1.
Enquanto Dimas se restaurava paulatinamente, Fábio cobrava forças de
modo notavelmente rápido. Os longos e difíceis exercícios de espiritualidade
superior, levados a efeito na Crosta, frutificavam, agora, em bênçãos
de serenidade e compreensão. 2
Ambos repousavam, na Casa Transitória, amparados pela simpatia geral
da instituição que a Irmã Zenóbia dirigia. Ao mesmo tempo, prosseguíamos
em constante cuidado, junto aos demais amigos, principalmente ao pé
de Cavalcante, cuja situação orgânica piorava sempre, nas vizinhanças
do fim.
3 Dimas, com o exemplo
de Fábio, criara novo ânimo. Reagia, com mais calor, perante as exigências
da família terrena e consolidava a serenidade própria, com a precisa
eficiência. O ex-tuberculoso, iluminado e feliz, notava que outros horizontes
se lhe abriam ao espírito sensível e bondoso. Podia levantar-se à vontade,
transitar nas diversas seções em que se subdividiam os trabalhos do
instituto e dava gosto vê-lo interessado nos estudos referentes aos
Planos elevados do Universo sem fim. 4
Experimentava tranquilidade. Não era um gênio das alturas, não completara
suas necessidades de sabedoria e amor; entretanto, era servo distinto,
em posição invejável pelos débitos pagos e pela venturosa possibilidade
de prosseguir a caminho de altos e gloriosos cumes do conhecimento.
A Irmã Zenóbia dava-se ao prazer de ouvi-lo, nos rápidos minutos de
lazer, e, frequentemente, manifestava a Jerônimo suas agradáveis impressões
a respeito dele.
5 Tanta alegria provocou o
discípulo fiel, com a disciplina emotiva de que dava testemunho, que
o nosso Assistente tomou a iniciativa de trazer-lhe a esposa, em visita
ligeira. Lembro-me da comoção de Mercedes ao penetrar o pórtico do instituto,
pelo braço amigo de nosso orientador. Estava atônita, deslumbrada, extática.
Não possuía consciência perfeita da situação, mas demonstrava sublime
agradecimento. Conduzida à câmara em que o companheiro a esperava, ajoelhou-se
instintivamente. Sensibilizamo-nos todos, ante o gesto de espontânea
humildade.
6 Fábio, sorridente, disfarçando
a forte emoção, dirigiu-lhe a palavra, exclamando:
— Levante-se, Mercedes! Comungamos agora na felicidade imortal!
A esposa, porém, inebriada de ventura, fechara-se em compreensível silêncio. O amigo adiantou-se, ergueu-a e abraçou-a com infinito carinho.
— Não se amedronte com a viuvez, minha querida! — Continuou, — estaremos sempre
juntos. Lembra-se de nosso entendimento derradeiro?
7 Mercedes entreabriu os lábios
e fez sinal afirmativo.
— Dê-me notícias dos filhinhos! — Pediu o consorte desencarnado, a sorrir,
— nada disse ainda… Porquê? Fale, Mercedes, fale! Mostre-me sua alegria
vitoriosa!
A esposa fixou nele, com mais atenção, os olhos meigos e brilhantes e disse, chorando de júbilo:
— Fábio, estou agradecendo a Jesus a graça que me concede… como sou feliz, tornando a vê-lo!…
Lágrimas copiosas corriam-lhe das faces.
8 Em seguida, após curto intervalo,
informou:
— Nossos pequenos vão bem. Lembramo-nos de você, incessantemente… Todas as noites, reunimo-nos em oração, implorando a Deus, nosso Pai, conceda a você alegria e paz na vida diferente que foi chamado a experimentar.
9 Outra pausa em que a nobre
senhora tentou conter o pranto.
— Quero avisá-lo, — prosseguiu, — de que já estou trabalhando. O senhor
Frederico, nosso velho amigo, deu-me serviço. Carlindo vela pelo irmão,
enquanto me ausento, e creio que nada nos falta em sentido material.
