Criação
dos Espíritos. — Natureza e imaterialidade dos Espíritos. —
Forma dos Espíritos. — Perispírito. — O mundo espiritual é o
mundo normal primitivo. — Os Espíritos habitam o espaço universal.
— Dom de ubiquidade atribuído aos Espíritos. — Faculdade de
ver, nos Espíritos. — Comunicações mútuas dos Espíritos. — Estado
primitivo dos Espíritos: seu aperfeiçoamento progressivo. —
Diferentes ordens de Espíritos. — Todos os Espíritos tendem
à perfeição. — Queda dos anjos. — Demônios. — Funções e atribuições
dos Espíritos. — Faculdades intelectuais dos Espíritos; seus
conhecimentos do passado e do Futuro. — Penas e gozos dos Espíritos.
— Famílias de Espíritos. (Questões
38 a 79 c.) |
38. Os
Espíritos tiveram princípio ou existem, como Deus, de toda a eternidade?
[Questão 78.]
“Se não tivessem tido princípio, seriam iguais a Deus, ao passo que
são criação sua e se acham submetidos à sua vontade. Deus existe de
toda a eternidade, é incontestável; quanto, porém, ao modo como Ele
nos criou, nada sabemos. Podes dizer que não tivemos princípio se por
isto entenderes que, sendo eterno, Deus há de ter criado incessantemente.
Mas, quando e como Ele criou cada um de nós, eu te repito, ninguém o
sabe: eis o mistério.”
Deus criou os seres inteligentes que povoam o Universo fora
do mundo material e que são designados pelo nome de Espíritos.
A origem
dos Espíritos, assim como a causa primeira de todas as coisas, é um
dos segredos de Deus.
Os próprios Espíritos ignoram de que maneira foram
feitos. Sabem apenas que são uma criação de Deus, porque estão submetidos
à sua vontade; mas, como sucede com todas as criaturas, também existem
mistérios para eles.
39. Os
Espíritos são imateriais, ou formados de uma substância qualquer? Podemos
conhecer sua natureza íntima? [Questão
78.]
“Como se pode definir uma coisa, quando faltam termos de comparação
e com uma linguagem deficiente? Um cego de nascença pode definir a luz?
Imaterial não é bem o termo; incorpóreo seria mais exato, pois deves
compreender que, sendo uma criação, o Espírito há de ser alguma coisa.
É a matéria quintessenciada, mas sem analogia para vós, e tão etérea
que não pode ser percebida por vossos sentidos grosseiros.”
A natureza íntima dos Espíritos, bem como sua origem, é
um mistério que não nos é dado conhecer neste mundo.
Dizemos que os Espíritos são imateriais porque sua essência difere de tudo que conhecemos
sob o nome de matéria.
Um povo de cegos de nascença não teria termos
para exprimir a luz e seus efeitos. Do mesmo modo, em relação à essência
dos seres sobre-humanos, somos verdadeiros cegos. Não os podemos definir
senão por meio de comparações sempre imperfeitas.
40. Os
Espíritos são seres distintos da Divindade, ou seriam apenas emanações
ou porções da Divindade e, por isto, chamados filhos de Deus? [Questão
77.]
“Meu Deus! São obra sua, exatamente como um homem que faz uma máquina;
essa máquina é obra do homem, e não o próprio homem. Sabes que o homem,
quando faz alguma coisa bela e útil, chama-lhe sua filha, sua criação.
Pois bem! O mesmo se dá com relação a Deus; somos seus filhos, pois
somos obra sua.”
Os Espíritos fazem parte da Criação, e, como tais, são considerados
filhos de Deus; não obstante, são seres distintos do próprio Deus, assim
como a obra é distinta do obreiro. Se fossem apenas emanações ou irradiações
da Divindade, participariam de todas as infinitas perfeições divinas.
41. Os
Espíritos têm uma forma determinada, limitada e constante? [Questão
88.]
“Aos vossos olhos, não; aos nossos, sim. O Espírito é, se quiserdes,
uma chama, um clarão ou uma centelha.”
41 a. Qual
a cor dessa chama? [Questão 88 a.]
“Depende do grau de perfeição deles. Quando o Espírito é puro, ela pode
comparar-se à do rubi.”
Os Espíritos não têm, por si mesmos, nenhuma forma, nenhuma
extensão determinada e constante, no sentido que associamos a estas
palavras. Uma chama, um clarão ou uma centelha etérea, variando do escuro
ao brilho do rubi, conforme a pureza do Espírito, é a única que poderia
nos dar uma ideia deles, embora pálida e incompleta.
