O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VIII — Junho de 1865.

(Idioma francês)

Os Espíritos na Espanha.

Cura de uma obsedada em Barcelona.  † 
(Sumário)

1. — Sob o primeiro título publicamos, em setembro de 1864, um artigo no qual estava provado, por fatos autênticos, que, para os Espíritos, não havia Pirineus,  †  e que eles até se riam dos autos-de-fé. A carta do Sr. Delanne, publicada em nosso último número, é uma nova prova. Aí se menciona sumariamente a cura de uma obsessão, devida ao zelo e à perseverança de alguns espíritas sinceros e devotados de Barcelona. Enviaram-nos o relato detalhado dessa cura, que julgamos por bem publicar, assim como a carta que a acompanhava:


Senhor e caro mestre,

Tivemos o privilégio de ter conosco o nosso caro irmão em crença Sr. Delanne, e lhe demos informações de nossos fracos trabalhos, bem como de nossos esforços para proporcionar alívio a alguns pobres pacientes, que Deus se dignou pôr em nossas mãos. Entre estes havia uma mulher que, durante 15 anos, foi vítima de uma obsessão das mais cruéis, e que Deus nos permitiu curar. Certamente não era nossa intenção mencioná-la, porque trabalhamos em silêncio, sem nos quereremos atribuir qualquer mérito. Mas, como o Sr. Delanne nos disse que o relato dessa cura talvez servisse de estímulo a outros crentes que, como nós, se devotariam a essa obra de caridade, não vacilamos em vo-lo enviar. Bendizemos a mão do Senhor, que nos permite saborear o fruto de nossos trabalhos e já nos dá aqui a sua recompensa.

Durante a Semana Santa foram pregados vários sermões contra o Espiritismo, dos quais um se destacava pelos absurdos. O pregador indagava aos fiéis se eles ficariam satisfeitos em saber que as almas de seus parentes renasciam em corpos de boi, de jumento, de porco ou outro animal qualquer. Eis, diz ele, o Espiritismo, meus caros irmãos; ele é perfeito para o espírito leviano dos franceses, mas não para vós, espanhóis, sérios demais para o admitir e nele acreditar.

Aceitai,

J. M. F.


Casada em 1850, Rose N… foi acometida, poucos dias após o casamento, de ataques espasmódicos, que se repetiam com muita frequência e com violência, até engravidar. Durante a gravidez nada experimentou, mas, depois do parto, os mesmos acidentes se renovavam; muitas vezes as crises duravam três ou quatro horas, durante as quais ela fazia toda sorte de extravagâncias e eram precisas três ou quatro pessoas para dominá-la. Entre os médicos chamados, uns diziam que era uma doença nervosa; outros, que era loucura. O mesmo sintoma se repetia em cada gravidez, isto é, os acidentes cessavam durante a gestação e recomeçavam após o parto.

Isto já durava vários anos. O pobre casal estava cansado de consultar a uns e outros e a fazer uso de remédios que não davam o menor resultado. Essa gente simples estava no limite da paciência e dos recursos, pois, algumas vezes, a mulher ficava meses inteiros sem poder dedicar-se aos trabalhos domésticos. Por vezes sentia ligeira melhora, que fazia supor uma cura, mas, após algumas semanas de trégua, o mal reaparecia com terrível recrudescência.

Como algumas pessoas os persuadissem de que um mal tão rebelde deveria ser obra do demônio, eles recorreram aos exorcismos e a paciente se dirigiu a um santuário distante vinte léguas, de onde voltou aparentemente tranquila; mas; ao cabo de alguns dias o mal voltou com nova intensidade. Ela partiu para outro retiro, onde permaneceu quatro meses, durante os quais ficou tão tranquila que a julgaram curada. Voltou, então, à sua família, alegre por se ver, enfim, livre da cruel doença; contudo, após algumas semanas, suas esperanças novamente foram por água a baixo, já que os acessos voltaram com mais força que nunca. Marido e mulher estavam desesperados.


2. — Foi em julho último, 1864, que um de nossos amigos e irmão em crença nos deu conhecimento do fato, propondo que tentássemos aliviar, se não curar, essa pobre perseguida, pois a julgava tomada de uma obsessão das mais cruéis. Na ocasião a doente estava sendo submetida a tratamento magnético, que lhe havia proporcionado um certo alívio; mas o magnetizador, embora espírita, não tinha meios de evocar o Espírito obsessor, por falta de médiuns e, apesar de sua vontade, não podia produzir o efeito desejado. Aceitamos com interesse essa oportunidade de fazer uma boa obra. Reunimos vários adeptos sinceros e mandamos trazer a doente.

