1.
Atravessamos a porta e fomos defrontados por ambiente balsâmico e luminoso.
2 Um cavalheiro maduro e uma
senhora respeitável recolhiam apontamentos em pequeno livro de notas,
ladeados por entidades evidentemente vinculadas aos serviços de cura.
3 Indicando os dois médiuns,
o Assistente informou:
— São os nossos irmãos Clara e Henrique, em tarefa de assistência, orientados pelos amigos que os dirigem.
4 — Como compreender a atmosfera
radiante em que nos banhamos? — Aventurou Hilário, curioso.
— Nesta sala, — explicou Áulus, amigavelmente, — se reúnem sublimadas
emanações mentais da maioria de quantos se valem do socorro magnético,
tomados de amor e confiança. Aqui possuímos uma espécie de altar interior,
formado pelos pensamentos, preces e aspirações de quantos nos procuram
trazendo o melhor de si mesmos.
5 Não dispúnhamos, todavia,
de muito tempo para a conversação isolada.
Clara e Henrique, agora em prece, nimbavam-se de luz.
Dir-se-ia estavam quase desligados do corpo denso, porque se mostravam espiritualmente mais livres, em pleno contato com os benfeitores presentes, embora por si mesmos não no pudessem avaliar.
Calmos e seguros, pareciam haurir forças revigorantes na intimidade
de suas almas. Guardavam a ideia de que a oração lhes mantinha o Espírito
em comunicação com invisível e profundo manancial de energia silenciosa.
6 Ante a porta ainda cerrada,
acotovelavam-se pessoas aflitas e bulhentas, esperando o término da
preparação a que se confiavam.
Os dois médiuns, porém, afiguravam-se-nos espiritualmente distantes.
Absortos, em companhia das entidades irmãs, registavam-lhes as instruções, através dos recursos intuitivos.
7 Pelas irradiações da personalidade
magnética de Henrique, reconhecia-se-lhe, de imediato, a superioridade
sobre a companheira. Era ele, dentre os dois, o ponto dominante.
Por isso, decerto, ao seu lado se achava o orientador espiritual mais categorizado para a tarefa.
Áulus abraçou-o e no-lo apresentou, gentil.
2.
O irmão Conrado, nosso novo amigo, enlaçou-nos acolhedor.
2 Anunciou que o serviço estaria
à nossa disposição para os apontamentos que desejássemos. E o nosso
instrutor, colocando-nos à vontade, autorizou-nos dirigir a Conrado
qualquer indagação que nos ocorresse.
3 Hilário, que nunca sopitava
a própria espontaneidade, começou, como de hábito, a inquirição, perguntando
respeitosamente:
— O amigo permanece frequentemente aqui?
— Sim, tomamos sob nossa responsabilidade os serviços assistenciais
da instituição, em favor dos doentes, duas noites por semana.
4 — Dos enfermos tão somente
encarnados?
— Não é bem assim. Atendemos aos necessitados de qualquer procedência.
— Conta com muitos cooperadores?
— Integramos um quadro de auxiliares, de acordo com a organização estabelecida pelos mentores da Esfera Superior.
5 — Quer dizer que, numa casa
como esta, há colaboradores espirituais devidamente fichados, assim
como ocorre a médicos e enfermeiros num hospital terrestre comum?
— Perfeitamente. Tanto entre os homens como entre nós, que ainda nos achamos longe da perfeição espiritual, o êxito do trabalho reclama experiência, horário, segurança e responsabilidade do servidor fiel aos compromissos assumidos. A Lei não pode menosprezar as linhas da lógica.
6 — E os médiuns? São invariavelmente
os mesmos?
— Sim, contudo, em casos de impedimento justo, podem ser substituídos, embora nessas circunstâncias se verifiquem, inevitavelmente, pequenos prejuízos resultantes de natural desajuste.
3.
Meu colega passeou o olhar inquieto pelos dois companheiros encarnados,
em oração, e continuou:
2 — Preparam-se nossos amigos,
à frente do trabalho, com o auxílio da prece?