42. O
Espírito propriamente dito tem alguma cobertura, ou, como pretendem
alguns, está envolvida numa substância qualquer? [Questão
93.]
“O Espírito está envolvido numa substância que é vaporosa para ti, mas
ainda bastante grosseira para nós; suficientemente vaporosa, no entanto,
para poder elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira.”
42 a. De
onde tira o Espírito o seu envoltório? [Questão
94.]
“Do fluido universal de cada globo.”
42 b. Esse
envoltório é perceptível e toma formas determinadas? [Questão
95.]
“Sim, a forma que o Espírito queira, e é desta maneira que ele vos aparece
algumas vezes.”
Assim como o gérmen de um fruto é envolvido pelo perisperma,
o Espírito propriamente dito é revestido por um envoltório que, por
comparação, se pode chamar perispírito.
O perispírito é de natureza
semimaterial, isto é, de natureza intermediária entre o espírito e a
matéria. Toma formas determinadas segundo a vontade do Espírito e pode,
em certos casos, impressionar nossos sentidos.
A substância do perispírito é tirada do fluido universal. É mais ou
menos etérea, segundo o estado constitutivo de cada globo. Passando
de um mundo a outro, o Espírito muda de envoltório ou de perispírito,
como nós mudamos de roupa.
43. Os
Espíritos têm individualidade?
“Sim; nunca se confundem.”
Os Espíritos têm individualidade e existência própria. Distinguem-se
uns dos outros sem jamais se confundirem.
44. Os
Espíritos constituem um mundo à parte, fora aquele que vemos? [Questão
84.]
“Sim, o mundo dos Espíritos ou das inteligências incorpóreas.”
Os Espíritos constituem todo um mundo incorpóreo, invisível
para nós em nosso estado normal, ao passo que os seres corpóreos constituem
o mundo material e visível.
45. Qual
dos dois, o mundo espiritual ou o mundo corpóreo é o principal na ordem
das coisas? [Questão 85.]
“O mundo espiritual.”
45 a. O
mundo espiritual preexiste a tudo?
“Preexiste e sobrevive a tudo.” [Questão
85.]
45 b. O
mundo corpóreo poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem
que isso alterasse a essência do mundo espiritual? [Questão
86.]
“Sim; eles são independentes.”
O mundo espiritual, ou dos Espíritos, é o mundo normal,
primitivo, preexistente e sobrevivente a tudo. O mundo corpóreo é secundário,
transitório, passageiro e subordinado; é perecível porque a matéria,
em se transformando, produz sem cessar novos seres animados ou inanimados;
poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem por isso alterar
a essência do mundo espiritual.
46. Os
Espíritos ocupam uma região determinada e circunscrita no espaço universal?
[Questão 87.]
“Não; eles estão por toda parte.”
46 a. Eles
estão à nossa volta, ao nosso lado?
“Sim, e vos observam.”
Os Espíritos não habitam um lugar determinado; estão em
toda parte, o Universo é o seu domínio; os espaços infinitos estão cheios
deles. Acham-se em torno de nós, ao nosso lado, bem como nas regiões
mais distantes e até nas entranhas da Terra.
47. Os
Espíritos se transportam instantaneamente de um lugar a outro?
“Sim.”
47 a. Os
Espíritos gastam algum tempo para percorrer o espaço? [Questão
89.]
“Sim, mas com a rapidez do pensamento.”
47 b. A
matéria oferece obstáculo aos Espíritos? [Questão
91.]
“Não; eles penetram tudo.”
A essência etérea dos Espíritos lhes permite franquear os
espaços e transportar-se prontamente de um lugar a outro e de um mundo
a outro.
A matéria não lhes oferece qualquer obstáculo; penetram tudo,
introduzem-se em qualquer lugar: o ar, a terra, as águas e até mesmo
o fogo lhes são igualmente acessíveis.
48. O
mesmo Espírito pode dividir-se ou existir em vários pontos ao mesmo
tempo? [Questão 92.]
“Não; não pode haver divisão de um mesmo Espírito; mas cada um é um
centro que irradia para diferentes lados, e é por isso que parecem estar
em muitos lugares ao mesmo tempo. Vês o Sol? É somente um; no entanto,
irradia-se em todas as direções e leva muito longe seus raios. Contudo,
não se divide.”
