1.
Eram quase vinte horas, quando estacamos à frente de sóbrio edifício,
ladeado por vários veículos.
2 Muita gente ia e vinha.
Desencarnados, em grande cópia, congregavam-se no recinto e fora dele.
3 Vigilantes de nosso Plano
estendiam-se, atenciosos, impedindo o acesso de Espíritos impenitentes
ou escarnecedores.
4 Variados grupos de pessoas
ganhavam ingresso à intimidade da casa, mas no pórtico experimentavam
a separação de certos Espíritos que as seguiam, Espíritos que não eram
simples curiosos ou sofredores, mas blasfemadores e renitentes no mal.
5 Esses casos, porém, constituíam
exceção, porque em maioria o séquito de irmãos desencarnados formava-se
de gente agoniada e enferma, tão necessitada de socorro fraterno como
os doentes e aflitos que passavam a acompanhar.
6 Entramos.
Grande mesa, ao centro de vasta sala, encontrava-se rodeada de largo cordão luminoso, de isolamento.
7 Em derredor, reservava-se
ampla área, onde se acomodavam quantos careciam de assistência, encarnados
ou não, área essa que se mostrava igualmente protegida por faixas de
defesa magnética, sob o cuidado cauteloso de guardas pertencentes à
nossa Esfera de ação.
2.
À frente, na parte oposta à entrada, vários benfeitores espirituais
conferenciavam entre si e, junto deles, respeitável senhora ouvia, prestimosa,
diversos pacientes.
2 Apresentava-se a matrona
revestida por extenso halo de irradiações opalinas, e, por mais que
projeções de substância sombria a buscassem, através das requisições
dos sofredores que a ela se dirigiam, conservava a própria aura sempre
lúcida, sem que as emissões de fluidos enfermiços lhe pudessem atingir
o campo de forças.
3 Designando-a com a destra,
o Assistente informou:
— É a nossa irmã Ambrosina, que, há mais de vinte anos sucessivos, procura oferecer à mediunidade cristã o que possui de melhor na existência. Por amor ao ideal que nos orienta, renunciou às mais singelas alegrias do mundo, inclusive o conforto mais amplo do santuário doméstico, de vez que atravessou a mocidade trabalhando, sem a consolação do casamento.
4 Ambrosina trazia o semblante
quebrantado e rugoso, refletindo, contudo, a paz que lhe vibrava no
ser.
Na cabeça, dentre os cabelos grisalhos, salientava-se pequeno funil de luz, n à maneira de delicado adorno.
5 Intrigados, consultamos
a experiência de nosso orientador e o esclarecimento não se fez esperar:
— É um aparelho magnético ultra-sensível com que a médium vive em constante
contato com o responsável pela obra espiritual que por ela se realiza.
6 Pelo tempo de atividade
na Causa do Bem e pelos sacrifícios a que se consagrou, Ambrosina recebeu
do Plano Superior um mandato de serviço mediúnico, merecendo, por isso,
a responsabilidade de mais íntima associação com o instrutor que lhe
preside às tarefas. 7
Havendo crescido em influência, viu-se assoberbada por solicitações
de múltiplos matizes. Inspirando fé e esperança a quantos se lhe aproximam
do sacerdócio de fraternidade e compreensão, é, naturalmente, assediada
pelos mais desconcertantes apelos.
8 — Vive então flagelada
por petitórios e súplicas? — Indagou Hilário, inevitavelmente curioso.
— Até certo ponto sim, porque simboliza uma ponte entre dois mundos, entretanto, com a paciência evangélica, sabe ajudar aos outros para que os outros se ajudem, porquanto não lhe seria possível conseguir a solução para todos os problemas que se lhe apresentam.
3.
Abeiramo-nos da médium respeitável e modesta e vimo-la pensativa, não
obstante o vozerio abafado, em torno.
2 Não longe, o pensamento
conjugado de duas pessoas exteriorizava cenas lamentáveis de um crime
em que se haviam embrenhado.
