1. — As observações que fizemos sobre a epidemia que se abateu e ainda investe sobre a comuna de Morzine, † na Alta Saboia, † não nos deixam dúvidas quanto à sua causa. Mas, para apoiar nossa opinião, devemos entrar em algumas explicações preliminares, que melhor ressaltarão a analogia desse mal com casos semelhantes, cuja origem não poderia ensejar dúvida a quem esteja familiarizado com os fenômenos espíritas e reconheça a ação do mundo invisível sobre a Humanidade. Para tanto se faz necessário remontar à própria fonte do fenômeno e seguir-lhe a gradação, desde os casos mais simples, explicando, ao mesmo tempo, a maneira pela qual se processa. Daí deduziremos muito melhor os meios de combater o mal. Embora já tenhamos tratado do assunto em O Livro dos Médiuns, no capítulo da obsessão, e em vários artigos desta Revista, acrescentaremos algumas considerações novas, que tornarão a coisa mais fácil de compreender.
2. — O primeiro ponto que importa nos compenetremos, é da natureza dos Espíritos, do ponto de vista moral. Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, e não sendo bons todos os homens, não é racional admitir-se que o Espírito de um homem perverso se transforme subitamente; caso contrário não haveria necessidade de castigo na vida futura. A experiência vem confirmar a teoria ou, melhor dizendo, esta teoria é fruto da experiência. De fato, as relações com o mundo invisível nos mostram, ao lado de Espíritos sublimes em sabedoria e conhecimento, outros ignóbeis, ainda com todos os vícios e paixões da Humanidade. Depois da morte, a alma de um homem de bem será um bom Espírito. Do mesmo modo, encarnando-se, um bom Espírito será um homem de bem. Pela mesma razão, ao morrer, um homem perverso dará um Espírito perverso ao mundo invisível; e um mau Espírito, ao se encarnar, não pode transformar-se num homem virtuoso, pelo menos, enquanto o Espírito não se houver depurado ou experimentado o desejo de melhorar-se. Porque, uma vez entrado na via do progresso, pouco a pouco se despoja de seus maus instintos; eleva-se gradualmente na hierarquia dos Espíritos, até atingir a perfeição, acessível a todos, porquanto não pode Deus ter criado seres eternamente votados ao mal e à infelicidade. Assim, os mundos visível e invisível se interpenetram e se alternam incessantemente, se assim nos podemos exprimir, e se alimentam mutuamente; ou, melhor dizendo, na realidade esses dois mundos não constituem senão um só, em dois estados diferentes. Esta consideração é muito importante para melhor compreender-se a solidariedade que existe entre eles.
Sendo a Terra um mundo inferior, isto é, pouco adiantado, resulta que a maioria dos Espíritos que o povoam, quer no estado errante, quer como encarnados, deve compor-se de Espíritos imperfeitos, que fazem mais mal que bem. Daí a predominância do mal na Terra. Ora, sendo a Terra, ao mesmo tempo, um mundo de expiação, é o contato do mal que torna infelizes os homens, pois se todos os homens fossem bons, todos seriam felizes. É um estado a que ainda não alcançou nosso globo, e é para tal estado que Deus quer conduzi-lo. Todas as tribulações que os homens de bem aqui experimentam, tanto da parte dos homens, quanto da dos Espíritos, são consequências deste estado de inferioridade. Poder-se-ia dizer que a Terra é a Botany-Bay (Baía Botânica) dos mundos: aí se encontram a selvageria primitiva e a civilização, a criminalidade e a expiação.
É preciso, pois, apresentar-se o mundo invisível como formando uma população inumerável, compacta, por assim dizer, que envolve a Terra e se agita no espaço. É uma espécie de atmosfera moral, da qual os Espíritos encarnados ocupam a parte inferior, onde se agitam como num vaso. Ora, do mesmo modo que o ar das partes baixas é pesado e insalubre, esse ar moral é também prejudicial, porque corrompido pelos miasmas dos Espíritos impuros. Para resistir a isso são necessários temperamentos morais dotados de grande vigor.
