Pedro é um dos mais importantes personagens do Novo Testamento. Sendo
um dos primeiros apóstolos a receber o convite de Jesus, desde o princípio
ele aparece normalmente com algum grau de distinção. Jesus o convida
com a proposta de fazê-lo “pescador de homens” (Lucas, 5.10),
ainda que este convite, em Mateus e Marcos, seja estendido também a
André. É a ele, também, que Jesus atribui a alcunha de pedra, sobre
a qual se erigirá a sua comunidade. O nome Pedro em grego é Πέτρος (Pétros)
deriva da palavra πέτρα (pétra), que significa rocha, pedra.
Apesar das deferências a ele concedidas, Pedro é uma figura que carrega
também os seus desafios e idiossincrasias. Normalmente, aparece como
alguém rígido, não só nos costumes, mas também nas ideias. Determinado
e às vezes impulsivo na defesa do que considera correto, haja vista
o episódio em que ele corta a orelha de Malcos, o soldado que vinha
prender Jesus no Getsêmani. (João,
18.10 e 11, Mateus,
26.51; Marcos,
14.47 e Lucas,
22.49 a 51). Isso fez com que, em mais de uma vez, o Mestre o advertisse
e mesmo indicasse que ele o negaria três vezes depois de sua prisão.
Essas características e advertências, contudo, não impediram que o Cristo
conferisse a ele a liderança dos apóstolos após a sua morte na cruz.
É Pedro a figura que aparece com maior nível de respeitabilidade e não
raro detentor da última palavra nas questões mais importantes. Ele encarna
a figura do patriarca que, depois de Jesus, é a que detém a maior autoridade.
A tradição manteve essa posição e o próprio papado se institui na simbologia
dos ocupantes da cadeira, ou posição, de Pedro.
É natural, portanto, que algum legado direto dessa figura tão importante
figurasse entre os escritos do Novo Testamento. Temos, assim, as duas
cartas a ele atribuídas. Isso, contudo, não é algo isento de controvérsias,
uma vez que a autoria dessas duas cartas é motivo de controvérsia entre
os estudiosos.
Estrutura e temas
Destaca-se, em ambos os escritos, as orientações que abrangem um espectro
amplo da conduta cristã, e abarcam dos anciões aos jovens, dos esposos
aos servos e senhores. Estão presentes também as advertências contra
os falsos mestres e a exortação à esperança e à fé, diante das tribulações
e dores.
Estão presentes também a exaltação do Cristo e uma conexão importante
com algumas narrativas do Antigo Testamento, como a história de Noé
sendo a prefiguração do rito do batismo (mergulhar) em 1 Pedro,
3.20 a 22.
O autor das duas epístolas conhece e reverencia os textos do Antigo
Testamento (2 Pedro, 1.19 a 21),
única escritura de referência à época, o que faz com que um pleno entendimento
de suas ideias demande um conhecimento das fontes judaicas.
PRIMEIRA
CARTA DE PEDRO — Capítulos: 5 — Versículos: 105 — Destinatários: Aos
peregrinos da diáspora.
Temas e versículos:
Saudação e destinatários, 1.1
a 2.
Louvor a Deus e exaltação de Jesus, 1.3
a 5.
Alegria na fidelidade a Jesus, 1.6
a 9.
Os profetas revelaram a salvação presente, 1.10
a 12.
Recomendação de conduta, 1.13;
2.10.
A conduta entre os gentios, 2.11 e 12.
A conduta entre as autoridades, 2.13 a 17.
A conduta com os superiores, 2.18 a 25.
A conduta entre os conjugues, 3.1 a 7.
A conduta entre os irmãos, 3.8 a 12.
A conduta nas perseguições, 3.13 a 17.
Sentido da morte de Jesus, 3.18.
Pregação aos Espíritos em prisão, 3.19 e 20a.
O batismo prefigurado na história de Noé, 3.20b a 22.
Necessidade de romper com o pecado 4.1 a 6.