3 E, percebendo-as, Dona Ambrosina
refletia, falando sem palavras, em frases audíveis tão somente em nosso
meio: — “Amados amigos espirituais, que fazer? Identifico nossos irmãos
delinquentes e reconheço-lhes os compromissos… Um homem foi eliminado…
Vejo-lhe a agonia retratada na lembrança dos responsáveis… Que estarão
buscando aqui nossos infortunados companheiros, foragidos da justiça
terrestre?”
4 Reparávamos que a médium
temia perder a harmonia vibratória que lhe era peculiar.
Não desejava absorver-se em qualquer preocupação acerca dos visitantes mencionados.
5 Foi então que um dos mentores
presentes se aproximou e tranquilizou-a:
— Ambrosina, não receie. Acalme-se. É preciso que a aflição não nos perturbe. Acostume-se a ver nossos irmãos infelizes na condição de criaturas dignas de piedade. Lembre-se de que nos achamos aqui para auxiliar, e o remédio não foi criado para os sãos. Compadeça-se, sustentando o próprio equilíbrio! Somos devedores de amor e respeito uns para com os outros e, quanto mais desventurados, de tanto mais auxílio necessitamos. É indispensável receber nossos irmãos comprometidos com o mal, como enfermos que nos reclamam carinho.
6 A médium aquietou-se.
Passou a conversar naturalmente com os frequentadores da casa.
Aqui, alguém desejava socorro para o coração atormentado ou pedia cooperação
em benefício de parentes menos felizes. Ali, suplicava-se concurso fraterno
para doentes em desespero; mais além, surgiam requisições de trabalho
assistencial.
7 Dona Ambrosina consolava
e prometia. Quando Gabriel, o orientador, chegasse, o assunto lhe seria
exposto. Decerto, traria a colaboração necessária.
4.
Não decorreram muitos minutos e Gabriel, o mais categorizado mentor
da casa, deu entrada no recinto, acompanhado por grande séquito de amigos.
2 Acomodaram-se em palestra
afetiva à frente da mesa. Aí reunidas, as entidades de vida mental mais
nobre estabeleciam naturalmente larga faixa de luz inacessível às sombras
que senhoreavam a maioria dos encarnados e desencarnados da grande reunião.
3 Gabriel e os assessores
abraçaram-nos generosos.
Dir-se-ia partilhávamos brilhante festividade, tão vivo se mostrava o júbilo dos instrutores e funcionários espirituais da instituição. O trato com doentes e sofredores dos dois Planos não lhes roubava a esperança, a paz, o otimismo… Compareciam ali, com o abnegado e culto orientador, a quem Áulus não regateava os seus testemunhos de veneração, médicos e professores, enfermeiros e auxiliares desencarnados, prontos para servir na lavoura do bem.
4 Irradiavam tanta beleza
e alegria, que Hilário, tão deslumbrado quanto eu, retornou às perguntas
que lhe caracterizavam o temperamento juvenil.
5 Aqueles amigos, considerando
as mensagens de luz e simpatia que projetavam de si mesmos, seriam altos
embaixadores da Divina Providência? Desfrutavam, acaso, o convívio dos
santos? Viveriam em comunhão pessoal com o Cristo? Teriam alcançado
a condição de seres impecáveis?
6 O Assistente sorriu bem-humorado,
e esclareceu:
— Nada disso. Com todo o apreço que lhes devemos, é preciso considerar que são vanguardeiros do progresso, sem serem infalíveis. São grandes almas em abençoado processo de sublimação, credoras de nossa reverência pelo grau de elevação que já conquistaram, contudo, são Espíritos ainda ligados à Humanidade terrena e em cujo seio se corporificarão, de novo, no futuro, através do instituto universal da reencarnação, para o desempenho de preciosas tarefas.
7 — No entanto, à frente da
assembleia de criaturas torturadas que observamos, são eles luminares
isentos de errar?