Cada Espírito é uma unidade indivisível; por conseguinte,
não pode estar, ao mesmo tempo, em vários pontos diferentes. Cada um
deles é um centro ou foco intelectual que irradia para diferentes lados,
como o cérebro irradia o pensamento, sem para isso se dividir. Apenas
nesse sentido é que se deve entender o dom da ubiquidade atribuído aos
Espíritos.
49. A
visão dos Espíritos é circunscrita como a dos seres corpóreos? [Questão
245.]
“Não.”
49 a. Onde
ela se localiza?
“Em todo o seu ser.” [Questão 245.]
49 b. Os
Espíritos podem ver simultaneamente nos dois hemisférios? [Questão
247.]
“Sim, veem por toda parte; para eles não há trevas.”
Nos Espíritos, a faculdade de ver não é circunscrita como
nos seres corpóreos; é uma propriedade inerente à sua natureza e que
reside em todo o seu ser, como a luz reside num corpo luminoso. É uma
espécie de lucidez universal que se estende a tudo, que abrange simultaneamente
o espaço, os tempos e as coisas, lucidez para a qual não há trevas,
nem obstáculos materiais.
50. Os
Espíritos podem esconder-se uns dos outros? [Questão
283.]
“Não; podem afastar-se uns dos outros, mas sempre se veem.”
A faculdade de ver é ilimitada entre os Espíritos; por conseguinte,
eles não podem ocultar-se uns dos outros. Podem até distanciar-se, mas
sempre se vendo. Nenhum esconderijo os pode subtrair à vista.
51. Os
Espíritos podem ocultar reciprocamente seus pensamentos? [Questão
283.]
“Não; para eles tudo é patente, sobretudo quando são perfeitos.”
Da visão e da penetração indefinidas dos Espíritos decorre
o conhecimento recíproco de seus pensamentos. Nada entre eles poderia
dissimular-se, principalmente quando são perfeitos.
52. Como
os Espíritos se comunicam entre si? [Questão
282.]
“Eles se veem e se compreendem. A palavra é material: é o reflexo do
Espírito.”
Da intuição de seus pensamentos recíprocos decorre, para
os Espíritos, o modo de suas comunicações; eles se veem e se compreendem,
sem necessidade da palavra.
53. Os
Espíritos foram criados bons e maus, ou entre eles existem os bons e
os maus? [Questão 115.]
“Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem saber.
A cada um deu uma missão, com o fim de esclarecê-los e de os fazer chegar
progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da verdade, para aproximá-los
de si. Para eles, a felicidade eterna e sem mescla consiste nessa perfeição.”
“Os Espíritos adquirem aqueles conhecimentos, passando pelas
provas que Deus lhes impõe. Uns aceitam essas provas com submissão e
chegam mais depressa à meta que lhes foi destinada. Outros só a suportam
murmurando e assim, por culpa sua, permanecem afastados da perfeição
e da prometida felicidade.” 80
53 a. De
acordo com isto, os Espíritos se assemelhariam, na sua origem, a crianças
ignorantes e sem experiência, só adquirindo pouco a pouco os conhecimentos
que lhes faltam ao percorrerem as diferentes fases da vida? [Questão
115 a.]
“Sim, a comparação é justa; a criança rebelde permanece ignorante e
imperfeita; seu maior ou menor aproveitamento vai depender de sua docilidade.
Mas a vida do homem tem um termo, ao passo que a dos Espíritos se estende
ao infinito.”
54. Todos
os Espíritos são iguais entre si? [Questão
96.]
“Não; eles são de diferentes ordens.”
54 a. Em
que se baseia a diferença que existe entre eles?
“No grau de perfeição a que chegaram.” [Questão
96.]
54 b. Entre
os Espíritos, há quantas ordens ou graus de perfeição? [Questão
97.]
“O número é ilimitado, mas pode ser reduzido a três principais.”
O mundo espiritual se compõe, assim, de Espíritos mais ou
menos perfeitos. Essa diferença constitui entre eles uma hierarquia
baseada no grau de purificação a que chegaram.
Podemos dividi-los em
três ordens principais; mas esse número nada tem de absoluto, considerando-se
que cada ordem apresenta uma infinidade de graus.
55. Quais
são os Espíritos da primeira ordem? [Questão
112 e 113.]
“Os Espíritos puros, os que atingiram a perfeição.” [Questão
97.]
55 a. Que
são anjos, arcanjos ou serafins? [Questão
113.]
“Espíritos puros.”
55 b. Os
anjos são seres de natureza diferente da dos outros Espíritos? [Questão
128.]