Bastaram alguns minutos para reconhecermos a causa da moléstia de Rose. Era, com efeito, uma obsessão das mais terríveis. Tivemos muito trabalho para fazer o obsessor vir ao nosso chamado. Ele foi muito violento, respondeu algumas palavras incoerentes e logo se atirou enfurecido sobre sua vítima, provocando-lhe violenta crise, logo acalmada pelo magnetizador.

Na segunda sessão, ocorrida poucos dias depois, pudemos reter por mais tempo o Espírito obsessor, que, no entanto, se mostrou sempre rebelde e muito cruel para com sua vítima. A terceira evocação foi mais feliz; o obsessor conversou familiarmente conosco; fizemo-lo compreender todo o mal que fazia, perseguindo essa infeliz mulher, mas ele não queria confessar seus erros e dizia que a fazia pagar uma velha dívida. Na quarta evocação orou conosco e se queixou por ter sido trazido a nós contra sua vontade; queria vir, mas de moto próprio. Foi o que fez na sessão seguinte. Pouco a pouco, a cada nova evocação, exercíamos maior domínio sobre ele e acabamos por fazê-lo renunciar ao mal que, desde a quarta sessão, vinha diminuindo; na nona, tivemos a satisfação de ver as crises cessarem. De cada vez uma magnetização de 12 a 15 minutos acalmava totalmente Rose e a deixava num estado de perfeita tranquilidade.

Desde o mês de agosto — há nove meses, portanto — a doente não teve mais crises, e suas ocupações não foram interrompidas. Apenas uma vez ou outra ela sofria ligeiros abalos, em consequência de alguma contrariedade que não podia dominar; mas eram como relâmpagos sem tempestade, praticamente para lhe demonstrar que não devia esquecer os bons hábitos que tinha contraído para com Deus e os seus semelhantes. É preciso dizer também que ela contribuiu poderosamente para a cura, por sua fé, seu fervor e sua confiança no Criador, e pela moderação de um caráter naturalmente irritável. Tudo isto contribuiu para que o obsessor se enchesse de coragem, pois não a tinha bastante para tomar resolutamente o bom caminho; temia as provações que teria, de sofrer para merecer o perdão. Mas, graças a Deus, e com o poderoso auxílio de nossos bons guias, já está no bom caminho e faz tudo o que pode para ser perdoado. Hoje, é ele que dá bons conselhos àquela a quem perseguiu por tanto tempo e que é agora robusta e alegre, como se nada tivera. Contudo, de oito em oito dias ela vem submeter-se a uma magnetização e, de vez em quando, evocamos seu antigo perseguidor, para o fortalecer em suas boas resoluções. Eis a sua última comunicação, dada em 19 de abril de 1865:


3. — Eis-me aqui. Venho agradecer vossa boa perseverança para comigo. Sem vós, sem esses Espíritos bons e benevolentes, aqui presentes, eu jamais teria conhecido a felicidade que agora sinto; ainda me arrastaria no mal, na miséria. Oh! sim, miséria, porque não se pode ser mais infeliz do que eu era; sempre a fazer o mal e sempre desejoso de o fazer! Quantas vezes, ah! vos disse que não sofria! Só agora vejo quanto sofria. Neste mesmo instante ainda sinto esses sofrimentos, mas não como antes; hoje é o arrependimento e não a incessante vontade de fazer o mal. Oh, não! que o Deus de bondade dele me preserve e que eu seja fortalecido para não mais recair na pena. Oh! não mais essas torturas; não mais esses males causticantes que não deixam à alma nenhum momento de repouso. Isto é bem o inferno, que está com aquele que faz o mal, como eu fazia.

Fiz o mal por ressentimento, por vingança, por ambição! O que lucrei com isto? Ai! repelido pelos bons Espíritos, não os podia compreender quando se aproximavam de mim e eu escutava suas vozes, porque não me era permitido vê-los. Não! hoje Deus permitiu; é por isto que sinto um bem-estar que jamais experimentei; porque, a despeito de sofrer bastante, entrevejo o futuro e suporto meus sofrimentos com paciência e resignação, pedindo perdão a Deus e assistência aos bons Espíritos para aquela a quem persegui por tanto tempo. Que ela me perdoe; dia virá, e talvez não custe, em que lhe poderei ser útil.

Termino agradecendo e vos pedindo que continueis a me favorecer com as vossas preces e com a amizade que me testemunhastes, e me perdoando pelo trabalho que vos dei. Oh! obrigado, obrigado! Não podeis saber quanto o meu Espírito é grato pelo bem que me fizestes. Rogai a Deus que me perdoe e aos bons Espíritos para que estejam comigo, a fim de me ajudarem e me fortalecerem. Adeus.