— Não, — acentuou Áulus, compreensivo. — Não podemos exigir deles qualidades
que somente transparecem dos Espíritos que já atingiram a sublimação
absoluta. 8 São altos
expoentes de fraternidade e conhecimento superior, porém, guardam ainda
consigo probabilidades naturais de desacerto. Primam pela boa vontade,
pela cultura e pelo próprio sacrifício no auxílio incessante aos companheiros
reencarnados, mas podem ser vítimas de equívocos, que se apressam, contudo,
a corrigir, sem a vaidade que, em muitas circunstâncias, prejudica os
doutos da Terra. 9
Aqui temos, por exemplo, variados médicos sem o envoltório da experiência
física. Apesar de excelentes profissionais, devotados e beneméritos
na missão que esposaram, não seria, contudo, admissível fossem promovidos,
de um instante para outro, da ciência fragmentária do mundo à sabedoria
integral. 10 Com
a imersão nas realidades da morte, adquirem novas visões da vida, alargam-se-lhes
os horizontes da observação. Compreendem que algo sabem, mas esse algo
é muito pouco daquilo que lhes compete saber. Entregam-se, desse modo,
a preciosas cruzadas de serviço e, dentro delas, ajudam e aprendem.
11 Trabalhadores de
outros círculos da experiência humana encontram-se no mesmo regime.
Auxiliam e são auxiliados. Não poderia ser de outro modo. Sabemos que
o milagre não existe como derrogação de leis da Natureza. Somos irmãos
uns dos outros, evolvendo juntos, em processo de interdependência, no
qual se destaca o esforço individual.
5.
Nessa altura do esclarecimento que registávamos, felizes, Dona Ambrosina
sentara-se ao lado do diretor da sessão, um homem de cabelos grisalhos
e fisionomia simpática que havia organizado a mesa orientadora dos trabalhos
com catorze pessoas, em que transpareciam a simplicidade e a fé.
2 Enquanto Gabriel se postava
ao lado da médium, aplicando-lhe passes de longo circuito, como a prepará-la
com segurança para as atividades da noite, o condutor da reunião pronunciou
sentida prece.
3 Em seguida, foi lido um
texto edificante de livro doutrinário, acompanhado por breve anotação
evangélica, em cuja escolha preponderou a influência de Gabriel sobre
o orientador da casa.
Da leitura global distinguia-se a paciência por tema vivo.
E, realmente, a assembleia, examinada no todo mostrava-se flagelada
de problemas inquietantes, reclamando a chave da conformação para alcançar
o reequilíbrio.
4 Dezenas e dezenas de pessoas
aglomeravam-se, em derredor da mesa, exibindo atribulações e dificuldades.
Estranhas formas-pensamentos surgiam
de grupo a grupo, denunciando-lhes a posição mental.
5 Aqui, dardos de preocupação,
estiletes de amargura, nevoeiros de lágrimas… Acolá, obsessores enquistados
no desânimo ou no desespero, entre agressivos propósitos de vingança,
agravados pelo temor do desconhecido…
6 Desencarnados em
grande número suspiravam pelo Céu, enquanto outros receavam o inferno,
desajustados pela falsa educação religiosa recolhida no Plano terrestre.
7 Vários amigos espirituais,
junto aos componentes da mesa diretora, passaram a ajudá-los na predicação
doutrinária, com bases no ponto evangélico da noite, espalhando, através
de comentários bem feitos, estímulos e consolos.
8 Fichas individuais não eram
declinadas, entretanto percebíamos claramente que as pregações eram
arremessadas ao ar, com endereço exato. Aqui, levantavam um coração
caído em desalento, ali, advertiam consciências descuidadas, mais além,
renovavam o perdão, a fé, a caridade, a esperança…
9 Não faltavam quadros impressionantes
de Espíritos perseguidores, que procuravam hipnotizar as próprias vítimas,
precipitando-as no sono provocado, para que não tomassem conhecimento
das mensagens transformadoras, ali veiculadas pelo verbo construtivo.
10 Muitos médiuns funcionavam
no recinto, colaborando em favor dos serviços de ordem geral a se processarem
harmoniosos, todavia, observávamos que Dona Ambrosina era o centro da
confiança de todos e o objeto de todas as atenções.
11 Figurava-se, ali, o coração
do santuário, dando e recebendo, ponto vivo de silenciosa junção entre
os habitantes de duas Esferas distintas.
Junto dela, em oração, foram colocadas numerosas tiras de papel.
12 Eram requerimentos, anseios
e súplicas do povo, recorrendo à proteção do Além, nas aflições e aperturas
da existência.
Cada folha era um petitório agoniado, um apelo comovedor.
6.