“Não; todos percorreram os diferentes graus da escala. Mas, como já
dissemos, uns cumpriram sua missão sem murmurar e chegaram mais depressa.”
[Questão 129.]
No primeiro posto da hierarquia espírita estão os Espíritos
que alcançaram a perfeição. São os Espíritos puros que, não tendo mais
provas a sofrer, ficam por toda a eternidade na glória de Deus.
São designados às vezes pelos nomes de anjos, arcanjos ou serafins.
Os anjos não constituem seres de natureza especial; como os demais Espíritos,
eles percorreram as diferentes ordens. O homem que adquiriu o máximo
de saber e experiência não fica, por isso, dotado de natureza diversa
da que possuía na infância.
56. Quais
são os Espíritos da segunda ordem? [Questão
107 a 111.]
“Os que chegaram ao meio da escala.”
56 a. Que
é que caracteriza os Espíritos da segunda ordem? [Questão
107.]
“O desejo do bem é sua preocupação.”
56 b. Têm
apenas o desejo do bem ou terão também o poder de praticá-lo? [Questão
98.]
“Eles têm esse poder conforme seu grau de perfeição; mas todos ainda
têm que sofrer provas.”
Os Espíritos da segunda ordem são os que ainda têm provas
a sofrer. Estão em plano intermediário, entre os Espíritos puros e os
Espíritos inferiores, e se aproximam mais ou menos de uns e de outros,
de acordo com seu grau de perfeição.
São bastante aperfeiçoados para só terem o desejo do bem, mas
não suficientemente elevados para terem a soberana Ciência, pois a perfeição
só é adquirida pelos que hão percorrido todos os graus da vida espiritual.
57. Quais
são os Espíritos da terceira ordem? [Questão
101 a 106.]
“Os que ainda se acham na parte inferior da escala: os Espíritos imperfeitos.”
57 a. Que
é que caracteriza os Espíritos da terceira ordem? [Questão
101.]
“A ignorância e todas as más paixões que retardam o seu aperfeiçoamento.”
57 b. Os
Espíritos da terceira ordem são todos essencialmente maus?
“Não; uns não fazem nem o bem nem o mal; outros, ao contrário, regozijam-se
no mal e ficam satisfeitos quando encontram ocasião de praticá-lo.”
57 c. Que
se deve entender por duendes?
“Duendes, trasgos e diabretes: tudo é a mesma coisa. São Espíritos levianos,
antes trapalhões que maus, que se comprazem mais com a malícia do que
com a maldade e que encontram prazer em mistificar e causar pequenas
contrariedades.” [Questão 103.]
Os Espíritos da terceira ordem são os Espíritos imperfeitos,
isto é, os que ainda têm quase todos os escalões a percorrer. Caracterizam-se
pela ignorância, pelo orgulho, pelo egoísmo e por todas as más paixões
que lhes são consequentes.
Podem ser divididos em três classes principais:
1º — Espíritos neutros — os que não são nem bastante bons para
fazerem o bem, nem bastante maus para fazerem o mal. [Questão
105.]
2º — Espíritos impuros — os que são inclinados ao mal, de que
fazem o objeto de suas preocupações. [Questão
102.]
3º — Espíritos travessos — são levianos, maliciosos, inconsequentes,
mais turbulentos que maus; intrometem-se em tudo, comprazem-se em causar
pequenos desgostos e ligeiras alegrias, em induzir maliciosamente ao
erro por meio de mistificações. Também são designados pelos nomes de
duendes ou diabretes. [Questão
103.]
58. Os
Espíritos são bons ou maus por natureza, ou são eles mesmos que se melhoram?
[Questão 114.]
“São os próprios Espíritos que se melhoram.”
58 a. Os
Espíritos pertencem perpetuamente à mesma ordem?
“Ao se melhorarem, eles passam de uma ordem inferior para uma ordem
superior.” [Questão 114.]
Os Espíritos não são bons ou maus pela própria essência
de sua natureza, nem ficam pertencendo perpetuamente à mesma ordem.
Todos eles são Espíritos que se melhoram e que, em se purificando, passam
de uma ordem inferior para outra superior.
59. Há
Espíritos que permanecerão para sempre nas ordens inferiores? [Questão
116.]
“Não; todos se tornarão perfeitos. Eles mudam de ordem, mas isso demora,
porque, como já dissemos de outra vez, um pai justo e misericordioso
não pode banir eternamente seus filhos. Pretenderíeis que Deus, tão
grande, tão bom, tão justo, fosse pior que vós mesmos?”
