despender muitas palavras, passando imediatamente ao assunto que a nossa
presença sugeria:
— Fui avisada ontem, — disse, bondosa, — que a missão chegaria hoje
e rejubilamos com isso.
— Ao seu dispor, — explicou-se Jerônimo, com gentileza. — Este abrigo de amor
e paz cooperará conosco, asilando-nos alguns tutelados convalescentes,
e, por nossa vez, desejamos ser úteis à casa, de algum modo.
13 Zenóbia envolveu-nos num
sorriso de simpatia acolhedora e, após rápidos minutos de silêncio,
considerou:
— Aceitamos o concurso. Reconheço a presença dum grupo harmonioso e,
desde a semana finda, aguardava ensejo, não só para beneficiar a coletividade
sofredora de abismo próximo, senão também a fim de socorrer certo irmão
nosso, muito infeliz. 14
Trata-se de pessoa que me foi particularmente querida e que apenas agora
foi encontrada em remota região de seres decaídos. Vencendo obstáculos,
trouxemo-la para a vizinhança da Casa; porém, o perigoso estado em que
se encontra não nos autoriza a fornecer-lhe abrigo e, sim, proteção
indireta. 15 Já estabelecemos
medidas em favor da remoção desse infortunado amigo para a zona da Crosta,
onde será brevemente internado em reencarnação expiatória, com auxílio
divino. Entretanto, precisarei pessoalmente da colaboração fraternal
dos companheiros, em benefício do transviado…
— Sem dúvida, — atalhou Jerônimo, desvanecido, — teremos prazer.
16 Designando a devotada enfermeira
que nos acompanhava, acrescentou:
— Em nossa companhia, permanece a Irmã Luciana, que nos pode ser extremamente útil nesse caso particular, em virtude das suas adiantadas faculdades de clarividência.
17 A diretora da Casa Transitória
fixou o olhar sereno em nossa colaboradora, sorriu, amável, e prosseguiu:
— Bem lembrado. Alguns irmãos, qual ocorre a esse a que me refiro, descem a tamanho embrutecimento moral que somente conseguem ouvir-nos a voz, de modo imperfeito, e, não lhes sendo possível identificar-nos pela visão, em face dos impedimentos vibratórios criados por eles mesmos, duvidam de nossa amizade e de nossos propósitos elevados de cooperação. No fato presente, o concurso de Luciana ser-me-á precioso.
2.
Não podia disfarçar o meu constrangimento ante aquele pormenor da conversação.
2 Por que motivo a
Irmã Zenóbia, orientando instituição como aquela, necessitaria de nossa
colaboração, mormente no capítulo da clarividência mencionada? Porventura,
não poderia também esquadrinhar os problemas de almas sofredoras e decaídas?
3 Incapaz de sopitar a interrogação,
observei, admirado:
— Oh! Quer dizer que os benfeitores daqui não podem ver quanto desejam?
Foi o Assistente Jerônimo quem veio ao meu encontro.
— Antes de tudo, André, — falou, compassivo, — faz-se necessário considerar
que a Irmã Zenóbia, não obstante a sua extensa visão espiritual, terá
razões íntimas para invocar a providência. Quanto ao mais, não devemos
esquecer os imperativos da especialização.
4 A resposta tivera efeito
de ducha gelada. Arrependera-me de haver formulado a interrogação indiscreta.
Completando, porém, o ensinamento, Jerônimo continuou:
— Senão, vejamos: o padre Hipólito consagra-se, atualmente, à interpretação
das leis divinas, no serviço educativo àqueles que as desconhecem, enquanto
a Irmã Zenóbia atende a sofredores, em massa, nesta casa de amor cristão.
