1 O pregador Adão Silva,
Em certa reunião,
Tratava só de virtude
Com rigorismo e paixão.
2 Enfileirava palavras
Nas imagens nebulosas,
Condenando o que chamava
Por vidas pecaminosas.
3 — “O sexo, meus irmãos,
Dizia com voz segura,
É lasca acesa do inferno
No corpo da criatura.
4 “Todo cuidado é preciso,
Mesmo em nota mais à-toa,
No contato natural
Com toda e qualquer pessoa.
5 “Numa frase pequenina,
Aparece tentação
E com ela surge logo
O fogo da perdição.”
6 Velho amigo lhe dizia:
— “Adão não use rigor,
Em tudo o que você diga
Sobre a vida e sobre o amor.
7 “Perdoe-me se assim lhe falo,
Mas ouça, meu companheiro,
Neste mundo, com frequência,
Tenho encontrado o feitiço
Contra o próprio feiticeiro.”
8 Adão falava, pedante:
— “Meu trabalho levo a cabo
Hei de provar sobre a Terra
Que o corpo é obra de Deus,
Mas sexo é do diabo.”
9 Sucede que apareceu
Entre os ouvintes de Adão,
A morena Graziela.
Vinte anos de beleza,
De elegância e distinção.
10 Ao vê-la da vez primeira,
O pregador assustado,
Balançava sem controle,
Inquieto e baratinado. n
11 Desde esse dia, Adão Silva
Revelou-se com mais fúria,
Sobre o poder do pecado.
12 De soslaio, via, às vezes,
Graziela a acompanhá-lo…
Para enxergá-la, a contento,
Ei-lo em pequeno intervalo.
13 Logo após, esbravejava
Comentando Lúcifer,
E dizia que a paixão
Era assunto de mulher
14 Destacava exortações
Com sadismo estranho e cru,
Afirmando que os encantos
Que nasciam da mulher
Provinham de Belzebu.
15 Por fim, gritava orgulhoso
Que não tinha verbo errôneo,
Que ele clamava por Deus
Para afastar o demônio.
16 Um dia, porém, chegou
Em que o choque aconteceu,
O pregador rigoroso
Nem de longe apareceu…
17 A assembleia surpreendida
Procurou por Graziela…
Nesse instante, é que se soube
Que, no trem da madrugada,
Adão fugira com ela.
Jair Presente
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