O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano XI — Janeiro de 1868.

(Idioma francês)

O Espiritismo diante da História e da Igreja.

(Pelo abade Poussin [Clovis Poussin], professor do Seminário de Nice.)  † 

(Sumário)


1. — Esta obra é uma refutação do Espiritismo do ponto de vista religioso. É, sem contradita, uma das mais completas e mais bem-feitas que conhecemos. É escrita com moderação e conveniência, e não se denigre pelos epítetos a que nos habituaram a maior parte das controvérsias do mesmo partido. Aí, nada de declarações furibundas, nada de personalismos ultrajantes; é o princípio mesmo que é discutido. Pode-se não estar de acordo com o autor, achar que as conclusões que ele tira de suas premissas são de uma lógica contestável; dizer que depois de haver demonstrado, por exemplo, com as peças na mão, que o Sol brilha ao meio-dia, erra ao concluir que deve ser noite, mas não se lhe reprochará a falta de urbanidade na forma.

A primeira parte da obra é consagrada à história do Espiritismo na Antiguidade e na Idade Média. Esta parte é rica em documentos tirados dos autores sacros e profanos, que atestam laboriosas pesquisas e um estudo sério. É um trabalho que nos proporíamos fazer um dia, e felizes estamos por nos ter o Sr. Abade Poussin poupado desse trabalho.

Na segunda parte, intitulada Parte doutrinária, o autor, discutindo os fatos que acaba de citar, inclusive os fatos atuais, conclui, segundo a infalibilidade da Igreja e seus próprios argumentos, que todos os fenômenos magnéticos e espíritas são obra do demônio. É uma opinião como outra qualquer, e respeitável quando sincera. Ora, nós cremos na sinceridade das convicções do Sr. Poussin, embora não tenhamos a honra de o conhecer. O que se lhe pode censurar é não invocar em favor de sua tese senão a opinião dos adversários conhecidos do Espiritismo, assim como as doutrinas e alegações que desaprova. Em vão se buscaria nesse livro a menção das obras fundamentais, assim como nenhuma refutação direta das respostas que foram dadas às alegações contraditórias. Numa palavra, ele não discute a doutrina propriamente dita; não toma os seus argumentos corpo-a-corpo, para os esmagar sob o peso de uma lógica mais rigorosa.

Além disso, pode achar-se estranho que o Sr. abade Poussin se apóie, para combater o Espiritismo, na opinião de homens conhecidos por suas ideias materialistas, tais como os Srs. Littré e Figuier; sobretudo deste último, que mais brilhou por suas contradições do que por sua lógica, ele toma várias expressões. Esses senhores, combatendo o princípio do Espiritismo, denegando a causa dos fenômenos psíquicos, por isto mesmo negam o princípio da espiritualidade; assim, minam a base da religião, pela qual não professam, como se sabe, grande simpatia. Invocando sua opinião, a escolha não é feliz; poder-se-ia mesmo dizer que é desastrada, pois é excitar os fiéis a ler escritos que não são nada ortodoxos. Vendo-o beber em tais fontes, poder-se-ia crer que não julgou as outras bastante preponderantes.

O abade Poussin não contesta nenhum dos fenômenos espíritas; virtualmente prova a sua existência pelos fatos autênticos que cita, e que colhe indiferentemente na história sagrada e na história pagã. Aproximando uns dos outros, não pode deixar de reconhecer a sua analogia. Ora, em boa lógica, da similitude dos efeitos deve-se concluir a similitude das causas. Entretanto, o Sr. Poussin conclui que os mesmos fatos são miraculosos, de fonte divina em certos casos, e diabólica, em outros.

Os homens que professam as mesmas crenças que o Sr. Figuier também têm sobre esses mesmos fatos duas opiniões: negam-nos simplesmente e os atribuem à trapaça; quanto aos que são comprovados, esforçam-se por os ligar apenas às leis da matéria. Perguntai-lhes o que pensam dos milagres do Cristo: eles vos dirão que são fatos lendários, contos inventados para as necessidades da causa, ou produtos de imaginações superexcitadas e em delírio.

