OBSERVAÇÕES
PRELIMINARES. — SUPERIORIDADE DA NATUREZA DE JESUS: (1,
2.) — Sonhos. (3.)
— Estrela dos magos. (4.)
— DUPLA VISTA: Entrada de Jesus em Jerusalém. (5.)
— Beijo de Judas. (6.)
— Pesca milagrosa. (7.)
— Vocação de Pedro, André, Tiago, João e Mateus. (8,
9.) — CURAS: Perda de sangue. (10,
11.) — Cego de Betsaida. (12,
13.) — Paralítico. (14,
15.) — Os dez leprosos. (16,
17.) — Mão seca. (18.)
— A mulher curvada. (19,
20.) — O paralítico da piscina. (21-23.)
— Cego de nascença. (24,
25.) — Numerosas curas de Jesus. (26-28.)
— POSSESSOS. (29-36.)
— RESSURREIÇÕES: Filha de Jairo. (37.)
— Filho da viúva de Naim. (38-40.)
— OUTROS: Jesus caminha
sobre a água. (41,
42.) — Transfiguração. (43,
44.) — Tempestade aplacada. (45,
46.) — Bodas de Caná. (47.)
— Multiplicação dos pães. (48.)
— O fermento dos fariseus. (49.)
— O pão do Céu. (50,
51.) — Tentação de Jesus. (52,
53.) — Prodígios à morte de Jesus. (54,
55.) — Aparição de Jesus, após sua morte. (56-63.)
— Desaparecimento do corpo de Jesus. (64-67.) |
41. — Logo, fez Jesus que seus discípulos tomassem a barca e passassem para a outra margem antes dele, que ficava a despedir o povo. Depois de o ter despedido, subiu a um monte para orar e, tendo caído a noite, achou-se ele sozinho naquele lugar.
Entrementes, a barca era fortemente açoitada pelas ondas, em meio do mar, por ser contrário o vento. Mas, na quarta vigília da noite. n Jesus foi ter com eles, caminhando por sobre o mar. n — Quando eles o viram andando sobre o mar, turbaram-se e diziam: É um fantasma e se puseram a gritar amedrontados. Jesus então lhes falou dizendo: Tranquilizai-vos, sou eu, não tenhais medo.
Pedro lhe respondeu: Senhor, se és tu, manda que eu vá ao teu encontro, caminhando
sobre as águas. Disse-lhe Jesus: Vem. Pedro, descendo da barca, caminhava
sobre a água, ao encontro de Jesus. Mas, vindo um grande vento, ele
teve medo; e como começasse a submergir, clamou: Senhor, salva-me. Logo,
Jesus, estendendo-lhe a mão, disse: Homem de pouca fé! por que duvidaste?
E, tendo subido para a barca, cessou o vento. Então, os que estavam
na barca, aproximando-se dele, o adoraram, dizendo: És verdadeiramente
filho de Deus. (São
Mateus, capítulo XIV, vv. 22 a 33.)
42. — Este fenômeno encontra explicação natural nos princípios acima expostos, capítulo XIV, n.º 43.
2 Exemplos análogos provam que ele nada tem de impossível, nem de miraculoso, pois que se produz sob a ação das leis da Natureza. Pode operar-se de duas maneiras.
3
Jesus, embora estivesse vivo, pôde aparecer sobre a água, com uma forma
tangível, estando alhures o seu corpo. É a hipótese mais provável. Fácil
é mesmo descobrir-se na narrativa alguns sinais característicos das
aparições tangíveis. (Cap. XIV,
n.º 35 a 37.)
4 Por outro lado, também pode ter sucedido que seu corpo fosse sustentado e neutralizada a sua gravidade pela mesma força fluídica que mantém no espaço uma mesa, sem ponto de apoio. Idêntico efeito se produz muitas vezes com os corpos humanos.
43. — Seis dias depois, tendo chamado de parte a Pedro, Tiago e João, Jesus os levou consigo a um alto monte afastado, n e se transfigurou diante deles. Enquanto orava, seu rosto pareceu inteiramente outro; suas vestes se tornaram brilhantemente luminosas e brancas qual a neve, como nenhum lavandeiro na Terra que possa fazer tão alva. E eles viram aparecer Elias e Moisés, a entreter palestra com Jesus.
Então, disse Pedro a Jesus: Mestre, estamos bem aqui; façamos três tendas: uma para ti, outra para Moisés, outra para Elias. É que ele não sabia o que dizia, tão espantado estava.
Ao mesmo tempo, apareceu uma nuvem que os cobriu; e, dessa nuvem, uma voz partiu, fazendo ouvir estas palavras: Este é meu Filho bem-amado; escutai-o.
Logo, olhando para todos os lados, a ninguém mais viram, senão a Jesus, que ficara a sós com eles.
Quando desciam do monte, ordenou-lhes ele que a ninguém falassem do que tinham
visto, até que o Filho do Homem ressuscitasse dentre os mortos. E eles
conservaram em segredo o fato, inquirindo uns dos outros o que teria
ele querido dizer com estas palavras: Até que o Filho da Homem tenha
ressuscitado dentre os mortos. (São
Marcos, capítulo IX, vv. 2 a 9.)
44. — É ainda nas propriedades do fluido perispirítico que se encontra
a explicação deste fenômeno. 2
A transfiguração, explicada
no capítulo XIV, n.º 39, é um fato muito comum que, em virtude
da irradiação fluídica, pode modificar a aparência de um indivíduo;
3
mas, a pureza do perispírito de Jesus permitiu que seu Espírito lhe
desse excepcional fulgor. 4
Quanto à aparição de Moisés e Elias cabe inteiramente no rol de todos
os fenômenos do mesmo gênero. (Cap. XIV,
n.º 35 e seguintes.)