Pedro.


4. — Depois desta comunicação recebemos o seguinte de nossos guias espirituais:

A cura chega ao fim. Agradecei a Deus que se dignou acolher vossas preces e se servir de vós para que um inimigo obstinado se tivesse tornado hoje um amigo; porque, tende certeza, um dia esse Espírito fará tudo o que for possível por essa pobre família, que por tanto tempo atormentou. Mas vós, caros filhos, não abandoneis o perseguidor, nem a perseguida; ambos ainda precisam de vossa assistência; um para o sustentar no bom caminho que tomou; evocando-o algumas vezes, aumentareis a sua coragem; a outra, para dissipar totalmente o fluido malsão que a envolveu tanto tempo; de vez em quando fazei-lhe uma abundante magnetização, sem o que ela ainda se acharia exposta à influência de outros Espíritos malévolos, pois sabeis que estes não faltam e vós o lamentaríeis. Coragem, pois; acabai, completai vossa obra e preparai-vos para as que ainda vos estão reservadas. Sede firmes; vossa tarefa é espinhosa, é verdade, mas, também, se não vos dobrardes, como será grande a vossa recompensa!


Vossos Guias.


5. — Não basta relatar fatos mais ou menos interessantes; o essencial é deles tirar uma instrução, sem o que não têm proveito. É pelos fatos que o Espiritismo se constituiu em ciência e em doutrina; mas, se não nos tivéssemos limitado senão a constatá-los e a registrá-los, não estaríamos mais adiantados que no primeiro dia. No Espiritismo, como em toda ciência, sempre há algo a aprender. Ora, é pelo estudo, pela observação e pela dedução dos fatos que se aprende. É por isso que, quando é o caso, fazemos seguir os que citamos das reflexões que nos sugerem, quer venham confirmar um princípio conhecido, quer sirvam de elemento a um princípio novo. Em nossa opinião, é o meio de cativar a atenção das pessoas sérias.

Uma primeira observação a fazer sobre a carta relatada acima é que, a exemplo dos que compreendem a doutrina em sua pureza, seus adeptos fazem abnegação de todo amor-próprio; não se exibem e nem procuram brilhar; fazem o bem sem ostentação e sem se vangloriarem das curas que obtêm, porque sabem que não as devem ao seu talento, nem ao seu mérito pessoal, e que Deus lhes pode retirar esse favor quando lhe aprouver; não buscam clientela nem reputação; encontram sua recompensa na satisfação de ter aliviado um aflito e não no vão sufrágio dos homens. É o meio de granjear o apoio dos bons Espíritos, que deixam o orgulho aos Espíritos orgulhosos.

Os casos de cura como este, como os de Marmande e outros não menos meritórios, sem dúvida são um encorajamento; são, também, excelentes lições práticas, que mostram a que resultados se pode chegar pela fé, pela perseverança e por uma sábia e inteligente direção; mas o que não deixa de ser um bom ensinamento é o exemplo da modéstia, da humildade e do completo desinteresse moral e material. Nos centros animados de tais sentimentos é que se obtêm esses resultados maravilhosos, porque aí se é verdadeiramente forte contra os maus Espíritos. Não é menos notável que desde que o orgulho aí penetre, que o bem não se faça exclusivamente pelo bem e que aí se busque a satisfação do amor-próprio, a força declina.

Notemos, igualmente, que é nos centros verdadeiramente sérios que se £azem os mais sinceros adeptos, porque os assistentes são tocados pela boa impressão que recebem, ao passo que nos centros levianos e frívolos só se é atraído pela curiosidade, que nem sempre é satisfeita. É compreender o verdadeiro objetivo da doutrina empregá-la a fazer o bem aos desencarnados, como aos encarnados; convenhamos que é pouco recreativo para certa gente, mas é mais meritório para os que a isso se devotam. Assim, estamos satisfeitos por ver se multiplicarem os centros que sé entregam a esses trabalhos úteis; as criaturas aí se instruem prestando serviço, e os assuntos de estudo aí não faltam. São os mais sólidos sustentáculos da doutrina.

Não é um fato muito característico ver, nas duas extremidades da Europa, no norte da Rússia é no sul da Espanha, reuniões espíritas animadas pelo mesmo pensamento de fazer o bem, agindo sob ó impulso dos mesmos sentimentos de caridade para com os seus irmãos? Não é o indício da irresistível força moral da doutrina, que vence todos os obstáculos é não conhece barreiras?