5 Claro que poderiam
exercitar a clarividência, com benefícios generalizados para o próximo; todavia, com prejuízo manifesto dos deveres imediatos. Isso não ocorre com
Luciana que, pelo contato individual e intenso com os enfermos, durante
muitos anos consecutivos, especializou-se em penetrar-lhes o mundo mental,
trazendo à tona suas ideias, ações passadas e projetos íntimos, em atividade
beneficente. 6 Se entrássemos
nós outros, de improviso, em relação com a sua clientela, veríamos “alguma
coisa”, embora, não tanto e tão bem quanto pode ser observado por ela,
em vista de suas dilatadas experiências. 7
A seu turno, Luciana poderia, de imediato, interpretar os ensinamentos
divinos e orientar esta casa, “de algum modo”, mas não tanto e tão bem
quanto o padre Hipólito e a irmã Zenóbia, considerando-lhes os vastos
conhecimentos nesse sentido. 8
Todas as aquisições espirituais exigem perseverança no estudo, na observação
e no serviço aplicado. E devemos considerar que isso não infirma a necessidade
de aprender sempre. 9
O músico exímio poderá ser aprendiz incipiente da Química, destacando-se,
mais tarde, nesse campo científico, como se verifica na arte dos sons.
Não alcançará, todavia, a realização, sem gastar tempo, esforço e boa
vontade. Aliás, o próprio Mestre assegurou que o homem encontrará aquilo
que procura. ( † )
10 Sorrindo de minha interrogação,
que provocara ensinamentos tão rudimentares, concluiu:
— A busca de dons espirituais para a vida eterna não representa serviço igual à cata de objetos perdidos na Crosta.
Interveio a Irmã Zenóbia, acrescentando fraternalmente:
— Sim, não podemos edificar todas as qualidades nobres de uma só vez. Cada trabalhador fiel ao dever possui valor específico, incontestável. A Obra Divina é infinita.
11 Tornando ao primitivo rumo
da conversação, prosseguiu:
— Quando dispomos de clarividentes nos serviços de socorro ao abismo, em circunstâncias favoráveis, conseguimos resultados de preciosa eficiência. Os servidores dessa natureza, porém, são poucos, em vista da multiplicidade das tarefas e raros se dispõem a servir nas paisagens escuras da angústia infernal.
12 Luciana, chamada
nominalmente à palestra, esclareceu que teria satisfação em cooperar
e contou-nos que buscara desenvolver as faculdades de que era portadora,
a fim de socorrer, noutro tempo, o Espírito de seu pai, desencarnado
numa guerra civil. 13
Tivera ele preponderância no movimento de insurreição pública e permanecia
nas Esferas inferiores, alucinado pelas paixões políticas. Depois de
paciente auxílio, reajustara emoções, obtendo possibilidades de reencarnar
em grande cidade brasileira, para onde ela mesma, Luciana, seguiria
também logo pudesse o genitor do pretérito organizar novo lar, restabelecendo-se
a aliança de carinho e de amor, segundo o projeto por ambos estabelecido.
13 Zenóbia ouvia com atenção.
Percebendo talvez que a palestra tendia para o campo do personalismo direto, em minutos para os quais provavelmente a diretora da casa teria outros compromissos, Jerônimo interferiu na conversação e dirigiu-se a ela, atencioso:
— Estamos satisfeitos, Irmã, pela perspectiva de algum concurso amigo, ao seu
lado. Compreendemos a grandeza de sua missão nobilitante e, se vamos
depender tanto de seu generoso amparo, nesta casa, constitui-nos obrigação
cooperar com a Irmã nos trabalhos em que nossa humilde colaboração possa
ser útil. 14 Seguiremos,
amanhã, para a zona carnal. Entretanto, logo que nos seja possível trazer
para sua companhia o primeiro irmão libertado, André e eu permaneceremos
em trânsito, entre a Crosta e este abençoado asilo, enquanto Hipólito
e Luciana se demorarão aqui, velando pelos convalescentes e colaborando,
junto da Irmã, nas tarefas imediatas.
— Alegra-me sobremaneira a expectativa! Falou a diretora, evidentemente satisfeita.
3.
Nesse instante, invisível campainha ressoou, estridente, com estranha
entonação.
Não decorreram cinco segundos e alguém penetrou a sala, rumorosamente. 2
Era determinado servo da vigilância, que anunciou, precípite:
— Irmã Zenóbia, aproximam-se entidades cruéis. A agulha de aviso indicou a direção norte. Devem estar a três quilômetros, aproximadamente.
3 A orientadora empalideceu
ligeiramente, mas não traiu a emoção com qualquer gesto que denunciasse
fraqueza.