— Sem dúvida. A oração é prodigioso banho de forças, tal a vigorosa corrente mental que atrai. Por ela, Clara e Henrique expulsam do próprio mundo interior os sombrios remanescentes da atividade comum que trazem do círculo diário de luta e sorvem do nosso Plano as substâncias renovadoras de que se repletam, a fim de conseguirem operar com eficiência, a favor do próximo. Desse modo, ajudam e acabam por ser firmemente ajudados.
3 — Isso significa que não
precisam recear a sua exaustão…
— De modo algum. Tanto quanto nós, não comparecem aqui com a pretensão de serem os senhores do benefício, mas sim na condição de beneficiários que recebem para dar. A oração, com o reconhecimento de nossa desvalia, coloca-nos na posição de simples elos de uma cadeia de socorro, cuja orientação reside no Alto. Somos nós aqui, neste recinto consagrado à missão evangélica, sob a inspiração de Jesus, algo semelhante à singela tomada elétrica, dando passagem à força que não nos pertence e que servirá na produção de energia e luz.
4.
A explicação não podia ser mais clara.
2 E enquanto Hilário sorria
satisfeito, Conrado afagou os ombros de Henrique, como a recordar-lhe
o horário estabelecido, e o médium, apesar de não lhe assinalar o gesto
no campo das sensações físicas, obedeceu, de pronto, encaminhando-se
para a porta e descerrando-a aos sofredores.
3 Pequena multidão de encarnados
e desencarnados aglomerou-se à entrada, todavia, companheiros da casa
controlavam-lhes os movimentos.
Conrado entregou-se ao trabalho que lhe competia e, em razão disso, tornamos à intimidade do Assistente.
4 Ambos os médiuns atacaram
a tarefa.
Enfermos de variada expressão entravam esperançosos e retiravam-se, depois de atendidos, com evidentes sinais de reconforto. Das mãos de Clara e Henrique irradiavam-se luminosas chispas, comunicando-lhes vigor e refazimento.
5 Na maioria dos casos, não
precisavam tocar o corpo dos pacientes, de modo direto. Os recursos
magnéticos, aplicados a reduzida distância, penetravam assim mesmo o
“halo vital” ou a aura dos doentes, provocando modificações subitâneas.
5.
Os passistas afiguravam-se-nos como duas pilhas humanas deitando raios
de espécie múltipla, a lhes fluírem das mãos, depois de lhes percorrerem
a cabeça, ao contato do irmão Conrado e de seus colaboradores.
2 O quadro era efetivamente
fascinador pelos jogos de luz que apresentava.
Hilário sondou o ambiente e, em seguida, indagou de nosso orientador:
3 — Por que motivo a energia
transmitida pelos amigos espirituais circula primeiramente na cabeça
dos médiuns?
— Ainda aqui, — disse Áulus, — não podemos subestimar a importância
da mente. O pensamento influi de maneira decisiva na doação de princípios
curadores. Sem a ideia iluminada, pela fé e pela boa vontade, o médium
não conseguiria ligação com os Espíritos amigos que atuam sobre essas
bases.
4 — Entretanto, —
ponderei, — há pessoas tão bem dotadas de força magnética perfeitamente
despreocupadas do elemento moral!…
— Sim, — redarguiu o Assistente, — refere-se você aos hipnotizadores comuns,
muita vez portadores de energia excepcional. Fazem belas demonstrações,
impressionam, convencem, contudo, movimentam-se na esfera de puro fenômeno,
sem aplicações edificantes no campo da espiritualidade. É imperioso
não esquecer, André, que o potencial magnético é peculiar a todos, com
expressões que se graduam ao infinito.
5 — Mas semelhantes
profissionais podem igualmente curar! — Frisou meu companheiro, completando-me
as observações.
— Sim, podem curar, mas acidentalmente, quando o enfermo é credor de
assistência espiritual imediata, com a intervenção de amigos que o favorecem.