Temos apenas…
10 E a esposa dedicada interrompeu-se
nas expressivas reticências, receosa talvez de ofendê-lo.
— Continue! — Falou o companheiro sensibilizado.
— Não se zangará, — disse Mercedes, reanimando-se, — se eu reclamar
contra as saudades imensas? Em nossas refeições e preces, há um lugar
vazio, que é o seu. Creia, porém, que faço o possível por não feri-lo.
Coloquei mentalmente a presença de Jesus, o nosso Mestre invisível,
onde você sempre esteve. Desse modo, sua ausência em casa está cheia
da confiança fervorosa nesse Amigo Certo que você me ensinou a encontrar…
11 Reparei que o esposo, não
obstante a elevação que o caracterizava, desenvolveu visível esforço
para não chorar. Fazendo-se otimista, observou:
— Não apague a luz da esperança. Não me zango em sabê-los saudosos,
pois também eu sinto falta de sua presença, de sua ternura, da carícia
de nossos filhos, mas ficaria contrariado se soubesse que a tristeza
absorveu nosso ninho alegre. 12
Tenha coragem e não desfaleça. Logo que for possível, retomarei meu
lugar, em espírito. Estarei com você no ganha-pão, assisti-la-ei nos
exercícios da prece e respirarei a atmosfera de seu carinho. Para isso,
por enquanto, preciso escorar-me em sua fortaleza de ânimo e não dispenso
o seu amoroso auxílio. 13
Sinto-me cercado de bons amigos que não nos esquecem e, quem sabe, estaremos,
lado a lado, de novo, em porvir não remoto? Avisaram-me de que a Divina
Bondade me concedeu ingresso em colônia de trabalho santificador, a
fim de prosseguir em meus serviços de elevação. 14
Poderei talvez tecer diferente e mais belo ninho para aguardá-la. Ouço dizer, Mercedes, que o Sol é muito mais lindo nessa paisagem de encantadora luz e que as árvores floridas assemelham-se, à noite, a formosos lampadários, porque as flores maravilhosas retêm o luar divino…
15 Nesse instante, determinada
interrogação irrompeu-me no raciocínio. Se Fábio havia feito tantos
amigos em nosso núcleo de serviço, desde outro tempo, a ponto de merecer-lhes
especial consideração, como se mostrava adventício, a respeito do noticiário
de nossa Esfera? Sintetizando compridas indagações em pequenina pergunta
ao Assistente Jerônimo, respondeu-me o orientador em duas sentenças
curtas:
— A morte não faz milagres. Retomar a lembrança é também serviço gradual, como qualquer outro que envolva atividades divinas da Natureza.
Calei-me, atento.
16 Fitando a visitante, enternecido,
o marido recém-liberto considerava:
— Acredita que não vale a pena sofrer, de algum modo, para conseguir tão sagrado patrimônio? Nossos filhos crescerão depressa, as lutas serão breves, as situações carnais transitórias. Não desanime, portanto. A Providência jamais se empobrece e nos enriquecerá de bênçãos.
17 Mostrou a esposa formosa
expressão de conforto no semblante feliz e, mobilizando as mais íntimas
energias da alma humilde, manteve-se, por alguns instantes, de mãos
postas, como a agradecer a Deus o imenso júbilo daquela hora.
Jerônimo fez significativo sinal, avisando em silêncio que findara o tempo da visita.
18 A Irmã Zenóbia, que acompanhou
a cena, comovida, junto de nós, tomou de uma flor semelhante a uma grande
camélia dourada e deu-a a Fábio, para que presenteasse a companheira.
Mercedes recebeu a dádiva, conchegando-a ao coração.
19 Nosso dirigente aproximou-se
de mim e notificou-me:
— André, acompanhe-nos à Crosta. Nossa amiga perdeu grande porção de forças com a emoção e ser-nos-á útil sua cooperação na volta.
20 Despediu-se a viúva e, em
breve, era por nós reconduzida ao lar. E, ainda agora, ao relatar a
experiência, recordo-me da estranha sensação de felicidade que Mercedes
sentiu, ao despertar no leito com a perfeita impressão de guardar a
delicada flor entre os dedos.