Digamos, entre parênteses, que tal estado de coisas é inerente aos mundos inferiores. Mas estes seguem a lei do progresso e, quando atingirem a idade requerida, Deus os purifica, deles expulsando os Espíritos imperfeitos, que aí não mais se reencarnam e são substituídos por outros mais adiantados, que farão reinar a felicidade, a justiça e a paz. No momento se prepara uma revolução desse gênero.
3. — Examinemos, agora, o modo recíproco de ação dos Espíritos encarnados e desencarnados.
Sabemos que os Espíritos são revestidos de um envoltório vaporoso, formando para eles um verdadeiro corpo fluídico, ao qual damos o nome de perispírito, e cujos elementos são colhidos do fluido universal ou cósmico, princípio de todas as coisas. Quando o Espírito se une a um corpo, aí vive com seu perispírito, que serve de ligação entre o Espírito propriamente dito e a matéria corporal; é o intermediário das sensações percebidas pelo Espírito. Mas o perispírito não está confinado no corpo, como numa caixa; por sua natureza fluídica, ele irradia para o exterior e forma em torno do corpo uma espécie de atmosfera, como o vapor que dele se desprende. Mas o vapor liberado de um corpo enfermiço é igualmente insalubre, acre e nauseabundo, o que infecta o ar dos lugares onde se reúnem muitas pessoas doentes. Assim como esse vapor é impregnado das qualidades do corpo, o perispírito é impregnado de qualidades, isto é, do pensamento do Espírito, e irradia tais qualidades em torno do corpo.
4. — Aqui um outro parêntese para responder imediatamente a uma objeção oposta por alguns à teoria dada pelo Espiritismo do estado da alma. Acusam-no de materializar a alma, ao passo que, conforme a religião, a alma é puramente imaterial. Como a maior parte das outras, esta objeção provém de um estudo incompleto e superficial. O Espiritismo jamais definiu a natureza da alma, que escapa às nossas investigações; não diz que o perispírito constitui a alma: a palavra perispírito diz positivamente o contrário, pois especifica um envoltório em torno do Espírito. Que diz a respeito O Livro dos Espíritos? “Há no homem três coisas: a alma, ou Espírito, princípio inteligente; o corpo, envoltório material; o perispírito, envoltório fluídico semimaterial, servindo de laço entre o Espírito e o corpo.” n Do fato de a alma conservar, com a morte do corpo, o seu envoltório fluídico, não significa que tal envoltório e a alma sejam uma só e mesma coisa, do mesmo modo que o corpo não se confunde com a roupa nem a alma com o corpo. A Doutrina Espírita nada tira à imaterialidade da alma, apenas lhe dá dois invólucros, em vez de um, na vida corpórea, e só um depois da morte do corpo, o que é, não uma hipótese, mas o resultado da observação; é com o auxílio desse envoltório que melhor se compreende a sua individualidade e melhor se explica a sua ação sobre a matéria.
5. — Voltemos ao nosso assunto.
Por sua natureza fluídica, essencialmente móvel e elástica, se assim nos podemos exprimir, como agente direto do Espírito, o perispírito é posto em ação e projeta raios pela vontade do Espírito. Por esses raios ele serve à transmissão do pensamento, porque, de certa forma, está animado pelo pensamento do Espírito. Sendo o perispírito o laço que une o Espírito ao corpo, é por seu intermédio que o Espírito transmite aos órgãos, não a vida vegetativa, mas os movimentos que exprimem a sua vontade; é, também, por seu intermédio que as sensações do corpo são transmitidas ao Espírito. Destruído o corpo sólido pela morte, o Espírito não age mais e não percebe senão pelo seu corpo fluídico, ou perispírito, razão por que age mais facilmente e percebe melhor, já que o corpo é um entrave. Tudo isto é ainda resultado da observação.
