O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VI — Julho de 1863.

(Idioma francês)

Aparições simuladas no teatro.

(Sumário)


1. — “Senhor,

“Os adversários do Espiritismo acabam de imaginar uma nova tática a fim de o combater. Consiste em fazer aparecer no palco espectros e fantasmas impalpáveis, os quais são apresentados como sendo os do Espiritismo. Tais aparições ocorrem todas as noites na Sala Robin, no Boulevard du Temple.  †  Ontem assisti à segunda representação, e não foi sem assombro que ouvi o Sr. Robin dizer aos seus espectadores que se propunha, com tais experiências, combater a estranha crença de certas pessoas, que imaginam que os Espíritos movimentam mãos e fazem as mesas girar.

“Por meu lado, senhor, jamais compreendi a analogia que possa existir entre essas imitações criadas pela física recreativa e as manifestações espíritas, que estão nas leis da Natureza. Assim, tais manobras pouco devem ser temidas pelos adeptos do Espiritismo. Entretanto, como não se deve deixar que a boa-fé do público seja surpreendida, julguei por bem comunicar tais fatos, a fim de que lhes consagreis um artigo especial na Revista, se achardes conveniente. E como tenho o hábito de agir às claras, e não na sombra, autorizo-vos a fazer desta carta o uso que vos aprouver.

“Recebei, etc.”


Simond.

Estudante de Direito em Paris.


2. — Há algum tempo se fala de uma peça fantástica, montada no Teatro do Châtelet  †  e onde, por um processo novo e secreto, fazem aparecer em cena sombras-fantasmas impalpáveis. Parece que o segredo foi descoberto, pois o Sr. Robin o explora neste momento. Como não o vimos, nada podemos dizer sobre o mérito da imitação; desejamos que seja menos grosseira que a imaginada pelo Sr. e pela Sra. Girrood, americanos do Canadá, (alguns traduzem: Girod de Saint-Flour),  †  para simular a transmissão do pensamento através das paredes, e que deveria matar irremediavelmente os médiuns e os sonâmbulos. Desejamos, sobretudo, que sua invenção não lhe traga as mesmas consequências trazidas a estes últimos. Seja como for, o Sr. Simond tem toda razão de pensar que tais manobras não devem ser temidas de modo algum, porquanto, pelo fato de se poder imitar uma coisa, não se segue que a coisa não exista; os falsos diamantes nada tiram do valor dos diamantes finos; as flores artificiais não impedem que haja flores naturais. Pretender provar que certos fenômenos não existem porque não podem ser imitados, seria exatamente como se aquele que fabrica champanhe com o pó de água de Seltz  †  por isso pretendesse provar que o champanhe e a preguiça n só existem na imaginação. Jamais a imaginação foi mais engenhosa, mais hábil e mais espirituosa que a da dupla vista por Robert Houdin; e, contudo, isto de modo algum desacreditou o sonambulismo; ao contrário, porque, depois de terem visto a pintura, quiseram ver o original.

O casal Girroodd tinha a pretensão de matar os médiuns fazendo passar todos os fenômenos espíritas por escamoteações. Ora, como esses fenômenos são o pesadelo de certas pessoas, tinham colhido as adesões, exibidas em seus prospectos, de vários padres e bispos espiritófobos, satisfeitíssimos com a bordoada dada no Espiritismo. Mas, em sua alegria, tais senhores não haviam refletido que os fenômenos espíritas vêm demonstrar a possibilidade dos fatos miraculosos; que se fosse possível provar que esses fenômenos não passam de golpes de esperteza, seria provar que o mesmo pode dar-se com os milagres; que, por conseguinte, desacreditar uns, seria desacreditar os outros. Jamais se pensa em tudo. Estando um pouco gastos os golpes do Sr. Girroodd, estes senhores farão agora causa comum com o Sr. Robin para as suas aparições?


