O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

Índice |  Princípio  | Continuar

Revista espírita — Ano III — Julho de 1860.

(Idioma francês)

Dos animais.

(Dissertações espontâneas feitas pelo Espírito de Charlet, n em várias sessões da Sociedade.) n

(Sumário)


I.


Há uma coisa entre vós que sempre vos excita a atenção e a curiosidade. Esse mistério, pois que o é e muito grande para vós, é a ligação ou, melhor. dizendo, a distância existente entre a vossa alma e a dos animais, mistério que, apesar de toda a sua ciência, Buffon, o mais poético dos naturalistas, e Cuvier, o mais profundo, jamais puderam penetrar, assim como o escalpelo não vos detalha a anatomia do coração. Ora, como sabeis, os animais vivem, e tudo que vive pensa. Não se pode, pois, viver sem pensar.

Assim sendo, resta demonstrar-vos que quanto mais o homem avança, não segundo o tempo, mas conforme a perfeição, mais penetrará a ciência espiritual, a qual se aplica não somente a vós, mas ainda aos seres que estão abaixo de vós: os animais. Oh! exclamarão alguns homens, persuadidos de que a palavra homem significa todo o aperfeiçoamento: Haverá um paralelo possível entre o homem e o bruto? Podeis chamar inteligência o que não passa de instinto? Sentimento o que é apenas sensação? Podeis, numa palavra, rebaixar a imagem de Deus? Responderemos: houve um tempo em que a metade do gênero humano era considerada no nível do irracional, onde o animal nada contava; outro tempo, agora o vosso, em que a metade do gênero humano é encarada como inferior e o animal como bruto. E então? Do ponto de vista do mundo é assim, certamente; do ponto de vista espiritual é completamente diferente. O que os Espíritos superiores diriam do homem terrestre, os homens dizem dos animais.

Tudo é infinito em a Natureza: o material como o espiritual. Ocupai-vos, pois, um pouco, desses pobres irracionais, espiritualmente falando, e vereis que o animal vive realmente, já que pensa.

Isto serve de prefácio a um pequeno curso que vos darei a respeito. Aliás, quando vivo eu havia dito que a melhor companhia do homem era o cão.

Continua no próximo número.


Charlet.


Sobre o § I.


1. — Dizeis: Tudo o que vive, pensa; então não se pode viver sem pensar. Tal proposição nos parece um tanto absoluta, pois a planta vive e não pensa. Admitis isto em princípio?

Resposta. – Sem dúvida. Só falo da vida animal e não da vegetal, bem deveis compreender.


2. — Mais adiante dizeis: Vereis que o animal vive realmente, desde que pensa. Não há inversão na frase? Parece-nos que a proposição é: Vereis que o animal pensa realmente, desde que vive.

Resposta. – Isto é evidente.


II.


O mundo é uma escada imensa, cuja elevação é infinita, mas cuja base repousa num horrendo caos. Quero dizer que o mundo não é senão um progresso constante dos seres. Estais muito embaixo, sempre, mas haverá muitos abaixo de vós. Porque, ouvi bem, não falo apenas do vosso planeta, mas também de todos os mundos do Universo. Não temais, pois nos limitaremos à Terra.

Antes disso, entretanto, duas palavras sobre um mundo chamado Júpiter, do qual o engenhoso e imortal Palissy vos deu alguns esboços, tão estranhos e sobrenaturais para a vossa imaginação. Lembrai-vos de que num desses encantadores desenhos ele vos apresentara alguns animais de Júpiter? Não há neles um progresso evidente e lhes podeis negar um grau de superioridade sobre os animais terrestres? E nisso apenas vedes um progresso de forma e não de inteligência, embora a atividade de que se ocupam não possa ser executada pelos animais da Terra? Só vos cito este exemplo para vos indicar que já existe uma superioridade de seres que estão muito abaixo de vós. Que seria se vos enumerasse todos os mundos que conheço, isto é, cinco ou seis? Mas, somente na Terra, vede a diferença existente entre eles! Pois bem! Se a forma é tão variada, tão progressiva, que mesmo na matéria há progresso, podeis negar o progresso espiritual desses seres? Ora, como o sabeis, se a matéria progride, mesmo a mais elementar, com mais forte razão o Espírito que a anima.

Continuarei da próxima vez.

Charlet.


Nota. – Com o número de agosto de 1858 publicamos uma prancha desenhada e gravada pelo Espírito de Bernard Palissy, representando a casa de Mozart em Júpiter, com uma descrição desse planeta, que foi sempre designado como um dos mundos mais adiantados de nosso turbilhão solar, moral e fisicamente. O mesmo Espírito deu um grande número de desenhos sobre o mesmo assunto. Entre outros, há um que representa uma cena de animais, em atividade na parte que lhes é reservada na casa de Zoroastro. Indubitavelmente, é um dos mais curiosos da coleção.