2.
Tudo, pois, corria bem no círculo dos trabalhos que nos foram cometidos,
quando nosso mentor foi chamado por autoridade superior de nossa colônia.
2 Esperei impaciente
o regresso dele, porque Jerônimo, em obediência às determinações recebidas,
deveria partir, imediatamente, para entendimento inadiável.
Recomendou-nos aguardá-lo, em serviço na Casa Transitória, acentuando que seria breve.
3 De fato, não se
demorou mais de um dia. E, ao regressar, cientificou-nos da novidade.
A irmã Albina fora autorizada a permanecer na Crosta Planetária por
mais tempo, razão por que a desencarnação fora adiada “sine die”.
4 Certa rogativa influíra
decisivamente no assunto. Entrara em jogo imperiosa exigência que nossa
colônia examinara com a devida consideração. Em vista disso, renovara-se
o programa da missão que trazíamos. Ao invés de auxílio para a liberação,
a velha educadora receberia forças para se demorar na Crosta. Devíamos
procurar-lhe a residência, sem perda de oportunidade, propiciando-lhe
ao organismo os possíveis recursos magnéticos ao nosso alcance.
5 Quis perguntar alguma
coisa, inteirar-me das particularidades. Todavia, Jerônimo costumava
dizer com proveito tudo o que necessitávamos saber, e não me cabia constrangê-lo
a qualquer informação antecipada. Por que se modificara decisão de tamanho
relevo? Quem possuía, afinal, tanto poder na oração, para ter influência
nas diretivas de nossa colônia espiritual? Seria justo o adiamento?
Por que motivo determinada súplica impunha a renovação do roteiro a
seguir?
6 O Assistente percebeu as
indagações que se me entrechocavam no cérebro e adiantou:
— Não se torture, André. Saberá tudo no momento oportuno.
E, traçando sintética programação de serviço, acrescentou:
— Vamo-nos, Hipólito e Luciana velarão pelos convalescentes.
7 Em caminho, porém, não resisti.
Pedi permissão para ouvi-lo, de maneira sumária, quanto à nova deliberação,
e Jerônimo aquiesceu, esclarecendo:
— A medida não deve provocar admiração. Ninguém, senão Deus, detém
poderes absolutos. Todos nós, no desenvolvimento das tarefas conferidas
às nossas responsabilidades, experimentaremos limitações nos atributos
ou no acréscimo de deveres, segundo os desígnios superiores. 8
O futuro pode ser calculado em linhas gerais, mas não podemos prejulgar
quanto ao setor da interferência divina. O Pai efetua a organização
universal com independência ilimitada no campo da Sabedoria Infalível.
Nós cooperamos com relativa liberdade na obra do mundo, sujeitos à necessária
e esclarecedora interdependência, em virtude da imperfeição da nossa
individualidade. Deus sabe, enquanto nós nem sequer imaginamos saber.
9 E, com expressivo gesto
de bom humor, prosseguiu:
— Não existe, portanto, novidade propriamente dita. Aliás, é justo considerar
que a desencarnação de Albina não é suscetível de ser adiada por muito
tempo. O organismo que a serve está gasto e a nova resolução destina-se
apenas a remediar difícil situação, de modo a trazer benefícios para
muita gente. 10 A prece,
em qualquer ocasião, melhora, corrige, eleva e santifica. Mas somente
quando estabelece modificação de roteiro, igual à de hoje, é que paira,
acima das circunstâncias comuns, o interesse coletivo. Ainda assim,
a medida prevalecerá por reduzido tempo, isto é, apenas enquanto perdurar
a causa que a motiva.
11 Recordei uma
experiência anterior,
n em que observara certo irmão recebendo
alguns dias de acréscimo à existência no corpo, para poder solucionar
problemas particulares, e compreendi a alteração havida. De qualquer
modo, porém, minha surpresa não era desarrazoada, porque constituíamos
comissão de trabalho definido, com atividades traçadas por superiores
hierárquicos. 12 No
caso a que me reportava, vira amigos de nossa Esfera intercedendo junto
de outros amigos, em benefício de terceiro. Todavia, na questão em exame,
tratava-se de pedido da Crosta, atuando diretamente em nosso núcleo
distante.