3. — O Indépendance belge, que não gosta do Espiritismo, não sabemos exatamente a razão, uma vez que este nunca lhe fez mal, falando desse novo truque cênico, em um número de junho, exclamava: “Eis naufragada a religião do Sr. Allan Kardec. Como o Espiritismo vai sair-se desta?” Notai que esta última pergunta tem sido feita muitas vezes por todos quantos pretenderam dar-lhe uma bordoada, sem excetuar o abade Marouzeau, e nem por isso o Espiritismo se deu mal. [Vide os artigos: O Espiritismo é provado por milagres? e: Sermões contra o Espiritismo.] Diremos ao Indépendence que é dar prova de completa ignorância supor repouse o Espiritismo em aparições, e que suprimi-las é o mesmo que suprimir a alma. Se o fato das aparições fosse dado oficialmente como uma invenção falsa, a religião sofreria mais que o Espiritismo, considerando-se que as três quartas partes dos mais importantes milagres não têm outro fundamento. A arte cênica é a arte da imitação por excelência, desde o frango de papelão até às mais sublimes virtudes, o que não significa que não se deva crer nos frangos verdadeiros, nem nas virtudes. Esse novo gênero de espetáculo, por.sua singularidade, vai aguçar a curiosidade pública e será repetido em todos os teatros, porque redundará em dinheiro; fará falar do Espiritismo talvez mais ainda que os sermões, precisamente por causa da analogia que os jornais se empenharão em estabelecer. É preciso que nos persuadamos de que tudo quanto tende a preocupar a opinião conduz forçosamente ao exame, ainda quando não fosse por curiosidade, e é de tal exame que saem os adeptos. Os sermões o apresentam sob um aspecto sério e terrível, como um monstro invadindo o mundo e ameaçando a Igreja em seus fundamentos. Os teatros vão dirigir-se à multidão dos curiosos, de sorte que os que não frequentam os sermões dele ouvirão falar no teatro, e os que não frequentam os teatros ouvirão falar do Espiritismo no sermão. Como se vê, há para toda gente. É realmente uma coisa admirável ver por que meios as forças ocultas que dirigem esse movimento chegam a fazê-lo penetrar em toda parte, servindo-se justamente daqueles que o querem derrubar. É bem certo que, sem os sermões de um lado, e as facécias dos jornais do outro, a população espírita seria hoje dez vezes menos numerosa do que é.


4. — Assim, dizemos que essas imitações, mesmo supondo-as tão perfeitas quanto possível, não podem causar nenhum prejuízo; dizemos, até, que são úteis. Com efeito, eis o Sr. Robin que, por meio de um processo qualquer, produz coisas surpreendentes perante os espectadores, que ele afirma serem as mesmas do Espiritismo, produzidas pelos médiuns. Ora, entre os assistentes, mais de um se perguntará: “Uma vez que com o Espiritismo podemos fazer a mesma coisa, estudemos o Espiritismo, aprendamos a ser médium e poderemos ver em casa tanto quanto quisermos e sem pagar, aquilo que se vê aqui.” Neste número muitos reconhecerão o lado sério da questão e é assim que, mesmo sem o querer, servem aos que querem prejudicar.

O que receiam as pessoas sérias é que esses malabarismos enganem certas pessoas quanto ao verdadeiro caráter do Espiritismo. Sem dúvida, aí está o lado mau; mas esse inconveniente não tem importância, porque o número dos que se deixam enganar é mínimo. Aqueles mesmos que disserem: “É apenas isto!”, mais cedo ou mais tarde terão oportunidade de reconhecer que é outra coisa. Enquanto isto a ideia se espalha, as pessoas se familiarizam com a palavra que, sob manto burlesco, penetra em toda parte; pronunciam-no sem reserva e quando a palavra está por toda parte, a coisa está bem perto de aí estar.

Quer seja isto uma manobra dos adversários do Espiritismo, ou simplesmente uma combinação pessoal para reforçar a receita, é preciso convir que lhe falta habilidade. Haveria mais esperteza da parte dos Srs. Robin e consortes em negar qualquer paridade com o Espiritismo ou o magnetismo, porquanto, proclamando tal paridade, é reconhecer uma concorrência – e falamos de seu ponto de vista comercial – é dar vontade de ver essa concorrência e confessar que se pode passar sem os dois.


5. — Já que estamos no capítulo das imbecilidades, eis uma, como já houve tantas outras. Lamentamos apresentá-la ao lado da dos Srs. Robin e Girroodd, mas é a analogia do resultado que a isto nos força. Aliás, considerando-se que os dignitários da Igreja não se julgaram abaixo deles ao patrocinar um prestidigitador contra o Espiritismo, não poderão escandalizar-se encontrando um sermão neste capítulo.

