1.
Chegara a vez do médium Antônio Castro.
Profundamente concentrado, denotava a confiança com que se oferecia aos objetivos de serviço.
2 Aproximou-se dele o irmão
Clementino e, à maneira do magnetizador comum, impôs-lhe as mãos aplicando-lhe
passes de longo circuito.
3 Castro como que adormeceu
devagarinho, inteiriçando-se-lhe os membros.
Do tórax emanava com abundância um vapor esbranquiçado que, em se acumulando
à feição de uma nuvem, depressa se transformou, à esquerda do corpo
denso, numa duplicata do médium, em tamanho ligeiramente maior. n
Nosso amigo como que se revelava mais desenvolvido, apresentando todas as particularidades de sua forma física, apreciavelmente dilatadas.
4 Desejei ensaiar algumas
indagações, contudo, a dignidade do serviço impunha-me silêncio.
O diretor espiritual da casa submetia o medianeiro a delicada intervenção magnética que não seria lícito perturbar ou interromper.
5 O médium, assim
desligado do veículo carnal, afastou-se dois passos, deixando ver o
cordão vaporoso que o prendia ao campo somático. n
6 Enquanto o equipamento fisiológico
descansava, imóvel, Castro, tateante e assombrado, surgia, junto de
nós, numa cópia estranha de si mesmo, porquanto, além de maior em sua
configuração exterior, apresentava-se azulada à direita e alaranjada
à esquerda. n
Tentou movimentar-se, contudo, parecia sentir-se pesado e inquieto…
7 Clementino renovou as operações
magnéticas e Castro, desdobrado, recuou, como que se justapondo novamente
ao corpo físico.
8 Verifiquei, então, que desse
contato resultou singular diferença. O corpo carnal engolira, instintivamente,
certas faixas de força que imprimiam manifesta irregularidade ao perispírito,
absorvendo-as de maneira incompreensível para mim.
9 Desde esse instante, o companheiro,
fora do vaso de matéria densa, guardou o porte que lhe era característico.
Era, agora, bem ele mesmo, sem qualquer deformidade, leve e ágil, embora prosseguisse encadeado ao envoltório físico pelo laço aeriforme, que parecia mais adelgaçado e mais luminoso, à medida que Castro-Espírito se movimentava em nosso meio.
10 Enquanto Clementino o encorajava
com palavras amigas, o nosso orientador, certamente assinalando-nos
a curiosidade, deu-se pressa em esclarecer:
— Com o auxílio do supervisor, o médium foi convenientemente exteriorizado. A princípio, seu perispírito ou “corpo astral” estava revestido com os eflúvios vitais que asseguram o equilíbrio entre a alma e o corpo de carne, conhecidos aqueles, em seu conjunto, como sendo o “duplo etérico”, formado por emanações neuropsíquicas que pertencem ao campo fisiológico e que, por isso mesmo, não conseguem maior afastamento da organização terrestre, destinando-se à desintegração, tanto quanto ocorre ao instrumento carnal, por ocasião da morte renovadora. Para melhor ajustar-se ao nosso ambiente, Castro devolveu essas energias ao corpo inerme, garantindo assim o calor indispensável à colmeia celular e desembaraçando-se, tanto quanto possível, para entrar no serviço que o aguarda.
11 — Ah! — Disse
Hilário, com expressão admirativa, — aqui vemos, desse modo, a exteriorização
da sensibilidade!…
— Sim, se algum pesquisador humano ferisse o espaço em que se situa a organização perispirítica do nosso amigo, registaria ele, de imediato, a dor do golpe que se lhe desfechasse, queixando-se disso, através da língua física, porque, não obstante liberto do vaso somático, prossegue em comunhão com ele, por intermédio do laço fluídico de ligação.
2.
Observei atentamente o médium projetado ao nosso Círculo de trabalho.
2 Não envergava o costume
azul e cinza de que se vestia no recinto, mas sim um roupão esbranquiçado
e inteiriço que descia dos ombros até o solo, ocultando-lhe os pés,
e dentro do qual se movia, deslizante.
3 Áulus registrou-me as anotações
íntimas e esclareceu:
— Nosso irmão, com a ajuda de Clementino, está usando as forças ectoplásmicas
que lhe são próprias, acrescidas com os recursos de cooperação do ambiente
em que nos achamos. 4
Semelhantes energias transudam de nossa alma, conforme a densidade específica
de nossa própria organização, variando desde a sublime fluidez da irradiação
luminescente até a substância pastosa com que se operam nas crisálidas
os variados fenômenos de metamorfose.