Manter a esperança — o fim está próximo, 4.7 e 8.
Hospitalidade, 4.9.
Consagração ao serviço, 4.10 e 11.
Felizes os que sofrem pelo Cristo, 4.12 a 19.
Exortações aos anciães, 5.1 a 4.
Exortação aos jovens, 5.5 a 11.
Saudações finais, 5.12 a 14.
SEGUNDA
CARTA DE PEDRO — Capítulos: 3 — Versículos: 61 — Destinatários: Aos que conosco obtiveram a fé.
Temas e versículos:
Saudação e destinatários, 1.1 e 2.
Nos foram dadas todas as condições para a vida e a fé, 1.3 e 4.
Necessidade de esforço para a aquisição das virtudes, 1.5 a 11.
Depoimento pessoal e testemunho, 1.12 a 18.
A importância das escrituras, 1.19 a 21.
Existiram e existirão falsos doutores e profetas, 2.1 a 3.
Ação Divina no passado, presente e futuro, 2.4 a 9.
Ações e consequências, 2.10 a 22.
Equívocos dos descrentes e escarnecedores, 3.3 a 7.
O tempo do Senhor e o dia do Senhor, 3.8 a 11.
Apelo à conduta correta, 3.12 a 14.
Ensinos das cartas de Paulo, 3.15 e 16.
Admoestação e saudação final, 3.17 e 18.
Destinatários
As duas cartas atribuídas a Pedro possuem uma destinação genérica.
A primeira é endereçada aos “peregrinos da diáspora” n
e a segunda aos “que conosco adquiram a fé”. Há uma conexão entre as
duas cartas em 2
Pedro, 3.1 e seguintes, o que pressuporia pelo menos de maneira
geral, que o autor tinha em mente um mesmo conjunto de comunidades que
estariam geograficamente situadas na Ásia Menor. O conteúdo, contudo,
revela uma intensão mais geral, o que fez com que algumas vezes se pretendesse
que esses escritos estariam mais para o gênero de homilia do que para
o de uma carta. Não se trataria, portanto, de um escrito endereçado
a uma comunidade específica ou a um indivíduo, mas ao conjunto daqueles
que buscariam viver de acordo com o Evangelho. Esse propósito é expresso
na segunda carta, em que o autor registra “[…] em ambas procuro despertar
com lembranças a vossa mente esclarecida, para que vos recordeis das
palavras que, anteriormente, foram ditas pelos santos profetas, bem
como do mandamento do Senhor e Salvador.” (2
Pedro, 3.1 e 2).
Autoria
Embora os atestados internos e a praticamente unânime aceitação da
autoria por parte dos Pais da Igreja, a crítica moderna frequentemente
contesta a autoria de Pedro para as duas epístolas. A dúvida normalmente
surge tendo por base o excelente uso do grego koiné nas cartas,
a citação do Antigo Testamento a partir da septuaginta e uma exegese
muito aprimorada da Torá, particularmente nos casos de Noé e Moisés.
Isso seria, segundo os que defendem outro autor que não Pedro, incompatível
com os dados biográficos presentes em Atos, que classificam Pedro como
simples pescador da região de Cafarnaum e Betsaida. Isso, contudo, não
é um argumento definitivo. Além disso, a menção ao nome de Silvano,
no final de 1 Pedro, levanta a questão do porquê alguém escrevendo
em nome de Pedro, anos mais tarde, utilizaria um nome conhecido dos
primeiros cristãos, atribuindo-lhe o papel de responsável por meio do
qual a epístola seria escrita e talvez entregue aos destinatários.
Origem e datação
Em termos de local de origem, pesa a utilização do termo Babilônia
(5.13), que
significava, no Cristianismo e no Judaísmo do primeiro século uma clara
alusão ao Império Romano e particularmente a sua capital. Por essa razão,
embora haja divergências, acredita-se que Roma seja o local mais provável
tanto da redação da primeira quanto da segunda carta de Pedro.