Entre os animais figurados, há uns cuja forma se aproxima bastante da forma humana terrestre, tendo ao mesmo tempo algo do macaco e do sátiro. Sua ação denota inteligência e compreende-se que sua estrutura possa prestar-se aos trabalhos manuais que executam para os homens. São, como já foi dito, os serviçais e os operários, pois os homens só se ocupam dos trabalhos da inteligência. É a esse desenho, feito há mais de três anos, que alude Charlet na comunicação acima.


Sobre o § II.


3. — Lembrais o desenho que foi feito dos animais de Júpiter. Nota-se que há uma analogia surpreendente com os sátiros da fábula. Essa ideia dos sátiros seria uma intuição da existência desses seres em outros mundos e, neste caso, não seria uma criação meramente fantástica?

Resposta. – Quanto mais novo o mundo, mais ele se lembrava. O homem tinha a intuição de uma ordem de seres intermediários, quer mais atrasados que ele, quer mais adiantados. É o que ele chamava os deuses.


4. — Então admitis que as divindades mitológicas não eram senão o que chamamos Espíritos?

Resposta. – Sim.


5. — Foi-nos dito que em Júpiter é possível o entendimento pela simples transmissão do pensamento. Quando os habitantes desse planeta se dirigem aos animais, que são seus serviçais e operários, recorrem a uma linguagem particular? Teriam, para os animais, uma linguagem articulada e, entre si, a do pensamento?

Resposta. – Não; não há linguagem articulada, mas uma espécie de magnetismo muito intenso que faz curvar o animal e o leva a executar os menores desejos e as ordens de seus donos. O Espírito todo-poderoso não pode rebaixar-se.


6. — Entre nós os animais têm, evidentemente, uma linguagem, pois se compreendem, embora muito limitada. Os de Júpiter têm uma linguagem mais precisa, mais positiva que os nossos? Numa palavra, uma linguagem articulada?

Resposta. – Sim.


7.. — Os habitantes de Júpiter compreendem melhor que nós a linguagem dos animais?

Resposta. – Veem através deles e os compreendem perfeitamente.


8. — Se examinarmos a série dos seres vivos encontraremos uma cadeia ininterrupta, desde a madrépora,  †  a própria planta, até o animal mais inteligente. Mas entre o animal mais inteligente e o homem há uma evidente lacuna, que em algum lugar deve ser preenchida, pois a Natureza não deixa elos vazios. Donde vem essa lacuna?

Resposta. – Essa lacuna dos seres é apenas -aparente; não existe na realidade. Ela provém de raças desaparecidas. (São Luís).


9. — Tal lacuna pode existir na Terra, mas certamente não existe no conjunto do Universo e deve ser preenchida em alguma parte. Não o seria por certos animais de mundos superiores que, como os de Júpiter, por exemplo, parecem aproximar-se muito do homem terreno pela forma, pela linguagem e por outros sinais?

Resposta. – Nas esferas superiores o germe surgido da terra desenvolveu-se e jamais se perde. Tornando-vos Espíritos, reencontrareis todos os seres criados e desaparecidos nos cataclismos do vosso globo. (São Luís).


Observação. – Desde que essas raças intermediárias existiram na Terra e dela desapareceram, justifica-se o que disse Charlet pouco atrás, que quanto mais novo o mundo, mais ele se lembrava. Se essas raças só tivessem existido nos mundos superiores, o homem da Terra, menos adiantado, não lhes poderia guardar a lembrança.


III.


Nos mundos adiantados os animais são de tal modo superiores que, para eles, a mais rigorosa ordem é dada pela palavra, e entre vós, muitas vezes, a pauladas. Em Júpiter, por exemplo, basta uma palavra, enquanto entre vós as chicotadas não são suficientes. Todavia, há um sensível progresso em vossa Terra, jamais explicado: é que o próprio animal se aperfeiçoa. Assim, outrora, o animal era muito mais rebelde ao homem. Também há progresso de vossa parte; por terdes instintivamente compreendido esse aperfeiçoamento dos animais, pois que vos proibis de bater-lhes. Eu dizia que há progresso moral no animal. Há também progresso de condição. Assim, um infeliz cavalo açoitado, ferido por um carroceiro mais bruto que ele, estará, comparativamente, numa condição muito mais tranquila, mais feliz que a de seu carrasco. Não é de toda justiça, e devemos nos admirar de que um animal que sofre, que chora, que é reconhecido ou vingativo, conforme a doçura ou a crueldade de seus donos, seja recompensado por haver pacientemente suportado uma vida repleta de torturas? Antes de tudo, Deus é justo e todas as suas criaturas estão sob suas leis, e estas dizem: “Todo ser fraco que tiver sofrido será recompensado.” Sempre comparativamente ao homem, entendo, e ouso acrescentar, para terminar, que o animal, em muitas circunstâncias, tem mais alma e mais coração que o homem.

Charlet.


Sobre o § III.


10. — Dizeis que tudo se aperfeiçoa e, como prova do progresso do animal, dizeis que outrora ele era mais rebelde ao homem. É evidente que o animal se aperfeiçoa, mas, pelo menos na Terra, só se aperfeiçoa pelos cuidados do homem. Abandonado a si mesmo, retoma a sua natureza selvagem, mesmo o cão.