5 Depois de fitar o médium
hesitante alguns momentos, prosseguiu:
— Castro é ainda um iniciante no serviço. À medida que entesoure experiência, manejará possibilidades mentais avançadas, assumindo os aspectos que deseje, considerando que o perispírito é constituído de elementos maleáveis, obedecendo ao comando do pensamento, seja nascido de nossa própria imaginação ou da imaginação de inteligências mais vigorosas que a nossa, mormente quando a nossa vontade se rende, irrefletida, à dominação de Espíritos tirânicos ou viciosos, encastelados na sombra.
6 — Nosso amigo, então,
se pudesse… — Comentou Hilário, curioso.
Mas, cortando-lhe a frase, o Assistente completou-a, ajuntando:
— Se pudesse pensar com firmeza fora do campo físico, se já tivesse conquistado uma boa posição de autogoverno, com facilidade imprimiria sobre as forças plásticas de que se reveste a imagem que preferisse, aparecendo ao nosso olhar como melhor lhe aprouvesse, porque é possível estampar em nós mesmos o desenho que nos agrade.
7 — Sim, — ponderei,
— importa reconhecer, contudo, que esse desenho, embora vivo, não é
comparável ao vestuário em nosso Plano… n
8 Áulus percebeu que minhas
indagações incluíam sempre o imperativo de maior esclarecimento para
Hilário, ainda neófito em nosso campo de ação e, talvez por isso, procurou
fazer-se tão claro e minucioso quanto possível, acrescentando:
9 — De modo nenhum.
O pensamento modelará a forma que nos inclinamos a adotar, no entanto,
os apetrechos de nossa apresentação na Esfera diferente de vida a que
fomos trazidos, segundo vocês já conhecem, variarão em seus tipos diversos.
10 Lembremo-nos, para
exemplificar, de um homem terrestre tatuado. Terá ele escolhido um desenho,
através do qual a sua forma, por algum tempo, se faz mais facilmente
identificável, mas envergará a vestimenta que mais lhe atenda ao bom
gosto, conforme as usanças do quadro social a que se ajusta.
11 E, sorrindo, acentuou:
— Pela concentração mental, qualquer Espírito se evidenciará na expressão
que deseje, todavia, empregando nossa imaginação criadora, podemos e
devemos mobilizar os recursos ao nosso alcance, aprimorando concepções
artísticas no campo de nossas relações uns com os outros. 12
A Arte, tanto quanto a Ciência, entre nós, é muito mais rica que no
Círculo dos encarnados e, por ela, a educação se processa mais eficiente,
no que tange à beleza e à cultura. 13
Assim como não podemos conceber uma sociedade terrestre digna e enobrecida,
tão somente composta por homens e mulheres em nudismo absoluto, embora
com maravilhosos primores de tatuagem, é preciso considerar que os indivíduos
de nossa comunidade, não obstante dispondo de um veículo prodigiosamente
esculpido pelas forças mentais, não menoscabam as excelências do vestuário,
por intermédio das quais selecionamos emoções e maneiras distintas.
14 Não podemos esquecer
que progresso é trabalho educativo. A ascensão do Espírito não seria
regresso ao empirismo da taba.
Áulus silenciou.
3.
O médium, mais à vontade fora do corpo denso, recebia as instruções
que Clementino lhe administrava, paternal.
2 Dois guardas aproximaram-se
dele e lhe aplicaram à cabeça um capacete em forma de antolhos.
3 — Para a viagem que fará,
— avisou-nos o Assistente, — Castro não deve dispersar a atenção. Incipiente
ainda nesse gênero de tarefa, precisa instrumentação adequada para reduzir
a própria capacidade de observação, de modo a interferir o menos possível
na tarefa a executar.
4 Vimos o rapaz plenamente
desdobrado alçar-se ao espaço, de mãos dadas com ambos os vigilantes.
O trio volitou em sentido oblíquo, sob nossa confiante expectação.
5 Desde esse momento, demonstrando
manter segura comunhão com o veículo carnal, ouvimo-lo dizer através
da boca física:
— Seguimos por um trilho estreito e escuro!… Oh! tenho medo, muito medo… Rodrigo e Sérgio amparam-me na excursão, mas sinto receio!… Tenho a ideia de que nos achamos em pleno nevoeiro…
6 Estampando no rosto sinais
de angústia e estranheza, continuava:
— Que noite é esta?… A escuridão parece pesar sobre nós!… Ai de mim! Vejo formas
desconhecidas agitando-se em baixo, sob nossos pés!… Quero voltar! Voltar!…
Não posso prosseguir!… Não suporto, não suporto!…
7 Mas Raul, sob a inspiração
do mentor da casa, elevou o padrão vibratório do conjunto, numa prece
fervorosa em que rogava do Alto forças multiplicadas para o irmão em
serviço.
8 Junto de nós, Áulus informou:
— A oração do grupo, acompanhando-o na excursão e transmitida a ele, de imediato, constitui-lhe abençoado tônico espiritual.