Conservando, pois, minha curiosidade insatisfeita, acompanhei o Assistente até ao apartamento confortável em que residia a interessada.
13 Os prognósticos
acerca do estado físico da enferma eram desanimadores. Seu Espírito,
no entanto, mantinha-se calmo e confiante, a despeito da profunda perturbação
orgânica.
Não só o coração e as artérias apresentavam sintomas graves: também o fígado, os rins, o aparelho gastrintestinal. A dispneia castigava-a, intensamente.
14 Chegáramos no instante em
que gracioso grupo de jovens, catorze ao todo, fazia em derredor da
enferma o culto doméstico do Evangelho. Enquanto oravam, antes dos comentários
construtivos, de alma voltada para a sublime fonte da fé viva, atiramo-nos
ao trabalho, seguidos, de perto, por outros amigos de nosso Plano, ligados
à missão da nobre educadora.
15 O ambiente equilibrado pela
prece e pelos pensamentos de elevação moral contribuíam eficazmente
na execução de nossos propósitos.
A zona perigosa do corpo abatido era justamente a que situava o aneurisma,
provável portador da libertação. O tumor provocara a degenerescência
do músculo cardíaco e ameaçava ruptura imediata. 16
Jerônimo, entretanto, revelou-se, mais uma vez, o médico experimentado
e competente de nosso Plano de ação. Começou aplicando passes de restauração
ao sistema de condução do estímulo, demorando-se, atencioso, sobre os
nervos do tônus. Em seguida, forneceu certa quantidade de forças ao
pericárdio, bem como às estrias tendinosas, assegurando a resistência
do órgão. 17 Logo
após, meu orientador magnetizou, longamente, a zona em que se localizava
o tumor bastante desenvolvido, isolando certos complexos celulares,
e esclareceu:
— Poderemos confiar em grande melhora, que persistirá por alguns meses.
18 Com efeito, finda
a complexa operação magnética, observei que o coração doente funcionava
com diferente equilíbrio. As válvulas cardíacas passaram a denotar regularidade.
Cessou a aflição, o que foi atribuído, e de fato, com razões ponderosas,
ao efeito da prece.
19 Albina sentiu-se reconfortada,
mais calma. Fitou, comovida, as discípulas que se achavam presentes
em afetuosa homenagem a ela, e considerou, satisfeita:
— Como me sinto melhor! Motivos fortes possuía o apóstolo Tiago, recomendando a prece aos enfermos! ( † )
20 As alunas e as filhas riram-se
de contentamento e ergueram, em seguida, formosa oração gratulatória,
emocionando-nos o coração.
3.
Contrariando a expectativa geral, a enferma aceitou o oferecimento de
um caldo confortante.
2 Em face da alegria que a
todos empolgava, perguntei de súbito ao Assistente:
— Teria sido a súplica das discípulas o móvel da alteração? Quem sabe?
Talvez lhes fizesse falta a venerável professora…
3 — Não, não é bem isto, —
elucidou o mentor, — a intercessão das meninas trouxe-lhe a cota natural
de benefícios comuns; no entanto, acresce notar que Albina já cumpriu
tarefa junto delas. Deu-lhes o que pôde, devotou-se quanto devia. Em
virtude da abnegação da enferma, as aprendizes trazem o cérebro cheio
de boas sementes… Compete agora às interessadas organizar condições
favoráveis ao desenvolvimento intensivo dos tesouros espirituais de
que são portadoras.
4 Curioso, arrisquei:
— Estaríamos, porventura, ante o resultado de requisição sentimental das filhas?