É verdade que o Espiritismo não reconhece nos fenômenos psíquicos um caráter sobrenatural; ele os explica pelas faculdades e pelos atributos da alma; e como a alma está na Natureza, os considera como efeitos naturais, que se produzem em virtude de leis especiais, até então desconhecidas, e que o Espiritismo dá a conhecer. Realizando-se esses fenômenos aos nossos olhos, em condições idênticas, acompanhados das mesmas circunstâncias e por intermédio de indivíduos que nada têm de excepcional, daí conclui pela possibilidade dos que se passaram em tempos mais recuados, e isto pela mesma causa natural.

O Espiritismo não se dirige às pessoas convictas da existência desses fenômenos, e que são perfeitamente livres para neles ver milagres, se tal é sua opinião, mas aos que os negam precisamente por causa do caráter miraculoso que lhes querem dar. Provando que esses fatos não têm de sobrenatural senão a aparência, ele os faz aceitar pelos mesmos que os repeliam. Os espíritas foram recrutados, em imensa maioria, entre os incrédulos e, contudo, hoje não há um só que negue os fatos realizados pelo Cristo. Ora, o que vale mais: crer na existência desses fatos, sem o sobrenatural, ou neles não crer absolutamente? Os que os admitem a um título qualquer não estão mais perto de vós do que os que os rejeitam completamente? Desde que o fato seja admitido, não resta senão provar a sua fonte miraculosa, o que deve ser mais fácil, se a fonte for real, do que quando o próprio fato é contestado.

Para combater o Espiritismo, apoiando-se o Sr. Poussin na autoridade dos que repelem até o princípio espiritual, não seria ele um dos que pretendem que a incredulidade absoluta é preferível à fé adquirida pelo Espiritismo?


2. — Citamos integralmente o prefácio do livro do Sr. Poussin, que faremos seguir de algumas reflexões:


“O Espiritismo, é preciso bem reconhecê-lo, envolve como numa imensa rede a sociedade inteira, e por seus profetas, por seus oráculos, por seus livros e por seu jornalismo, esforça-se por minar secretamente a Igreja católica. Se nos prestou o serviço de derrubar as teorias materialistas do século dezoito, dá-nos em troca uma revelação nova, que solapa pela base todo o edifício da revelação cristã. E, contudo, por um fenômeno singular, ou melhor, por força da ignorância e da fascinação que excita a curiosidade, quantos católicos brincam diariamente com o Espiritismo, sem se preocuparem absolutamente com os seus perigos! É bem verdade que os espíritas ainda estão divididos quanto à essência e mesmo quanto à realidade do Espiritismo, e é provavelmente devido a essas incertezas que o maior número julga poder se formar a consciência e usar o Espiritismo como um curioso divertimento. Todavia, no fundo dessas almas timoratas e delicadas se manifesta uma grande ansiedade. Quantas vezes não temos ouvido estas questões incessantes: “Dizei-nos bem a verdade. O que é o Espiritismo? Qual a sua origem? Credes nessa genealogia que queria ligar os fenômenos do Espiritismo à magia antiga? Admitis os fatos estranhos do magnetismo e das mesas girantes? Acreditais na intervenção dos Espíritos e na evocação das almas? no papel dos anjos e dos demônios? É permitido interrogar as mesas girantes e consultar os espiritistas? Que pensam sobre todas essas questões os teólogos, os bispos?… A Igreja romana deu algumas decisões? Etc., etc.”

