1.
No grande salão, Aniceto esperava-nos, acolhedor.
Fileiras enormes de assistentes enchiam o espaço vastíssimo.
2 Homens e mulheres, aparentando
idades diversas, permaneciam recolhidos, a demonstrar, porém, expectativa
e interesse.
— Hoje, — explicou o nosso orientador, dirigindo-se a Vicente de maneira particular,
— teremos a palavra de Telésforo, antigo lidador da Comunicação, que
pediu a presença de todos os aprendizes do trabalho de intercâmbio entre
nós e os irmãos encarnados.
3 Sentamo-nos, confortavelmente,
aguardando, por nossa vez.
Daí a minutos, Telésforo n penetrava no recinto, sob harmoniosas vibrações de simpatia geral.
Aniceto e outros instrutores instalaram-se ao lado dele, em torno da mesa nobre, onde se localizava a direção da assembleia.
4 Após saudar a assistência
numerosíssima, formulando votos de paz e incentivando-nos aos testemunhos
redentores, Telésforo atingiu o assunto principal que o levara até ali.
— Agora, — disse com autoridade sem afetação, — conversaremos sobre as
necessidades da representação de nossa colônia nos trabalhos terrestres.
5 Aqui se encontram
companheiros fracassados nas intenções mais nobres e irmãos outros desejosos
de colaborar nas tarefas que condizem com as nossas responsabilidades
atuais. Referimo-nos às laboriosas atividades da Comunicação, no Plano
carnal. 6 Vemos nesta
reunião grande parte dos cooperadores de “Nosso Lar”, que faliram nas
missões da mediunidade e da doutrinação, bem como outros muitos colegas
que se preparam para provas dessa natureza, nos Círculos da Crosta.
7 Nossa repartição vem promovendo
grande movimento de auxílio a irmãos encarnados e desencarnados, que
se revelam incapazes de qualquer ação, além da superfície terrestre.
Nossa tarefa é enorme. Precisamos disseminar ensinamentos novos, relativamente à preparação dos que habitam nossa colônia, considerando os esforços e realizações do presente e do porvir.
8 É indispensável socorrer
os que enfrentam, corajosos, as profundas transformações do planeta.
As transições essenciais da existência na Terra encontram a maioria
dos homens absolutamente distraídos das realidades eternas. A mente
humana abre-se, cada vez mais, para o contato com as expressões invisíveis,
dentro das quais funciona e se movimenta. Isto é uma fatalidade evolutiva.
9 Desejamos e necessitamos
auxiliar as criaturas terrestres; todavia, contra a extensão de nosso
concurso fraterno, operam dilatadas correntes de incompreensão. Não
relacionamos apenas a ação da ignorância e da perversidade. Agem, contraditoriamente,
nesse particular, grande número de forças do próprio espiritualismo.
10 Combatem-nos algumas
escolas cristãs, como se não colaborássemos com o Mestre Divino. A Igreja
Romana classifica-nos a cooperação como diabólica. A Reforma Luterana,
em seus matizes variados, persegue-nos a colaboração amistosa. 11
E há correntes espiritualistas de elevado teor educativo, que nos malsinam
a influência, por quererem o homem aperfeiçoado de um dia para outro,
rigorosamente redimido a golpe instantâneo da vontade, sem realização
metódica.
12 No campo de nosso
conhecimento da vida, não podemos condená-los pelo desentendimento atual.
O catolicismo romano tem suas razões ponderáveis; o protestantismo é
digno de nosso acatamento; as escolas espiritualistas possuem notáveis
edificações. Toda expressão religiosa é sagrada, todo movimento superior
de educação espiritual é santo em si mesmo. 13
Temos, então, diante de nós, a incompreensão dos bons, que constitui
dolorosa prova para todos os trabalhadores sinceros, porque afinal,
não estamos fazendo obra individual e sim promovendo movimento libertador
da consciência humana, a favor da própria ideia religiosa do mundo.
14 Sacerdotes e
intérpretes dos núcleos organizados da religião e da filosofia, não
percebem ainda que o espírito da Revelação é progressivo, como a alma
do homem. 15 As concepções
religiosas se elevam com a mente da criatura. Muitas igrejas não compreendem,
por enquanto, que não devemos espalhar a crença nos tormentos eternos
para os desventurados, e sim a certeza de que há homens infernais criando
infernos para si mesmos.
2.
