Abraão, chamado primeiramente Abrão [em hebraico, Abrão significa pai exaltado; a mudança para Abraão parece consistir meramente em fortalecer a raiz da segunda sílaba, para dar ênfase na ideia de exaltação]. †
O filho de Taré, progenitor e fiel pai dos hebreus, e o amigo de Deus (Gn 11.26, Gl 3.7-9; Tg 2.23). O nome estava em voga entre os semitas da Babilônia ao menos duas gerações antes do reino de Hammurabi, que comumente acreditava-se ser Anrafel de Gn 14. Abraão é um nome tribal? É a personificação de uma tribo? A justificativa para levantar esta questão é o fato de muitos nomes nos registros genealógicos hebraicos referirem-se às tribos e não aos indivíduos (Gn 10 e 24.1-4). Não é sempre fácil, às vezes é impossível, decidir se um nome significa uma pessoa ou um grupo de pessoas. Mas adicionalmente, é importante notar, que um nome e a história tribal frequentemente incluem pessoas cujas ações são registradas naquela tribo como atos da tribo. Noé, por exemplo, pode ser o nome de uma tribo; mas se então, na narrativa da inundação denota mesmo assim ser um membro individual dessa tribo, que foi salvo com sua família na arca. No caso de Abraão, Gn 11.26,27, e nos primeiros dez versos do capítulo décimo segundo poderiam ser prontamente lidos como a história da origem e migração da tribo, de fato, reconta o movimento de um chefe e sua família; a separação de Abraão e Lot também talvez sejam tribais, assim como o tratado com Abimeleque. Mas embora o elemento tribal possa entrar na narrativa, a história não é exclusivamente tribal. A maioria dos feitos nela registrados não podem ser explicados como movimentos tribais, sem violências e interpretações improváveis. São atos individuais (Gn 15.1-8; 16.1-11; 18.1; 19.27; 20.1-17; 22.1-14; e cap. 26). Além do mais as passagens citadas, pertencem à literatura mais remota de Israel, como todas escolas de crítica concordam; e durante os séculos subsequentes os hebreus tem considerado Abraão como indivíduo (Is 29.22; 41.8; 51.2; Jr 33.26; Ez 33.24; Mt 8.11).
I. Cronologia 1. Sua vida antes de sua chegada em Canaã, 75 anos. Na primeira parte de sua vida Abraão morou com seu pai e seus irmãos em Ur dos Caldeus. Ele casou-se com Sarai, sua meia irmã. Depois da morte de seu irmão Harã ele, sua esposa, e Lot seu sobrinho, migraram sob a liderança de Taré de Ur à terra de Canaã (Gn 11.31) O motivo que levou a família mudar sua habitação não é declarado em Gn 11. Josefo inferiu da narrativa, que Taré foi levado pelo desejo de escapar das recordações que faziam lembrá-lo o filho morto (Antig. 1. 6, 5). Também foi sugerido que a migração da família pode ter sido incitada pelo desejo de melhorar sua condição num país novo e mais livre, ou foi incitada por perturbações políticas na Caldeia, tal como uma invasão dos Elamitas. Estevão entendeu Gn 12.1 referir-se a este tempo, e ser o comando inicial, dado enquanto a família estava ainda em Ur, para ele dizer: “Deus apareceu a Abraão, quando ele estava na Mesopotamia, antes dele morar em Harã” (At 7.2) A interpretação de Estevão é confirmada por (Gn 15.7, e Ne 9.7); embora estas passagens talvez se refiram a providência divina. Todas as variadas causas sugeridas podem ter colaborado; e os motivos naturais podem ter sido os meios providencialmente empregados por Deus para convencê-los de partir, obedecendo a visão celestial. A família partiu de Ur e, tomando a rota habitual, seguiu o Eufrates em direção ao noroeste. Alcançando Harã o grupo abandonou temporariamente o propósito de seguir para Canaã e assentaram residência ali.