5 De todas faculdades que Jesus revelou, nenhuma se pode apontar estranha às condições da humanidade e que se não encontre comumente nos homens, porque estão todas na ordem da Natureza; 6 pela superioridade, porém, da sua essência moral e de suas qualidades fluídicas, aquelas faculdades atingiam nele proporções muito acima das que são vulgares. 7 Posto de lado o seu envoltório carnal, ele nos patenteava o estado dos puros Espíritos.
45. — Certo dia, tendo tomado uma barca com seus discípulos, disse-lhes
ele: Passemos à outra margem do lago. Partiram então. Durante a travessia,
ele adormeceu. Então, um grande turbilhão de vento se abateu de súbito
sobre o lago, de sorte que, enchendo-se d’água a barca, eles se viam
em perigo. Aproximaram-se, pois, dele e o despertaram, dizendo-lhe:
Mestre, perecemos. Jesus, levantando-se, falou, ameaçador, aos ventos
e às ondas agitadas e uns e outras se aplacaram, sobrevindo grande calma.
Ele então lhes disse: Onde está a vossa fé? Eles, porém, cheios de temor
e admiração, perguntavam uns aos outros: quem é este que assim dá ordens
ao vento e às ondas, e eles lhe obedecem? (São
Lucas, capítulo VIII, vv. 22 a 25.)
46. — Ainda não conhecemos bastante os segredos da Natureza para dizer se há ou não inteligências ocultas presidindo à ação dos elementos. 2 Na hipótese de haver, o fenômeno em questão poderia ter resultado de um ato de autoridade sobre essas inteligências e provaria um poder que a nenhum homem é dado exercer.
3 Como quer que seja, o fato de estar Jesus a dormir tranquilamente, durante a tempestade, atesta de sua parte uma segurança que se pode explicar pela circunstância de que seu Espírito via não haver perigo nenhum e que a tempestade ia amainar.
47. — Este milagre, referido unicamente no Evangelho de São João, ( † ) é apresentado como o primeiro que Jesus operou e, nessas condições, devera ter sido um dos mais notados; entretanto, bem fraca impressão parece haver produzido, pois que nenhum outro evangelista dele trata.
2 Fato tão extraordinário era para deixar espantados, no mais alto grau, os convivas e, sobretudo, o dono da casa, os quais, todavia, parece que não o perceberam.
3
Considerado em si mesmo, pouca importância tem o fato, em comparação
com os que, verdadeiramente, atestam as qualidades espirituais de Jesus.
4
Admitido que as coisas hajam ocorrido, conforme foram narradas, é de
notar-se seja esse, de tal gênero, o único fenômeno que se tenha produzido;
5
Jesus era de natureza extremamente elevada, para se ater a efeitos puramente
materiais, próprios apenas a aguçar a curiosidade da multidão que, então,
o teria nivelado a um mágico; 6
ele sabia que as coisas úteis lhe conquistariam mais simpatias e lhe
granjeariam mais adeptos, do que as que facilmente passariam por fruto
de grande habilidade e destreza. (N.º 27.)
7 Se bem que, a rigor, o fato se possa explicar, até certo ponto, por uma ação fluídica que houvesse, como o magnetismo oferece muitos exemplos, mudado as propriedades da água, dando-lhe o sabor do vinho, pouco provável é se tenha verificado semelhante hipótese, dado que, em tal caso, a água, tendo do vinho unicamente o sabor, houvera conservado a sua coloração, o que não deixaria de ser notado. 8 Mais racional é se reconheça aí uma daquelas parábolas tão frequentes nos ensinos de Jesus, como a do filho pródigo, a do festim de bodas, do mau rico, da figueira que secou e tantas outras que, todavia, se apresentam com caráter de fatos ocorridos. 9 Provavelmente, durante o repasto, terá ele aludido ao vinho e à água, tirando de ambos um ensinamento. Justificam esta opinião as palavras que a respeito lhe dirige o mordomo: ( † ) “Toda gente serve em primeiro lugar o vinho bom e, depois que todos o têm bebido muito, serve o menos fino; tu, porém, guardas até agora o bom vinho?”
10 Entre duas hipóteses, deve-se preferir a mais racional e os espíritas não são tão crédulos que por toda parte vejam manifestações, nem tão absolutos em suas, opiniões, que pretendam explicar tudo por meio dos fluidos.
48. — A multiplicação dos pães ( † ) é um dos milagres que mais têm intrigado os comentadores e alimentado, ao mesmo tempo, as zombarias dos incrédulos. 2 Sem se darem ao trabalho de lhe perscrutar o sentido alegórico, para estes últimos ele não passa de um conto pueril; entretanto, a maioria das pessoas sérias há visto na narrativa desse fato, embora sob forma diferente da ordinária, uma parábola, em que se compara o alimento espiritual da alma ao alimento do corpo.
3 Pode-se, todavia, perceber nela mais do que uma simples figura e admitir, de certo ponto de vista, a realidade de um fato material, sem que, para isso, seja preciso se recorra ao prodígio. 4 É sabido que uma grande preocupação de espírito, bem como a atenção fortemente presa a uma coisa fazem esquecer a fome. 5 Ora, os que acompanhavam a Jesus eram criaturas ávidas de ouvi-lo; nada há, pois, de espantar em que, fascinadas pela sua palavra e também, talvez, pela poderosa ação magnética que ele exercia sobre os que o cercavam, elas não tenham experimentado a necessidade material de comer.