59 a. Depende
dos Espíritos abreviar o tempo de suas provas? [Questão
117.]
“Certamente. Eles chegam mais ou menos depressa, conforme seu desejo
e submissão à vontade de Deus. Uma criança dócil não se instrui mais
depressa que uma criança rebelde?”
Não há Espíritos condenados a ficar perpetuamente nas classes
inferiores. Ao passarem pelas provas a que são submetidos, todos se
melhoram e atingirão o grau superior na vida eterna.
A melhoria sucessiva dos Espíritos faz parte dos desígnios da Providência.
Todos progridem em virtude de uma potência que os domina, como o homem
passa da infância à idade madura; todos mudam e se transformam em tempo
mais ou menos longo, segundo o próprio desejo, pois depende da vontade
deles chegar mais depressa ou menos depressa.
60. Os
Espíritos podem degenerar? [Questão
118.]
“Não; à medida que avançam, compreendem o que os distanciava da perfeição.
Quando o Espírito termina uma prova, fica com o conhecimento que adquiriu
e não o esquece mais.”
Os Espíritos que atingiram um grau superior não podem degenerar
nem falir novamente; eles têm o conhecimento do bem e do mal; a experiência
que adquiriram os impede de retrogradarem.
61. Que
pensar então da crença nos Espíritos decaídos?
“Já dissemos que todos os Espíritos foram criados ignorantes e sem experiência;
aprendem a verdade mediante as provas a que são submetidos e nas missões
que lhes são dadas. Os que cumprem suas missões sem queixumes, avançam;
os outros ficam na retaguarda. Não, são, portanto, decaídos; são, se
quiseres, Espíritos rebeldes, tal como a criança indócil para com o
pai. Deus, porém, não é impiedoso; faculta-lhes incessantemente os meios
de se melhorarem; cumpre-lhes aproveitá-los mais ou menos depressa,
segundo o desejo de cada um, sendo nisso que consiste o livre-arbítrio.”
A ideia da queda dos Espíritos supõe uma degradação. Ora,
tendo todos os Espíritos o mesmo ponto de partida, que é o estado de
ignorância e de inexperiência, não poderão senão elevar-se ou ficar
estacionários; por conseguinte, não pode haver queda no sentido vulgar
ligado a esta palavra. A elevação deles depende do próprio desejo que
tenham de progredir e da submissão que manifestem à vontade de Deus;
considerando-se, porém, que alguns Espíritos não têm aceitado sem queixumes
a missão que lhes cumpre realizar, são punidos por si mesmos, sofrendo
por mais tempo as penas inerentes à própria inferioridade; mas tal sofrimento
não é eterno, pois cedo ou tarde compreendem a falta que cometeram e
avançam progressivamente. Há, pois, no caso simples rebelião, e não
queda. Não são anjos rebeldes, visto como os anjos, que são Espíritos
chegados à perfeição, não podem degenerar. 81
62. Há
demônios no sentido que se dá a esta palavra? [Questão
131.]
“Se houvesse demônios, seriam obra de Deus. E Deus seria justo e bom
se tivesse criado seres eternamente votados ao mal e infelizes para
sempre? Se há demônios, é em teu mundo grosseiro e em outros semelhantes
que eles residem. São esses homens hipócritas que fazem de um Deus justo
um Deus mau e vingativo e que julgam agradá-lo pelas abominações que
cometem em seu nome.”
Por demônios, segundo a acepção vulgar da palavra, se entendem
seres essencialmente e perpetuamente malfazejos; seriam, como todas
as coisas, criados por Deus. Ora, Deus, que é soberanamente justo e
bom, não pode ter criado seres naturalmente predispostos ao mal e condenados
para sempre. Se não fossem obra de Deus, existiriam, como Ele, de toda
a eternidade, ou então haveria muitas potências soberanas.
63. Os
Espíritos têm outra coisa a fazer, além de se melhorarem pessoalmente?
[Questão 558.]
“Concorrem para a harmonia do Universo, executando as vontades de Deus,
de quem são ministros.”
63 a. Os
Espíritos inferiores e imperfeitos também desempenham função útil no
Universo? [Questão 559.]
“Todos têm sua missão útil. O menos qualificado dos pedreiros não concorre
para a construção do edifício, tanto como o arquiteto?”