Resposta. – E pelos cuidados de quem o homem se aperfeiçoa? Não é pelos de Deus? Tudo é graduado em a Natureza.


11. — Falais de recompensas para os animais que sofrem maus-tratos e dizeis que é de toda justiça que haja compensação para eles. Parece, de acordo com isso, que admitis no animal a consciência do eu após a morte, com a recordação do seu passado. Isto é contrário ao que nos foi dito. Se as coisas se passassem como dizeis, resultaria que no mundo espiritual haveria Espíritos de animais. Assim, não haveria razão para não existirem o das ostras. Podeis dizer se vedes em torno de vós Espíritos de cães, gatos, cavalos ou elefantes, como vedes Espíritos humanos?

Resposta. – A alma do animal – tendes perfeitamente razão – não se reconhece após a morte do corpo; é um conjunto confuso de germes que podem passar para o corpo de tal ou qual animal, conforme o desenvolvimento adquirido. Não é individualizada. Direi, todavia, que em certos animais, entre muitos, mesmo, há individualidade.


12. — Aliás, esta teoria não justifica absolutamente os maus-tratos dos animais. O homem é sempre culpado por fazer sofrer um ser sensível qualquer e nos diz a doutrina que por isso ele será punido. Mas daí a colocar o animal numa posição superior a ele, há uma grande distância. Que pensais disto?

Resposta. – Sim; entretanto, sempre estabeleceis uma escala entre os animais. Pensais que há distância entre certas raças. O homem é tanto mais culpado quanto mais poderoso.


13. — Como explicais que, mesmo no estado selvagem, o homem se faça obedecer pelo mais inteligente animal?

Resposta. – É principalmente a natureza que age assim. O homem selvagem é o homem da Natureza; conhece o animal familiarmente; o homem civilizado estuda o animal e este se curva diante dele. O homem é sempre o homem perante o animal, seja selvagem, seja civilizado.


IV.


A superioridade do homem se manifesta em vosso globo por essa elevação da inteligência que dele faz o rei da Terra. Ao lado do homem, o animal é muito fraco, muito insignificante e, pobre cativo dessa terra de provação, muitas vezes tem que suportar os caprichos cruéis de seu tirano: o homem! A antiga metempsicose era uma lembrança muito confusa da reencarnação e, no entanto, essa doutrina não passa de crença popular. Os grandes Espíritos admitiam a reencarnação progressiva. A massa ignorante, não compreendendo como eles o Universo, dizia naturalmente: Já que o homem reencarna, isto não pode ocorrer senão na Terra; então sua punição, seu Tártaro, sua provação é a vida no corpo de um animal; absolutamente como na Idade Média os cristãos diziam: É no grande vale que se dará o julgamento, após o que os danados irão para o interior da terra, queimar-se em suas entranhas.

Crendo na metempsicose, os antigos acreditavam, portanto, em espíritos de animais, já que admitiam a passagem da alma humana para corpos de animais. Pitágoras lembrava-se de sua antiga existência e reconhecia o escudo que usava no cerco de Troia.  †  Sócrates morreu predizendo sua nova vida.

Desde que, como vos disse, tudo é progresso no Universo, desde que as leis de Deus não são e não podem ser senão leis do progresso, do ponto de vista em que estais, do ponto de vista de vossas tendências espiritualistas, não admitir o progresso do que está abaixo do homem seria um contrasenso, uma prova de ignorância ou de completa indiferença.

Como o homem, o animal tem aquilo a que chamais consciência, e que não é outra coisa senão a sensação da alma quando fez o bem ou mal. Observai e vede se o animal não dá prova de consciência, sempre relativamente ao homem. Acreditais que o cão não saiba quando fez o bem ou o mal? Se não o sentisse, não viveria. Como já vos disse, a sensação moral, a consciência, enfim, tanto existe nele como no homem; sem isso seria negar-lhe o sentimento de gratidão, o sofrimento, os pesares, em suma, todos os caracteres de uma inteligência, caracteres que qualquer homem sério pode observar em todos os animais, conforme seus diversos graus, porquanto, mesmo entre eles, há diversidades extraordinárias.

Charlet.


V.


Rei da Terra pela inteligência, o homem é também um ser superior do ponto de vista material. Suas formas são harmoniosas e, para se fazer obedecer, seu Espírito tem um organismo admirável: o corpo. A cabeça do homem é alta e olha o céu, diz o Gênesis. O animal olha a Terra e, pela estrutura de seu corpo, a ela parece mais ligado que o homem. Além disso, a harmonia magnífica do corpo humano não existe no animal. Observai a infinita variedade que os distingue uns dos outros, variedade que, no entanto, não corresponde ao seu Espírito, porque os animais — e entendo sua imensa maioria — têm, quase todos, o mesmo grau de inteligência. Assim, no animal, variedade de forma; no homem, ao contrário, variedade de Espírito. Tomai dois homens que tenham gostos, aptidões e inteligência semelhantes; e tomai um cão, um cavalo, um gato, numa palavra, mil animais e dificilmente notareis diferença em sua inteligência. O Espírito dorme no animal; no homem brilha em todos os sentidos. Seu Espírito adivinha Deus e compreende a razão de ser da perfeição.