6 Prevendo esse resultado, Jesus nenhuma dificuldade teve para tranquilizar os discípulos, dizendo-lhes, na linguagem figurada que lhe era habitual e admitido que realmente houvessem trazido alguns pães, que estes bastariam para matar a fome à multidão. 7 Simultaneamente, ministrava aos referidos discípulos um ensinamento, com o lhes dizer: ( † ) “Dai-lhes vós mesmos de comer.” Ensinava-lhes assim que também eles podiam alimentar por meio da palavra.
8 Desse modo, a par do sentido moral alegórico, produziu-se um efeito fisiológico, natural e muito conhecido. 9 O prodígio, no caso, está no ascendente da palavra de Jesus, poderosa bastante para cativar a atenção de uma multidão imensa, ao ponto de faze-la esquecer-se de comer. 10 Esse poder moral comprova a superioridade de Jesus, muito mais do que o fato puramente material da multiplicação dos pães, que tem de ser considerada como alegoria.
11 Esta explicação, aliás, o próprio Jesus a confirmou nas duas passagens seguintes.
49. — Ora, tendo seus discípulos passado para o outro lado do mar, esqueceram-se de levar pães. Jesus lhes disse: Tende o cuidado de precatar-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus. Eles, porém, pensavam e diziam entre si: É porque não trouxemos pães.
Jesus, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Homens de pouca fé, por que haveis de estar cogitando de não terdes trazido pães? Ainda não compreendeis e não vos lembrais quantos cestos levastes? Como não compreendereis que não é do pão que eu vos falava, quando disse que vos guardásseis do fermento dos fariseus e saduceus?
Eles então compreenderam que ele não lhes dissera que se preservassem do fermento
que se põe no pão, mas da doutrina dos fariseus e dos saduceus. (São
Mateus, capítulo XVI, vv. 5 a 12.)
50. — No dia seguinte, o povo, que permanecera do outro lado do mar, notou que lá não chegara outra barca e que Jesus não entrara na que seus discípulos tomaram, que os discípulos haviam partido sós, e como tinham chegado depois outras barcas de Tiberíades, perto do lugar onde o Senhor, após render graças, os alimentara com cinco pães; e como verificassem por fim que Jesus não estava lá, tampouco seus discípulos, entraram naquelas barcas e foram para Cafarnaum em busca de Jesus. E, tendo-o encontrado além do mar, disseram-lhe: Mestre, quando vieste para cá?
Jesus lhes respondeu: Em verdade, em verdade vos digo que me procurais, não por causa dos milagres que vistes mas por que eu vos dei pão a comer e ficastes saciados.
— Trabalhai por ter, não o alimento que perece, mas o que dura para a vida eterna e que o Filho do Homem vos dará, porque foi nele que Deus, o Pai, imprimiu seu selo e seu caráter.
Perguntaram-lhe eles: que devemos fazer para produzir obras de Deus? Respondeu-lhes Jesus: A obra de Deus é que creiais no que ele enviou.
Perguntaram-lhe então: Que milagre operarás que nos faça crer, vendo-o? Que farás de extraordinário? Nossos pais comeram o maná no deserto, conforme está escrito: Ele lhes deu de comer o pão do Céu.
Jesus lhes respondeu: Em verdade, em verdade vos digo que Moisés não vos deu o pão do Céu; meu Pai é quem dá o verdadeiro pão do Céu, porquanto o pão de Deus é aquele que desceu do Céu e que dá vida ao mundo.
Disseram eles então: Senhor, dá-nos sempre desse pão.
Jesus lhes respondeu: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome e aquele que em mim crê não terá sede. Mas, eu já vos disse: vós me tendes visto e não credes.
Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim tem a vida eterna.
Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná do deserto e morreram.
Aqui está o pão que desceu do Céu, a fim de que quem dele comer não
morra. (São
João, capítulo VI, vv. 22 a 36 e 47
a 50.)
51. — Na primeira passagem, ( † ) lembrando o fato precedentemente operado, Jesus dá claramente a entender que não se tratara de pães materiais, pois, a não ser assim, careceria de objeto a comparação por ele estabelecida com o fermento dos fariseus: “Ainda não compreendeis, diz ele, e não vos recordais de que cinco pães bastaram para cinco mil pessoas ( † ) e que dois pães foram bastantes para quatro mil? ( † ) Como não compreendestes que não era de pão que eu vos falava, quando vos dizia que vos preservásseis do fermento dos fariseus?” 2 Esse confronto nenhuma razão de ser teria, na hipótese de uma multiplicação material. O fato fora de si mesmo muito extraordinário para ter impressionado fortemente a imaginação dos discípulos, que, entretanto, pareciam não mais lembrar-se dele.
3 É também o que não menos claramente ressalta, do que Jesus expendeu sobre o pão do Céu, empenhado em fazer que seus ouvintes compreendessem o verdadeiro sentido do alimento espiritual. ( † ) “Trabalhai, diz ele, não por conseguir o alimento que perece, mas pelo que se conserva para a vida eterna e que o Filho do Homem vos dará.” 4 Esse alimento é a sua palavra, pão que desceu do Céu e dá vida ao mundo. ( † ) “Eu sou, declara ele, o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome e aquele que em mim crê nunca terá sede.”