“Estas perguntas, que ainda retinem aos nossos ouvidos, inspiraram o pensamento deste livro, que tem por objetivo responder a todas, nos limites de nossas forças. Por isso, a fim de estar mais seguros e convictos, jamais afirmamos nada sem uma autoridade grave, e nada decidimos que os bispos e Roma  †  não tenham decidido. — Entre os que estudaram especialmente estas matérias, uns rejeitam em massa todos os fatos extraordinários que o Espiritismo se atribui. Outros, concedendo larga parte às alucinações e ao charlatanismo, reconhecem que é impossível deixar de admitir certos fenômenos inexplicáveis e inexplicados, tão inconciliáveis com os ensinamentos gerais das ciências naturais, quanto desconcertantes para a razão humana; contudo, procuram interpretá-los, ou por certas leis misteriosas da fisiologia, ou pela intervenção da grande alma da natureza, da qual a nossa é simples emanação, etc. Vários escritores católicos, forçados a admitir os fatos, achando a solução natural por vezes impossível e a explicação panteísta absurda, não hesitam em reconhecer em certos fatos do Espiritismo a intervenção direta do demônio. Para estes, o Espiritismo não passa da continuação dessa magia pagã, que aparece em toda a História, desde os mágicos do faraó, à pitonisa de Endor, os oráculos de Delfos, às profecias das sibilas e dos adivinhos, até as possessões demoníacas do Evangelho e aos fenômenos extraordinários e constatados do magnetismo contemporâneo. A Igreja não se pronunciou sobre as discussões especulativas; abandona a questão histórica das origens do Espiritismo e a questão psicológica de seus agentes misteriosos à vã disputa dos homens. Teólogos sérios, bispos e doutores particulares têm sustentado estas últimas opiniões; oficialmente, Roma não os aprova nem os censura. Mas se a Igreja prudentemente guardou silêncio sobre as teorias, levantou a voz nas questões práticas, e em presença das incertezas da razão, assinala perigos para a consciência. Uma ciência curiosa e em si mesma inocente, pode, por causa dos abusos frequentes, tornar-se uma fonte de perigos; por isso, Roma condenou como perigosos para os costumes, certas práticas e certos abusos do magnetismo, cujos graves inconvenientes os próprios espíritas não dissimulam. Ainda mais, bispos julgaram dever interditar aos seus diocesanos e em qualquer hipótese, como supersticiosos e perigosos para os costumes e para a fé, não só os abusos do magnetismo, mas o hábito de interrogar as mesas girantes.

“Para nós, na questão especulativa, posta em presença dos que veem o demônio em toda parte e dos que não o veem em parte alguma, quisemos, mantendo-nos à distância dos dois escolhos, estudar as origens históricas do Espiritismo, examinar a certeza dos fatos e discutir imparcialmente os sistemas psicológicos e panteístas pelos quais tudo querem interpretar. Evidentemente, quando refutamos vários desses sistemas, não pretendemos impor a ninguém os nossos próprios pensamentos, embora as autoridades sobre as quais nos apoiamos nos pareçam da mais alta gravidade. Separando das opiniões livres tudo o que é de , como a existência dos anjos e dos demônios, as possessões e as obsessões demoníacas do Evangelho, a legitimidade e o poder dos exorcismos na Igreja, etc., deixamos a cada um o direito, não de negar o comércio voluntário dos homens com o demônios o que, segundo o padre Perronne, seria temerário, e conduziria ao pirronismo  †  histórico; mas reconhecemos a todo católico o direito de não ver no Espiritismo a intervenção do demônio, se os nossos argumentos parecerem mais especiosos que sólidos, e se a razão e o estudo mais atento dos fatos provarem o contrário.

“Quanto à questão prática, não nos reconhecemos o direito de absolver o que Roma condena; e se algumas almas ainda hesitassem, nós as remeteríamos simplesmente às decisões romanas, às interdições episcopais e mesmo às decisões teológicas, que reproduzimos integralmente.

“O plano deste livro é muito simples. A primeira parte, ou parte histórica, depois de ter dado o ensino das Santas Escrituras e a tradição de todos os povos sobre a existência e o papel dos Espíritos, nos inicia nos fatos mais salientes do Espiritismo ou da magia, desde a origem do mundo até os nossos dias.

“A segunda parte, ou parte doutrinária, expõe e discute os diversos sistemas imaginados para descobrir o agente verdadeiro do Espiritismo; depois de ter precisado o nosso melhor ensino da teologia católica sobre a intervenção geral dos Espíritos, e dado livre curso a opiniões livres sobre o agente misterioso da magia moderna, assinalamos aos fiéis os perigos do Espiritismo para a , para os costumes e mesmo para a saúde ou para a vida.

“Possam estas páginas, mostrando o perigo, concluir o bem que outros começaram!… Inútil acrescentar que, filhos dóceis da Igreja, condenamos por antecipação tudo quanto Roma pudesse desaprovar.”