Assim, pois, no homem, a harmonia simples da forma, começo do infinito no Espírito; e vede agora a superioridade do homem que domina o animal, materialmente por sua estrutura admirável e intelectualmente por suas imensas faculdades. Parece que, nos animais, aprouve a Deus variar mais a forma, encerrando o Espírito, ao passo que, no homem, fez do próprio corpo humano a manifestação material do Espírito.

Igualmente admirável nessas duas criações, a Providência tanto é infinita no mundo material quanto no espiritual. O homem está para o animal como a flor e todo o reino vegetal estão para a matéria bruta.

Nestas poucas linhas quis estabelecer o lugar que deve ocupar o animal na escala da perfeição. Veremos como pode elevar-se comparativamente ao homem.

Charlet.


Sobre o § V.


14. — (A Charlet) Nada temos a dizer sobre este parágrafo, que nos parece muito racional. Tendes algo a acrescentar?

Resposta. – Apenas isto: os animais têm todas as faculdades que indiquei, mas neles o progresso se realiza pela educação que recebem do homem, e não por si mesmos. Abandonado no estado selvagem, o animal retoma o tipo que tinha ao sair das mãos do Criador. Submetido ao homem, aperfeiçoa-se; eis tudo.


15. — Isto é perfeitamente certo para os indivíduos e as espécies. Mas se considerarmos o conjunto da escala dos seres há uma evidente marcha ascendente, que não se detém nos animais da Terra, pois os de Júpiter  †  são física e intelectualmente superiores aos nossos.

Resposta. – Cada raça é perfeita em si mesma e não emigra para raças estranhas. Em Júpiter são os mesmos tipos, formando raças distintas, mas não são os Espíritos dos animais que morreram.


16. — Então em que se torna o princípio inteligente dos animais mortos?

Resposta. – Retorna à massa em que cada novo animal extrai a porção de inteligência que lhe é necessária. Ora, é principalmente isso que distingue o homem do animal. O Espírito é individualizado no homem e progride por si mesmo; é isso que lhe dá superioridade sobre todos os animais. Eis por que o homem, mesmo selvagem, como fizestes notar, faz-se obedecer mesmo pelos animais mais inteligentes.


VI.


Como se eleva o Espírito? Pela submissão, pela humildade. O que perde o homem é a razão orgulhosa que o leva a desprezar todo subalterno, a invejar todo superior. A inveja é a mais viva expressão do orgulho; não é o prazer do orgulho, é o desejo doentio, incessante, de poder fruí-lo. Os invejosos são os mais orgulhosos, quando se tornam poderosos. Olhai o mestre de todos vós, o Cristo, homem por excelência, mas na mais alta fase da sublimidade. O Cristo, digo eu, em vez de vir com audácia e insolência para derrubar o mundo antigo, vem à Terra encarnar-se numa família pobre e nasce entre os animais. Porque encontrareis por toda parte esses pobres animais, a todos os instantes, onde o homem vive simplesmente com a Natureza, numa palavra, pensando em Deus. Nasce entre os animais e estes lhe exaltam o poder na sua linguagem tão expressiva, tão natural e tão simples. Vede que material para reflexão! O Espírito ainda inferior que os anima pressente o Cristo, isto é, o Espírito em toda a sua essência de perfeição. Balaão, o falso profeta, o orgulho humano em toda a sua corrupção, blasfemou contra Deus e bateu no seu animal. De repente o Espírito ilumina o Espírito ainda muito vago do jumento e este fala; por um instante torna-se igual ao homem e, por sua palavra, é o que será em milhares e milhares de anos. Poderíamos citar muitos outros fatos, mas este me parece assaz admirável, a propósito do que afirmei sobre o orgulho do homem, que nega até a sua alma, por não poder compreendê-la e vai até a negação do sentimento entre os seres inferiores, no meio dos quais o Cristo preferiu nascer.

Charlet.


Sobre o § VI.


17. — Dais a história de Balaão como um fato positivo. Seriamente, que pensais disso?

Resposta. – É pura alegoria ou, melhor dizendo, uma ficção para flagelar o orgulho. Fizeram falar o jumento de Balaão, como La Fontaine fez falar muitos outros animais.


VII.