5 Tais distinções, porém, eram por demais sutis para aquelas naturezas rudes, que somente compreendiam as coisas tangíveis. Para eles, o maná, que alimentara o corpo de seus antepassados, era o verdadeiro pão do Céu; aí é que estava o milagre. 6 Se, portanto, houvesse ocorrido materialmente o fato da multiplicação dos pães, como teria ele impressionado tão fracamente aqueles mesmos homens, a cujo benefício essa multiplicação se operara poucos dias antes, ao ponto de perguntarem a Jesus: ( † ) “Que milagre farás para que, vendo-o, te creiamos? que farás de extraordinário?” 7 Eles entendiam por milagres os prodígios que os fariseus pediam, isto é, sinais que aparecessem no céu por ordem de Jesus, como pela varinha de um mágico. 8 Ora, o que Jesus fazia era extremamente simples e não se afastava das leis da Natureza; as próprias curas não revelavam caráter muito singular, nem muito extraordinário; para eles, os milagres espirituais não apresentavam grande vulto.
52. — Jesus, transportado pelo diabo ao pináculo do Templo, ( † ) depois ao cume de uma montanha e por ele tentado, constitui uma daquelas parábolas que lhe eram familiares e que a credulidade pública transformou em fatos materiais. n
53. — Jesus não foi arrebatado, 2 ele apenas quis fazer que os homens compreendessem que a Humanidade se acha sujeita a falir e que deve estar sempre em guarda contra as más inspirações a que, pela sua natureza fraca, é impelida a ceder. 3 A tentação de Jesus é, pois, uma figura e fora preciso ser cego para tomá-la ao pé da letra. 4 Como pretenderíeis que o Messias, o Verbo de Deus encarnado, tenha estado submetido, por algum tempo, embora muito curto fosse este, às sugestões do demônio e que, como o diz o Evangelho de Lucas, ( † ) o demônio o houvesse deixado por algum tempo, o que daria a supor que o Cristo continuou submetido ao poder daquela entidade? 5 Não; compreendei melhor os ensinos que vos foram dados. O Espírito do mal nada poderia sobre a essência do bem. 6 Ninguém diz ter visto Jesus no cume da montanha, nem no pináculo do Templo; certamente, tal fato teria sido de natureza a se espalhar por todos os povos. 7 A tentação, portanto, não constituiu um ato material e físico. 8 Quanto ao ato moral, admitiríeis que o Espírito das trevas pudesse dizer àquele que conhecia sua própria origem e o seu poder: ( † ) “Adora-me, que te darei todos os reinos da Terra?” 9 Desconheceria então o demônio aquele a quem fazia tais oferecimentos? Não é provável. Ora, se o conhecia, suas propostas eram uma insensatez, pois ele não ignorava que seria repelido por aquele que viera destruir-lhe o império sobre os homens.
10 “Compreendei, portanto, o sentido dessa parábola, que outra coisa aí não tendes, do mesmo modo que nos casos do Filho pródigo ( † ) e do Bom Samaritano. ( † ) Aquela mostra os perigos que correm os homens, se não resistem à voz íntima que lhes clama sem cessar: “Podes ser mais do que és; podes possuir mais do que possuis; podes engrandecer-te, adquirir muito; cede à voz da ambição e todos os teus desejos serão satisfeitos.” 11 Ela vos mostra o perigo e o meio de o evitardes, dizendo às más inspirações: Retira-te, Satanás! ou, por outras palavras: Vai-te tentação!
12 “As duas outras parábolas que lembrei mostram o que ainda pode esperar aquele que, por muito fraco para expulsar o demônio, lhe sucumbiu às tentações. 13 Mostram a misericórdia do pai de família, pousando a mão sobre a fronte do filho arrependido e concedendo-lhe, com amor, o perdão implorado. 14 Mostram o culpado, o cismático, o homem repelido por seus irmãos, valendo mais, aos olhos do Juiz Supremo, do que os que o desprezam, por praticar ele as virtudes que a lei de amor ensina.
15 “Pesai bem os ensinamentos que os Evangelhos contêm; sabei distinguir o que ali está em sentido próprio, ou em sentido figurado, e os erros que vos hão cegado durante tanto tempo se apagarão pouco a pouco, cedendo lugar à brilhante luz da Verdade.” (Bordeaux, 1862. João, Evang.).
54. — Ora, desde a sexta hora do dia até à nona, n toda a Terra se cobriu de trevas.
Ao mesmo tempo o véu do Templo se rasgou em dois, de alto a baixo; a terra
tremeu; as pedras se fenderam; os sepulcros se abriram e muitos corpos
de santos, que estavam no sono da morte, ressuscitaram; e, saindo de
seus túmulos após a ressurreição, vieram à cidade santa e foram vistos
por muitas pessoas. (São
Mateus, capítulo XXVII, vv. 45, 51 a 53.)
55. — É singular que tais prodígios, operando-se no momento mesmo em que a atenção da cidade se fixava no suplício de Jesus, que era o acontecimento do dia, não tenham sido notados, pois que nenhum historiador os menciona. 2 Parece impossível que um tremor de terra e o ficar toda a Terra envolta em trevas durante três horas, num país onde o céu é sempre de perfeita limpidez, hajam podido passar despercebidos.
3 A duração de tal obscuridade teria sido quase a de um eclipse do Sol, mas os eclipses dessa espécie só se produzem na lua nova, e a morte de Jesus ocorreu em fase de lua cheia, a 14 de Nissan, dia da Páscoa dos judeus.