— Acendam as luzes exteriores! — Ordenou, — todas as luzes! E liguem as forças
da defesa elétrica, reforçando a zona de repulsão para o norte. Os invasores
desviar-se-ão.
4 Retirou-se apressadamente
o emissário, enquanto pesado silêncio abatia-se sobre nós. Luciana fizera-se
lívida. Jerônimo e Zenóbia demonstravam, através do olhar, asfixiante
preocupação. 5 Registar-se-iam
fatos que eu ignorava? Será que Espíritos reconhecidamente maus também
organizavam expedições semelhantes às que realizávamos para o bem? Que
espécie de entidades seriam aquelas, para infundirem tamanha preocupação
nos dirigentes esclarecidos e virtuosos de nossos trabalhos e tão grande
terror nos subordinados daquela casa de amor cristão? 6
Impressionara-me a expressão facial de dor e incerteza do servidor que
trouxera a notícia. Seriam tantos os malfeitores das sombras para justificar
semelhante pavor? Sentia o raciocínio extremamente reduzido para comportar
a imensidade das interrogações que me afloravam à mente.
7 Através de minúscula abertura,
notei que enormes holofotes se acendiam de súbito, no exterior, como
as luzes de grande navio assaltado por nevoeiro denso em zona perigosa.
Ruídos característicos faziam-se sentir à nossa audição, informando-nos
que aparelhos elétricos haviam sido postos em funcionamento.
8 — É lamentável,
— exclamou Zenóbia, com a manifesta intenção de restaurar-nos a tranquilidade,
— que tantas inteligências humanas, desviadas do bem e votadas ao crime,
se consagrem aqui ao prosseguimento de atividades ruinosas e destruidoras.
Nenhum de nós se atreveu a dizer qualquer novidade.
9 A diretora, porém, esforçando-se
por sorrir, continuou:
— A tragédia bíblica da queda dos anjos luminosos, n
em abismos de trevas, repete-se todos os dias, sem que o percebamos
em sentido direto. 10
Quantos gênios da Filosofia e da Ciência dedicados à opressão e à tirania!
Quantas almas de profundo valor intelectual se precipitam no despenhadeiro
de forças cegas e fatais! Lançados ao precipício pelo desvio voluntário,
esses infelizes raramente se penitenciam e tentam recuo benéfico… 11
Na maioria das vezes, dentro da terrível insatisfação do egoísmo e da
vaidade, insurgem-se contra o próprio Criador, aviltando-se na guerra
prolongada às suas divinas obras. Agrupam-se em sombrias e devastadoras
legiões, operando movimentos perturbadores que desafiam a mais astuta
imaginação humana e confirmam as velhas descrições mitológicas do inferno.
12 Observando-me, possivelmente,
a angústia íntima, em face de suas considerações, Irmã Zenóbia acrescentou:
— Chegará, porém, o dia da transformação dos gênios perversos, desencarnados, em Espíritos lucificados pelo bem divino. Todo mal, ainda que perdure milênios, é transitório. Achamo-nos apenas em luta pela vitória imortal de Deus, contra a inferioridade do “eu” em nossas vidas. Toda expressão de ignorância é fictícia. Somente a sabedoria é eterna.
13 Por minha vez, gostaria
de formular várias indagações, porém a expectativa fizera-se mais pesada.
— Alguns séculos, — prosseguiu a diretora, —
constituem escasso tempo para reeducar inteligências pervertidas no crime, através das reencarnações terrestres. É por
isso que os trabalhos retificadores continuam vivos, além da morte do
corpo físico, obrigando os servos da verdade e do bem a suportar os
irmãos menos felizes, até que se arrependam e se convertam…
14 Indefiníveis ruídos alcançaram-nos
o ouvido, e Zenóbia, pálida, calou-se igualmente. Em poucos segundos,
tornaram-se mais nítidos. Eram gritos aterradores, como se a curta distância
devêssemos afrontar hordas de enraivecidos animais ferozes.
15 Entre nós, Luciana parecia
a mais atemorizada.
