O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IV — Janeiro de 1861.

(Idioma francês)

O Espírito batedor do Aube.

(Sumário)


1. — Um dos nossos assinantes transmite-nos detalhes muito interessantes sobre manifestações que ocorreram, e ainda ocorrem, numa localidade do Departamento do Aube,  †  cujo nome silenciaremos, mesmo considerando que a pessoa em cuja casa se dão esses fenômenos não se preocupa absolutamente em ser assaltada pela visita de numerosos curiosos, e apesar dessas manifestações barulhentas já lhe terem produzido vários dissabores. Aliás, nosso correspondente relata como testemunha ocular e nós o conhecemos bastante para saber que ele é digno de confiança. Extraímos as passagens mais interessantes de seu relato:

“Há quatro anos (em 1856), na cidade onde resido, em casa do Sr. R…, ocorreram manifestações que lembram, até certo ponto, as de Bergzabern; então eu não conhecia aquele senhor, só travando conhecimento com ele mais tarde, de sorte que foi por ter ouvido dizer que fiquei sabendo do que se passava naquela época. Havendo as manifestações cessado há muito tempo, o Sr. R… já se julgava livre delas quando, pouco depois, recomeçaram como antigamente. Pude, então, testemunhá-las durante vários dias seguidos. Contarei, portanto, o que vi com os meus próprios olhos.

“A pessoa que é objeto dessas manifestações é o filho do Sr. R…, de dezesseis anos; tinha, portanto, apenas doze quando elas se produziram pela primeira vez. É um rapaz de inteligência excessivamente limitada, não sabe ler nem escrever e raramente sai de casa. Quanto às manifestações que ocorreram em minha presença, com exceção do balançar do leito e da suspensão magnética, o Espírito imitou mais ou menos em tudo o de Bergzabern;  †  as pancadas e as arranhaduras foram as mesmas; assoviava, imitava o ruído da lima e da serra e atirou no quarto pedaços de carvão vindos não se sabe de onde, desde que não os havia no aposento em que estávamos. Os fenômenos geralmente se produzem quando o jovem está deitado e começa a dormir. Durante o sono fala ao Espírito com autoridade e assume o tom de comando de um oficial superior a ponto de enganar os outros, embora jamais tenha assistido a exercícios militares; simula um combate, comanda a manobra, alcança a vitória e se julga nomeado general no campo de batalha. Quando ordena ao Espírito que desfira certo número de golpes, acontece algumas vezes que este dá mais do que lhe é ordenado. Então o garoto pergunta: “Como farás para tirar as pancadas que deste a mais?” Então o Espírito se põe a raspar, como se apagasse algo. Quando o menino comanda, fica numa grande agitação e por vezes grita tão forte que sua voz se extingue numa espécie de estertor. Ao ser comandado, o Espírito bate todas as marchas francesas e estrangeiras, mesmo as dos chineses. Não pude verificar a sua exatidão, pois não as conheço. Mas muitas vezes acontecia ao menino dizer: “Não é assim! Recomece!” E o Espírito obedecia. Devo dizer de passagem que durante o sono o menino é muito grosseiro ao comandar.

“Numa noite em que eu assistia a uma dessas cenas, já havia cinco horas que o filho R… se achava em grande agitação. Tentei acalmá-lo por meio de alguns passes magnéticos, mas logo se tornou furioso e revolveu todo o leito. No dia seguinte deitou-se à minha chegada e, como de costume, dormiu ao cabo de alguns minutos; então as pancadas e arranhaduras começaram. De repente disse ao Espírito: “Vem cá; eu vou te adormecer”. E, para grande surpresa nossa, magnetizou-o, apesar da resistência do Espírito, que parecia recusar-se; pelo menos é o que pude depreender da conversa que eles tiveram juntos. Depois o despertou, desmagnetizando-o como o teria feito um magnetizador profissional. Percebi, então, que dava a impressão de recolher muito fluido, que me lançou, apostrofando-me e injuriando-me. Ao despertar, não guardava nenhuma recordação do que havia ocorrido.