4 O obscurecimento do Sol também pode ser produzido pelas manchas que se lhe notam na superfície. Em tal caso, o brilho da luz se enfraquece sensivelmente, porém, nunca ao ponto de determinar obscuridade e trevas. Admitido que um fenômeno desse gênero se houvesse dado, ele decorreria de uma causa perfeitamente natural. n
5 Quanto aos mortos que ressuscitaram, possivelmente algumas pessoas tiveram visões ou viram aparições, o que não é excepcional; entretanto, como então não se conhecia a causa desse fenômeno, supuseram que as figuras vistas saíam dos sepulcros.
6 Compungidos com a morte de seu Mestre, os discípulos de Jesus sem dúvida ligaram a essa morte alguns fatos particulares, aos quais noutra ocasião nenhuma atenção houveram prestado. 7 Bastou, talvez, que um fragmento de rochedo se haja destacado naquele momento, para que pessoas inclinadas ao maravilhoso tenham visto nesse fato um prodígio e, ampliando-o, tenham dito que as pedras se fenderam.
8 Jesus é grande pelas suas obras e não pelos quadros fantásticos de que um entusiasmo pouco ponderado entendeu de cercá-lo.
56. — Mas, Maria (Madalena) se conservou fora, perto do sepulcro, a derramar lágrimas. E, estando a chorar, como se abaixasse para olhar dentro do sepulcro, viu dois anjos vestidos de branco, assentados no lugar onde estivera o corpo de Jesus, um à cabeceira, o outro do lado dos pés. Disseram-lhe eles: Mulher, por que choras? Ela respondeu: É que levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram.
Tendo dito isto, voltou-se e viu a Jesus de pé, sem saber, entretanto, que fosse Jesus. Este então lhe disse: Mulher, por que choras? A quem procuras? Ela, pensando fosse o jardineiro, lhe disse: Senhor, se foste tu quem o tirou, dize-me onde o puseste e eu o levarei.
Disse-lhe Jesus: Maria. Logo ela se voltou e disse: Rabboni, isto é: Meu Senhor. Jesus lhe respondeu: Não me toques, porquanto ainda não subi para meu Pai; mas, vai ter com meus irmãos e dize-lhes de minha parte: Subo a meu Pai e vosso Pai, a meu Deus e vosso Deus.
Maria, Madalena foi então dizer aos discípulos que vira o Senhor e que este
lhe dissera aquelas coisas. (São
João, capítulo XX, vv. 11 a 18.)
57. — Naquele mesmo dia, indo dois deles para um burgo chamado Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios n falavam entre si de tudo o que se passara. E aconteceu que, quando conversavam e discorriam sobre isso, Jesus se lhes juntou e se pôs a caminhar com eles; seus olhos, porém, estavam tolhidos, a fim de que não o pudessem reconhecer. Ele disse: De que vínheis falando a caminhar e por que estais tão tristes?
Um deles, chamado Cleofas, tomando a palavra disse: Serás em Jerusalém o único estrangeiro que não saiba do que aí se passou estes últimos dias? que foi? perguntou ele. Responderam-lhe: A respeito de Jesus de Nazaré, que foi um poderoso profeta diante de Deus e diante de toda a gente, e acerca do modo por que os príncipes dos sacerdotes e os nossos senadores o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. Ora, nós esperávamos fosse ele quem resgatasse a Israel, no entanto, já estamos no terceiro dia depois que tais coisas se deram. É certo que algumas mulheres das que estavam conosco nos espantaram, pois que, tendo ido ao seu sepulcro antes do romper do dia, nos vieram dizer que anjos mesmos lhes apareceram, dizendo-lhes que ele está vivo. E alguns dos nossos, tendo ido também ao sepulcro, encontraram todas as coisas conforme as mulheres haviam referido; mas, quanto a ele, não o encontraram.
Disse-lhes então Jesus: Oh! insensatos, de coração tardo a crer em tudo a que os profetas hão dito! Não era preciso que o Cristo sofresse todas essas coisas e que entrasse assim na sua glória? E, a começar de Moisés, passando em seguida por todos os profetas, lhes explicava o que em todas as Escrituras fora dito dele.
Ao aproximarem-se do burgo para onde se dirigiam, ele deu mostras de que ia mais longe. Os dois o obrigaram a deter-se, dizendo-lhe: fica conosco, que já é tarde e o dia está em declínio. Ele entrou com os dois. Estando com eles à mesa tomou do pão, abençoou-o e lhes deu. Abriram-se-lhes ao mesmo tempo os olhos e ambos; o reconheceram; ele, porém, lhes desapareceu das vistas.
Então, disseram um ao outro: Não é verdade que o nosso coração ardia dentro de nós, quando ele pelo caminho nos falava, explicando-nos as Escrituras? E, erguendo-se no mesmo instante, voltaram a Jerusalém e viram que os onze apóstolos e os que continuavam com eles estavam reunidos e diziam: O Senhor em verdade ressuscitou e apareceu a Simão. Então, também eles narraram o que lhes acontecera em caminho e como o tinham reconhecido ao partir o pão.
Enquanto assim confabulavam, Jesus se apresentou no meio deles e lhes disse: A paz seja convosco; sou eu, não vos assusteis. Mas, na perturbação e no medo de que foram tomados, eles imaginaram estar vendo um Espírito.
E Jesus lhes disse: Por que vos turbais? Por que se elevam tantos pensamentos nos vossos corações? Olhai para as minhas mãos e para os meus pés e reconhecei que sou eu mesmo. Tocai-me e considerai que um Espírito não tem carne, nem osso, como vedes que eu tenho. Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés.