Suponhamos agora duas pessoas próximas, cada qual envolvida — que nos permitam o neologismo — por sua atmosfera perispiritual. Esses dois fluidos põem-se em contato e se interpenetram; se forem de natureza antipática, repelem-se e os dois indivíduos sentirão uma espécie de mal-estar ao se aproximarem um do outro, sem disso se darem conta; se, ao contrário, forem movidos por sentimentos de benevolência, terão um pensamento benevolente, que atrai. Tal a causa pela qual duas pessoas se compreendem e se adivinham sem se falarem. Um certo não sei quê por vezes nos diz que a pessoa com a qual nos defrontamos deve ser animada por tal ou qual sentimento. Ora, esse não sei quê é a expansão do fluido perispiritual da pessoa em contato com o nosso, espécie de fio elétrico condutor do pensamento. Desde logo se compreende que os Espíritos, cujo envoltório fluídico é muito mais livre do que no estado de encarnação, já não necessitam de sons articulados para se entenderem.
6. — O fluido perispiritual do encarnado é, pois, acionado pelo Espírito. Se, por sua vontade, o Espírito, por assim dizer, dardeja raios sobre outro indivíduo, os raios o penetram. Daí a ação magnética mais ou menos poderosa, conforme a vontade; mais ou menos benfazeja, conforme sejam os raios de natureza melhor ou pior, mais ou menos vivificante. Porque podem, por sua ação, penetrar os órgãos e, em certos casos, restabelecer o estado normal. Sabe-se da importância das qualidades morais do magnetizador.
Aquilo que pode fazer o Espírito encarnado, dardejando seu próprio fluido sobre uma pessoa, um Espírito desencarnado também o pode, visto ter o mesmo fluido, ou seja, pode magnetizar. Conforme seja bom ou mau o fluido, sua ação será benéfica ou prejudicial.
7. — Assim, facilmente nos damos conta da natureza das impressões que recebemos, de acordo com o meio onde nos encontramos. Se uma assembleia for composta de pessoas animadas de maus sentimentos, o ar ambiente será saturado com o fluido impregnado de seus sentimentos. Daí, para as almas boas, um mal-estar moral análogo ao mal-estar físico causado pelas emanações mefíticas: a alma fica asfixiada. Se, ao contrário, as pessoas tiverem intenções puras, encontramo-nos em sua atmosfera como se estivéssemos num ar vivificante e salubre. Naturalmente o efeito será o mesmo num ambiente repleto de Espíritos, conforme sejam bons ou maus.
8. — Isto bem compreendido, chegamos sem dificuldade à ação material dos Espíritos errantes sobre os encarnados e, daí, à explicação da mediunidade.
Quando um Espírito quer agir sobre uma pessoa, dela se aproxima e a envolve, por assim dizer, com o seu perispírito, como num manto; os fluidos se interpenetram, os dois pensamentos e as duas vontades se confundem e, então, o Espírito pode servir-se daquele corpo como se fora o seu próprio, fazê-lo agir à sua vontade, falar, escrever, desenhar, etc. Tais são os médiuns. Se o Espírito for bom, sua ação será suave, benéfica, e só fará boas coisas; caso seja mau, fará maldades; se for perverso e mau, ele o constrange como se o imobilizasse numa camisa-de-força, até paralisar a vontade e a própria razão, que abafa com seus fluidos, como se apaga o fogo sob um lençol d'água. Faz com que pense, fale e aja por ele, induzindo-o contra a vontade a praticar atos extravagantes ou ridículos; numa palavra, magnetiza-o e o faz entrar numa espécie de catalepsia moral, de modo que o indivíduo se torna um instrumento cego de sua vontade. Tal é a causa da obsessão, da fascinação e da subjugação, que se apresentam em diversos graus de intensidade. O paroxismo da subjugação é vulgarmente chamado possessão. É de notar-se que, neste estado, muitas vezes o indivíduo tem consciência do ridículo daquilo que faz, mas é constrangido a fazê-lo, como se um homem mais vigoroso que ele fizesse com que movesse, contra a vontade, os braços, as pernas, a língua. Eis um curioso exemplo.