Torcia nervosamente as mãos, até que, não lhe sendo
possível suportar por mais tempo a inquietação, dirigiu-se à diretora
da casa, suplicando:
— Irmã, não será conveniente endereçarmos fervorosa rogativa a Deus? conheço os monstros. Tentaram, muita vez, arrebatar meu pai do sítio a que se recolhera!…
16 Zenóbia sorriu com benevolência
e respondeu:
— Já fiz meus atos devocionais de hoje, preparando-me para as ações eventuais do trabalho no decurso do dia. Aliás, minha amiga, nossa ansiosa expectativa, em si mesma, vale por súplica ardente. Decidamos, pois, qualquer problema a sobrevir, com resolução e confiança em Nosso Pai e em nós próprios.
17 A esse tempo, tornara-se
enorme o vozerio. Pus-me, assombrado, a identificar rugidos estridentes
de leões e panteras, casados a uivos de cães, silvos de serpentes e
guinchos de macacos.
18 Em dado momento, ouvimos
explosões ensurdecedoras. Quase no mesmo instante, certo auxiliar penetrou
o recinto e comunicou:
— Atacam-nos com petardos magnéticos.
A diretora resoluta ouviu, serena, e determinou:
— Emitam raios de choque fulminante, assestando baterias.
19 As farpas elétricas deviam
ser atiradas em silêncio, porque as explosões diminuíram até à extinção
total, percebendo-se que a horda invasora se desviara noutro rumo, pelo
ruído a perder-se distante.
20 Respiramos aliviados.
Estampou-se confortadora expressão na fisionomia de Zenóbia, que falou, satisfeita:
— Agora, peçamos ao Mestre conceda aos infelizes o caminho preciso, de acordo com as suas necessidades.
4.
Escoaram alguns minutos, nos quais elevamos pensamentos de gratidão
e júbilo ao Cristo Salvador.
2 Tornando à palavra livre,
considerei:
— Que impressionantes rugidos ouvimos! Não se figuravam lamentos de corações sofredores, mas algazarra de feras soltas. Terrível novidade!…
3 — Esses bandos,
porém, — observou a diretora, sensatamente, — são antigos. Entre as
narrações evangélicas, ao tempo da passagem de Nosso Senhor pelas estradas
humanas, lemos o noticiário alusivo às legiões dos gênios diabólicos.
( † )
4 Enquanto concordávamos,
em silêncio, prosseguiu, compungida:
— Enraízam-se os pobrezinhos tão intensamente nas ideias e propósitos do mal e criam tantas máscaras animalescas para si mesmos, em virtude da revolta e da desesperação a lhes consumirem a alma, que adquirem, de fato, a semelhança de horrendos monstros, entre a humanidade e a irracionalidade.
5 Antes que pudesse continuar
nas observações tristes, penetrou um assessor no salão e dirigiu-se
à orientadora do instituto:
— Irmã Zenóbia, ambos os desequilibrados que deram entrada, anteontem, romperam as celas e tentam fugir.
A interpelada atalhou a notificação, expedindo ordem:
— Prendam-nos, imediatamente, com a colaboração dos vigilantes. Temos responsabilidade. A expedição que no-los confiou regressará amanhã, nas primeiras horas.
6 Encontrava-se o cooperador
junto à porta de saída, quando outro auxiliar apareceu, atento.
— Irmã, — disse, respeitoso, — as notas da Crosta chegaram agora. O
chefe da missão Figueira, em atividade desde a semana finda, pede sejam
preparadas acomodações para três recém-desencarnados, depois de amanhã.
— Tomarei providências, — informou a diretora sem se alterar.
7 Íamos reiniciar a palestra,
mas aproximou-se uma jovem serviçal, fazendo também sua participação:
— Irmã Zenóbia, a turma de vigilância, que descansou há três dias, voltou a postos.
— Mande-a retomar os lugares, — recomendou
a interpelada, — e que os irmãos exaustos repousem convenientemente.
8 Afastou-se a ativa emissária
e, quando eu pretendia, por minha vez, comentar a movimentação de trabalho
da casa, outro colaborador assomou à porta e avisou:
— Irmã, a expedição Fabrino pede auxílio da Crosta para os serviços das reencarnações expiatórias de que se encontra encarregada. A mensagem assinala serviço urgente para esta noite próxima. Que devo responder?