3. — O Sr. abade Poussin reconhece duas coisas: 1º que o Espiritismo envolve, como numa imensa rede, a sociedade inteira; 2º que prestou à Igreja o serviço de derrubar as teorias materialistas do século dezoito. Vejamos que consequências decorrem desses dois fatos.

Como dissemos, o Espiritismo é recrutado, em grande maioria, entre os incrédulos. Com efeito, perguntai aos nove décimos dos adeptos, em que acreditavam antes de ser espíritas; eles responderão que não acreditavam em nada ou, pelo menos, que duvidam de tudo; para eles a existência da alma era uma hipótese, sem dúvida desejável, mas incerta; a vida futura uma quimera; Cristo era um mito ou, no máximo, um filósofo; Deus, se existisse, devia ser injusto, cruel e parcial, daí por que tanto gostavam de crer que ele não existia.

Hoje creem e sua fé é inabalável, porque assentada na evidência e na demonstração, e porque satisfaz à razão; o futuro não é mais uma esperança, mas uma certeza, porque veem a vida espiritual manifestar-se aos seus olhos; dela não duvidam mais do que duvidam do nascer do Sol. É verdade que não creem nos demônios e nem nas chamas eternas do inferno, mas, em compensação, acreditam firmemente num Deus soberanamente justo, bom e misericordioso; não creem que o mal venha dele, que é a fonte de todo bem, nem dos demônios, mas das próprias imperfeições do homem; que o homem se reforma e o mal não existirá mais; vencer-se a si mesmo é vencer o demônio. Tal é a fé dos espíritas, e a prova de sua força é que se esforçam por se tornarem melhores, domarem suas inclinações más e porem em prática as máximas do Cristo, olhando todos os homens como irmãos, sem acepção de raças, de castas, nem de seitas, perdoando aos seus inimigos, retribuindo o mal com o bem, a exemplo do divino modelo.

Sobre quem o Espiritismo devia ter mais fácil acesso? Não é sobre os que tinham fé e a quem esta bastava, que nada pediam e de nada precisavam; mas sobre aqueles a quem faltava a fé. Como o Cristo, foi aos doentes, e não aos que gozam de saúde; aos que têm fome, e não aos que estão saciados. Ora, os doentes são os que se acham torturados pelas angústias da dúvida e da incredulidade.

E que fez para os trazer a si? Uma maciça propaganda? Indo pregar a doutrina nas praças públicas? Violentando consciências? Absolutamente, porque estes são os meios da fraqueza; e se os tivesse usado, teria mostrado que duvidava de sua força moral. Ele tem como regra invariável, conforme a lei de caridade, ensinada pelo Cristo, não constranger ninguém, respeitar todas as convicções; contentou-se em enunciar os seus princípios, desenvolver em seus escritos as bases sobre as quais estão assentadas as suas crenças, e deixou vir a ele os que quisessem. Se vieram muitos, é que a muitos conveio e muitos nele acharam o que não haviam encontrado alhures. Se recrutou principalmente entre os incrédulos, e se em alguns anos enlaçou o mundo, é porque os incrédulos e os que não estão satisfeitos com o que lhes dão são numerosos, desde que não se é atraído senão para onde se encontra algo melhor do que o que se tem. Dissemos centenas de vezes: Querem combater o Espiritismo? Que deem melhor que ele.


4. — Reconheceis, senhor abade, que o Espiritismo prestou à Igreja o serviço de derrubar as teorias materialistas; sem dúvida é um grande resultado, do qual ele se glorifica. Mas, como o conseguiu? precisamente com o auxílio desses meios que chamais diabólicos, com as provas materiais que ele dá, da alma e da vida futura; foi com a manifestação dos Espíritos que ele confundiu a incredulidade e que triunfará definitivamente. E dizeis que tal serviço é obra de Satã? Mas, então, não deveríeis lhe querer tanto, já que ele próprio destrói a barreira que retinha os que ele prendera indevidamente? Lembrai-vos da resposta do Cristo aos fariseus, que lhe falavam exatamente a mesma linguagem, acusando-o de curar os doentes e de expulsar os demônios pelos demônios. Lembrai-vos, também, a respeito, das palavras de Monsenhor Frayssinous, bispo de Hermópolis,  †  em suas conferências sobre religião: “Certamente, um demônio que procurasse destruir o reino do vício para estabelecer o da virtude seria um demônio singular, porque se destruiria a si mesmo.”