Um de nossos correspondentes escreve-nos de Bordeaux:

“Caro mestre, acabo de receber uma carta de minha irmã, que reside na pequena cidade de B… Ela se desesperava por não encontrar ninguém com quem pudesse conversar sobre o Espiritismo, quando os adversários de nossa amada doutrina vieram tirá-la do embaraço. Algumas pessoas, tendo dela ouvido falar vagamente, resolveram dirigir-se aos carmelitas para saber o que era. Estes, não contentes de os desviar, pregaram quatro sermões sobre o assunto, cujas principais conclusões são as seguintes: “Os médiuns são possessos do demônio; não agem senão visando o interesse e só se servem de seu poder para o encontro de tesouros ocultos ou de objetos preciosos que estão perdidos; mas, ao contato de uma santa relíquia, vê-los-eis enrijecer-se e contorcer-se em terríveis convulsões.

“Os tempos preditos pelos evangelhos são chegados. Os médiuns nada mais são que os falsos profetas anunciados pelo Cristo; em breve terão por chefe o Anticristo. Farão milagres e prodígios admiráveis; por tal meio ganharão para a sua causa três quartos da população do globo, o que será o sinal do fim dos tempos, quando Jesus descerá sobre uma nuvem celeste e, de um sopro, os precipitará nas chamas eternas.

“A consequência desse estado de coisas é que toda a cidade ficou tumultuada; por toda parte se fala do Espiritismo; não se contentam com a explicação do padre, querem saber mais e minha irmã, que não via ninguém, em certos dias recebe mais de trinta visitas; ela as envia sempre a O Livro dos Espíritos, que em breve estará em todas as mãos, e muitos dos que já o têm dizem que isto não se parece absolutamente com o quadro que dele fez o pregador, e que é exatamente tudo ao contrário. Assim, agora contamos com vários adeptos sérios, graças a esses sermões, sem os quais o Espiritismo não teria penetrado há tanto tempo nestas regiões afastadas.”


6. — Não tínhamos razão de dizer que é ainda uma falta de habilidade, e não teríamos razão de bem-querer a adversários que trabalham tão bem por nós? Mas esta não é a última; esperamos a maior de todas, que coroará a obra. Há um ano cometeram uma muito grave, que evitamos revelar, porque deve ir até o fim, mas cujas consequências veremos um dia. Há cerca de dois anos perguntávamos a um de nossos guias espirituais por que meio o Espiritismo poderia penetrar no campo. Foi-nos respondido: “Pelos vigários. – P. Voluntária ou involuntariamente da parte deles? Resposta. – A princípio involuntariamente; mais tarde, voluntariamente. Em breve farão uma propaganda cujo alcance não podeis antever. Não vos inquieteis com o que quer que seja: os Espíritos velam e sabem o que é necessário.”

Como se vê, a primeira parte da predição realiza-se o melhor possível. De mais a mais, todas as fases por que passou o Espiritismo nos têm sido anunciadas e todas as que ele deve ainda percorrer até a sua implantação definitiva no-lo são igualmente, e todos os dias se verifica o acontecimento.

É em vão que procuram desaconselhar Espiritismo, apresentando-o sob cores horrorosas. Como se vê, o efeito é completamente diverso do que esperam. Para dez pessoas desviadas, há cem que aderem. Isto prova que ele tem, por si mesmo, uma irresistível atração, sem falar da do fruto proibido. Isto nos traz à memória a seguinte anedota:

Certo dia um proprietário mandou trazer à sua casa um barril de excelente vinho; mas, como temia a infidelidade dos criados, afixou uma etiqueta em letras grandes: Vinagre horroroso. Ora, como o barril deixasse escapar algumas gotas, um dos empregados teve a curiosidade de o provar com a ponta do dedo e achou que o vinagre era bom. Pouco a pouco a novidade se espalhou; e, porque cada um viesse experimentar, ao cabo de algum tempo o barril estava vazio. Como o proprietário dava à sua gente vinho de má qualidade para beber, eles diziam entre si: “Isto não vale o vinagre horroroso.”

Por mais que digam que o Espiritismo é vinagre, não farão que aqueles que o experimentem não o achem suave. Ora, os que o provarem dirão aos outros, e todos quererão prová-lo.



[1] N. do T.: Grifo nosso. no original. Mamíferos assim designados pela notável lentidão de seus movimentos.


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