O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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O Livro dos Espíritos.

(1ª edição)

O papel de Allan Kardec na codificação espírita

III

“Não existe ciência alguma que haja saído prontinha do cérebro humano; todas, sem exceção de nenhuma, são fruto de observações sucessivas. apoiadas em observações precedentes…” 32


Por sua natureza, a revelação espírita tem duplo caráter; participa ao mesmo tempo da revelação divina e da revelação científica. Participa da primeira, porque foi providencial seu aparecimento e não resultado da iniciativa, nem de um desejo premeditado do homem; porque os pontos fundamentais da Doutrina provêm do ensino que deram os Espíritos encarregados por Deus de esclarecer os homens sobre coisas que estes ignoravam, que não podiam aprender por si mesmos e que lhes importa conhecer, já que hoje estão aptos a compreendê-las. Participa da segunda, por não ser esse ensino privilégio de indivíduo algum, mas ministrado a todos do mesmo modo; por não serem os que o transmitem e o recebem, seres passivos, dispensados do trabalho da observação e da pesquisa; por não renunciarem ao raciocínio e ao livre-arbítrio; porque não lhes é interdito o exame, mas, ao contrário, recomendado; enfim, porque a Doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as consequências e aplicações. Em suma, o que caracteriza a revelação espírita é o fato de ser divina sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo sua elaboração fruto do trabalho do homem33

Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da mesma maneira que as ciências positivas, isto é, aplicando o método experimental. Quando fatos novos se apresentam, que não podem ser explicados pelas leis conhecidas, ele os observa, compara, analisa e, remontando dos efeitos às causas, chega à lei que os preside; depois, lhe deduz as consequências e busca as aplicações úteis. Não estabeleceu nenhuma teoria preconcebida; assim, não estabeleceu como hipótese a existência dos Espíritos, nem do perispírito, nem a reencarnação, nem qualquer dos princípios da Doutrina. Concluiu pela existência dos Espíritos quando essa existência resultou evidente da observação dos fatos, procedendo de igual maneira quanto aos outros princípios. Não foram os fatos que vieram depois confirmar a teoria: a teoria é que veio subsequentemente explicar e resumir os fatos. É, pois, rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. 34 e 35

O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente; a Ciência, sem o Espiritismo, se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação. O estudo das leis da matéria tinha que preceder o da espiritualidade, porque a matéria é que primeiro fere os sentidos. Se o Espiritismo tivesse vindo antes das descobertas científicas, teria malogrado, como tudo que surge antes do tempo. 36

O Espiritismo não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou que ressalta logicamente da observação. Interessando a todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio de suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que se suicidaria. Deixando de ser o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.” 37

Com relação ao que ensinam os Espíritos,

o primeiro controle a ser exercido é, incontestavelmente, o da razão, ao qual é preciso submeter, sem exceção, tudo que venha deles. Toda teoria em notória contradição com o bom senso, com a lógica rigorosa e com os dados positivos que se possui, deve ser rejeitada, por mais respeitável seja o nome que traga como assinatura. Mas, em muitos casos, esse controle ficará incompleto em razão da insuficiência de conhecimentos de certas pessoas e da tendência de muitas a tomar a própria opinião como juízes únicos da verdade. Em semelhante caso, que fazem os homens que não depositam absoluta confiança em si mesmos? Vão buscar o parecer da maioria e tomar por guia a opinião desta. Assim se deve proceder com relação ao ensino dos Espíritos.

A concordância no que ensinam os Espíritos é, pois, o melhor controle; mas, é preciso ainda que ocorra em determinadas condições. A menos segura de todas é quando o próprio médium interroga vários Espíritos acerca de um ponto duvidoso. Evidentemente, se ele estiver sob o império de uma obsessão, ou lidando com um Espírito mistificador, este lhe pode dizer a mesma coisa sob diferentes nomes. Também não há garantia suficiente na conformidade que apresente o que se possa obter por diversos médiuns, num mesmo centro, pois eles podem estar todos sob a mesma influência. A única garantia séria do ensino dos Espíritos está na concordância que exista entre as revelações que eles façam espontaneamente, por meio de grande número de médiuns estranhos uns aos outros, e em diversos lugares […]. Esse controle universal é uma garantia para a unidade futura do Espiritismo e anulará todas as teorias contraditórias. É aí que, no futuro, se encontrará o critério da verdade. 38

Generalidade e concordância do ensino, tal o caráter essencial da Doutrina, a condição mesma de sua existência, de onde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma Doutrina, mas simples opinião isolada, cuja responsabilidade o Espiritismo não pode assumir. É essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, submetida, além disso, ao critério da lógica, que constitui a força da Doutrina Espírita e lhe assegura a perpetuidade. 39



[32] KARDEC, Allan. A Gênese - Cap. 1 - Caráter da revelação espírita, it. 54, p. 56.

[33] Id. A Gênese - Cap. 1 - Caráter da revelação espírita, it. 13, p. 28-29.

[34] Id. A Gênese - Cap. 1 - Caráter da revelação espírita, it. 14, p. 29-30.

[35] N.T.: Allan Kardec serviu-se do pensamento ou método indutivo na sistematização da Doutrina Espírita. Partia da observação dos fatos elementares, da experimentação e da comparação entre fenômenos para chegar a conclusões e concepções mais gerais, a hipóteses explicativas e classificações mais amplas. Além disso, e em que pese toda a racionalidade que o caracterizava, não se manteve prisioneiro do método experimental, por reconhecer os seus limites. Recorria sempre à prodigiosa intuição de que era dotado, assim como à meditação, para obter esclarecimentos complementares, o que lhe permitiu tratar cada assunto com sabedoria, bom senso, equilíbrio emocional e maturidade intelectual. Finalmente, impôs o controle universal do ensino dos Espíritos às revelações que lhe eram feitas, como única garantia para a unidade do Espiritismo no porvir, sabendo deduzir com inegável propriedade, as consequências éticas e morais que decorriam dos ensinos e fenômenos espíritas.

[36] KARDEC, Allan. A Gênese - Cap. 1 - Caráter da revelação espírita, it. 16, p. 31.

[37] Id. A Gênese - Cap. 1 - Caráter da revelação espírita, it. 55, p. 59.

[38] Id. O Evangelho Segundo o Espiritismo - Introdução II - Autoridade da Doutrina Espírita - Controle universal do ensino dos Espíritos, p. 28.

[39] Id. A Gênese - Introdução à primeira edição publicada em janeiro de 1868, p. 15.


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