1 Querida mãezinha Elena, abençoe-me.
2 Saudade seria a palavra-chave que nos induz ao intercâmbio. Entretanto, é saudade a razão desse estado emotivo que nos compete a pensar tão intensamente um no outro.
3 Tenho acompanhado as suas preocupações. Aquele receio de vir ao nosso encontro, sem que seu filho pudesse comparecer à entrevista. Entretanto, mãezinha, a verdade é que não se sabe aqui se a situação nos favorece a manifestação. 4 Ainda assim, não se esqueça: acima da missiva grafada, permanece aquela outra dos pensamentos que se correspondem. Nesse sentido, as suas requisições de carinho sempre me reconfortam. E compareço ao encontro com alegria. 5 Realmente os seus olhos não me registram pela objetiva da visão física, no entanto, o seu coração me assinala a presença e permutamos ideias com a mesma intimidade de outros tempos.
6 Agradeço por tudo e peço-lhe que não se aflija, pedido que estendo à Lelete, ao meu pai e à querida Cristina. Estaremos unidos pelo fio intangível da alma. Louvado seja Deus. A situação de nossa Cristina efetivamente nos dá o que pensar. Se posso pedir a ela alguma coisa, rogo para que se entretenha em algum passeio em que a mente dela descanse. 7 Às vezes, ou muitas vezes, somos insistentemente chamados ao Plano Físico, a fim de solucionar problemas daqueles que amamos e reconhecemos em dificuldades para entrar no âmago das questões. 8 Peço à nossa Cristina para que a alegria a recolha em suas vibrações de paz, de maneira que consigamos vê-la tão feliz quanto isso lhe seja possível. Ela sabe que sou o companheiro e confidente compreensivo. Não posso acompanhá-la fisicamente, mas posso proporcionar-lhe assistência e carinho. Diga isso a ela com sua voz e com sua ternura de mãe. Precisamos vê-la independente de mim, embora seja grande reconforto em meu favor, receber-lhe as preces e reflexões do silêncio. Eu tomarei todas as medidas que sejam julgadas certas para que lhe vejamos a alegria no coração e na face. Ficarei contente ao sabê-la otimista e corajosa para seguirmos à frente.
9 Mãezinha, logo que as suas forças para isso puderem garantir-lhe a decisão, não vacile. Distribua os poucos bens de seu filho, os bens em roupas e lembranças de rapaz. Aproveite o Natal próximo. Tenho visitado um núcleo de irmãos hansenianos perto de Itu — Pirapitingui. Pois veja, mãezinha, ficaria reconhecido se as suas mãos levarem até lá, para os nossos irmãos doentes, aquilo que ficou de seu Elcinho na vida terrestre.
10 Se o material ainda serve, não é justo que o percamos. Recordemos que as necessidades dos outros são igualmente nossas. Comece distribuindo porque teremos a ideia ampliada em além do que tivermos para dar, saberemos adquirir para melhorar o nosso relacionamento mais ainda. Não terá dificuldade porque estarei com você definindo as coisas e estabelecendo as medidas necessárias. Creia que me fará muito feliz com esse pequeno começo de “vida” para seu Elcio. Auxiliar sempre para sermos auxiliados.
11 Mãezinha, desejo ao seu carinho, extensivamente ao papai, à Lete, à Cristina, um Feliz Natal e um Feliz Ano Novo. Mais um ano que passa é um ano a menos para que se dê o nosso reencontro, mas conserve a convicção de que estaremos até lá na Terra por muitos e muitos anos.
12 Mãezinha Elena, fique tranquila e trabalharemos no bem, como sempre. A todos de nossa gente um abraço repleto de lembranças e com meu querido papai, com a querida Babunha, n receba todo o amor de seu filho, cada vez mais unido ao seu coração!
Elcinho
(24/11/1979)
COMENTÁRIOS
Duas razões principais parece que levaram o jovem Elcio a mais este intercâmbio mediúnico.
A primeira delas são as palavras de conforto e reerguimento dedicadas à noiva, que se encontrava desanimada e vivendo de recordações do noivo querido. Era preciso que ela soubesse que, mesmo abandonando o invólucro material, a retirada dos Espíritos que partem é apenas parcial, pois eles não conseguem mudar o rumo dos pensamentos e continuam ligados aos objetos e pessoas que amam. No entanto, para quem fica, a caminhada terrena deve prosseguir e, sob este ângulo, a mensagem muito veio ajudar Cristina, que não pôde furtar-se a atender o pedido de Elcio: “Peço à nossa Cristina para que a alegria a recolha em suas vibrações de paz, de maneira que consigamos vê-la tão feliz quanto isso lhe seja possível”.