Eu vos entretive durante algum tempo com o que vos havia prometido. Como disse no início, não falei do ponto de vista anatômico ou médico, mas unicamente da essência espiritual que existe nos animais. Terei ainda que vos falar de muitos outros pontos que, sendo bem diferentes, não são menos úteis à doutrina. Permiti-me uma última recomendação, a de refletirdes um pouco sobre o que eu vos disse: nem é extenso, nem pedante e, crede-me, nem por isso é menos útil. Possa o Bom Pastor um dia, quando dividir suas ovelhas, contar-vos entre os bons e excelentes animais que tiverem seguido melhor os seus preceitos. Perdoai esta imagem um pouco viva. Ainda uma vez, necessitais refletir no que vos digo. Aliás, continuarei a vos falar enquanto desejardes. Terei de vos dizer outra coisa da próxima vez, para definir meu pensamento sobre a inteligência dos animais.

Todo vosso,

Charlet.


VIII.


Tudo quanto vos posso dizer no momento, amigos, é que vejo com prazer a linha de conduta que seguis. Que a caridade, esta virtude das almas verdadeiramente francas e nobres, seja sempre vosso guia, pois é o sinal da verdadeira superioridade. Perseverai neste caminho, que deve necessariamente conduzir-vos à verdade e à unidade, malgrado os esforços cuja força não suspeitais.

A modéstia também é um dom muito difícil de adquirir; não é senhores? É uma virtude bastante rara entre os homens. Pensai que para avançar na senda do bem, no caminho do progresso, só tendes de usar a modéstia. Que seríeis sem Deus e sem seus divinos preceitos? Um pouco menos que esses pobres animais, dos quais já vos falei e sobre os quais tenho a intenção de vos entreter ainda. Cingi os rins e preparai-vos para lutar novamente, mas não fraquejeis. Pensai que não é contra Deus que lutais, como Jacó, mas contra o Espírito do mal, que tudo invade e a vós próprios, a cada instante.

O que vos tenho a dizer seria muito longo para esta noite. Tenho a intenção de vos explicar a queda moral dos animais, após a queda moral do homem. Para concluir o que já vos disse sobre os animais, tomarei por título: O primeiro homem feroz e o primeiro animal tornado feroz.

Desconfiai dos maus Espíritos. Não suspeitais de sua força, disse-vos há pouco: E embora esta última frase não tenha relação com a precedente, não é menos verdadeira e vem muito a propósito. Agora, refleti.

Charlet.


Observação. – O Espírito julgou por bem interromper naquele dia o assunto principal que vinha tratando, para fazer este ditado incidental, motivado por uma circunstância particular, de que se quis aproveitar. Mesmo assim o publicamos, por encerrar instruções muito úteis.


IX.


Quando foi criado o primeiro homem, tudo era harmonia em a Natureza. A onipotência do Criador tinha posto em cada ser uma palavra de bondade, de generosidade e de amor.

O homem era radioso; os animais desejavam seu olhar celeste e suas carícias eram as mesmas para eles e para sua celeste companheira. A vegetação era luxuriante. O Sol dourava e iluminava toda a Natureza, como o sol misterioso da alma, centelha de Deus, iluminava interiormente a inteligência do homem. Numa palavra, todos os reinos da Natureza apresentavam essa calma infinita, que parecia compreender Deus. Tudo parecia ter bastante inteligência para exaltar a onipotência do Criador. O céu sem nuvens era como o coração do homem, e a água límpida e azul tinha reflexos infinitos, como a alma do homem tinha os reflexos de Deus.

Muito tempo depois, tudo pareceu mudar subitamente. A Natureza oprimida exalou um longo suspiro e, pela primeira vez, a voz de Deus se fez ouvir. Terrível dia de desgraça, em que o homem, que até então não tinha ouvido senão a grande voz de Deus, que em tudo lhe dizia: “Tu és imortal”, ficou apavorado com estas terríveis palavras: “Caim, por que mataste teu irmão?” [v. Gênesis, capítulo 4.] Logo tudo mudou: o sangue de Abel espalhou-se por toda a Terra; as árvores mudaram de cor; a vegetação, tão rica e tão colorida, murchou; o céu tornou-se negro.

Por que o animal se tornou feroz? Magnetismo todo poderoso, invencível, que então tomou cada ser; a sede de sangue, o desejo de matança brilhavam em seus olhos, outrora tão suaves, e o animal tornou-se feroz como o homem. Já que o homem era o rei da Terra, não deveria ter dado o exemplo? O animal seguiu o seu exemplo e desde então a morte pairou sobre a terra, morte que se tornou hedionda, em vez de uma transformação suave e espiritual. O corpo do homem deveria dispersar-se no ar, como o corpo do Cristo, e dispersou-se na terra, nessa terra regada pelo sangue de Abel. E o homem trabalhou, e o animal trabalhou.

Charlet.


Sobre o § IX. n


18. — Nessa passagem Charlet parece ter sido arrastado por sua imaginação, pois o quadro que faz da degradação moral do animal é mais fantástico do que científico. Com efeito, o animal só é feroz por necessidade, e foi para satisfazer a essa necessidade que a Natureza lhe deu uma organização especial. Se uns devem nutrir-se de carne, é por uma razão providencial e porque era útil à harmonia geral que certos elementos orgânicos fossem absorvidos. O animal é, desse modo, feroz por constituição, e não se conceberia que a queda moral do homem tivesse desenvolvido os dentes caninos do tigre e encurtado os seus intestinos, porque, então, não haveria razão para que o mesmo não tivesse ocorrido com o carneiro. Antes dizemos que o homem, sendo pouco adiantado na Terra, encontra-se com seres inferiores sob todos os aspectos, cujo contato, para ele, é uma causa de inquietação, de sofrimentos e, consequentemente, uma fonte de provas que lhe auxiliam o progresso futuro.