Entre Dona Ambrosina e Gabriel destacava-se agora extensa faixa elástica
de luz azulínea, n
e amigos espirituais, prestos na solidariedade cristã, nela entravam
e, um a um, tomavam o braço da medianeira, depois de lhe influenciarem
os centros corticais, atendendo, tanto quanto possível, aos problemas
ali expostos.
2 Antes, porém, de começarem
o trabalho de resposta às questões formuladas, um grande espelho fluídico
foi situado junto da médium, por trabalhadores espirituais da instituição
e, na face dele, com espantosa rapidez, cada pessoa ausente, nomeada
nas petições da noite, surgia ante o exame dos benfeitores que, a distância,
contemplavam-lhe a imagem, recolhiam-lhe os pensamentos e especificavam-lhe
as necessidades, oferecendo a solução possível aos pedidos feitos.
3 Enquanto cultos companheiros
de fé ensinavam o caminho da pacificação interior, sob a inspiração
de mentores de nosso Plano, Dona Ambrosina, sob o comando de instrutores
que se revezavam no serviço assistencial, psicografava sem descanso.
4 Equilibrara-se o trabalho
no recinto e, com isso, entendemos que havia reaparecido ocasião adequada
para as nossas indagações.
7.
Hilário foi o primeiro na inquirição que não conseguíamos sopitar, e,
indicando o enorme laço fluídico que ligava Dona Ambrosina ao orientador
que lhe presidia à missão, perguntou:
2 — Que significa essa faixa,
através da qual a médium e o dirigente se associam tão intimamente um
ao outro?
Áulus, com a tolerância e a benevolência habituais, elucidou:
— O desenvolvimento mais amplo das faculdades medianímicas exige essa
providência. 3 Ouvindo
e vendo, no quadro de vibrações que transcendem o campo sensório comum,
Ambrosina não pode estar à mercê de todas as solicitações da Esfera
espiritual, sob pena de perder o seu equilíbrio. 4
Quando o médium se evidencia no serviço do bem, pela boa vontade, pelo
estudo e pela compreensão das responsabilidades de que se encontra investido,
recebe apoio mais imediato de amigo espiritual experiente e sábio, que
passa a guiar-lhe a peregrinação na Terra, governando-lhe as forças.
5 No caso presente,
Gabriel é o perfeito controlador das energias de nossa amiga, que só
estabelece contato com o Plano espiritual de conformidade com a supervisão
dele.
6 — Quer dizer que para efetuarmos
uma comunicação por intermédio da senhora, sob nosso estudo, será preciso
sintonizar com ela e com o orientador ao mesmo tempo?
— Justamente, — respondeu Áulus, satisfeito. — 7
Um mandato mediúnico reclama ordem, segurança, eficiência. Uma delegação
de autoridade humana envolve concessão de recursos da parte de quem
a outorga. Não se pedirá cooperação sistemática do médium, sem oferecer-lhe
as necessárias garantias.
8 — Isso, porém, não dificultará
o processo de intercâmbio?
— De modo algum. Perante as necessidades respeitáveis e compreensíveis, com perspectivas de real aproveitamento, o próprio Gabriel se incumbe de tudo facilitar, ajudando aos comunicantes, tanto quanto auxilia a médium.
9 Assinalando a perfeita comunhão
entre o mentor e a tutelada, indaguei por minha vez se uma associação
daquela ordem não estaria vinculada a compromissos assumidos pelos médiuns,
antes da reencarnação, ao que Áulus respondeu, prestimoso:
— Ah! sim, semelhantes serviços não se efetuam sem programa. 10
O acaso é uma palavra inventada pelos homens para disfarçar o menor
esforço. Gabriel e Ambrosina planejaram a experiência atual, muito antes
que ela se envolvesse nos densos fluidos da vida física.
11 — E por que dizer,
— continuei, lembrando ao Assistente as suas próprias palavras, ( † )
— “quando o médium se destaca no serviço do bem recebe apoio de um amigo
espiritual”, se esse amigo espiritual e o médium já se encontram irmanados
um ao outro, desde muito tempo?