Se esse resultado obtido pelo Espiritismo é obra de Satã, como é que a Igreja lhe deixou o mérito e não o obteve ela própria? Como é que deixou a incredulidade invadir a sociedade? Contudo, não lhe faltaram meios de ação. Não tem pessoal e recursos materiais imensos? as pregações desde as capitais até as menores aldeias? a pressão que exerce sobre as consciências pela confissão? o terror das penas eternas? a instrução religiosa que acompanha a criança durante todo o curso de sua educação? o prestígio das cerimônias do culto e de sua ancianidade? Como é que uma doutrina, apenas desabrochada, que não tem sacerdotes, nem templos, nem culto, nem predições; que é combatida com rigor pela Igreja, caluniada, perseguida como o foram os primeiros cristãos, em tão pouco tempo reconduziu à fé e à crença na imortalidade um tão grande número de incrédulos? Entretanto, a coisa não é muito difícil, pois basta à maioria ler alguns livros para se dissiparem todas as dúvidas.

Tirai daí as conclusões que quiserdes; mas confessai que, se isto é obra do diabo, ele fez o que vós mesmos não pudestes fazer, e que ele se desobrigou da vossa tarefa.

Por certo direis que o que depõe contra o Espiritismo é que ele não emprega, para convencer, os mesmos argumentos que vós, e que, se triunfa da incredulidade, não conduz completamente a vós.

Mas o Espiritismo não tem a pretensão de marchar convosco, nem com ninguém; ele mesmo faz os seus trabalhos, e como entende. A incredulidade foi refratária aos vossos argumentos; de boa-fé acreditaríeis que o Espiritismo teria triunfado servindo-se dos mesmos? Se um médico não cura um doente com um remédio, outro médico o curará empregando o mesmo remédio?

O Espiritismo não procura reconduzir os incrédulos ao seio absoluto do catolicismo, nem ao de qualquer outro culto. Em lhes fazendo aceitar as bases comuns à todas as religiões, ele destrói o principal obstáculo e os leva a fazer a metade do caminho; cabe a cada um fazer o resto, no que lhe concerne; as que fracassam dão uma prova manifesta de incapacidade.

Desde o instante que a Igreja reconhece a existência de todos os fatos de manifestações sobre os quais se apoia o Espiritismo; que ela os reivindica para si mesma, a título de milagres divinos; que, entre os fatos que se passam nos dois campos, há uma analogia completa, quanto aos efeitos, analogia que o Sr. abade Poussin demonstra com a última evidência e peças de apoio, pondo-as à vista, toda a questão se reduz, então, em saber se é Deus que age de um lado e o diabo do outro. É uma questão pessoal. Ora, quando duas pessoas fazem exatamente a mesma coisa, conclui-se que uma é tão poderosa quanto a outra. Toda a argumentação do Sr. Poussin termina, assim, por demonstrar que o diabo é tão poderoso quanto Deus.

De duas coisas, uma: ou os efeitos são idênticos, ou não o são; se são idênticos, é que provêm de uma mesma causa, ou de duas causas equivalentes; se não o são, mostrai em que diferem. Nos resultados? Mas, então, a comparação seria em favor do Espiritismo, porque ele reconduz a Deus os que nele não acreditavam.

Está, pois, bem entendido, por decisão formal das autoridades competentes, que os Espíritos que se manifestam não são, nem podem ser, senão demônios. Convenhamos, entretanto, senhor abade, que se esses mesmos Espíritos, em vez de contradizerem a Igreja sobre alguns pontos, tivessem sido em tudo de sua opinião, se tivessem vindo apoiar todas as suas pretensões temporais e espirituais, aprovar sem restrição tudo quanto ela diz e faz, ela não os chamaria de demônios, mas antes de Espíritos angélicos.