Mas, como eles ainda não acreditavam, tão transportados de alegria e de admiração se achavam, disse-lhes: Tendes aqui alguma coisa que se coma? Eles lhe apresentaram um pedaço de peixe assado e um favo de mel. Ele comeu diante deles e, tomando os restos, lhes deu, dizendo: Eis que, estando ainda convosco, eu vos dizia que era necessário se cumprisse tudo o que de mim foi escrito na lei de Moisés, nos profetas e nos Salmos.
Ao mesmo tempo lhes abriu o espírito, a fim de que entendessem as Escrituras
e lhes disse: É assim que está escrito e assim era que se fazia necessário
sofresse o Cristo e ressuscitasse dentre os mortos ao terceiro dia;
e que se pregasse em seu nome a penitência e a remissão dos pecados
em todas as nações, a começar por Jerusalém. Ora, vós sois testemunhas
dessas coisas. Vou enviar-vos o dom de meu Pai, a qual vos foi prometido;
mas, por enquanto, permanecei na cidade, até que eu vos haja revestido
da força do Alto. (São
Lucas, capítulo XXIV, vv. 13 a 49.)
58. — Ora, Tomé, um dos doze apóstolos, chamado Dídimo, não se achava com eles quando Jesus lá foi vindo. Os outros discípulos então lhe disseram: Vimos o Senhor. Ele, porém, lhes disse: Se eu não vir nas suas mãos as marcas dos cravos que as atravessaram e não puser o dedo no buraco feito pelos cravos e minha mão no rasgão do seu lado, não acreditarei, absolutamente.
Oito dias depois, estando ainda os discípulos no mesmo lugar e com eles Tomé, Jesus se apresentou, achando-se fechadas as portas, e, colocando-se no meio deles, disse-lhes: A paz seja convosco.
Disse em seguida a Tomé: Põe aqui o teu dedo e olha minhas mãos; estende também
a tua mão e mete-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas fiel. Tomé
lhe respondeu: Meu Senhor e meu Deus! Jesus lhe disse: Tu creste, Tomé,
porque viste; ditosos os que creram sem ver. (São
João, capítulo XX, vv. 24 a 29.)
59. — Jesus também se mostrou depois aos seus discípulos à margem do mar de Tiberíades, mostrando-se desta forma:
Simão Pedro e Tomé, chamado Dídimo, Natanael, que era de Caná, na Galileia, os filhos de Zebedeu e dois outros de seus discípulos estavam juntos. Disse-lhes Simão Pedro: Vou pescar. Os outros disseram: Também nós vamos contigo. Foram-se e entraram numa barca; mas, naquela noite, nada apanharam.
Ao amanhecer, Jesus apareceu à margem sem que seus discípulos conhecessem que era ele. Disse-lhes então: Filhos, nada tendes que se coma? Responderam-lhe: Não. Disse-lhes ele: Lançai a rede do lado direito da barca e achareis. Eles a lançaram logo e quase não a puderam retirar, tão carregada, estava de peixes.
Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor. Simão Pedro,
ao ouvir que era o Senhor, vestiu-se (pois que estava nu) e se atirou
ao mar. Os outros discípulos vieram com a barca, e, como não estavam
distantes da praia mais de duzentos côvados, puxaram daí a rede cheia
de peixes. (São
João, capítulo XXI, vv. 1 a 8.)
60. — Depois disso, ele os conduziu para Betânia e, tendo lavado as mãos, os abençoou, e, tendo-os abençoado, se separou deles e foi arrebatado ao céu.
Quanto a eles, depois de o terem adorado, voltaram para Jerusalém, cheios de
alegria. Estavam constantemente no templo, louvando e bendizendo a Deus.
Amém. (São
Lucas, capítulo XXIV, vv. 50 a 53.)
61. — Todos os evangelistas narram as aparições de Jesus, após sua morte, com circunstanciados pormenores que não permitem se duvide da realidade do fato. 2 Elas, aliás, se explicam perfeitamente pelas leis fluídicas e pelas propriedades do perispírito e nada de anômalo apresentam em face dos fenômenos do mesmo gênero, cuja história, antiga e contemporânea, oferece numerosos exemplos, sem lhes faltar sequer a tangibilidade. 3 Se notarmos as circunstâncias em que se deram as suas diversas aparições, nele reconheceremos, em tais ocasiões, todos os caracteres de um ser fluídico. 4 Aparece inopinadamente e do mesmo modo desaparece; 5 uns o veem, outros não, sob aparências que não o tornam reconhecível nem sequer aos seus discípulos; 6 mostra-se em recintos fechados, onde um corpo carnal não poderia penetrar; 7 sua própria linguagem carece da vivacidade da de um ser corpóreo; fala em tom breve e sentencioso, peculiar aos Espíritos que se manifestam daquela maneira; 8 todas as suas atitudes, numa palavra, denotam alguma coisa que não é do mundo terreno. 9 Sua presença causa simultaneamente surpresa e medo; ao vê-lo, seus discípulos não lhe falam com a mesma liberdade de antes; sentem que já não é um homem.
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Jesus, portanto, se mostrou com o seu corpo perispirítico, o que explica
que só tenha sido visto pelos que ele quis que o vissem; se estivesse
com o seu corpo carnal, todos o veriam, como quando estava vivo. 11
Ignorando a causa originária do fenômeno das aparições, seus discípulos
não se apercebiam dessas particularidades, a que, provavelmente, não
davam atenção; desde que viam o Senhor e o tocavam, haviam de achar
que aquele era o seu corpo ressuscitado. (Cap. XIV,
n.º 14 e do 35
ao 38.)