Jerônimo fitou ambas as senhoras que assistiam a doente com desvelada ternura, abanou a cabeça com gesto negativo e retrucou:
5 — Também não. Não
se trata de resposta a semelhante rogativa. No desempenho dos sagrados
deveres de mãe, Albina fez tudo pelo bem-estar das filhas. Desvelou-se,
quanto lhe era possível. Por elas perdeu compridas noites de vigília
e encheu laboriosos dias de preocupação absorvente e redentora. Educou-as
carinhosamente, encaminhou-as na estrada da santificação e, sobretudo,
ao prepará-las para a vida, entregou-as ao Pai Eterno, sem egoísmo destruidor.
O trabalho materno foi completamente satisfeito. 6
Doravante, cumpre às filhas seguir-lhe o exemplo, imitando-lhe a conduta
cristã. Os bons pensamentos de Loide e Eunice envolvem-na toda em repousante
atmosfera de amor. Entretanto, não seriam os rogos filiais, em circunstâncias
como esta, que modificariam o roteiro das autoridades superiores no
cumprimento das leis divinas. As súplicas de ambas partem de esferas
de serviço perfeitamente atendidas pela missionária em processo de liberação
e de modo algum as filhas poderiam retê-la.
7 Nesse instante, sentindo-se
a enferma confortada pela inopinada melhora, dirigiu-se à filha mais
velha, indagando:
— Loide, acredita você na possibilidade de trazerem o Joãozinho até aqui?
8 À interrogação enternecida,
seguiu-se plena aprovação da filha e o telefone tilintou chamando alguém.
Ao passo que a senhora se entendia com o esposo, a distância, meu orientador
anunciou, bem humorado:
— Em breves momentos, receberá você a chave do problema.
9 Continuamos socorrendo
a organização fisiológica da enferma, observando a alegria sincera das
discípulas, que se retiravam, contentes. Mãe e filhas voltaram a permanecer
a sós conosco, junto de outros amigos espirituais que se dedicavam,
no compartimento, à tarefa de auxílio, inclusive a simpática irmã que
nos acolhera na visita inicial, falando-nos, aliás, da probabilidade
de prorrogação.
10 Processavam-se com extremado
carinho os serviços de assistência, quando cavalheiro bem-posto deu
entrada, conduzindo um menino miúdo, de oito anos presumíveis.
Varando a porta do quarto, o pequeno mostrou-se cônscio do lugar em que se achava, cumprimentou as senhoras, respeitoso, e voltou-se, de olhos ansiosos, para a enferma, beijando-lhe a destra com indescritível ternura.
11 Albina rogou a Deus o abençoasse
e o menino perguntou:
— Vovó, como vai?
Designando-o, o Assistente esclareceu:
— A súplica dessa criança alcançou-nos a colônia espiritual e modificou-nos o roteiro.
— Quê?… — interroguei, sumamente surpreendido.
12 Jerônimo, todavia, continuou:
— Não é neto consanguíneo da doente, embora se considere tal. É órfão que lhe
abandonaram à porta, após o nascimento, e que Loide mantém no lar, desde
que nossa irmã se recolheu à cama. 13
Não obstante a prova, Joãozinho é grande e abnegado servo de Jesus,
reencarnado em missão no Evangelho. Tem largos créditos na retaguarda.
Ligado à família de Albina, há alguns séculos, torna ao seio de criaturas
muito amadas, a caminho do serviço apostólico do porvir.
13 Ia formular perguntas novas,
mas meu orientador, indicando a enferma que se abraçara à criança, aconselhou-me,
solícito:
— Observe por si mesmo…
14 O diálogo entre ela e o
pequenino adquirira encantadora suavidade.
— Tenho passado mal, meu filho, — exclamava a respeitável senhora em desabafo.
— Oh! Vovó! — Tornou o rapazinho, olhos radiantes de fé, — tenho rezado sempre
para que a senhora fique boa, depressa.
— Tem fé?
— Confio em Jesus. Na última vez em que estive na igreja, pedi a todos me ajudarem a rogar ao Céu pela sua saúde.
— E se Deus me chamar?
15 Os olhos se lhe umedeceram,
mas acentuou em voz firme:
— Precisamos da senhora neste mundo.