Não podemos, porém, perder tempo no exame da teimosia alheia. Temos
serviços complexos e dilatados. 2
E, como dizíamos, a Humanidade terrena aproxima-se, dia a dia, da Esfera
de vibrações dos Invisíveis de condição inferior, que a rodeia em todos
os sentidos. 3 Mas,
segundo reconhecemos, esmagadora percentagem de habitantes da Terra
não se preparou para os atuais acontecimentos evolutivos. E os mais
angustiosos conflitos se verificam no sendal humano. 4
A Ciência progride vertiginosamente no planeta, e, no entanto, à medida
que se suprimem sofrimentos do corpo, multiplicam-se aflições da alma.
Os jornais do mundo estão cheios de notícias maravilhosas, quanto ao
progresso material. 5
Segredos sublimes da Natureza são surpreendidos nos domínios do mar,
da terra e do ar; mas a estatística dos crimes humanos é espantosa.
Os assassínios da guerra, apresentam requintes de perversidade muito
além dos que foram conhecidos em épocas anteriores. 6
Os homicídios, os suicídios, as tragédias conjugais, os desastres do
sentimento, as greves, os impulsos revolucionários da indisciplina,
a sede de experimentação inferior, a inquietação sexual, as moléstias
desconhecidas, a loucura, invadem os lares humanos. 7
Não existe em país algum preparação espiritual bastante para o conforto
físico. Entretanto, esse conforto tende a aumentar naturalmente. O homem
dominará, cada vez mais, a paisagem exterior que lhe constitui moradia,
embora não se conheça a si mesmo. 8
O corpo atendido, porém, revelará as necessidades da alma e vemos agora
a criatura terrestre assoberbada de problemas graves, não só pelas deficiências
de si própria, senão também pela espontânea aproximação psíquica com
a Esfera vibratória de milhões de desencarnados, que se agarram à Crosta
planetária, sequiosos de renovar a existência que menosprezaram, sem
maior consideração aos desígnios do Eterno.
3.
A rigor, também nós compreendemos que os serviços da Comunicação, no
mundo, deveriam realizar-se apenas no Plano da inspiração divina para
os Círculos terrenos, do superior para o inferior; 2
mas, como agir diante de milhões de enfermos e criminosos nas zonas
visíveis e invisíveis da experiência humana? Pelo simples culto externo,
como pretende a Igreja de Roma? Pelo ato de fé, exclusivamente, como
espera a Reforma Protestante? Por mera afirmação da vontade, conforme
pontificam certas escolas espiritualistas? 3
Não podemos, no entanto, circunscrever apreciações, na visão unilateral
do problema. Concordamos que a reverência ao Pai, a fé e a vontade são
expressões básicas da realização divina no homem, mas não podemos esquecer
que o trabalho é necessidade fundamental de cada espírito. 4
Que outros irmãos nossos perseverem, tão somente, nas especulações teológicas;
encaremos, porém, os serviços do Senhor, como se faz indispensável.
5 A Humanidade terrena, atualmente,
é como um grande organismo coletivo, cujas células, que são as personalidades
humanas, se envolvem no desequilíbrio entre si, em processo mundial
de reajustamento e redenção.
6 Quantos cooperam
conosco, veem a extensão dos cipoais em que se debate a mente humana.
Criminosos agarram-se a criminosos, doentes associam-se a doentes. Precisamos
oferecer, no mundo, os instrumentos adequados às retificações espirituais,
habilitando nossos irmãos encarnados a um maior entendimento do Espírito
do Cristo. 7 Para consegui-lo,
todavia, necessitamos de colaboradores fiéis, que não cogitem de condições,
compensações e discussões, mas que se interessem pela sublimidade do
sacrifício e de renunciação com o Senhor.
8 A essa altura, Telésforo
imprimiu longo estacato à lição em curso, e, fixando o olhar percuciente na assembleia,
tornou em voz mais alta:
— Quem não deseje servir, procure outros gêneros de tarefa. A Comunicação
não comporta perda de tempo nem experimentação doentia, sem grave prejuízo
dos cooperadores incautos. 9
Noutros Ministérios, a designação de trabalhadores define, com precisão,
todos os que colaboram com o Divino Mestre. Aqui, porém, acima de trabalhadores,
precisamos servidores que atendam de boa vontade.
10 Nesse instante, em vista
doutra longa pausa, identifiquei a forte impressão dos ouvintes, que
se entreolhavam com inexprimível espanto.
André Luiz
[1] Telésforo. — Vide origem desse nome na Mitologia Greco-romana.
Os capítulos do n.º 5 ao 12, dizem respeito às observações e estudos efetuados por André Luiz em uma reunião no Centro de Mensageiros.