“Longe de se atenuarem, os fatos se agravam cada vez mais de modo aflitivo, para exasperação do Espírito, que por certo teme perder o domínio que exerce sobre o rapaz. Quis perguntar-lhe o nome e os antecedentes, mas só logrei mentiras e blasfêmias. Devo dizer agora que ele fala pela boca de um rapaz, que lhe serve de médium falante. Tentei inutilmente despertar-lhe melhores sentimentos, por meio de boas palavras; respondeu-me que a prece não exerce o menor poder sobre ele; que tentou se elevar até Deus, mas só encontrou gelo e nevoeiro. Então me chama de beato e, quando oro mentalmente, observo que se torna furioso e dá golpes redobrados. Diariamente traz objetos muito volumosos, ferro, cobre, etc. Quando lhe pergunto onde os obtém, responde que os toma das pessoas desonestas. Se lhe dou lições de moral, enfurece-se. Uma noite me disse que enquanto eu viesse ele quebraria tudo, e que não iria embora antes da Páscoa; depois me cuspiu no rosto. Tendo perguntado por que se ligava dessa forma ao jovem R…, respondeu: “Se não fosse ele, seria outro”. O próprio pai não está livre dos assaltos desse Espírito malfazejo. Muitas vezes é interrompido em seu trabalho porque é batido, puxado pelas roupas em todas as direções e mesmo beliscado até sangrar.

“Fiz o que pude, mas os recursos já chegam ao fim. Acrescento que é tanto mais difícil obter bons resultados quanto é certo que o Sr. e a Sra. R…, apesar do desejo de livrar-se do Espírito, que lhes ocasionou verdadeiros prejuízos, e são obrigados a trabalhar para viver, não me auxiliam, pois sua fé em Deus não tem grande consistência”.


2. — Omitimos uma porção de detalhes que só serviriam para corroborar o que relatamos. Todavia, dissemos o bastante para mostrar que se pode dizer desse Espírito, como de certos malfeitores, que é da pior espécie.

Na sessão da Sociedade, de 9 de novembro último, foram dirigidas a São Luís as seguintes perguntas a respeito:


1. Teríeis a bondade de dizer-nos alguma coisa sobre o Espírito que obsidia o jovem R…?

Resposta. – A inteligência desse rapaz é das mais fracas. Quando o Espírito se apodera dele, fica completamente alucinado, tanto mais quanto mais mergulhado no sono. Não exercendo a razão nenhum domínio sobre o seu cérebro, deixa-se obsidiar por esse Espírito turbulento.


2. Pode um Espírito relativamente superior exercer sobre outro Espírito uma ação magnética e paralisar suas faculdades?

Resposta. – Um bom Espírito nada pode sobre outro, a não ser do ponto de vista moral; jamais fisicamente. A fim de paralisar pelo fluido magnético terá de agir sobre a matéria, e o Espírito não é matéria semelhante ao corpo humano.


3. Como, então, pretende o jovem R… magnetizar o Espírito e fazê-lo adormecer?

Resposta. – Ele assim o julga, e o Espírito se presta à ilusão.


4. O pai deseja saber se não haveria um meio de se desembaraçar desse hóspede importuno e se o filho ainda estaria sujeito a essa prova por muito tempo.

Resposta. – Quando o rapaz estiver acordado será necessário que evoquem, junto com ele, os bons Espíritos, a fim de o pôr em contato com estes e, por esse meio, afastar os maus, que o obsidiam durante o sono.


5. Poderíamos agir assim, evocando, por exemplo, esse Espírito, a fim de o moralizar ou, quem sabe, o próprio Espírito do rapaz?

Resposta. – Talvez não seja possível no momento; ambos são muito materializados. É preciso agir diretamente sobre o corpo do ser vivo, por meio da presença dos bons Espíritos, que virão a ele.


6. Não compreendemos bem a resposta.

Resposta. – Digo que é preciso chamar o concurso dos bons Espíritos, que poderão tornar o rapaz menos acessível às impressões dos maus Espíritos.


7. Que poderemos fazer por ele?

Resposta. – O mau Espírito que o obsidia não o deixará com facilidade, já que não é fortemente repelido por ninguém. Vossas preces, vossas evocações são uma arma fraca contra ele. Seria necessário agir direta e materialmente sobre a pessoa a quem ele atormenta. Podeis orar, pois a prece é sempre boa. Mas não o conseguireis por vós mesmos, se não fordes secundados por aqueles mais interessados no caso, isto é, o pai e a mãe. Infelizmente, eles não têm essa fé em Deus que centuplica as forças, e Deus só ouve aqueles que a Ele se dirigem com confiança. Não podem, pois, queixar-se de um mal para o qual nada fazem para evitar.


8. Como conciliar a sujeição desse rapaz, dominado por tal Espírito, com a autoridade que sobre este exerce aquele, já que ordena e o Espírito obedece?