Albina abraçou-o e beijou-o com meiguice maternal e prosseguiu:
— João, tenho sentido muita saudade de seus hinos na escola. Tem louvado o Senhor, pontualmente?
— Tenho.
— Cante para mim, meu filho.
16 O pequeno sorriu, jubiloso,
por haver encontrado motivo de alegrar a doente querida e indagou, com
naturalidade:
— Qual?
A enferma pensou, pensou, e disse:
— “Jesus, sendo meu”.
17 O menino modificou a expressão
fisionômica, entristeceu-se instantaneamente, mas, colocando-se junto
ao leito, e, na postura do crente submisso, ergueu os olhos ao alto
e começou a cantar antigo e delicado hino das igrejas evangélicas:
“Jesus, sendo meu,
Sou muito feliz,
Eu vou para o Céu,
Meu lindo país…”
|
18 Expressava-se em
voz tão dorida que o hino parecia amarguroso lamento. Finda a primeira
quadra, esforçou-se para continuar, mas não conseguiu. Profunda emoção
sufocou-lhe a garganta, as lágrimas saltaram-lhe, espontâneas; tentou
debalde fixar Loide para ganhar coragem e, reparando que sua comoção
contagiara a família, precipitou-se nos braços da doente e gritou, com
força:
— Não, vovó, não! A senhora não pode ir agora para o Céu! Não pode! Deus não deixará!…
19 Albina recolheu-o, carinhosa,
feliz.
— Que é isto, João? — Perguntou, buscando sorrir.
Observei a mim mesmo e só então reconheci que eu também chorava…
20 Jerônimo, porém, mantinha-se
firme e, rindo-se, bondoso, reafirmou:
— O menino tem razão. Albina não irá mesmo desta vez…
4.
Atendendo-me à curiosidade, entrou em explicações finais, advertindo:
— Que nota você de particular em Loide?
2 Recorrendo a observações
que já levara a efeito, respondi sem hesitar:
— Reparo que aguarda alguém; uma filhinha que já entrevimos… Desde o primeiro encontro, verifiquei que está em período ativo de maternidade, em vésperas da delivrança.
3 — Isto mesmo, —
confirmou o mentor amigo, — a prece de João é importante porque se reveste
de profunda significação para o futuro. A menina, em processo reencarnacionista,
é-lhe abençoada companheira de muitos séculos. Ambos possuem admirável
passado de serviço à Crosta Planetária e escolheram nova tarefa com
plena consciência do dever a cumprir. 4
Foram associados de Albina em várias missões e, muito cedo, ser-lhe-ão
continuadores na obra de educação evangélica. Não são Espíritos purificados,
redimidos, mas trabalhadores valiosos, com suficiente crédito moral
para a obtenção de oportunidades mais altas. 5
Apesar da condição infantil, o servo reencarnado, pelas ricas percepções
que o caracterizam fora da Esfera física, recebeu conhecimento da morte
próxima de nossa venerável irmã. Compreendeu, de antemão, que o fato
repercutiria angustiosamente no organismo de Loide, compelindo-a talvez
a claudicar no trabalho gestatório, em andamento. 6
A carga de dor moral conduzi-la-ia efetivamente ao aborto, imprimindo
profundas transformações no rumo do serviço de que João é feliz portador.
Socorreu-se, então, de todos os valores intercessórios, nos instantes
em que sua alma lúcida pode operar na ausência da instrumentalidade
grosseira que triunfou com as súplicas insistentes, obtendo reduzida
dilatação de prazo para o desencarne de Albina.
7 Sempre comedido nas informações,
Jerônimo calou-se, preparando a retirada.
A singular ocorrência enchia-me de encantamento e surpresa. E contemplando, sob forte enlevo, a pequena família em santificado júbilo doméstico, chegava à conclusão de que, ainda ali, numa câmara de moléstia grave, a oração, filha do trabalho com amor, vencia o vigoroso poder da morte.
André Luiz
[3] Vide cap. 7 de “Missionários da Luz.” — Nota do Autor espiritual.