Quando Abraão tinha 75 anos de idade, ele partiu de Harã para Canaã. Este movimento pode ter sido devido a Deus ter dito que iria com ele como foi revelado em Ur, ou a uma nova ordem recebida. Estevão, como já dito, adota a interpretação anterior, e o arranjo dos detalhes em Gn 12.1, com nosso parco conhecimento presente da comunidade em Harã, bem serve esta explicação. A partida está relacionada depois do registro da morte de Taré. Isso não quer dizer, todavia, que Abraão demorou em Harã até a morte de seu pai. O narrador, como de costume, conclui que tinha a dizer de Taré antes de iniciar os detalhes da história de Abraão. Ainda é plausível conjeturar que Abraão demorou mais tempo para partir de Harã, porque agora, todos que saíram de Ur, com a exceção de Taré, deviam ir; e isto também é a interpretação de Estevão. Mas nesse caso, Abraão nasceu quando Taré tinha ao menos 130 anos de idade, e não 70, como frequentemente é inferido de Gn 11.26. Nesta passagem, Abraão é mencionado primeiramente, como qualquer primogênito ou porque nasceu quando Taré tinha 70 anos, ou então, se era o filho mais jovem e nascido depois dos 70 anos de Taré, porque era o antepassado do povo escolhido (cp. Gn. 5. 32 com 9. 22, 24). De Harã Abraão foi a Canaã. Que rota tomou? Provavelmente a estrada por meio de Damasco, por ser esta uma grande rodovia que ligava a Mesopotâmia à cidade de Canaã; e mais tarde é feita menção do mordomo de Abraão, Eliezer de Damasco. Abraão não parou muito tempo em qualquer lugar ao longo dela, mas corretamente falando viajou continuamente; pois ele tinha 75 anos de idade quando partiu de Harã, e gastou dez anos em Canaã antes de tomar Hagar para esposa (Gn 16.3), e tinha 86 anos de idade quando de Hagar nascia Ismael (16); de modo que não mais que um ano decorreu de sua partida de Harã e a chegada em Canaã.
I. 2. Vida incerta em Canaã, não mais que 10 anos Ele se acampou em Siquém (Gn 12.6), em Betel (8), viajando para o sul do país (9), e guiado pela fome foi ao Egito. No Egito, pelo temor de perder sua vida, apresentou Sarah meramente como sua irmã (10-20). Retornou ao sul do país (13.1), estabelecendo-se novamente em Betel (3). Ele e Lot separam-se agora por causa de suas posses crescentes. Lot escolheu a planície da Jordânia (5-12). Abraão depois moveu sua tenda aos carvalhos de Mamre em Hebron (18).
I. 3. Residência nos carvalhos de Mamre, ao menos 15, talvez 23 ou 24 anos. Abraão associando-se aos líderes Amoritas da vizinhança (Gn 14.13), persegue (1-16) Quedorlaomer, e é abençoado por Melquizedec (17-24). É-lhe feita a promessa de um herdeiro e ele crê; e a promessa de Canaã é confirmada por convenção (15). Com o nascimento de Ismael (16) depois de um intervalo de 13 anos (16; 17. 1), a promessa é desdobrada. A tentativa do homem em cumprir a promessa não altera a intenção de Deus; não a criança da mulher de laço, mas a da mulher livre, não a criança da carne, mas a criança da promessa nasceu. Nesta ocasião o sinal do pacto da circuncisão é designado, e o nome de Abrão é mudado para Abraão (Gn 18). Sodoma é destruída (18 e 19).