9. — Numa pequena reunião em Bordeaux, † em meio a uma evocação, o médium, um jovem de caráter suave e de perfeita urbanidade, de repente começa a bater na mesa, levanta-se com olhar ameaçador, mostrando os punhos aos assistentes, proferindo as mais grosseiras injúrias e querendo atirar-lhes um tinteiro. A cena, tanto mais chocante quanto inesperada, durou cerca de dez minutos, depois do que o moço retomou sua calma habitual, desculpou-se do que se havia passado, dizendo saber perfeitamente que fizera e dissera coisas inconvenientes, mas que não pudera impedir. Tomando conhecimento do fato, pedimos explicação numa sessão da Sociedade de Paris, † sendo-nos respondido que o Espírito que o havia provocado era mais leviano do que mau e que simplesmente quisera divertir-se com o pavor dos assistentes. O fato não mais se repetiu e o médium continuou a receber excelentes comunicações, o que vem provar a veracidade da explicação. É bom dizer o que provavelmente tinha excitado a verve daquele Espírito farsista. Um antigo maestro do teatro de Bordeaux, o Sr. Beck, † tinha experimentado, durante vários anos antes de morrer, um fenômeno singular. Todas as noites, ao sair do teatro, parecia-lhe que um homem lhe saltava às costas, escarranchava-se nas suas espáduas e se mantinha agarrado até que chegasse à porta de sua casa. Aí o suposto indivíduo descia e o Sr. Beck se via livre. Nessa reunião quiseram evocar o Sr. Beck e pedir-lhe uma explicação. Foi então que o Espírito intrujão julgou por bem substituí-lo, fazendo o médium representar uma cena diabólica, certamente por nele ter encontrado as necessárias disposições fluídicas para o secundar.
O que não passou de acidental naquela circunstância, por vezes toma um caráter permanente, quando o Espírito é mau, porque para ele o indivíduo se torna uma verdadeira vítima, à qual ele pode dar a aparência de verdadeira loucura. Dizemos aparência, porquanto a loucura propriamente dita sempre resulta de uma alteração dos órgãos cerebrais, ao passo que, neste caso, os órgãos estão de tal modo intactos quanto os do rapaz de quem acabamos de falar. Não há, pois, loucura real, mas aparente, contra a qual os recursos da terapêutica são impotentes, como o prova a experiência. Ainda mais: eles podem produzir o que não existe. As casas de alienados contam muitos doentes desse gênero, aos quais o contato com outros alienados só poderá ser muito prejudicial, porque este estado denota sempre uma certa fraqueza moral. Ao lado de todas as variedades de loucura patológica, convém, pois, acrescentar a loucura obsessiva, que requer meios especiais. Mas como poderá um médico materialista estabelecer essa diferença, ou mesmo admiti-la?
10. — Bravo! — irão exclamar os nossos adversários. Não se pode demonstrar melhor os perigos do Espiritismo e temos muita razão de proibi-lo.
Um instante! O que dissemos prova precisamente a sua utilidade.
Credes que os maus Espíritos, que pululam no meio da Humanidade, esperaram ser chamados para exercerem sua influência perniciosa? Desde que os Espíritos existiram em todos os tempos, em todos os tempos representaram o mesmo papel, porque esse papel está na Natureza; e a prova disso está no grande número de pessoas obsidiadas, ou possessas, se quiserdes, antes que se pensasse nos Espíritos ou, atualmente, sem que jamais se tivesse ouvido falar de Espiritismo e de médiuns. A ação dos Espíritos, bons ou maus, é, pois, espontânea; a dos maus produz uma porção de perturbações na economia [organização] moral e mesmo física que, por ignorância da verdadeira causa, são atribuídas a causas erradas. Os maus Espíritos são inimigos invisíveis tanto mais perigosos quanto não se suspeitava de sua ação. Pondo-os a descoberto, o Espiritismo vem revelar uma nova causa de certos males da Humanidade. Conhecida a causa, não se buscará mais combater o mal por meios que, doravante, sabemos inúteis; procurar-se-ão outros mais eficazes. Ora, o que levou à descoberta desta causa? A mediunidade. Foi pela mediunidade que esses inimigos ocultos traíram sua presença; ela fez para ela o que fez o microscópio para os infinitamente pequenos: revelou todo um mundo. O Espiritismo não atraiu os maus Espíritos; ele os revelou e forneceu os meios de lhes paralisar a ação e, consequentemente, de os afastar. Não trouxe, pois, o mal, pois este sempre existiu; ao contrário, trouxe o remédio ao mal, mostrando-lhe as causas. Uma vez reconhecida a ação do mundo invisível, ter-se-á a chave de uma multidão de fenômenos incompreendidos e a Ciência, enriquecida com esta nova lei, verá desdobrarem-se novos horizontes à sua frente. Quando lá chegará? Quando não mais professar o materialismo, pois o materialismo detém o seu avanço e lhe opõe uma barreira intransponível.