O abade Poussin escreveu o seu livro, diz ele, tendo em vista premunir os fiéis contra os perigos que pode correr sua fé, pelo estudo do Espiritismo. É testemunhar pouca confiança na solidez das bases sobre as quais está assentada esta fé, já que pode ser abalada tão facilmente. O Espiritismo não tem o mesmo receio. Tudo quanto puderam dizer e fazer contra ele não lhe fez perder uma polegada de terreno, pois que o ganha todos os dias; entretanto, não faltou talento a mais de um de seus adversários. As lutas empenhadas contra ele, longe de o enfraquecer, o fortificaram; elas contribuíram poderosamente para o espalhar mais rapidamente do que o teria feito sem isto, de tal sorte que esta rede que, em alguns anos envolveu a sociedade inteira, é, em grande parte, obra de seus antagonistas. Sem nenhum dos meios materiais de ação, que fazem os sucessos neste mundo, ele não se propagou senão pelo poder da ideia. Desde que os argumentos, com o auxílio dos quais o combateram, não o derrubaram, é que, aparentemente, os julgaram menos convincentes que os seus. Quereis ter o segredo de sua fé? ei-lo: é que antes de crer, compreendem.

O Espiritismo não teme a luz; ele a chama sobre suas doutrinas, porque quer ser aceito livremente e pela razão. Longe de temer para a fé dos espíritas a leitura das obras que o combatem, ele lhes diz: Lede tudo; os prós e os contras, e escolhei com conhecimento de causa. É por isto que assinalamos à sua atenção a obra do abade Poussin. n


5. — Damos a seguir, sem comentários, alguns fragmentos tirados da primeira parte:


1. – Certos católicos, mesmo piedosos, em matéria de fé têm singulares ideias, resultado inevitável do cepticismo ambiente que, mau grado seu, os domina e dos quais sofrem a influência deletéria. Falai de Deus, de Jesus-Cristo, eles aceitam tudo imediatamente; mas se tentardes falar do demônio, e sobretudo da intervenção diabólica na vida humana, não mais vos escutam. Como os nossos racionalistas contemporâneos, de boa vontade tomariam o demônio como um mito ou uma personificação fantástica do gênio do mal, os êxtases dos santos por fenômenos de catalepsia e as possessões diabólicas, mesmo as do Evangelho, se não como epilepsia, ao menos como parábolas. São Tomás, n em sua linguagem precisa, responde em duas palavras a esse perigoso cepticismo: “Se a facilidade de ver falar o demônio, diz ele, procede da ignorância das leis da Natureza e da credulidade, a tendência geral a não ver a sua ação em parte alguma procede da irreligião e da incredulidade.” Negar o demônio é negar o Cristianismo e negar Deus.


2. – A crença na existência dos Espíritos e sua intervenção no domínio de nossa vida, mais ainda, o próprio Espiritismo ou a prática da evocação dos Espíritos, almas, anjos ou demônios, remontam à mais alta antiguidade, e são tão antigas quanto o mundo. — Sobre a existência e o papel dos Espíritos, interroguemos, primeiramente, nossos livros santos, os mais antigos e os mais incontestados livros de história e, ao mesmo tempo, o código divino de nossa fé. O demônio seduzindo sob uma forma sensível Adão e Eva no Paraíso; os querubins que guardavam a sua entrada; os anjos que visitam Abraão e discutem com ele a questão da salvação de Sodoma; os anjos insultados na cidade imunda, arrancando Loth ao incêndio; o anjo de Isaque, de Jacó, de Moisés e de Tobias; o demônio que mata os sete maridos de Sara; o que tortura a alma e o corpo de Job; o anjo exterminador dos egípcios sob Moisés, e dos israelitas sob Davi; a mão invisível que escreve a sentença de Baltazar; o anjo que fere Heliodoro; o anjo da Encarnação, Gabriel, que anuncia São João e Jesus-Cristo: Que mais é preciso para mostrar a existência dos Espíritos, bons ou maus, nos atos da vida humana? Deus fez dos Espíritos seus embaixadores, diz o salmista; são os ministros de Deus, diz São Paulo; São Pedro nos ensina que os demônios rondam sem cessar em torno de nós, como leões rugidores; São Paulo, tentado por eles, nos declara que o ar está repleto deles.