62. — Ao passo que a incredulidade rejeita todos os fatos que Jesus produziu, por terem uma aparência sobrenatural, e os considera, sem exceção, lendários, o Espiritismo dá explicação natural à maior parte desses fatos; 2 prova a possibilidade deles, não só pela teoria das leis fluídicas, como pela identidade que apresentam com análogos fatos produzidos por uma imensidade de pessoas nas mais vulgares condições. 3 Por serem, de certo modo, tais fatos do domínio público, eles nada provam, em princípio, com relação à natureza excepcional de Jesus. n
63. — O maior milagre que Jesus operou, o que verdadeiramente atesta a sua superioridade, foi a revolução que seus ensinos produziram no mundo, mau grado à exiguidade dos seus meios de ação.
2 Com efeito, Jesus, obscuro, pobre, nascido na mais humilde condição, no seio de um povo pequenino, quase ignorado e sem preponderância política, artística ou literária, apenas durante três anos prega a sua doutrina; em todo esse curto espaço de tempo é desatendido e perseguido pelos seus concidadãos; vê-se obrigado a fugir para não ser lapidado; é traído por um de seus apóstolos, renegado por outro, abandonado por todos no momento em que cai nas mãos de seus inimigos. 3 Só fazia o bem e isso não o punha ao abrigo da malevolência, que dos próprios serviços que ele prestava tirava motivos para o acusar. 4 Condenado ao suplício que só aos criminosos era infligido, morre ignorado do mundo, visto que a História daquela época n nada diz a seu respeito. 5 Nada escreveu; entretanto, ajudado por alguns homens tão obscuros quanto ele, sua palavra bastou para regenerar o mundo; sua doutrina matou o paganismo onipotente e se tornou o facho da civilização. 6 Tinha contra si tudo o que causa o malogro das obras dos homens, razão por que dizemos que o triunfo alcançado pela sua doutrina foi o maior dos seus milagres, ao mesmo tempo que prova ser divina a sua missão. 7 Se, em vez de princípios sociais e regeneradores, fundados sobre o futuro espiritual do homem, ele apenas houvesse legado à posteridade alguns fatos maravilhosos, talvez hoje mal o conhecessem de nome.
64. — O desaparecimento do corpo de Jesus após sua morte ( † ) há sido objeto de inúmeros comentários; atestam-no os quatro evangelistas, baseados nas narrativas das mulheres que foram ao sepulcro no terceiro dia depois da crucificação e lá não o encontraram. 2 Viram alguns, nesse desaparecimento, um fato milagroso, atribuindo-o outros a uma subtração clandestina.
3 Segundo outra opinião, Jesus não teria tido um corpo carnal, mas apenas um corpo fluídico; não teria sido, em toda a sua vida, mais do que uma aparição tangível; numa palavra: uma espécie de agênere. 4 Seu nascimento, sua morte e todos os atos materiais de sua vida teriam sido apenas aparentes. 5 Assim foi que, dizem, seu corpo, voltado ao estado fluídico, pôde desaparecer do sepulcro e com esse mesmo corpo é que ele se teria mostrado depois de sua morte.
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É fora de dúvida que semelhante fato não se pode considerar radicalmente
impossível, dentro do que hoje se sabe acerca das propriedades dos fluidos;
mas, seria, pelo menos, inteiramente excepcional e em formal oposição
ao caráter dos agêneres. (Cap. XIV,
n.º 36.) 7
Trata-se, pois, de saber se tal hipótese é admissível, se os fatos a
confirmam ou contradizem.
65. — A estada de Jesus na Terra apresenta dois períodos: o que precedeu e o que se seguiu à sua morte. 2 No primeiro, desde o momento da concepção até o nascimento, n tudo se passa, pelo que respeita à sua mãe, como nas condições ordinárias da vida. 3 Desde o seu nascimento até à sua morte, tudo, em seus atos, na sua linguagem e nas diversas circunstâncias da sua vida, revela os caracteres inequívocos da corporeidade. 4 São acidentais os fenômenos de ordem psíquica que nele se produzem e nada têm de anômalos, pois que se explicam pelas propriedades do perispírito e se dão, em graus diferentes, noutros indivíduos. 5 Depois de sua morte, ao contrário, tudo nele revela o ser fluídico. 6 É tão marcada a diferença entre os dois estados, que não podem ser assimilados.
7 O corpo carnal tem as propriedades inerentes à matéria propriamente dita, propriedades que diferem essencialmente das dos fluidos etéreos; 8 naquela, a desorganização se opera pela ruptura da coesão molecular. 9 Ao penetrar no corpo material, um instrumento cortante lhe divide os tecidos; se os órgãos essenciais à vida são atacados, cessa-lhes o funcionamento e sobrevém a morte, isto é, a do corpo. 10 Não existindo nos corpos fluídicos essa coesão, a vida aí já não repousa no jogo de órgãos especiais e não se podem produzir desordens análogas àquelas; um instrumento cortante ou outro qualquer penetra num corpo fluídico como se penetrasse numa massa de vapor, sem lhe ocasionar qualquer lesão. 11 Tal a razão por que não podem morrer os corpos dessa espécie e por que os seres fluídicos, designados pelo nome de agêneres, não podem ser mortos.