O problema da datação é um pouco mais complexo, visto estar intimamente
ligado à questão da autoria, e oferece em 2 Pedro desafios adicionais.
Os dados internos das cartas são insuficientes para uma datação inequívoca.
Sabemos que Pedro conhece as cartas de Paulo e a sua importância (2
Pedro, 3.15), o que define uma data inicial de pelo menos alguns
anos após o início das cartas de Paulo. Por outro lado, se tomarmos
Roma como o local de redação, sabemos que Pedro esteve em Roma por volta
dos anos 63 e 67. Admitindo-se a autoria como de Pedro, e a origem em
Roma, seria forçoso considerar, então, esse período como o de redação
das cartas. Rejeitando-se a autoria de Pedro, as datas para a primeira
carta pressuporiam um período posterior à queda de Jerusalém como inicial.
Para a segunda carta há o argumento de uma familiaridade do texto com
o apocalipse de Pedro, cuja data é do final da primeira metade do século
II. Dessa forma, aceitando-se a autoria, temos como período de composição
os anos de 63 e 64 para 1 Pedro e 65 a 67 para 2 Pedro.
Rejeitando-se a autoria, teríamos de 70 a 90 o período de composição
de 1 Pedro e de 92 a 125 para 2 Pedro.
Perspectiva espírita
Pedro é uma figura que personifica o ser humano em suas virtudes e
idiossincrasias, desafios e conquistas. Ele nos mostra que as nossas
concepções de verdade e de bem devem se afastar cada vez mais do egocentrismo
e do preconceito, dando espaço estabeleceu no apóstolo de súbito, demandou
tempo e é na perspectiva do tempo que transforma que entendemos mais
profundamente a personalidade e a importância de Pedro, já que, em regra
geral, a nossa própria transformação demanda também um considerável
espaço de tempo e experiências.
Além do tempo, o fator mais importante na transformação de Pedro, que
se reflete na nossa própria autotransformação, é a presença do Cristo.
Jesus acompanhou Pedro de perto, não faltando com as orientações e advertências,
mas sempre confiante na vitória sobre si mesmo daquele que marcaria
de maneira indelével o conjunto das comunidades dedicadas à vivência
do Cristianismo. Essa permanência deriva do fato de que o olhar de Jesus
para Pedro, e, por extensão, para cada um de nós, não é o do superior
que desconsidera o inferior, mas o do Mestre que reconhece no discípulo
aquilo que ele possui de virtudes em seu íntimo, trabalhando para dilapidar
e libertar o que há de bom dos emaranhados transitórios dos equívocos.
Por isso Emmanuel nos diz que:
“Aos olhos de muita gente, Simão Pedro era fraco e inconstante; para
ele [Jesus], contudo, representava o brilhante entranhado nas sombras
do preconceito que fulgiria à luz do Pentecostes para veicular-lhe o
Evangelho.” n
E prossegue afirmando:
“Em Pedro, no dia da negação, não repara o cooperador enfraquecido,
mas sim o aprendiz invigilante, a exigir-lhe compreensão e carinho,
e, por isso, transforma-o, com o tempo, no baluarte seguro do Evangelho
nascente, operoso e fiel até o martírio e a crucificação.” n
[1]
Ver em Comentários às Cartas de Pedro - 1 Pedro, 2.11 o texto
de Emmanuel intitulado Peregrinos e forasteiros.
(Nota da Editora.)
[2]
Trecho retirado de Palavras de vida eterna. FEB Editora; CEC.
Capítulo 35. — Observemos amando. In.
O Evangelho por Emmanuel — Comentários ao Evangelho segundo Mateus.
(Nota da Editora.)
[3]
Trecho da mensagem O olhar de Jesus.
Reformador, janeiro de 1956, p. 6. In. O Evangelho por Emmanuel
— Comentários ao Evangelho segundo Mateus. (Nota da Editora.)
Saulo Cesar Ribeiro da Silva.