I. 4. Residência ao sul do país, uns 15 anos durante a infância de Isaac; Sarah é tomada à corte de Abimeleque (Gn 20). Quando Abraão tinha 100 anos de idade, nasce Isaac, e o pequeno Ismael posteriormente é expulso (21.1-21). Num poço de propriedade de Abraão, Abimeleque e ele concluem um tratado, e Abraão nomeia o poço Bersabé (22-34). Quando Isaac estava já algo crescido (22. 6; conjeturas de Josefo, com 25 anos, Antig. 1.13, 2), a fé de Abraão foi posta a uma prova aberta pela ordem de sacrificar seu único filho. Em obediência a esta ordem, ele e Isaac sobem às montanhas de Moriah; após Isaac ser felizmente substituído por um carneiro, retornaram a Bersabé (22.1-19)
I. 5. Outra vez em Hebron, depois de um calmo intervalo de 20 anos. Aqui Sarah morreu, aos 127 anos (Gn 23)
I. 6. Provavelmente no sul do país com Isaac, aproximadamente 38 anos. Depois da morte de Sarah, quando Abraão tinha 140 anos de idade (Gn 24.67; 25.20), envia um servo a Mesopotâmia para obter uma esposa dentre sua própria família para Isaac. Rebeca é trazida e encontra Isaac em Beer-laai-Roi, talvez Ain Muweileh. Que Abraão tomou Quetura para esposa está registrado. Abraão morreu aos 175 anos de idade, e foi enterrado na caverna de Machpelah (25.1-9).
II. O tamanho da comunidade sob Abraão. Abraão partiu de Harã com sua esposa, seu sobrinho, e as almas que tinham adquirido (Gn 12.5), e em Canaã ele obteve serventes adicionais por compra, por presente e indubitavelmente por nascimento (16.1; 17.27; 18.7; 20.14). Ele era rico em rebanhos e rebanhos, sendo necessário em seu acompanhamento empregar homens que por sua vez empregavam outros (12.16; 13.2,7; 24.32,35,59; 26.15). Dirigiu 318 homens treinados, nascidos na sua casa, ao salvamento de Lot (14.14). Foi reconhecido pelos líderes vizinhos ser um príncipe poderoso (23. 6), com quem eles fizeram alianças e concluíram tratados (24. 13; 21. 22 e seg.). Mas quando privado da ajuda dos seus aliados, como quando de sua curta estada no Egito, seu sentimento de insegurança triunfou, e ele omitiu parte da verdade a respeito de Sarah. Desejou paz e era homem de paz (23. 8), mas como muitos outros fortes desbravadores, com o tempo, teve necessidade de enfrentar a adversidade e o perigo da batalha pelos parentes e amigos (24)
III. A convicção religiosa de Abraão. Seus antepassados mais próximos serviram a outros deuses (Js 24.2). Sua adoração estava pelo menos corrompida pelo animismo prevalecente na Babilônia, que atribuía um espírito para todo objeto na natureza, e que levou a concepção de onze grandes deuses além de deidades secundárias inumeráveis. Os grandes deuses eram as divindades dos objetos impressionantes e majestosos na natureza: do céu, da superfície da terra, do oceano e de todas as águas subterrâneas, da lua, o sol, e a tempestade; e dos cinco planetas visíveis a olho nu. Os deuses eram poderosos, estavam ativos na natureza, outorgando cuidados especiais a indivíduos e comunidades favoritas, ouviam e respondiam orações. A fé de Abraão era distinta da convicção da grande maioria de seus contemporâneos de que temos qualquer conhecimento, aquele Abraão creu em Deus o todo-poderoso (Gn 17.1), o perpétuo (21.33), o altíssimo (14.22), o dono ou criador do céu e da terra, i. e., o Senhor real e legítimo de tudo (ibid., 24. 3), o Juiz justo, i. e. o governador moral de toda a terra (Gn 18.25); e de acordo com a fé dos seus contemporâneos, Abraão acreditou neste Deus como o dispensador de acontecimentos, que tudo via e conhecia do que ocorre na terra, e que tudo faz conforme sua soberana vontade. Nesta fé Abraão obedeceu, adorando e defendendo a honra de Deus. Como chegou Abraão a esta fé?