Resposta. – O Espírito desse jovem é pouco adiantado moralmente, mas o é mais do que se pensa, em inteligência. Em outras existências abusou de sua inteligência, não dirigida para um fim moral, mas, ao contrário, para objetivos ambiciosos. Agora se encontra em punição num corpo que não lhe permite dar livre curso à inteligência, e o mau Espírito aproveita a sua fraqueza. Este se deixa levar por questões de somenos importância, porque sabe que o jovem é incapaz de lhe ordenar coisas sérias: ele o diverte. A Terra está repleta de Espíritos assim, em punição em corpos humanos; eis por que nela há tantos males, e dos mais variados tipos.


Observação. – A observação vem apoiar esta explicação. Durante o sono, o jovem demonstra uma inteligência incontestavelmente superior à de seu estado normal, o que prova um desenvolvimento anterior, porém reduzido a estado latente sob esse envoltório grosseiro. Somente nos momentos de emancipação da alma, nos quais não sofre tanto a influência da matéria, é que sua inteligência se manifesta, ocasião em que exerce também uma espécie de autoridade sobre o ser que o subjuga. Mas, voltando ao estado de vigília, suas faculdades se aniquilam sob o envoltório material que as comprime. Não está aí um ensino moral prático?


3. — Alguém manifesta o desejo de evocar esse Espírito, mas nenhum dos médiuns presentes se interessa em servir-lhe de intérprete. A Srta. Eugénie, que também havia mostrado repugnância, tomou de repente o lápis num movimento involuntário e escreveu:


1. Não queres? Pois sim! Tu escreverás. Certamente pensas que não te dominarei. Eis-me aqui. Mas não te espantes tanto. Farei com que vejas minha força.


Nota. – Nesse momento o Espírito faz a médium dar um grande murro na mesa e quebrar vários lápis.


2. Já que estais aqui, dizei por que motivo vos ligastes ao filho do Sr. R…

Resposta. – Seria preciso, creio, que eu vos fizesse confidências! Antes de tudo, sabei que tenho grande necessidade de atormentar alguém. Um médium sensato me repeliria. Apego-me a um idiota, que não me opõe nenhuma resistência.


3. Nota. – Alguém argumenta que, malgrado esse ato de covardia, esse Espírito não deixa de ter inteligência. Ele responde sem que lhe tenham perguntado diretamente:

Resposta. – Um pouco. Não sou tão tolo quanto pensais.


4. Que éreis quando vivo?

Resposta. – Não era grande coisa; um homem que fez mais mal do que bem e que é cada vez mais punido.


5. Já que sois punido por ter feito mal, deveríeis compreender a necessidade de fazer o bem. Não desejais melhorar?

Resposta. – Se quiserdes auxiliar-me, eu perderia menos tempo.


6. Não pedimos mais que isso, mas é necessário que tenhais vontade. Orai conosco, isto vos ajudará.

Resposta. – (Aqui o Espírito dá uma resposta blasfema).


7. Basta! Não queremos ouvir mais. Esperávamos despertar em vós alguns sentimentos bons; foi com esse objetivo que vos chamamos. Mas desde que só respondeis à nossa benevolência com palavras vis, podeis retirar-vos.

Resposta. – Ah! aqui esbarra a vossa caridade! Porque pude resistir um pouco, vejo que essa caridade logo para; é que não valeis mais do que eu. Sim, poderíeis moralizar-me mais do que pensais, se soubésseis dar provas disso, primeiro no interesse do idiota que sofre, do pai que não se assusta muito e finalmente no meu, se assim vos agrada.


8. Dizei vosso nome, a fim de que possamos chamá-lo.

Resposta. – Oh! meu nome pouco importa. Chamai-me, se quiserdes, o Espírito do jovem idiota.


9. Se vos quisemos fazer calar é porque dissestes uma palavra sacrílega.

Resposta. – Ah! Ah! o senhor chocou-se! Para saber o que há na lama é preciso revolvê-la.


10. Alguém diz: Esta imagem é digna do Espírito: é ignóbil.

Resposta. – Quereis poesia, moço? Ei-la: Para conhecer o perfume da rosa é preciso cheirá-la.


11. Já que dissestes que vos poderíamos auxiliar a vos tornardes melhor, um dos senhores presentes se oferece para vos instruir. Quereis atendê-lo quando vos evocar?

Resposta. – Antes de tudo, quero ver se me convém. (Depois de alguns instantes de reflexão acrescenta): Sim; irei.