Outro detalhe importante inserido no texto desta comunicação é a referência que o jovem Elcio faz às suas visitas ao Hospital de Pirapitingui, em Itu, a qual encerra significativa revelação que relatamos a seguir.
Quando criança ainda, Elcio acompanhava os pais a visitas que estes faziam a parentes em Itu e Indaiatuba, tendo por roteiro a estrada que leva ao referido hospital. Certa vez, ao passarem por ele, Elcio indagou à mãe do que se tratava aquela pequena cidade, e ela lhe explicou que ali era um hospital-colônia que abrigava doentes hansenianos. A partir de então, sempre que faziam aquele caminho, Elcio pedia insistentemente aos pais para que parassem, pois ele queria visitar os doentes, o que era protelado por eles, pela pouca idade do rapaz na época.
O que levaria uma quase criança a querer trocar os folguedos da juventude pelo contato com doentes tão estigmatizados pela sociedade através dos séculos? A resposta é que, não fora a reencarnação, não conseguiríamos explicar esse desejo inconsciente, fruto, sem dúvida, de uma ligação anterior a esses irmãos em humanidade.
Mas que ligação teria Elcio com essas criaturas? Só numa visita aos arquivos do passado poderíamos obter uma resposta. Do Plano Espiritual, Elcio não nos conta o motivo dessa atração, mas pede à sua mãezinha para que com ela participe de sua alegria em servir aos hansenianos: “Tenho visitado um núcleo de irmãos hansenianos perto de Itu — Pirapitingui. Pois veja, mãezinha, ficaria reconhecido se as suas mãos levarem até lá, para os nossos irmãos doentes, aquilo que ficou de seu Elcinho na vida terrestre. (…) Não terá dificuldade porque estarei com você definindo as coisas e estabelecendo as medidas necessárias. Creia que me fará muito feliz com esse pequeno começo de “vida” para seu Elcio. Auxiliar sempre para sermos auxiliados”.
O nosocômio a que se refere Elcio Tumenas é o Hospital Dr. Francisco Ribeiro Arantes, popularmente conhecido por Pirapitingui, localizado na rodovia Sorocaba-Itu e que abriga doentes de Hansen, antigamente designados erroneamente de “leprosos”.
Trata-se de um asilo-colônia fundado em 1932, juntamente com outros na mesma época, para segregar esses doentes que acreditava-se fossem altamente contagiosos. Assim, era crença nos meios científicos que o isolamento compulsório controlaria a endemia, mas hoje a Medicina reconhece ter sido um dos maiores erros que já cometeu, pois além de não controlar a doença, aumentou o estigma psicossocial que o “leproso” carrega há milênios.
Antigamente, as únicas pessoas “sadias” que podiam entrar nesses hospitais eram as que faziam parte do corpo clínico, e os próprios parentes só tinham permissão para visitar os internos no chamado “parlatório”, sala dividida por telas, em que visitante e visitado ficavam separados por dois metros de distância.
A partir de 1943, porém, pela insistência da família espírita, que se sensibilizou ao ser convidada a conhecer o estado de abandono em que viviam os hansenianos por um de seus habitantes, Jesus Gonçalves, essa situação mudou e passaram a ser aceitas visitas fraternas de pessoas que se dispusessem a realizar exames médicos regulares e que não fossem predispostas à moléstia.
Hoje sabe-se que a hanseníase é uma doença de difícil contágio e perfeitamente curável e tratável, por isso são permitidas visitas de qualquer pessoa nos dias apropriados, sendo que também os doentes têm liberdade para sair.
Com isso, inúmeras caravanas, principalmente espíritas, aportam em Pirapitingui e nos outros hospitais de hansenianos aos domingos, com destaque para a Sociedade Espírita Caravana da Fraternidade “Jesus Gonçalves”, que, em São Paulo, desde 1975, visita esses doentes semanalmente e realiza outras tarefas no campo social em defesa do hanseniano.
Eduardo Carvalho Monteiro