3. – Notemos aqui que as tradições pagãs estão em perfeita harmonia com as tradições judaicas e cristãs. O mundo, segundo Tales e Pitágoras, está cheio de substâncias espirituais. Todos esses autores os dividem em Espíritos bons e maus; Empédocles diz que os demônios são punidos pelas faltas que cometeram; Platão fala de um príncipe, de natureza malfazeja, preposto desses Espíritos expulsos pelos deuses e caídos do céu, diz Plutarco. Todas as almas, acrescenta Porfírio, que têm por princípio a alma do universo, governam os grandes países situados sob a Lua: são os bons demônios (Espíritos); e, fiquemos bem convencidos, eles só agem no interesse de seus administrados, quer com o cuidado que tomam dos animais, quer velem pelos frutos da terra, quer presidam às chuvas, aos ventos moderados, ao bom tempo. Deve-se ainda colocar na categoria dos bons demônios os que, segundo Platão, estão encarregados de levar aos deuses as preces dos homens, e que trazem aos homens as advertências, as exortações, os oráculos dos deuses.


4. – Os árabes chamam de Iba o chefe dos demônios; os caldeus com eles enchiam o ar; enfim, Confúcio ensina absolutamente a mesma doutrina: “Como são sublimes as virtudes dos Espíritos! dizia ele; olha-se-os e não se os vê; escuta-se-os e não se os entende; unidos à substância das coisas, delas eles não podem separar-se; são a causa de que todos os homens em todo o Universo se purifiquem e se revistam de roupas de gala para oferecer sacrifícios; estão espalhados como as ondas do oceano acima de nós, à nossa esquerda e à nossa direita.”

O culto dos Manitós, espalhado entre os selvagens da América, não é senão o culto dos Espíritos.


5. – Por seu lado, os Pais da Igreja interpretaram admiravelmente a doutrina das Escrituras sobre a existência e a intervenção dos Espíritos: Nada há no mundo visível que não seja regido e disposto pela criatura invisível, diz São Gregório. Neste mundo cada ser vivo tem um anjo que o dirige, acrescenta Santo Agostinho. Os anjos, diz São Gregório de Nazianza, são os ministros da vontade de Deus; eles têm, naturalmente e por comunicação, uma força extraordinária; percorrem todos os lugares e se acham em toda parte, tanto pela prontidão com que exercem seu ministério, quanto pela leveza de sua natureza. Uns são encarregados de velar sobre alguma parte do Universo, que lhes é marcada por Deus, de quem dependem em todas as coisas; outros estão na guarda das cidades e das igrejas; ajudam-nos em tudo quanto fazemos de bom.


6. – Em relação à razão fundamental, Deus governa imediatamente o Universo; mas relativamente à execução, há coisas que ele governa por outros intermediários.


7. – Quanto à própria evocação dos Espíritos, almas, anjos ou demônios, e a todas as práticas da magia, de que o Espiritismo não passa de uma forma, mais ou menos disfarçada de charlatanismo, é uma prática tão antiga quanto a crença nos próprios Espíritos.


8.São Cipriano assim explica os mistérios do Espiritismo pagão:

“Os demônios, diz ele, introduzem-se nas estátuas e nos simulacros que o homem adora; são eles que animam as fibras das vítimas, que inspiram com seu sopro o coração dos adivinhos e dão uma voz aos oráculos. Mas como podem curar? Laedunt primo, diz Tertuliano, postque laedere desinunt, et curasse creduntur. Primeiro ferem e, cessando de ferir, passam por curar.”

Na Índia são os Lamas e os bramanitas que, desde a mais alta antiguidade, têm o monopólio dessas mesmas evocações, que ainda continuam. “Faziam comunicar-se o Céu com a Terra, o homem com a divindade, absolutamente como nossos médiuns atuais. A origem desse privilégio parece remontar à Gênese mesma dos hindus e pertencer à casta sacerdotal desses povos. Saída do cérebro de Brama, a casta sacerdotal deve ficar mais perto da natureza desse Deus criador e entrar mais facilmente em comunicação com ele do que a casta guerreira, nascida de seus braços e, com mais forte razão, que a casta dos Párias, formada da poeira de seus pés.”