A orientadora refletiu um pouco e ordenou:
— Transmita o comunicado aos irmãos Gotuzo e Hermes. Estarão talvez disponíveis. Mais tarde, expediremos resposta.
9 Pretendíamos retomar a instrutiva
conversação, mas, em se fazendo novo silêncio, outro ajudante, de fisionomia
visivelmente alterada, surgiu à porta para informar:
— Irmã Zenóbia, a Nota do Dia, vinda do Plano Superior, manda comunicar-lhe que os desintegradores etéricos passarão por aqui amanhã.
— Oh! o fogo?!… — Replicou a diretora, patenteando agora inexcedível emoção.
— Bem o suspeitei, — ponderou, acrescentando: — o nosso ambiente está
conturbado. A passagem dos monstros é sinal de que a limpeza será urgente.
10 E, fixando os olhos penetrantes
no colaborador, prosseguiu:
— Solicitemos a cooperação das congêneres mais próximas. Precisamos apelar para o Oratório de Anatilde e para a Fundação Cristo. Tente a ligação. Irei, eu mesma, fazer o pedido.
11 Afastando-se o assessor,
Zenóbia voltou-se para nós, cheia de bondade:
— Segundo observam, meus amigos, desta vez devo levantar-me e agir. Quando o fogo etérico vem queimar os resíduos da região, somos obrigados a transportar-nos com a instituição, a caminho de outra zona. Necessito movimentar providências, relativas à nova localização, e rogar o socorro de outras casas especializadas.
12 Dirigindo-se, particularmente,
a Jerônimo, acentuou:
— Meu irmão, já que o inesperado me surpreende, estimaria visitar o abismo, ainda hoje, em companhia dos amigos. Além do serviço à coletividade sofredora, conforme notifiquei a princípio, interesso-me por irmão nosso, em doloroso estado de cegueira espiritual, a favor de quem estou autorizada a fazer serviços intercessórios.
— De perfeito acordo, — respondeu nosso chefe, atenciosamente.
13 Depois de levar a efeito
alguns sinais de chamada, a diretora da Casa Transitória de Fabiano
confiou-nos ao cuidado de Heráclio, abnegado cooperador da instituição,
e se afastou.
Fomos, então, convidados pelo novo amigo a visitar o interior e, em breve, apresentava-nos extensos dormitórios e estreitos cubículos, em que se localizavam doentes e necessitados de vários matizes. Atravessamos, igualmente, compridas salas de estudo e complicados laboratórios, notando-se que ali todo o espaço era rigorosamente aproveitado.
14 Em certo ponto da conversação em curso, o delicado companheiro que nos acolhia, percebendo a curiosidade com que examinávamos a parte interna do edifício, erguido à base de substância singularmente leve, esclareceu:
— É tipo de construção para movimento aéreo. Muda-se, sem maiores dificuldades, de uma região para outra, atendendo às circunstâncias.
E, sorrindo:
— Por isso, é denominada “Casa Transitória”.
15 Em breves minutos, o Assistente
Jerônimo era chamado nominalmente pela irmã Zenóbia, para entendimento
particular.
Hipólito e Luciana solicitaram ingresso na Sala Consagrada, onde, conforme explicações de Heráclio, administradores, auxiliares e asilados daquele pouso de amor se reuniam habitualmente para os serviços divinos da prece e, interessado, por minha vez, nos trabalhos médicos do instituto, indaguei quanto à possibilidade de encontrar algum colega
que me fornecesse novos elementos educativos à experiência no Além.
16 Expondo ao prestativo assessor
meus desejos, respondeu-me sem hesitar:
— Já sei o que pretende. No momento, temos em casa o Irmão Gotuzo, cujas informações talvez lhe satisfaçam a curiosidade.
André Luiz
[1] [Vide: Algumas referências ao uso de itens materiais no Mundo Invisível do Plano Espiritual, como edificações providas dos mais diversos objetos, aparelhos, veículos de transporte, etc.]
[2] [Vide: Ensaio de interpretação da doutrina dos Anjos Decaídos.]