12 O instrutor fitou-me de
frente e falou:
— Em qualquer cometimento, não seria lícito desvalorizar a liberdade
de ação. Ambrosina comprometeu-se; isso, porém, não a impediria de cancelar
o contrato de serviço, não obstante reconhecer-lhe a excelência e a
magnitude. Poderia desejar imprimir novo rumo ao seu idealismo de mulher,
embora adiando realizações sem as quais não se erguerá livremente do
mundo. 13 Os orientadores
da Espiritualidade procuram companheiros, não escravos. O médium digno
da missão do auxílio não é um animal subjugado à canga, mas sim um irmão
da Humanidade e um aspirante à Sabedoria. Deve trabalhar e estudar por
amor… 14 É por isso
que muitos começam a jornada e recuam. Livres para decidir quanto ao
próprio destino, muitas vezes preferem estagiar com indesejáveis companhias,
caindo em temíveis fascinações. 15
Iniciam-se com entusiasmo na obra do bem, entretanto, em muitas circunstâncias
dão ouvidos a elementos corruptores que os visitam pelas brechas da
invigilância. E, assim, tropeçam e se estiram na cupidez, na preguiça,
no personalismo destruidor ou na sexualidade delinquente, transformando-se
em joguetes dos adversários da luz, que lhes vampirizam as forças, aniquilando-lhes
as melhores possibilidades. 16
Isso é da experiência de todos os tempos e de todos os dias…
17 — Sim, sim… — Concordei,
— mas não seria possível aos mentores espirituais a movimentação de
medidas capazes de pôr cobro aos abusos, quando os abusos aparecem?
18 Meu interlocutor sorriu
e obtemperou:
— Cada consciência marcha por si, apesar de serem numerosos os mestres
do caminho. Devemos a nós mesmos a derrota ou a vitória. Almas e coletividades
adquirem as experiências com que se redimem ou se elevam, ao preço do
próprio esforço. O homem constrói, destrói e reconstrói destinos, como
a Humanidade faz e desfaz civilizações, buscando a melhor direção para
responder aos chamamentos de Deus. 19
É por isso que pesadas tribulações vagueiam no mundo, tais como a enfermidade
e a aflição, a guerra e a decadência, despertando as almas para o discernimento
justo. Cada qual vive no quadro das próprias conquistas ou dos próprios
débitos. 20 Assim
considerando, vemos no Planeta milhões de criaturas sob as teias da
mediunidade torturante, milhares detendo possibilidades psíquicas apreciáveis,
muitas tentando o desenvolvimento dos recursos dessa natureza e raras
obtendo um mandato mediúnico para o trabalho da fraternidade e da luz.
21 E, segundo reconhecemos,
a mediunidade sublimada é serviço que devemos edificar, ainda que essa
gloriosa aquisição nos custe muitos séculos.
22 — Mas, ainda num mandato
mediúnico, o tarefeiro da condição de Dona Ambrosina pode cair?
— Como não? — Acentuou o interlocutor, — um mandato é uma delegação
de poder obtida pelo crédito moral, sem ser um atestado de santificação.
Com maiores ou menores responsabilidades, é imprescindível não esquecer
nossas obrigações perante a Lei Divina, a fim de consolidar nossos títulos
de merecimento na vida eterna.
23 E, com significativo tom
de voz, acrescentou:
— Recordemos a palavra do Senhor: “muito se pedirá de quem muito recebeu”. ( † )
24 A conversação, à margem
do serviço, oferecera-me suficiente material de meditação.
As valiosas anotações do Assistente, em se reportando à mediunidade, impeliam-me a silenciar e refletir.
8.
Isso, porém, não acontecia com o meu companheiro, porque Hilário, fixando
o espelho fluídico em que os benfeitores do nosso Plano recolhiam informações
rápidas para respostas às consultas, solicitou de nosso orientador alguma
definição sobre o delicado instrumento, que funcionava às mil maravilhas,
mostrando quadros com pessoas angustiadas ou enfermas, de momento a
momento.
2 — É um televisor, manobrado
com recursos de nossa Esfera. n
3 — Entretanto, — inquiriu
Hilário, minucioso, — a face do espelho mostra o veículo de carne ou
a própria alma?
— A própria alma. Pelo exame do perispírito, alinham-se avisos e conclusões.