Os Espíritos são os ministros de Deus e os agentes de sua
vontade; é por meio deles que Deus governa o mundo. Todos, desde o primeiro
até ao último concorrem para a harmonia do Universo; cada qual tem um
papel na ordem geral, segundo a classe a que pertence; é nisso que consiste
a missão deles, e é desempenhando-a que se aperfeiçoam e adquirem os
conhecimentos que um dia os tornarão perfeitos.
64. Cada
Espírito tem atribuições especiais? [Questão
560.]
“Vale dizer que temos de habitar todas as regiões e adquirir o conhecimento
de todas as coisas, presidindo sucessivamente a todos os componentes
do Universo. Mas, como diz o Eclesiastes, ( † )
há tempo para tudo. Assim, tal Espírito cumpre hoje neste mundo o seu
destino; tal outro cumprirá ou já cumpriu o seu, em outra época, na
terra, na água, no ar, etc.”
Para se instruírem acerca de todas as coisas, os Espíritos
têm sucessivamente que percorrer as diferentes fases de ordem física
e de ordem moral do Universo. Desta forma, enquanto alguns presidem
na Terra os fenômenos geológicos, outros presidem os fenômenos do ar,
das águas, da vegetação, do nascimento e da morte dos seres vivos, da
produção e da destruição de todas as coisas; é por intermédio deles
que se cumprem as revoluções que transformam a face dos mundos.
65. As
funções que os Espíritos desempenham na ordem das coisas são permanentes
para cada um deles, ou são atribuições exclusivas de certas classes?
[Questão 561.]
“Todos têm que percorrer os diferentes graus da escala para se aperfeiçoarem.
Deus, que é justo, não poderia ter dado a uns a ciência sem trabalho,
enquanto outros só a adquirem com muito esforço.”
As funções exercidas pelos Espíritos não são permanentes
para cada um deles, nem exclusivas de certas classes, visto ser preciso
que todos cumpram seu destino para alcançar a perfeição. Dá-se a mesma
coisa entre os homens, onde ninguém chega ao grau supremo de habilidade
numa arte qualquer, sem antes adquirir os conhecimentos necessários
na prática das partes mais ínfimas dessa arte.
66. A
ideia dos gnomos, dos silfos e de outros gênios criados pela imaginação
não pareceria ter sua fonte no conhecimento adquirido ou na intuição
das diversas funções dos Espíritos?
“Sem dúvida; naquilo que chamais fábulas há muitas vezes grandes verdades.
A maior parte tem sua fonte na revelação das coisas do Alto, mas que
foram tomadas ao pé da letra; eis aí o erro.”
A ideia das funções que exercem os Espíritos, como a própria
Doutrina Espírita, encontra-se sob formas diversas na crença de todos
os povos e em todas as épocas, com a diferença de que fizeram seres
distintos daquilo que não passa de um atributo temporário. Foi assim
que a imaginação inventou os gnomos, os silfos, as ninfas e toda a falange
de gênios.
67. Os
Espíritos têm percepções que nos sejam desconhecidas?
“Certamente, pois vossas faculdades são limitadas por vossos órgãos.
A inteligência é um atributo do Espírito, mas que se manifesta mais
livremente quando este não tem obstáculos a vencer.” [Questão
237.]
A inteligência é um atributo essencial da natureza do Espírito,
confundindo-se com ele. A faculdade de conhecer é consequência da inteligência,
faculdade que se exerce livremente e sem entraves, quando não está circunscrita
pelos órgãos materiais. É por isso que os Espíritos têm percepções que
nos são desconhecidas.
68. As
percepções e os conhecimentos dos Espíritos são ilimitados? Numa palavra:
eles sabem tudo? [Questão 238.]
“Não; entretanto, quanto mais se aproximam da perfeição, tanto mais
sabem.”
As percepções e os conhecimentos não são ilimitados para
todos os Espíritos, mas proporcionais ao grau de pureza e de perfeição
a que tenham chegado.
69. Os
Espíritos compreendem a duração, como nós? [Questão
240.]
“Não, e é isso que faz que nem sempre nos compreendeis, quando se trata
de determinar datas ou épocas.”
A inteligência dos Espíritos abarca a eternidade. A duração,
para eles, anula-se, por assim dizer, e os séculos, para nós tão longos,
não passam, aos olhos deles, de breves instantes.
70. Os
Espíritos fazem do presente ideia mais precisa e mais justa que nós?
[Questão 241.]
“Mais ou menos como aquele que vê claramente faz ideia mais exata das
coisas que o cego. Os Espíritos veem o que não vedes; julgam, pois,
de modo diverso do vosso. Mas, ainda uma vez, isso depende da elevação
deles.”