9. – Mas o fato mais interessante e mais autêntico da História é, sem contradita, a evocação de Samuel pelo médium da pitonisa de Endor, que interroga Saul: ( † ) “Samuel tinha morrido, diz a Escritura; toda Israel o tinha chorado, e ele fora enterrado na cidade de Ramatá, lugar de seu nascimento. E Saul havia expulsado os magos e os adivinhos de seu reino. Estando então reunidos, os filisteus vieram acampar em Sunam; por seu lado, Saul reuniu todas as tropas de Israel e veio para Gilboé. Tendo visto o exército dos filisteus, foi tomado de espanto e de temor até o fundo do coração. Consultou o Senhor; mas o Senhor não lhe respondeu, nem em sonhos, nem pelos sacerdotes, nem pelos profetas. Então disse aos seus oficiais: “Procurai-me uma mulher que tenha o Espírito de Píton, para que me encontre com ela e a consulte.” Seus servidores lhe disseram: “Há uma mulher em Endor que tem um Espírito de Píton.” Saul disfarçou-se, vestiu outras roupas e se foi, acompanhado apenas por dois homens. Veio a noite, chegaram à casa dessa mulher e lhe disse: “Consultai para mim o Espírito de Píton e evocai-me aquele que eu vos disser.” A mulher lhe respondeu: “Bem sabeis o que fez Saul e de que maneira exterminou os mágicos e os adivinhos de todas as suas terras. Por que, então, armais uma cilada para me perder?” Então Saul lhe jurou pelo Senhor, dizendo: “Viva o Senhor! Nenhum mal vos sobrevirá por isso.” A mulher lhe disse: “Quem quereis ver?” Ele lhe respondeu: “Fazei-me vir Samuel.” A mulher, tendo visto Samuel, soltou um grande grito, e disse a Saul: “Por que me enganastes? porque sois Saul.” O rei lhe disse: “Não temais. Que vistes? — Vi, disse ela, um deus que saía da terra. Saul lhe disse: “Como é a sua figura?” — “É, disse ela, um velho envolto num manto.” Então Saul reconheceu que era Samuel; e lhe fez uma profunda reverência, curvando-se até o chão. Samuel disse a Saul: “Por que perturbastes meu repouso, fazendo-me evocar?” Saul lhe respondeu: “Estou em grande dificuldade. Os filisteus me fazem guerra e Deus se retirou de mim; não me quis responder nem pelos profetas, nem em sonhos. Eis por que vos fiz evocar, a fim de que ensineis o que devo fazer.” Samuel lhe disse; “Por que vos dirigis a mim, já que o Senhor vos abandonou e passou ao vosso rival? Porque o Senhor vos tratará como eu disse de sua parte. Ele destroçará o vosso reino por vossas mãos para o dar a Davi, vosso genro, porque não obedecestes à voz do Senhor, nem executastes a sentença de sua cólera contra os amalequitas. É por isso que o Senhor vos envia hoje aquilo que sofreis. Ele entregará mesmo Israel convosco nas mãos dos filisteus. Amanhã estareis comigo, vós e o vosso filho; e o Senhor abandonará aos filisteus o próprio campo de Israel.” De súbito, caiu Saul estendido por terra e foi tomado de grande medo por causa das palavras de Samuel; e faltavam-lhe as forças, porque não comera pão todo aquele dia e toda aquela noite. A maga veio a ele na perturbação em que estava e lhe disse: “Vedes que vossa serva vos obedeceu, que expus minha vida por vós e que atendi ao que desejáveis de mim.”

“Eis que há quarenta anos faço profissão de evocar os mortos ao serviço de estranhos, diz Philon após esse relato; mas jamais vi semelhante aparição. O Eclesiástico encarregou-se de nos provar que se trata de uma verdadeira aparição, e não de uma alucinação de Saul. Samuel, diz o Espírito-Santo, depois de sua morte falou ao rei, predisse o fim de sua vida e, saindo da terra, ergueu sua voz para profetizar a ruína de sua nação, por causa de sua impiedade.”



[1] Um vol. in-12; preço: 3 fr. Sarlit, livreiro, 25, rue Saint-Sulpice, Paris. [Le Spiritisme devant l’histoire et devant l’église, son origine, sa nature, sa certitude, ses dangers - Google Books.]


[2] N. do T.: O abade não está se referindo a Tomé, apóstolo de Jesus, mas ao teólogo Tomás de Aquino.


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