6 Fora disso, os que
abusam dessa fonte de energia, explorando-a ao seu bel-prazer, quase
sempre resvalam para a desmoralização de si mesmos, porque interferindo
num campo de forças que lhes é desconhecido, guiados tão somente pela
vaidade ou pela ambição inferior, fatalmente encontram entidades que
com eles se afinam, precipitando-se em difíceis situações que não vêm
à baila comentar. 7
Se não possuem um caráter elevado, suscetível de opor um dique à influenciação
viciosa, acabam vampirizados por energias mais acentuadas que as deles,
porquanto, se considerarmos o assunto apenas sob o ponto de vista da
força, somos constrangidos a reconhecer que há imenso número de vigorosos
hipnotizadores espirituais, nas linhas atormentadas da ignorância e
da crueldade, de onde se originam os mais aflitivos processos de obsessão.
8 E, sorrindo, acrescentou:
— Recordemos a Natureza. A serpente é um dos maiores detentores de poder hipnótico.
6.
— Então, — disse Hilário, — para curar, serão indispensáveis certas
atitudes do espírito…
2 — Indiscutivelmente não
prescindimos do coração nobre e da mente pura, no exercício do amor,
da humildade e da fé viva, para que os raios do poder divino encontrem
acesso e passagem por nós, a benefício dos outros. Para a sustentação
de um serviço metódico de cura, isso é indispensável.
3 — Entretanto, para o esforço
desse tipo precisaremos de pessoas escolhidas, com a obrigação de efetuarem
estudos especiais?
— Importa ponderar, — disse Áulus, convicto, — que em qualquer setor
de trabalho a ausência de estudo significa estagnação. 4
Esse ou aquele cooperador que desistam de aprender, incorporando novos
conhecimentos, condenam-se fatalmente às atividades de subnível, todavia,
em se tratando do socorro magnético, tal qual é administrado aqui, convém
lembrar que a tarefa é de solidariedade pura, com ardente desejo de
ajudar, sob a invocação da prece. 5
E toda oração, filha da sinceridade e do dever bem cumprido, com respeitabilidade
moral e limpeza de sentimentos, permanece tocada de incomensurável poder.
6 Analisada a questão
nestes termos, todas as pessoas dignas e fervorosas, com o auxílio da
prece, podem conquistar a simpatia de veneráveis magnetizadores do Plano
Espiritual, que passam, assim, a mobilizá-las na extensão do bem. 7
Não nos achamos à frente do hipnotismo espetacular, mas sim num gabinete
de cura, em que os médiuns transmitem os benefícios que recolhem, sem
a presunção de doá-los de si mesmos. 8
É importante não esquecer essa verdade, para deixarmos bem claro que,
onde surjam a humildade e o amor, o amparo divino é seguro e imediato.
7.
O ministério da cura, porém, a desdobrar-se eficiente e pacífico, reclamava-nos
atenção.
2 Os doentes entravam dois
a dois, sendo carinhosamente atendidos por Clara e Henrique, sob a providencial
assistência de Conrado e seus colaboradores.
3 Obsidiados ganhavam ingresso
no recinto, acompanhados de frios verdugos, no entanto, com o toque
dos médiuns sobre a região cortical, depressa se desligavam, postando-se,
porém, nas vizinhanças, como que à espera das vítimas, com a maioria
das quais se reacomodavam, de pronto.
4 Alinhando apontamentos,
começamos a reparar que alguns enfermos não alcançavam a mais leve melhoria.
As irradiações magnéticas não lhes penetravam o veículo orgânico.
5 Registando o fenômeno,
a pergunta de Hilário não se fez esperar.
— Por quê?
— Falta-lhes o estado de confiança, — esclareceu o orientador.
6 — Será, então, indispensável
a fé para que registrem o socorro de que necessitam?
— Ah! sim. Em fotografia precisamos da chapa impressionável para deter
a imagem, tanto quanto em eletricidade carecemos do fio sensível para
a transmissão da luz. 7
No terreno das vantagens espirituais, é imprescindível que o candidato
apresente uma certa “tensão favorável”. Essa tensão decorre da fé. 8
Certo, não nos reportamos ao fanatismo religioso ou à cegueira da ignorância,
mas sim à atitude de segurança íntima, com reverência e submissão, diante
das Leis Divinas, em cuja sabedoria e amor procuramos arrimo. 9
Sem recolhimento e respeito na receptividade, não conseguimos fixar
os recursos imponderáveis que funcionam em nosso favor, 10
porque o escárnio e a dureza de coração podem ser comparados a espessas
camadas de gelo sobre o templo da alma.
