1. — Quantas vezes já disseram que o Espiritismo estava morto e enterrado! Quantos escritores já se gabaram de lhe haver dado o golpe de misericórdia, uns porque tinham dito palavrões temperados com sal grosso, outros porque haviam descoberto um charlatão enfarpelando-se com o nome de espírita, ou alguma imitação grosseira de um fenômeno! Sem falar de todos os sermões, pastorais e brochuras da mesma fonte, de onde o menor julgava ter lançado o raio, o aparecimento dos espectros nos teatros foi saudado com um hurra! em toda a linha. “Temos o segredo desses espíritas”, diziam sem trégua os jornais, pequenos e grandes, desde Perpignan † até Dunquerque; † “jamais eles se erguerão dessa bordoada!” Os espectros passaram e o Espiritismo ficou de pé. Depois vieram os irmãos Davenport, apóstolos e sumos-sacerdotes do Espiritismo, que eles não conheciam e que nenhum espírita conhecia. Aí, ainda, o Sr. Robin teve a glória de salvar, pela segunda vez, a França e a Humanidade, tocando muito bem os negócios de seu teatro. A imprensa teceu coroas a esse corajoso defensor do bom-senso, a esse sábio que havia descoberto as astúcias do Espiritismo, como o Sr. Dr. Jobert (de Lamballe) tinha descoberto o segredo do músculo estalante. Contudo, os irmãos Davenport partiram sem as honras da guerra; o músculo estalante fez água e o Espiritismo vai sempre muito bem. Evidentemente isto prova uma coisa: é que ele não consiste nem nos espectros do Sr. Robin, nem nas cordas e nos tambores bascos dos Srs. Davenport, nem no músculo pequeno perônio. n É, pois, mais um golpe que falha. Mas desta vez, eis o bom, o verdadeiro, e é impossível que o Espiritismo se levante: são o Événement, o Opinion nationale e o Grand Journal que nos informam e o afirmam. Uma coisa muito estranha é que o Espiritismo se apraz em reproduzir todos os fatos que lhe opõem e que, segundo seus adversários, devem matá-lo. Se os julgasse muito perigosos, ele os calaria. Eis de que se trata:
“O célebre ator inglês Sothern † acaba de escrever a um jornal de Glasgow † uma carta que dá o último golpe no Espiritismo. Esse jornal o censurava por atacar sem a menor consideração os irmãos Davenport e os adeptos das influências ocultas, depois dele próprio ter dado sessões de Espiritismo na América, sob o nome de Sticart, que então era o seu pseudônimo de teatro. O Sr. Sothern confessa perfeitamente ter mostrado muitas vezes aos seus amigos que era capaz de executar todas as habilidades dos espíritas e mesmo ter feito proezas ainda mais maravilhosas; mas jamais suas experiências foram executadas fora de um pequeno círculo de amigos e conhecidos. Jamais fez que alguém pagasse um vintém qualquer; ele próprio cobria as despesas de suas experiências, depois das quais ele e os amigos se reuniam num alegre jantar.
“Com o concurso de um americano muito ativo, obteve os mais curiosos resultados: aparição de fantasmas, ruído de instrumentos, assinaturas de Shakespeare, mãos invisíveis passando pelos cabelos dos espectadores e lhes aplicando tapas, etc., etc.
“O Sr. Sothern sempre disse que todas essas mágicas resultavam de combinações engenhosas, de habilidade e de astúcia, sem que os Espíritos do outro mundo nelas tomassem qualquer parte.
“Em suma, o célebre artista declara que desafia os Hume, [v. Sr. Home] os Davenport e todos os espíritas do mundo, a fazerem alguma manifestação que ele não possa superar.
“Ele jamais pretendeu fazer profissão de sua habilidade mas apenas confundir os velhacos, que ultrajam a religião e roubam o dinheiro do público, fazendo-o crer que têm um poder sobrenatural, que mantêm relações com o outro mundo, que podem evocar as almas dos mortos. O Sr. Sothern não faz rodeios para dizer sua opinião; diz as coisas por seus nomes; chama um gato de gato e os Rollets… de vigaristas.”