11. — Antes de falar do remédio, expliquemos um fato que confunde muitos espíritas, sobretudo nos casos de obsessão simples, isto é, naqueles muito frequentes, em que o médium não se pode desembaraçar de um mau Espírito, que por ele se comunica obstinadamente, pela escrita ou pela audição; aquele, não menos frequente, em que, por meio de uma boa comunicação, vem um Espírito imiscuir-se para dizer coisas más. Pergunta-se, então, se os maus Espíritos são mais poderosos que os bons.
Reportemo-nos ao que dissemos inicialmente, quanto à maneira por que age o Espírito e imaginemos um médium envolvido e penetrado pelo fluido perispiritual de um mau Espírito. Para que o do bom possa atuar sobre o médium, é necessário que penetre esse envoltório e já se sabe que dificilmente a luz penetra um nevoeiro espesso. Conforme o grau da obsessão, o nevoeiro será permanente, tenaz ou intermitente e, por conseguinte, mais ou menos fácil de dissipar.
O Sr. Superchi, nosso correspondente em Parma, † enviou-nos dois desenhos feitos por um médium vidente, representando perfeitamente a situação. Num deles vê-se a mão do médium envolta numa nuvem escura — imagem do fluido perispiritual dos maus Espíritos — atravessada por um raio luminoso que lhe clareava a mão; é o bom fluido que a dirige e se opõe à ação do mau. No outro, a mão está na sombra; a luz está em volta do nevoeiro, que não pode penetrar. Aquilo que o desenho restringe à mão do médium deve ser entendido como envolvendo todo o seu corpo.
Resta sempre a questão de saber se o bom Espírito é menos poderoso que o mau. Não é o bom Espírito que é mais fraco e, sim, o médium, que não é bastante forte para livrar-se do manto que sobre si foi lançado e se desembaraçar da opressão dos braços que o enlaçam, nos quais, é bom que se diga, por vezes se compraz. Compreende-se que, neste caso, o bom Espírito não possa triunfar, pois o outro é preferido. Admitamos, agora, o desejo de desvencilhar-se desse envoltório fluídico, de que o seu se acha penetrado, como uma roupa penetrada de umidade: não bastará o desejo e nem sempre a vontade é suficiente.
Trata-se de lutar contra um adversário. Ora, quando dois homens lutam
corpo a corpo, é o de músculos mais fortes que vencerá o outro. Com
um Espírito deve-se lutar, não corpo a corpo, mas de Espírito a Espírito;
e é ainda o mais forte que vencerá. Aqui a força está na autoridade
que se pode exercer sobre o Espírito e tal autoridade está subordinada
à superioridade moral. Esta é como o Sol: dissipa o nevoeiro pela força
de seus raios. Esforçar-se por ser bom; tornar-se melhor se já se é
bom; purificar-se de suas imperfeições; numa palavra, elevar-se moralmente
o mais possível, tal é o meio de adquirir o poder de dominar os Espíritos
inferiores, para os afastar. Do contrário zombarão de vossas ordens.
(O
Livro dos Médiuns, nº 252 e 279.)