12 Após o suplício de Jesus, seu corpo se conservou inerte e sem vida; foi sepultado como o são de ordinário os corpos e todos o puderam ver e tocar. 13 Após a sua ressurreição, quando quis deixar a Terra, não morreu de novo; seu corpo se elevou, desvaneceu e desapareceu, sem deixar qualquer vestígio, prova evidente de que aquele corpo era de natureza diversa da do que pereceu na cruz; 14 donde forçoso é concluir que, se foi possível que Jesus morresse, é que carnal era o seu corpo.
15 Por virtude das suas propriedades materiais, o corpo carnal é a sede das sensações e das dores físicas, que repercutem no centro sensitivo ou Espírito. 16 Quem sofre não é o corpo, é o Espírito recebendo o contragolpe das lesões ou alterações dos tecidos orgânicos. 17 Num corpo sem Espírito, absolutamente nula é a sensação; 18 pela mesma razão, o Espírito, sem corpo material, não pode experimentar os sofrimentos, visto que estes resultam da alteração da matéria, 19 donde também forçoso é se conclua que, se Jesus sofreu materialmente, do que não se pode duvidar, é que ele tinha um corpo material de natureza semelhante ao de toda gente.
66. — Aos fatos materiais juntam-se fortíssimas considerações morais.
2 Se as condições de Jesus, durante a sua vida, fossem as dos seres fluídicos, ele não teria experimentado nem a dor, nem as necessidades do corpo; supor que assim haja sido é tirar-lhe o mérito da vida de privações e de sofrimentos que escolhera, como exemplo de resignação. 3 Se tudo nele fosse aparente, todos os atos de sua vida, a reiterada predição de sua morte, a cena dolorosa do Jardim das Oliveiras, sua prece a Deus para que lhe afastasse dos lábios o cálice de amarguras, sua paixão, sua agonia, tudo, até ao último brado, no momento de entregar o Espírito, não teria passado de vão simulacro, para enganar com relação à sua natureza e fazer crer num sacrifício ilusório de sua vida, numa comédia indigna de um homem simplesmente honesto, indigna, portanto, e com mais forte razão de um ser tão superior; numa palavra: ele teria abusado da boa-fé dos seus contemporâneos e da posteridade. 4 Tais as consequências lógicas desse sistema, consequências inadmissíveis, porque o rebaixariam moralmente, em vez de o elevarem.
5 Jesus, pois, teve, como todo homem, um corpo carnal e um corpo fluídico, o que é atestado pelos fenômenos materiais e pelos fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência.
67. — Não é nova essa ideia sobre a natureza do corpo de Jesus. No quarto século, Apolinário, de Laodiceia, chefe da seita dos apolinaristas, pretendia que Jesus não tomara um corpo como o nosso, mas um corpo impassível, que descera do céu ao seio da santa Virgem e que não nascera dela; que, assim, Jesus não nascera, não sofrera e não morrera, senão em aparência. Os apolinaristas foram anatematizados no concílio de Alexandria, em 360; no de Roma, em 374; e no de Constantinopla, em 381.
Tinham a mesma crença os Docetas (do grego dokein, aparecer), seita numerosa dos Gnósticos, que subsistiu durante os três primeiros séculos.
[1] [Os judeus dividiam a noite em quatro vigílias: A 1ª das 18 às 21 horas; a 2ª das 21 à meia noite; a 3ª das 12 da noite às 3; a 4ª das 3 às 6 da manhã.]
[2] O lago de Genesaré ou de Tiberíades.
[4] O monte Thabor ou Tabor, a sudoeste do lago de Tabarich e a 11 quilômetros a sudeste de Nazaré, com cerca de 1.000 metros de altura.
[6] A explicação que se segue é reprodução textual do ensino que a esse respeito deu um Espírito.
[8] [Para
os judeus o dia inicia -se às seis horas da manhã, portanto, sexta hora
do dia equivale ao meio dia e, nona hora às três horas da tarde.]
[9] Há constantemente, na superfície do Sol, manchas físicas, que lhe acompanham o movimento de rotação e hão servido para determinar-se a duração desse movimento. Às vezes, porém, essas manchas aumentam em número, em extensão e em intensidade. É então que se produz uma diminuição da luz e do calor solares. O aumento do número das manchas parece coincidir com certos fenômenos astronômicos e com a posição relativa de alguns planetas, o que lhes determina o reaparecimento periódico. É muito variável a duração daquele obscurecimento; por vezes não vai além de duas ou três horas, mas, em 535, houve um que durou catorze meses.
[10] [Do grego Stadium, o estádio era igual a um oitavo da milha romana, ou 185 metros.]
[11] Os inúmeros fatos contemporâneos de curas, aparições, possessões, dupla vista e outros, que se encontram relatados na Revista Espírita e lembrados nas observações acima, oferecem, até quanto aos pormenores, tão flagrante analogia com os que o Evangelho narra, que ressalta evidente a identidade dos efeitos e das causas. Não se compreende que o mesmo fato tivesse hoje uma causa natural e que essa causa fosse sobrenatural outrora; diabólica com uns e divina com outros. Se fora possível pô-los aqui em confronto uns com os outros, a comparação mais fácil se tornaria; não o permitem, porém, o número deles e os desenvolvimentos que a narrativa reclamaria.
[12] Dele unicamente fala o historiador judeu Flávio Josefo, que, aliás, diz bem pouca coisa.
[13] Não falamos do mistério da encarnação, com o qual não temos que nos ocupar aqui e que será examinado ulteriormente. (Nota da Editora) Kardec, em vida, não pôde cumprir esta promessa, visto que, no ano seguinte, ao dar publicação a esta obra, foi chamado à Pátria Espiritual.