Que pensa Charlet destas reflexões?

Resposta. – Só posso aprová-las. Eu era um pintor, e não um literato ou um sábio. Eis por que me deixo arrastar, de vez em quando, pelo prazer de escrever belas frases, prazer tão novo para mim, mesmo com prejuízo da verdade. Mas o que dizeis é muito justo e muito inspirado. No quadro que tracei, bordei certas ideias recebidas, a fim de não melindrar nenhuma convicção. A verdade é que as primeiras idades eram a idade do ferro, muito afastadas das pretensas doçuras. Descobrindo diariamente os tesouros acumulados pela bondade de Deus, tanto no espaço quanto na Terra, a civilização levou o homem à conquista da verdadeira terra prometida, aquela que Deus concederá à inteligência e ao trabalho, e que não entregou enfeitada nas mãos dos Homens-criança, que deveriam descobri-la à custa da própria inteligência. Aliás, o erro que cometi não poderia ser prejudicial aos olhos das pessoas esclarecidas, que o reconheceriam facilmente; para os ignorantes passaria despercebido. Entretanto, concordo que errei; agi levianamente e isto vos prova até que ponto deveis controlar as comunicações que recebeis.


X.


EXAME CRÍTICO
das dissertações de Charlet sobre os animais.

OBSERVAÇÃO GERAL.


Do ponto de vista da ciência espírita ressalta dessas comunicações um importante ensinamento. A primeira coisa que chama a atenção, ao lê-las, é uma mistura de ideias justas, profundas, que trazem a marca do observador, ao lado de outras, evidentemente falsas e fundadas mais na imaginação que na realidade. Indubitavelmente, Charlet era um homem acima do vulgo; mas, como Espírito, não é mais universal do que o era em vida e pode equivocar-se, porque, não sendo ainda bastante elevado, só considera as coisas de seu ponto de vista. Aliás, só os Espíritos chegados ao último grau de perfeição estão isentos de erros; os outros, por melhores que sejam, nem tudo sabem e podem enganar-se; mas, quando verdadeiramente bons, o fazem de boa-fé e concordam francamente, ao passo que os outros o fazem conscientemente e se obstinam nas mais absurdas ideias. É por isso que nos devemos guardar de aceitar tudo quanto vem do mundo invisível, sem antes submeter ao controle da lógica. Os bons Espíritos o recomendam incessantemente e jamais se ofendem com a crítica, porque, de duas uma: ou estão certos do que dizem e, então, nada temem, ou não estão seguros e, se têm consciência de sua insuficiência, eles mesmos buscam a verdade. Ora, se os homens podem instruir-se com os Espíritos, alguns Espíritos também podem instruir-se com os homens. Os outros, ao contrário, querem dominar, esperando que suas utopias sejam aceitas por causa de sua condição de Espírito. Então, seja presunção de sua parte, seja má intenção, não suportam a contradição; querem ser acreditados sob palavra, porque sabem perfeitamente que vão perder no exame. Ofendem-se à menor dúvida sobre a sua infalibilidade e soberbamente ameaçam vos abandonar, como indignos de os ouvir. Assim, só gostam dos que se prostram de joelhos perante eles. Não há homens assim? E devemos admirar-nos de os encontrar com suas extravagâncias no mundo dos Espíritos? Nos homens, um tal caráter é sempre, aos olhos das pessoas sensatas, indício de orgulho, de vã suficiência, de tola vaidade e, portanto, de pequenez nas ideias e de falso julgamento. O que seria um sinal de inferioridade moral nos homens, não poderia ser um sinal de superioridade nos Espíritos.

Como acabamos de ver, Charlet se presta de boa vontade à controvérsia; escuta e admite as objeções, respondendo com benevolência; desenvolve o que era obscuro e reconhece lealmente o que não é exato. Numa palavra, não quer passar por mais sábio do que é, e nisso prova mais elevação do que se obstinasse nas ideias falsas, a exemplo de certos Espíritos que se escandalizam ao simples anúncio de que suas comunicações parecem susceptíveis de comentários.