12. Por que o filho do Sr. R… se enfurecia quando o Sr. L… queria magnetizá-lo?

Resposta. – Não era ele que se encolerizava; era eu.


13. Por quê?

Resposta. – Não tenho nenhum poder sobre esse homem, razão por que não posso suportá-lo. Ele quer arrebatar-me aquele que tenho sob o meu domínio, e isso não admito.


14. Deveis perceber à vossa volta Espíritos mais felizes que vós. Sabeis por quê?

Resposta. – Sei muito bem; eles são melhores do que eu.


15. Compreendeis então que, se ao invés de fazer o mal, fizésseis o bem, seríeis feliz como eles?

Resposta. – Não desejava mais que isso; mas é difícil fazer o bem.


16. Talvez seja difícil para vós, mas não impossível. Sabeis que a prece pode exercer grande influência em vossa melhoria?

Resposta. – Não digo que não; pensarei nisso. Chamai-me algumas vezes.


4.Observação. – Como se vê, esse Espírito não desmentiu o seu caráter. Entretanto, revelou-se menos recalcitrante no fim, o que prova não ser de todo inacessível ao raciocínio. Ele dispõe da solução, mas, para dominá-lo, é preciso um concurso de vontades que ora não existe. Isto deve ser um ensinamento para as pessoas que poderiam achar-se em casos semelhantes.

Sem dúvida esse Espírito é muito mau e pertence à ralé do mundo espírita. Pode-se dizer que é brutalmente mau, mas que em seres semelhantes há mais recursos que nos hipócritas. Seguramente são muito menos perigosos que os Espíritos fascinadores que, auxiliados por certa dose de inteligência e uma falsa aparência de virtude, sabem inspirar a certas pessoas uma confiança cega em suas palavras, confiança de que cedo ou tarde serão vítimas, porquanto tais Espíritos jamais agem com vistas ao bem: têm sempre uma segunda intenção. Esperamos que O Livro dos Médiuns tenha como resultado pôr-nos em guarda contra suas sugestões, o que, certamente, não lhes agradará. Mas, como é fácil de ver, tão pouco nos inquietamos com a sua má vontade quanto com a dos Espíritos encarnados, que eles podem excitar contra nós. Os maus Espíritos, tanto quanto os homens, não veem com bons olhos aqueles que, desmascarando as suas torpezas, lhes tiram os meios de fazer o mal.


5. — [NOTA: O texto abaixo é um extrato da Revista de janeiro de 1863: Estudo sobre os possessos de Morzine.]


Em nossa viagem vimos o jovem obsidiado, do qual falamos na Revista de janeiro de 1861, sob o título de Espírito batedor do Aube, e ouvimos do próprio pai e de testemunhas oculares a confirmação de todos os fatos: O rapaz tem agora dezesseis anos; é saudável, forte, perfeitamente constituído e, contudo, queixa-se de dor no estômago e fraqueza nos membros, o que, segundo diz, o impede de trabalhar. Vendo-o, pode-se facilmente crer que a preguiça seja sua principal doença, o que nada tira à realidade dos fenômenos produzidos há cinco anos e que, sob muitos aspectos, lembram os de Bergzabern. (Revista de maio, junho e julho de 1858). Já o mesmo não se dá com a sua saúde moral; quando criança era muito inteligente e na escola aprendia com facilidade. Desde então suas faculdades enfraqueceram sensivelmente. Deve-se acrescentar que só recentemente ele e seus pais conheceram o Espiritismo, ainda por ouvir dizer e muito superficialmente, pois nada leram; antes nunca tinham ouvido falar. Não se poderia ver, assim, nenhuma causa provocadora. Os fenômenos materiais praticamente cessaram ou, pelo menos, são hoje muito mais raros; mas o estado moral é o mesmo, o que é tanto mais deplorável para os pais, que vivem do trabalho. Sabe-se da influência da prece em tais casos; mas como nada se pode esperar do rapaz em questão, seria necessário o concurso dos pais; estes estão convencidos de que o filho encontra-se sob má influência oculta, mas sua crença não vai além e sua fé religiosa é das mais fracas. Dissemos ao pai que era preciso orar, mas seriamente e com fervor. “É o que já me disseram”, respondeu ele; “Orei algumas vezes, mas sem resultado; se soubesse que orando uma porção de vezes durante vinte e quatro horas isto acabasse, eu o faria agora.” Por aí se vê de que maneira, nesta circunstância, podemos ser secundados por aqueles que são os maiores interessados.


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