4 Muitas vezes, é imprescindível
analisar certos casos que nos são apresentados, de modo meticuloso;
todavia, recolhendo apelos em massa, mobilizamos meios de atender a
distância. Para isso, trabalhadores das nossas linhas de atividade são
distribuídos por diversas regiões, onde captam as imagens de acordo
com os pedidos que nos são endereçados, sintonizando as emissões com
o aparelho receptor sob nossa vista. 5
A televisão, que começa a estender-se no mundo, pode oferecer uma ideia
imediata de semelhante serviço, salientando-se que entre nós essas transmissões
são muito mais simples, exatas e instantâneas.
6 Meu colega refletiu alguns
momentos, como se grave problema lhe aflorasse à cabeça, e considerou:
— O que vemos sugere importantes ponderações. 7
Imaginemos que alguém expeça determinada solicitação ao mandato mediúnico,
sujeita a certa demora entre a requisição e a resposta… Figuremos que
o interessado, situado longe, desencarne e permaneça, em Espírito, como
acontece em muitas ocasiões, num aposento doméstico ou em algum leito
de hospital, embora já liberado do corpo físico… Num caso desses, a
resposta dos benfeitores espirituais será fornecida como se fosse dedicada
ao encarnado autêntico?
8 — Isso pode ocorrer
em várias circunstâncias, — acrescentou o Assistente, — de vez que não
nos achamos num serviço automático ou milagroso. Agimos com espírito
de cooperação e boa vontade, dependendo o êxito do auxílio mútuo, porque
uma só peça não solucionará os problemas da máquina inteira. Funcionários
que recolhem anotações reclamam o concurso eficiente daqueles que as
transmitem. 9 Muita
vez, a longa distância, a criatura em sofrimento é mostrada aos que
se propõem socorrê-la e os samaritanos da fraternidade, em virtude do
número habitualmente enorme dos aflitos, com a obrigação de ajudar,
de improviso, não podem, de momento, ajuizar se estão recebendo informes
acerca de um encarnado ou de um desencarnado, mormente quando não se
acham laureados por vastíssima experiência. Em certas situações, os
necessitados exigem auxílio intensivo em pequenina fração de minuto.
Assim sendo, qualquer equívoco desse jaez é perfeitamente admissível.
10 — Mas, isso,
— tornou Hilário, — não seria perturbar o serviço da fé? Se fossemos
nós, os encarnados, não julgaríamos tal acontecimento como sendo inútil
resposta enviada a um morto?
— Não, Hilário, não podemos situar a questão nestes termos. Quem busca sinceramente a fé, encontra o prêmio da compreensão clara e pacífica das coisas, sem prejudicar-se diante de contradições superficiais e aparentes.
11 Nesse ponto do diálogo,
o Assistente meditou um instante e observou:
— Mas se os consulentes são exemplares de leviandade e má-fé, abeirando-se
do trabalho mediúnico no propósito deliberado de estabelecer a descrença
e a secura espiritual, semelhantes resultados, quando se verificam,
servem para eles como justa colheita dos espinhos que plantam, de vez
que abusam da generosidade e da paciência dos Espíritos amigos e recolhem
para si mesmos a negação e a tortura mental. 12
Quem procura a fonte límpida, arremessando-lhe lodo à face, não pode,
em seguida, obter a água pura.
13 Hilário, satisfeito, silenciou.
E porque dois médiuns de cura passassem a socorrer doentes em sala próxima, enquanto Dona Ambrosina e os oradores cumpriam seus edificantes deveres, procuramos o serviço de passes magnéticos, à cata de novos conhecimentos.
André Luiz
[1]
[O funil magnético. — O aparelho parece ter as funções de uma antena
receptora de ondas mentais específicas, instalado junto à epífise no
corpo espiritual do médium.]
[2] [“Faixa
elástica de luz azulínea”, um campo fluídico-magnético, em distinção
a “campo magnético” que é termo com significado já consagrado em nossa
nomenclatura.]
[3] [Vide: Algumas referências ao uso de itens materiais no Mundo Invisível do Plano Espiritual, como edificações providas dos mais diversos objetos, aparelhos, veículos de transporte, etc.]