6. — Na verdade, é preciso ser muito desprovido de boas razões para combatê-la, quando se está reduzido aos tristes expedientes utilizados pelo pregador de Barcelona, acima citado; seria perder tempo refutá-los; só há que lamentar os que se deixam ir a semelhantes aberrações, que provam à mais cega ignorância, ou a mais insigne má-fé. Disso, porém, não resulta uma instrução menos importante. Suponhamos que á mulher Rose tivesse acreditado nas asserções do pregador e que tivesse repelido o Espiritismo; o que teria acontecido? Não se teria curado; teria caído na miséria, por não poder trabalhar; ela e o marido talvez tivessem amaldiçoado a Deus, ao passo que agora o bendizem; e o Espírito mau não se teria convertido ao bem. Do ponto de vista teológico, são três almas redimidas pelo Espiritismo, e que o pregador teria deixado que se perdessem.


7. — Vendo os primeiros sintomas; compreende-se que a Ciência tenha podido enganar-se, porque tinham todos os caracteres de um caso patológico. Todavia, não era nada disso. Só ó Espiritismo podia descobrir a sua verdadeira causa e a prova é que a Ciência, com seus remédios, foi impotente durante longos anos, ao passo que em alguns dias; ele triunfou sem medicamentos, unicamente pela moralização do ser perverso; que era o seu autor. O fato aí está, e milhares de fatos semelhantes. Que dizem os incrédulos? É o acaso, a força da Natureza; a doente devia curar-se. E certos padres? dizemos certos padres intencionalmente, porque nem todos pensam da mesma forma. Essa mulher foi curada pelo demônio, e teria sido melhor para a salvação de sua alma que tivesse ficado doente. A mulher Rose não é desta opinião; como por isto agradece a Deus e não ao demônio, ora e faz boas obras, absolutamente não julga comprometida a sua salvação; em segundo lugar, ela prefere ter sido curada e trabalhar para alimentar os filhos a vê-los morrer de fome. Em nossa opinião, Deus é fonte de todo bem.


8. — Mas se o diabo é o verdadeiro ator em todos os casos de obsessão, donde vem a impotência dos exorcismos? É um fato positivo que, não só em semelhantes casos o exorcismo sempre falhou, mas que as cerimônias desse gênero sempre se fizeram seguir de recrudescência no mal; Morzine ofereceu memoráveis exemplos. O diabo é, pois, mais poderoso que Deus, já que resiste aos seus ministros, aos que lhe opõem coisas santas? E, contudo, quem os espíritas invocam? a quem solicitam apoio? A Deus. Por que triunfam com a mesma assistência, quando os outros falham? Eis a razão:

Em primeiro lugar, o retorno do obsessor ao bem e, por conseguinte, a cura do doente – e isto é um fato material – provam que não é um demônio, mas um Espírito mau, susceptível de melhorar-se. Em segundo lugar, no exorcismo só lhe contrapõem palavras e sinais materiais, na virtude dos quais acreditam, mas que o Espírito não leva em nenhuma conta: irritam-no, ameaçam-no, amaldiçoam-no e o condenam às chamas eternas; querem domá-lo pela força, mas, como é inatingível, ele ri e vos escapa, querendo provar que é mais forte que vós. Pelo Espiritismo falam-lhe com doçura, procuram fazer que nele vibre a corda do sentimento e lhe mostram a misericórdia de Deus; fazem-lhe entrever a esperança e o conduzem suavemente ao bem. Eis todo o segredo.


9. — O fato acima apresenta um caso particular, o da suspensão das crises durante a gravidez. De onde vem isto? Que a ciência o explique, se puder. Eis a razão dada pelo Espiritismo: A doença não era loucura, nem uma afecção nervosa; a cura é a prova disto: era bem uma obsessão. O Espírito obsessor exercia uma vingança; Deus o permitia para servir de provação e de expiação à mãe e, além disso, porque, mais tarde, a cura desta devia levar à melhora do Espírito. Mas as crises, durante a gestação, podiam prejudicar a criança; Deus queria mesmo que a mãe fosse punida pelo mal que fizera, mas não queria que o ser inocente que trazia no ventre sofresse por isto. É por tal motivo que, durante esse tempo, foi retirada toda liberdade de ação aos seus perseguidores.

Como o Espiritismo explica coisas para quem quiser estudar e observar! Quantos horizontes abrirá à ciência, quando esta levar em conta o elemento espiritual! Como estão longe de compreendê-lo os que só o veem nas manifestações curiosas!


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