Todavia — indagarão — por que os Espíritos protetores não lhes ordenam que se retirem? Certamente o podem e o fazem algumas vezes; mas, permitindo a luta, também deixam o mérito da vitória. Se deixam se debatendo pessoas merecedoras de certa consideração, é para provar sua perseverança e fazer que adquiram mais força no bem; para elas é uma espécie de ginástica moral.
12. — Eis a resposta que demos a um coronel do estado-maior austríaco, na Hungria, o Sr. P.., que nos consultava sobre uma afecção atribuída aos maus Espíritos, desculpando-se por nos intitular de amigo, embora só de nome nos conhecesse:
“O Espiritismo é o laço fraterno por excelência e tendes razão de pensar que os que partilham essa crença devem, mesmo sem se conhecerem, tratar-se como amigos. Agradeço-vos por terdes tido de mim uma boa opinião e me dardes esse título.
“Sinto-me contente por encontrar em vós um adepto sincero e devotado dessa consoladora doutrina. Mas, por isso mesmo que é consoladora, deve dar força moral e resignação para suportar as provas da vida que, no mais das vezes, são expiações. Disto a Revista Espírita vos fornece numerosos exemplos.
“No que respeita à moléstia que sofreis, não vejo prova evidente da influência de maus Espíritos, que vos obsidiariam. No entanto, admitamo-la como hipótese. Só uma força moral poderia opor-se a outra força moral e esta não pode vir senão de vós. Contra um Espírito é necessário lutar de Espírito a Espírito, e é o mais forte que vencerá. Em casos semelhantes é preciso esforçar-se para adquirir a maior soma possível de superioridade pela vontade, pela energia e pelas qualidades morais, para ter o direito de lhe dizer: Vade retro! Assim, pois, se estiverdes neste caso, não será com o sabre de coronel que o vencereis, mas com a espada do anjo, isto é, a virtude e a prece. A espécie de pavor e angústia que experimentais nesses momentos é um sinal de fraqueza, que o Espírito aproveita. Dominai o medo e com a vontade triunfareis; dominai-o resolutamente, como o fazeis perante o inimigo e crede-me vosso mui dedicado e afeiçoado,
A. K.”
É possível que certas pessoas preferissem uma receita mais fácil para expulsar os maus Espíritos: algumas palavras a dizer, ou sinais a fazer, por exemplo, o que seria mais cômodo do que corrigir os próprios defeitos. Lamentamos bastante, mas não conhecemos processo mais eficaz para vencer um inimigo do que ser mais forte que ele. Quando estamos doentes, temos de nos resignar a tomar remédios, por mais amargos que sejam. Mas, também, quando tivemos a coragem de tomá-los, como nos sentimos bem e ficamos fortes! Devemos, pois, persuadir-nos de que, para alcançar tal objetivo, não há palavras sacramentais, nem fórmulas, nem talismãs, nem sinais materiais quaisquer. Os maus Espíritos se riem e muitas vezes se deleitam em indicar alguns, cuidando sempre de dizer que são infalíveis, para melhor captar a confiança daqueles de que querem abusar, porque estes, então, confiantes na virtude do processo, se entregam sem temor.
Antes de esperar dominar o mau Espírito, é preciso dominar-se a si mesmo. De todos os meios para adquirir a força de o conseguir, o mais eficaz é a vontade, secundada pela prece, entendida a prece de coração e não de palavras, nas quais a boca participa mais que o pensamento. É necessário pedir ao seu anjo-da-guarda e aos bons Espíritos que o assistam na luta. Mas não basta lhes pedir que expulsem o mau Espírito; é preciso lembrar-se da máxima: Ajuda-te, e o céu te ajudará ( † ) e, sobretudo, pedir-lhes a força que nos falta para vencer nossas más inclinações. Para nós tais inclinações são piores que os maus Espíritos, pois são elas que os atraem, como a corrupção atrai as aves de rapina. Orando também pelo Espírito obsessor estamos lhe retribuindo o mal com o bem e nos mostrando melhor que ele, o que já é uma superioridade. Com perseverança, na maioria dos casos acabamos por conduzi-lo a melhores sentimentos e, de perseguidor que era, o transformamos num ser reconhecido. Em resumo, a prece fervorosa e os esforços sérios por melhorar-se são os únicos meios de afastar os maus Espíritos, que reconhecem como senhores aqueles que praticam o bem, ao passo que as fórmulas os fazem rir. A cólera e a impaciência os excitam. É preciso cansá-los, mostrando mais paciência que eles.