O que ainda é próprio desses Espíritos orgulhosos é a espécie de fascinação que exercem sobre seus médiuns, por meio da qual algumas vezes os fazem compartilhar dos mesmos sentimentos. Dizemos de propósito seus médiuns, porque deles se apoderam e neles querem ter instrumentos que agem de olhos fechados. De maneira alguma se acomodariam a um médium perscrutador ou que visse bem claro. Não se dá também o mesmo entre os homens? Quando o encontram, temendo que lhes escape, lhe inspiram o afastamento de quem quer que o possa esclarecer. Isolam-no de certo modo, a fim de poderem agir com inteira liberdade, ou só o aproximam daqueles de quem nada têm a temer. E, para melhor lhes captar a confiança, se fazem de bons apóstolos, usurpando os nomes de Espíritos venerados, cuja linguagem procuram imitar. Mas, por mais que façam, jamais a ignorância poderá simular o verdadeiro saber, nem uma natureza má a verdadeira virtude. O orgulho sempre se mostrará sob o manto de uma falsa humildade; e porque temem ser desmascarados, evitam a discussão e afastam seus médiuns.

Não há ninguém que, julgando friamente e sem prevenção, não reconheça como má uma tal influência, porquanto se torna evidente ao mais vulgar bom-senso que um Espírito verdadeiramente bom e esclarecido jamais procurará exercê-la. Pode-se, pois, dizer, que todo médium que a ela se submete está sob o império de uma obsessão, da qual deve procurar desembaraçar-se o quanto antes. O que se quer, antes de tudo, não são comunicações a qualquer preço, mas comunicações boas e verdadeiras. Ora, para se obter boas comunicações, são necessários bons Espíritos, e para ter bons Espíritos é preciso ter bons médiuns, livres de toda influência má. A natureza dos Espíritos que habitualmente assistem um médium é, pois, uma das primeiras coisas a considerar. Para conhecê-la com exatidão há um critério infalível, e não é nos sinais materiais, nem nas fórmulas de evocação ou de conjuração que será encontrada. Esse critério está nos sentimentos que o Espírito inspira ao médium. Pela maneira deste último agir pode-se julgar a natureza dos Espíritos que o dirigem e, consequentemente, o grau de confiança que merecem as comunicações.

Isto não é uma opinião pessoal, um sistema, mas um princípio deduzido da mais rigorosa lógica, se admitirmos esta premissa: um mau pensamento não pode ser sugerido por um bom Espírito. Enquanto não se provar que um bom Espírito pode inspirar o mal, diremos que todo ato que se afaste da benevolência, da caridade e da humildade, ou que denote ódio, inveja, ciúme, orgulho ferido ou simples acrimônia, só pode ser inspirado por um mau Espírito, ainda que este pregasse hipocritamente as mais belas máximas, porquanto, se fosse verdadeiramente bom, ele o provaria pondo seus atos em harmonia com suas palavras. A prática do Espiritismo é cercada de tantas dificuldades, os Espíritos enganadores são tão sabichões, tão astuciosos e, ao mesmo tempo, tão numerosos, que nunca nos armaríamos de precauções suficientes para frustrar seus planos. Importa, pois, rebuscar com o maior cuidado os indícios pelos quais eles podem se trair. Ora, esses indícios estão, ao mesmo tempo, em sua linguagem e nos atos que provocam.

Tendo submetido essas reflexões ao Espírito de Charlet, eis o que disse a respeito: “Não posso senão aprovar o que acabais de dizer e exortar a todos quanto se ocupam do Espiritismo a seguir tão sábios conselhos, evidentemente ditados por bons Espíritos, mas que não são absolutamente, e bem podereis crê-lo, do gosto dos maus, pois estes sabem muito bem que esse é o meio mais eficaz para combater sua influência. Assim, fazem tudo quanto podem para desviar aqueles que querem prender em suas redes.”

Charlet disse que se deixou arrastar pelo prazer, novo para ele, de escrever belas frases, mesmo em prejuízo da verdade. Que teria acontecido se tivéssemos publicado seu trabalho sem fazer comentários? Teriam acusado o Espiritismo de dar crédito a ideias ridículas e nós mesmos por não sabermos distinguir o verdadeiro do falso. Muitos Espíritos estão no mesmo caso; encontram uma satisfação para o amor-próprio em divulgar, através dos médiuns – já que não o podem fazer por si mesmos -obras literárias, científicas, filosóficas ou dogmáticas de grande fôlego. Mas quando esses Espíritos têm apenas um falso saber, escrevem coisas absurdas, exatamente como o fariam os homens. É, sobretudo, nessas obras sequenciadas que podemos julgá-los, uma vez que sua ignorância os torna incapazes de sustentar seu papel por muito tempo e eles próprios revelam sua insuficiência, chocando a cada passo a lógica e a razão. Através de uma porção de ideias falsas há, por vezes, algumas muito boas, de que se servem para fazer passar as outras. Essa incoerência apenas demonstra a sua incapacidade; são pedreiros que sabem alinhar as pedras de uma construção, mas que seriam incapazes de construir um palácio. É, por vezes, curioso ver o dédalo inextricável de combinações e de raciocínios em que se aventuram, e dos quais não podem sair senão à força de sofismas e de utopias. Vimos alguns que, à custa de expedientes, deixaram o trabalho, mas outros não se dão por vencidos e querem arrastá-lo até o fim, rindo-se a expensas dos que os levam a sério.