2. — Os Srs. Davenport tinham contra si duas coisas que os nossos adversários
reconheceram: as exibições teatrais e a exploração. Crendo de boa-fé
– pelo menos gostamos de assim pensar – que o Espiritismo consiste em
malabarismos da parte dos Espíritos, os adversários esperavam que os
espíritas fossem tomar partido por esses senhores; ficaram um pouco
desapontados quando os viram, ao contrário, condenar esse gênero de
manifestações como prejudicial aos princípios da doutrina, e demonstrar
que é ilógico admitir que os Espíritos estejam a toda hora às ordens
do primeiro que chegar querendo servir-se deles para ganhar dinheiro.
Certos críticos até fizeram, de moto-próprio, valer este argumento contra
os Srs. Davenport, sem suspeitar que defendiam a causa do Espiritismo.
A ideia de pôr os Espíritos em cena e fazê-los servir de comparsas com
vistas ao interesse, provocou um sentimento geral de aversão, quase
de repulsa, mesmo nos incrédulos, que se disseram: “Não cremos nos Espíritos;
mas se os há, não é em tais condições que devem mostrar-se; e devemos
tratá-los com mais respeito.” Não acreditavam em Espíritos vindo a tanto
por sessão e nisto tinham completa razão; donde se pode concluir que
a exibição de coisas extraordinárias e a exploração são os piores meios
de fazer prosélitos. Se o Espiritismo patrocinasse tais coisas, este
seria o seu lado fraco; seus adversários o compreendem tão bem, que
é sobre este que não perdem nenhuma ocasião de ferir, crendo atingir
a doutrina. O Sr. Gérôme, do Univers illustré, respondendo ao
Sr. Blanc de Lalésie (ver nossa
Revista de dezembro), que o censurava por falar do que não conhecia,
disse: “Praticamente estudei o Espiritismo com os irmãos Davenport,
e isto me custou 15 francos. É verdade que os irmãos Davenport hoje
trabalham a preços mais suaves: por 3 ou 5 francos pode-se ver suas
farsas; preços de Robin, ainda bem!” [v. Aparições
simuladas no teatro.]
O autor do artigo sobre a jovem cataléptica da Suábia, que não é espírita (vide o número de janeiro), tem o cuidado de ressaltar, como prova de confiança nesses fenômenos extraordinários, que os pais não pensam absolutamente em tirar partido das estranhas faculdades de sua filha.
A exploração da ideia espírita é, pois, um motivo de descrédito. Os espíritas condenam a especulação, e é por isto que se tem o cuidado de apresentar o ator Sothern como completamente desinteressado, na expectativa de torná-lo um argumento vitorioso. É sempre essa ideia que o Espiritismo só vive de fatos maravilhosos e de trapaças.
Que a crítica bata quanto queira nos abusos; que desmascare os truques e as astúcias dos charlatães. O Espiritismo, que não usa nenhum método secreto e cuja doutrina é toda moral, não poderá senão ganhar em se ver livre dos parasitas que dele fazem um degrau e dos que lhe desnaturam o caráter.
O Espiritismo teve como adversários homens de real valor, em saber e em inteligência, que contra ele empregaram, sem sucesso, todo um arsenal de argumentação. Vejamos se o ator Sothern terá mais êxito que os outros para o enterrar. Ele o estaria há muito tempo se tivesse repousado nos absurdos que lhe atribuem. Se, pois, depois de haver matado o charlatanismo e desacreditado as práticas ridículas, ele existe sempre, é que há nele algo de mais sério, que não foi possível atingir.
[1] Vide a Revista Espírita de junho de 1859: O músculo estalante. O Moniteur e outros jornais anunciaram, há algum tempo, que o Sr. Dr. Jobert (de Lamballe) † tinha sido acometido de alienação mental e atualmente se encontra numa casa de saúde. Esse triste acontecimento certamente não se deve à sua crença nos Espíritos.