8.
A lição fora simples e bela.
2 Hilário calou-se, talvez
para refletir sobre ela, em silêncio.
3 Sem descurar dos nossos
objetivos de estudo, Áulus considerou a conveniência de nosso contato
direto com o serviço em ação. Seria interessante para nós a auscultação
de algum dos casos em foco.
4 Para isso, aproximou-se
de idosa matrona que acabava de entrar, à cata de auxílio e, com permissão
de Conrado, convidou-nos a examiná-la com o cuidado possível.
5 A senhora, aguardando o
concurso de Clara, sustentava-se dificilmente de pé, com o ventre volumoso
e o semblante dolorido.
— Observem o fígado!
Utilizamo-nos dos recursos ao nosso alcance e passamos a analisar.
6 Realmente, o órgão mencionado
demonstrava a dilatação característica das pessoas que sofrem de insuficiência
cardíaca. As células hepáticas pareceram-me vasta colmeia, trabalhando
sob enorme perturbação. A vesícula congestionada impeliu-me a imediata
inspeção do intestino. A bile comprimida atingira os vasos e assaltava
o sangue. O colédoco interdito facilitava o diagnóstico. Ligeiro exame
da conjuntiva ocular confirmava-me a impressão.
A icterícia mostrava-se insofismável.
7 Após ouvir-me, Conrado reafirmou:
— Sim, é uma icterícia complicada. Nasceu de terrível acesso de cólera, em que nossa amiga se envolveu no reduto doméstico. Rendendo-se, desarvorada, à irritação, adquiriu renitente hepatite, da qual a icterícia é a consequência.
8 — E como será socorrida?
Conrado, impondo a destra sobre a fronte da médium, comunicou-lhe radiosa corrente de forças e inspirou-a a movimentar as mãos sobre a doente, desde a cabeça até o fígado enfermo.
9 Notamos que o córtex encefálico
se revestiu de substância luminosa que, descendo em fios tenuíssimos,
alcançou o campo visceral.
A senhora exibiu inequívoca expressão de alívio, na expressão fisionômica, retirando-se visivelmente satisfeita, depois de prometer que voltaria ao tratamento.
10 Hilário fixou os olhos interrogadores
no Assistente que nos acompanhava, solícito, e indagou:
— Nossa irmã estará curada?
— Isso é impossível, — acentuou Áulus, paternal; — temos aí órgãos e vasos
comprometidos. O tempo não pode ser desprezado na solução.
9.
— E em que bases se articula semelhante processo de curar?
2 — O passe é uma
transfusão de energias, alterando o campo celular. 3
Vocês sabem que na própria ciência humana de hoje o átomo não é mais
o tijolo indivisível da matéria… Que, antes dele, encontram-se as linhas
de força, aglutinando os princípios subatômicos, e que, antes desses
princípios, surge a vida mental determinante… 4
Tudo é espírito no santuário da Natureza. Renovemos o pensamento e tudo
se modificará conosco. 5
Na assistência magnética, os recursos espirituais se entrosam entre
a emissão e a recepção, ajudando a criatura necessitada para que ela
ajude a si mesma. 6
A mente reanimada reergue as vidas microscópicas que a servem, no templo
do corpo, edificando valiosas reconstruções. 7
O passe, como reconhecemos, é importante contribuição para quem saiba
recebê-lo, com o respeito e a confiança que o valorizam.
8 — E pode, acaso, ser dispensado
a distância?
— Sim, desde que haja sintonia entre aquele que o administra e aquele que o
recebe. 9 Nesse caso,
diversos companheiros espirituais se ajustam no trabalho do auxílio,
favorecendo a realização, e a prece silenciosa será o melhor veículo
da força curadora.
10 O serviço, em torno, prosseguia
intenso.
Áulus considerou que a nossa presença talvez sobrecarregasse as preocupações de Conrado, e que não seria lícito permanecer junto dele por mais tempo, já que havíamos recolhido os apontamentos rápidos que nos propúnhamos obter e, à vista disso, despedimo-nos do supervisor, buscando o salão central para a continuidade de nossas abençoadas lições.
André Luiz