A faculdade de ver tudo, junto à amplitude das percepções
intelectuais e à penetração do pensamento, faculta aos Espíritos um
conhecimento absoluto do presente, permitindo-lhes abarcar, num golpe
de vista, todos os eventos contemporâneos. É por isso que julgam as
coisas com mais sensatez do que nós mesmos o faríamos, tolhidos que
estamos por nosso envoltório terrestre.
71. Como
é que os Espíritos têm conhecimento do passado? [Questão
242.]
“O passado, quando com ele nos ocupamos, é presente, exatamente como
te lembras de uma coisa que te impressionou no curso de teu exílio.
Simplesmente, como já não temos o véu material que obscurece tua inteligência,
lembramo-nos de coisas que para ti estão apagadas.”
71 a. Esse
conhecimento é ilimitado para eles? [Questão
242.]
“Não; nem tudo os Espíritos sabem, a começar por sua própria criação.”
Em se apagando a duração do tempo, o passado vem
à memória dos Espíritos e lhes mostra, como presente, os acontecimentos
mais distantes de nós. Conhecem, pois, o passado, salvo a origem e o
princípio das coisas que, para eles como para nós, ficam envoltos num
véu misterioso, até que hajam atingido a perfeição suprema.
Como a amplitude das percepções dos Espíritos está subordinada ao grau
de elevação deles, o conhecimento que têm do passado, mesmo para as
coisas vulgares, vai depender dessa elevação.
72. Os
Espíritos conhecem o futuro? [Questão
243.]
“Isto também depende da perfeição deles. Muitas vezes, apenas o entreveem,
mas nem sempre lhes é permitido revelá-lo. Quando o veem, o
futuro lhes parece presente.”
72 a. Os
Espíritos que alcançaram a perfeição absoluta têm conhecimento completo
do futuro? [Questão 243 a.]
“Completo não é bem o termo, pois só Deus é soberano Senhor e ninguém
o pode igualar.”
O conhecimento do futuro tem, para os Espíritos, limites
que não lhes é permitido ultrapassar. Eles o conhecem de acordo com
seu grau de perfeição. Segundo esse grau, prejulgam-no com maior ou
menor exatidão, como consequência do presente; entreveem-no e podem,
se estiver nos desígnios da Providência, fazer uma revelação parcial.
O futuro, então, se desdobra diante deles: veem-no como veem o passado
e o presente.
73. Os
Espíritos experimentam nossas necessidades e sofrimentos físicos? Sentem
fadiga e necessidade de repouso? [Questão
253 e 254.]
“Não; eles são Espíritos. É certo que os conhecem, porque já os sofreram,
mas não os sentem como vós, materialmente.”
Em virtude de sua essência espiritual, os Espíritos não
podem ficar sujeitos às influências que afetam a matéria. Não sentem
nossas necessidades, nem nossos sofrimentos físicos, nem fadiga, nem
precisam de repouso, embora os compreendam. 82
74. Os
Espíritos são felizes ou infelizes?
“Felizes ou infelizes, conforme seu grau de perfeição.”
74 a. Existem
os que gozam de inalterável felicidade?
“Sim, os Espíritos puros. Todos a alcançarão; depende deles.”
As penas e gozos dos Espíritos são inerentes à natureza
deles e ao grau de perfeição que alcançaram.
A felicidade perfeita e sem mescla é apanágio dos Espíritos puros; até lá, eles não desfrutam
senão de uma felicidade incompleta.
75. Podemos
compreender a natureza das penas e gozos dos Espíritos, comparando-os
aos que experimentamos na Terra?
“Não; suas penas e gozos nada têm de carnal.”
As penas e os gozos dos Espíritos nada têm das sensações
corpóreas e, no entanto, são mil vezes mais vivazes do que esses que
experimentamos na Terra, tanto no bem como no mal.
76. Os
Espíritos de diferentes ordens estão misturados uns com os outros? [Questão
278.]
“Sim e não; eles se veem, mas se distinguem uns dos outros.”
76 a. Há
Espíritos que se atraem e outros que se repelem?
“Sem dúvida, de acordo com a analogia ou a antipatia de seus sentimentos,
como acontece entre vós. Os Espíritos desprendidos da matéria repelem-se
ou se atraem, tal como sucede entre os encarnados. É todo um mundo
do qual o vosso é pálido reflexo.”
