1 E assim viveu Cantídio Maldonado,
Deitando anedotário e latinório,
Bela figura, qual D. Juan Tenório,
Lampeiro, bonitão e remoçado.
2 Aqui e ali, promessas de noivado,
Meninas lastimando amor inglório,
Lares desfeitos, casos de cartório
E crimes, vários crimes de contado. n
3 Contudo, a morte veio… O pobre amigo
Acumulava em lágrimas consigo
Dor e remorso em trágico binômio…
4 Corre o tempo… Hoje encontro Maldonado,
Andrajoso, esquecido e reencarnado,
A rir e soluçar num manicômio.
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CORNÉLIO PIRES — Além de poeta, contista, jornalista, humorista e conferencista, era Cornélio Pires devotado pesquisador do nosso folclore. “Seja bom” — recomendou-lhe, certa vez, Amadeu Amaral. E Cornélio Pires, ao fazer-se tarefeiro da Doutrina Espírita, não foi apenas um bom, mas verdadeiro herói da bondade permanente, a benefício dos semelhantes. Pouco antes de desencarnar, fundou em Tietê, SP, a “Granja de Jesus”, entidade de amparo ao menor abandonada. Escreveu para inúmeros jornais e revistas, tendo iniciado a sua vida literária em O Malho, do Rio. Alguns dos seus livros continuam a ter numerosas e sucessivas reedições. “Sua obra” — di-lo Joffre Martins Veiga — “é eminentemente popular e de cunho essencialmente brasileiro.” (Tietê, Est. de S. Paulo, 13 de Julho de 1884 — S. Paulo, Estado de S. Paulo, em 17 de Fevereiro de 1958.)
BIBLIOGRAFIA: Musa Caipira; O Monturo; Versos; Coisas d’Outro Mundo; Onde estás, ó morte?; etc.
[1] As poesias de números ímpares foram recebidas pelo médium Francisco Cândido Xavier e as de números pares pelo médium Waldo Vieira. Dispomo-las assim, por sugestão dos Amigos Espirituais.
[2] Excelente imagem: “Velho João, como quem canta nos milharais do céu, plantando estrelas.”
[3] Leia-se com o, numa sílaba. C. Pires, com frequência, servia-se da ectlipse. Cf. “O Enterro” (ap. J. M. Veiga, Antol. Caipira, pág. 139) 11º verso: “e com ele se foi a doce paz da roça.”; “À Quelque Chose”, 11º verso: “com o dia de amanhã que é sempre o mesmo” (apud Op. cit., pág. 111).
[4] A respeito do metro deste verso, em que a 6ª sílaba tônica recai no que, cf. o 1º verso do soneto “Solitário”: “Como um fantasma que se refugia”; o 10º verso de “O Lamento das Coisas”: “Da transcendência que se não realiza…”, etc.
[5] Atente-se na enumeração.
[6] As rimas em “ola” e “olo” eram muito usadas pelo artista de Musa Caipira. Cf. “Casa Rústica” (Op. cit., pág. 97), 1º terceto; “O Sol e o Cabo” (id., pág. 99), última estrofe; “Desencanto” (id., pág. 113) em todas as quadras; “Peripécias de Viagem” (id. pág. 117), último terceto.
[7] 51-54. Observem-se os “enjambements”.
[8] Digna de observação é a constante repetição das expressões “Nhá”, “Sinhá” e outras que tais, tanto na poesia de além-túmulo quanto na que ficou esparsa em seus livros.
“Vai-se levar à vila o corpo de Nhá Cota, / balouçando na rede a uma vara amarrada…” — eis os dois primeiros versos do soneto “O Enterro”, que, misturado aos de “Nhá Chica”, “Sinhá Teodora” ou qualquer outro soneto com que agora comparece o poeta, dificilmente distinguiríamos dos demais.
[9] Cf. a nota 14 deste capítulo [A nota diz o seguinte: — Excelente imagem: “Velho João, como quem canta nos milharais do céu, plantando estrelas.”]
[10] Mesarquia: “E crimes, vários crimes de contado.” — Cf. 2ª nota do cap. 7 da 1ª Parte.