Estas reflexões nos são sugeridas como um princípio geral e seria erro ver nelas uma aplicação qualquer. Entre os numerosos escritos publicados sobre o Espiritismo, sem dúvida alguns poderiam ensejar uma crítica fundada; mas não os pomos todos na mesma linha; indicamos um meio de os apreciar e cada um fará como entender. Se ainda não empreendemos fazer-lhes um exame em nossa Revista é pelo receio de que se equivoquem sobre o móvel da crítica que poderíamos fazer. Desse modo, preferimos esperar que o Espiritismo fosse mais bem conhecido e, sobretudo, melhor compreendido. Assim nossa opinião, apoiada em base geralmente admitida, não poderá ser suspeitada de parcialidade. O que esperamos acontece todo dia, pois vemos que em muitas circunstâncias o julgamento da opinião adianta-se ao nosso. Só temos, portanto, que aplaudir nossa reserva. Empreenderemos este exame quando julgarmos oportuno o momento. Mas já se pode ver qual será a base de nossa apreciação: esta base será a lógica, da qual cada um poderá fazer seu próprio uso, pois não alimentamos a tola pretensão de lhe ter o privilégio. A lógica, com efeito, é o grande critério de toda comunicação espírita, como o é de todos os trabalhos humanos. Sabemos perfeitamente que aquele que raciocina de maneira errada julga ser lógico. Ele o é à sua maneira, mas apenas para si e não para os outros. Quando uma lógica é rigorosa como dois e dois são quatro, e as consequências são deduzidas de axiomas evidentes, o bom-senso geral cedo ou tarde faz justiça a todos esses sofismas. Acreditamos que as proposições seguintes têm este caráter:

1º Os bons Espíritos não podem ensinar e inspirar senão o bem; assim, tudo que não é rigorosamente bem não pode vir de um bom Espírito;

2º Os Espíritos esclarecidos e verdadeiramente superiores não podem ensinar coisas absurdas; assim, toda, comunicação eivada de erros manifestos ou contrários aos dados mais vulgares da ciência e da observação, só por isso atesta a inferioridade de sua origem;

3º A superioridade de um escrito qualquer está na justeza e na profundidade das ideias, e não na forma material e na redundância do estilo; assim, toda comunicação espírita em que há mais palavras e frases brilhantes do que pensamentos consistentes, não pode provir de um Espírito verdadeiramente superior;

4º A ignorância não pode imitar o verdadeiro saber, nem o mal arremedar o bem de maneira absoluta; assim, todo Espírito que, sob um nome venerado, diz coisas incompatíveis com o título que se atribui, é culpado por fraude;

5º É da essência de um Espírito elevado ligar-se mais ao pensamento do que à forma e à matéria, donde se conclui que a elevação de um Espírito está na razão da elevação das ideias; assim, todo Espírito meticuloso nos detalhes da forma, que prescreve puerilidades, numa palavra, que liga importância aos sinais e às coisas materiais, acusa, por isso mesmo, uma pequenez de ideias e não pode ser realmente superior;

6º Um Espírito verdadeiramente superior não pode contradizer-se; assim, se duas comunicações contraditórias forem dadas sob um mesmo nome respeitável, uma delas é necessariamente apócrifa; e se uma for verdadeira, será aquela que em nada desmente a superioridade do Espírito cujo nome a encabeça.

A consequência a tirar destes princípios é que, fora das questões morais, não se deve acolher o que vem dos Espíritos senão com reservas e, em todos os casos, jamais aceitá-las sem exame. Daí decorre a necessidade de se ter a maior circunspeção na publicação dos escritos emanados dessa fonte, sobretudo quando, pela estranheza das doutrinas que encerram, ou pela incoerência das ideias, podem prestar-se ao ridículo. É preciso desconfiar do pendor de certos Espíritos para as ideias sistemáticas, e do amor-próprio que buscam espalhar. Assim, é sobretudo nas teorias científicas que precisa haver extrema prudência, guardando-se de dar precipitadamente como verdades sistemas por vezes mais sedutores que reais, e que, cedo ou tarde, podem receber um desmentido oficial. Que sejam apresentados como probabilidades, se forem lógicas, e como podendo servir de base para observações ulteriores, admite-se; mas seria imprudência tomá-los prematuramente como artigos de fé. Diz um provérbio: Nada é mais perigoso do que um amigo imprudente. Ora, é o caso dos que, no Espiritismo, se deixam levar por um zelo mais ardente que refletido.



[1] [v. Nicolas-Toussaint Charlet.]


[2] [O exame das dissertações de Charlet sobre os animais foram reunidas pelo Codificador no “Exame Crítico” publicado logo após às nove comunicações. Para facilitar o estudo, aproximamos a análise de Allan Kardec dos artigos ditados por Charlet, deixando apenas a “Observação Geral” para o final.]


[3] N. do T.: Há evidente inversão de letras. Na verdade Kardec se refere ao § IX (O XI [do original] não existe).


Abrir