13. — Acontece, porém, que em alguns casos a subjugação chega a ponto de paralisar a vontade do obsidiado, não se lhe podendo esperar nenhum concurso sério. É principalmente então que a intervenção de um terceiro se torna necessária, seja pela prece, seja pela ação magnética. Mas o poder dessa intervenção também depende do ascendente moral que o interventor possa ter sobre os Espíritos, porquanto, se não valerem mais, sua ação será estéril. Neste caso a ação magnética terá por efeito penetrar o fluido do obsidiado por um fluido melhor e liberar o fluido do Espírito mau. Ao operar, deve o magnetizador ter o duplo objetivo de opor uma força moral a outra força moral e produzir sobre o paciente uma espécie de reação química, para nos servirmos de uma comparação material, expulsando um fluido por outro fluido. Por aí, não só opera um desprendimento salutar, mas dá força aos órgãos enfraquecidos por uma longa e por vezes vigorosa opressão. Aliás, compreende-se que o poder da ação fluídica não só está na razão da energia da vontade, mas, sobretudo, da qualidade do fluido introduzido e, conforme dissemos, tal qualidade depende da instrução e das qualidades morais do magnetizador. Daí se segue que um magnetizador comum, que agisse maquinalmente para magnetizar pura e simplesmente, produziria pouco ou nenhum efeito. É absolutamente necessário um magnetizador espírita, que age com conhecimento de causa, com a intenção de produzir, não o sonambulismo ou uma cura orgânica, mas os efeitos que acabamos de descrever. Além disso, é evidente que uma ação magnética dirigida nesse sentido não deixa de ser útil nos casos de obsessão ordinária, porque, então, se o magnetizador for secundado pela vontade do obsidiado, em vez de um só o Espírito será combatido por dois adversários.
14. — É preciso dizer, também, que muitas vezes responsabilizamos os Espíritos estranhos por malefícios de que não são responsáveis. Certos estados mórbidos e certas aberrações, atribuídos a uma causa oculta, em geral são devidos exclusivamente ao Espírito do indivíduo. As contrariedades que ordinariamente concentramos em nós mesmos, sobretudo as decepções amorosas, têm levado ao cometimento de muitos atos excêntricos, atribuídos por engano à obsessão. Muitas vezes a criatura é o seu próprio obsessor.
15. — Acrescentemos, enfim, que certas obsessões tenazes, principalmente de pessoas de mérito, por vezes fazem parte das provas a que se acham submetidas. “Por vezes, acontece mesmo que a obsessão, quando simples, seja uma tarefa imposta ao obsidiado, que deve trabalhar pela melhoria do obsessor, como um pai por um filho vicioso.”
Remetemos o leitor, para mais detalhes, a O Livro dos Médiuns.
Resta-nos falar da obsessão coletiva ou epidêmica e, em particular, da de Morzine; mas isto exige considerações de certa extensão para mostrar, pelos fatos, sua similitude com as obsessões individuais. E a prova disto nós a encontramos em nossas próprias observações e nas que são consignadas nos relatórios dos médicos. Além disso, resta-nos examinar o efeito dos meios empregados e, em seguida, a ação do exorcismo e as condições nas quais este pode ser eficaz ou nulo. A amplitude desta segunda parte obriga-nos a fazê-la objeto de um artigo especial, a ser publicado no próximo número.
[1] N. do T.: Vide comentário de Allan Kardec à questão 135 “a” de O Livro dos Espíritos.