Embora os Espíritos estejam por toda parte, as diferentes
ordens não se misturam; eles se veem a distância. Os da mesma categoria
reúnem-se por uma espécie de afinidade e formam grupos ou famílias de
Espíritos unidos pelos laços da simpatia.
Tal uma grande cidade, onde os homens de todas as classes e condições se veem e se encontram, sem
se confundirem; onde as sociedades se formam pela analogia dos gostos;
onde o vício e a virtude convivem lado a lado sem se falarem.
77. Qual
o móvel que atrai os Espíritos bons?
“O desejo de fazer o bem; simpatia. Os semelhantes se atraem.”
77 a. Quais
são as ocupações dos Espíritos bons?
“Velar pelo cumprimento do bem; ocupar-se com a Humanidade e com os
meios de melhorá-la.”
77 b. Qual
a natureza das relações entre os Espíritos bons e os maus? [Questão
280.]
“Os bons se empenham em combater as más inclinações dos outros, a
fim de ajudá-los a subir. É sua missão.”
Os Espíritos bons se atraem pela similitude dos gozos, pela
comunhão de sentimentos e pensamentos e pelo desejo de fazer o bem.
Os sentimentos de amor e benevolência são atributos exclusivos dos Espíritos
bons. A ocupação deles consiste em velar pelo exato cumprimento de tudo
o que é bom e lutar contra as más inclinações dos Espíritos inferiores,
a fim de ajudá-los a subir.
É assim que ouvimos os Espíritos bons pela
voz da consciência, à qual tapamos tantas vezes os ouvidos.
78. Qual
o móvel que atrai os Espíritos maus?
“O desejo de fazer o mal; vergonha de suas faltas e necessidade de permanecer
no meio de seres que lhes são semelhantes.”
78 a. Por
que os Espíritos inferiores se comprazem no mal?
“Pelo despeito de não terem merecido estar entre os bons.” [Questão
281.]
78 b. Os
Espíritos têm paixões especiais de que está isenta a Humanidade? [Questão
363.]
“Não; do contrário vo-las teriam comunicado.”
78 c. Os
Espíritos exercem influência uns sobre os outros? “Sim, os superiores
sobre os inferiores.”
Os Espíritos inferiores se atraem pela similitude de suas
más tendências e pelo desejo de fazer o mal.
A inveja, o ciúme, o orgulho, o egoísmo e todas as paixões más são peculiares aos Espíritos imperfeitos,
que se acham, por sua inferioridade moral e ignorância, sob a influência
dos Espíritos superiores. Eles se comprazem no mal por inveja e ciúme
que sentem da felicidade dos bons; é desejo deles impedir, tanto quanto
possam, que os Espíritos ainda imperfeitos alcancem o supremo bem; querem
que os outros sintam o que eles próprios experimentam.
79 Os
Espíritos se consagram afeições particulares? [Questão
291.]
“Sim, como entre os homens.”
79 a. Os
Espíritos guardam ódio entre si? [Questão
292.]
“Sim, os Espíritos impuros.”
79 b. As
afeições dos Espíritas são mais puras que as dos homens?
“Quanto mais perfeito o Espírito, tanto mais pura é a afeição que guardam
entre si.”
79 c. As
afeições recíprocas dos Espíritos são passíveis de alterações? [Questão
296.]
“Não, pois todos os sentimentos ficam a descoberto; eles não podem
enganar-se.”
Além da similitude de pensamentos que une os Espíritos da
mesma ordem, há entre eles afeições individuais fundadas em simpatias
especiais. Quanto mais perfeitos são, tanto mais puras são essas afeições;
para eles, o amor que os une é fonte de suprema felicidade. Só existe
ódio entre os Espíritos impuros.
Como os Espíritos não podem dissimular seus pensamentos, a hipocrisia é impossível entre eles; é por isso que
suas afeições são inalteráveis.
[80] N. T.: Em respeito ao original, não aspamos a resposta da questão 53.
Ver nota de rodapé nº 74, à p. 73.
[81] N. T.: Para maiores detalhes sobre o assunto, ver Revista
Espírita, janeiro de 1862: “Ensaio
de interpretação sobre a doutrina dos anjos decaídos”; A gênese,
capítulo XI, item 43 e seguintes: “Doutrina
dos anjos decaídos e da perda do paraíso” (Edições FEB).
[82] N. T.: Ver, na edição definitiva de O Livro dos Espíritos,
a resposta à questão nº 256,
bem como a dissertação de Kardec (item 257), intitulada “Ensaio
teórico sobre a sensação dos Espíritos”.