1. A razão veio em seu auxílio, como ainda ajuda o cristão inteligente. O politeísmo frequentemente leva ao henoteísmo n; e há vestígios de henoteístas entre os compatriotas de Abraão na Babilônia. Uma mente clara, lógica, como Abraão exibe, tenderiam a passar do henoteísmo ao monoteísmo. Melquisedeque tinha vindo adorar o Deus Altíssimo, dono do céu e da terra; e suas concepções e práticas religiosas trouxe à tona o reconhecimento profundo de Abraão. Evidência monumental parece mostrar que ocasionalmente alguns indivíduos entre os assírios e babilônios haviam chegado a uma crença especulativa na unidade de Deus, mas sem influenciar um grande número de pessoas. Não é estranho que Abraão cresse em um Deus, Senhor sobre todos, como Oseias e Amós creram.
2. A herança religiosa que recebeu dos seus antepassados ajudou Abraão. Em defesa desta fonte de informações religiosas podemos admitir, (a) as razões para crer numa revelação primitiva; (b) a existência de uma linhagem que começou com Adão e incluiu devotos verdadeiros de Deus tais como Seth (ver Gn 4. 26), Enoch, e Noé; e (c) o fato histórico da transmissão para os hebreus de tradições como a da criação e da inundação.
3. Revelação especial foi concedida a Abraão por sonhos, visões e voz direta (Gn 12.7; 15.1,2,17; 17.1; 18.1,2; 22.1,2). As vozes diretas (Theophanies) concebíveis no tempo de Abraão são como as manifestações ocorridas com o Cristo posteriormente.
IV. A harmonia entre os registros hebreus e história contemporânea. 1. O idioma de Canaã. Antes da conquista do país pelos israelitas sob Josué não poucos lugares e pessoas entediam nomes semíticos. Abimeleque e Urusalim, Jerusalém i. e., estavam em voga.
IV 2. A narrativa de Abraão ajusta-se à história egípcia. Dados cronológicos bíblicos colocam a chegada de Abraão em Canaã aproximadamente 645 anos antes do êxodo. Esta data explica de vez a presteza de Abraão em ir para o Egito quando a fome assolava Canaã e a bondosa recepção pelo Faraó, pois a data da viagem cai dentro do período quando Asiáticos, assim chamados os reis pastores, ocupavam o trono egípcio. Os dados bíblicos não colocam só a visita de Abraão ao país do Nilo, mas também a descida de Jacob e seus filhos para o Egito, dentro do período da regência dos pastores: uma forte confirmação dos dados cronológicos e da autenticidade da narrativa.
IV. 3. A narrativa monta à história babilônica. (1.) No tempo atribuído pelo registro hebreu a Abraão e à invasão do oeste, a planície populosa na foz do Tigre era governada por uma dinastia elamita. (2.) Os elamitas exerciam sua soberania sob os reis vassalos, como descrito na Gênese. (3.) Os reis babilônicos em séculos precedentes e durante este período fizeram expedições ao extremo oeste e frequentemente tiveram Canaã sob sujeição. (4.) Quedorlaomer, nome atribuído ao rei de Elão, é um genuíno nome elamita. Quedor, i. e. Kudur, são constantemente usados na composição de nomes da realeza elamita e Laomer, i. e. Lagamar, é o nome de uma divindade elamita. Deste modo o registro hebreu dá um retrato preciso e detalhado da condição política da Babilônia como também de Canaã. A teoria geralmente admite que Anrafel, rei de Sinar, é o mesmo Hammurabi, que foi rei de Babel de mais ou menos 2123 a 2080 A. C., um valioso sincronismo é disposto com a vida de Abraão (Gen 14. 1. 13), e a data de Abraão é estabelecida dentro de limites estreitos. — (Dicionário da Bíblia de John D. Davis) ©
Henoteísmo — Do grego Heis, henos, um; e theos, deus. Modo de concepção do Ente Supremo que admite um só deus para cada povo; assim como o Monoteísmo (Monos, único; theos, deus), admite a existência de um só Deus para toda a Criação.