9 — Ah! Sim, meus
amigos, — prosseguia Castro, qual se o corpo físico lhe fosse um aparelho
radiofônico para comunicações a distância, — a prece de vocês atua sobre
mim como se fosse um chuveiro de luz… Agradeço-lhes o benefício!… Estou
reconfortado… Avançarei!…
10 Interpretando os fatos sob
nossa observação, o Assistente explicou:
— Raros Espíritos encarnados conseguem absoluto domínio de si próprios, em romagens de serviço edificante fora do carro de matéria densa. Habituados à orientação pelo corpo físico, ante qualquer surpresa menos agradável, na esfera de fenômenos inabituais, procuram instintivamente o retorno ao vaso carnal, à maneira do molusco que se refugia na própria concha, diante de qualquer impressão em desacordo com os seus movimentos rotineiros. Castro, porém, será treinado para a prestação de valioso concurso aos enfermos de qualquer posição.
4.
Enquanto assinalávamos o apontamento, a voz do médium se elevava no
ar, vigorosa e cristalina.
2 — Que alívio! Rompemos
a barreira de trevas!… A atmosfera está embalsamada de leve aroma!…
Brilham as estrelas novamente… Oh! É a cidade de luz… Torres fulgurantes
elevam-se para o firmamento! Estamos penetrando um grande parque!… Oh!
Meu Deus, quem vejo aqui a sorrir-me!… É o nosso Oliveira! Como está
diferente! Mais moço, muito mais moço…
3 Lágrimas copiosas banharam
o rosto do médium, comovendo-nos a todos.
No gesto de quem se entregava a um abraço carinhoso, de coração a coração, o medianeiro continuou:
4 — Que felicidade!
Que felicidade!… Oliveira, meu amigo, que saudades de você!… Por que
razão teríamos ficado assim, sem a sua cooperação? Sabemos que a Vontade
do Senhor deve prevalecer, mas a distância tem sido para nós um tormento!…
A lembrança de seu carinho vive em nossa casa… Seu trabalho permanece
entre nós como inesquecível exemplo de amor cristão!… Volte! Venha incentivar-nos
na sementeira do bem!… Amado amigo, nós sabemos que a morte é a própria
vida, no entanto, sentimos sua falta!…
5 A voz do viajante, que se
fazia ouvir de tão longe, entrecortava-se agora de doloridos soluços.
O próprio Raul Silva mostrava igualmente os olhos marejados de pranto.
6 Áulus deu-nos a conhecer
quanto ocorria.
— Oliveira foi um abnegado trabalhador neste santuário do Evangelho, — explicou.
— Desencarnou há dias, e Castro, com aquiescência dos orientadores,
foi apresentar-lhe as afetuosas saudações dos companheiros. Demora-se
em refazimento, ainda inapto a comunicação mais íntima com os irmãos
que ficaram. Mas poderá enviar a sua mensagem, por intermédio do companheiro
que o visita.
7 — Abrace-me, sim,
querido amigo! — Prosseguia Castro, com inenarrável inflexão de ternura
fraterna. — Estou pronto!… Direi o que você deseja… Fale e repetirei!…
8 E, recompondo-se, na atitude
de quem se devia fazer intermediário digno, modificou a expressão fisionômica,
falando cadenciadamente para os circunstantes:
9 — Meus amigos, que o Senhor
lhes pague. Estou bem, mas na posição do convalescente, incapaz de caminhada
mais difícil… Sinto-me reconfortado, quase feliz! Indiscutivelmente,
não mereço as dádivas recebidas, pois me vejo no Grande Lar, amparado
por afeições inolvidáveis e sublimes! As preces do nosso grupo alcançam-me
cada noite, como projeção de flores e bênçãos! Como expressar-lhes gratidão
se a palavra terrestre é sempre pobre para definir os grandes sentimentos
de nossa vida? Que o Pai os recompense!… Aqui, onde me encontro, vim
reconhecer, mais uma vez, a minha desvalia e agora concluo que todos
os nossos sacrifícios pela causa do bem são bagatelas, comparados à
munificência da Divina Bondade… Meus amigos, a caridade é o grande caminho!
Trabalhemos!… Jesus nos abençoe!…
10 A voz de Castro apagou-se-lhe
nos lábios e, daí a instantes, vimo-lo regressar, amparado pelos irmãos
que o haviam conduzido, retomando o corpo denso, com naturalidade.
11 Reajustando-se, qual se
o vaso físico o absorvesse, de inopino, acordou na Esfera carnal, na
posse de todas as suas faculdades normais, esfregando os olhos, como
quem desperta de grande sono.
12 O desdobramento em serviço
estava findo e com a tarefa terminada havíamos recolhido preciosa lição.
André Luiz
[1]
[Esta composição é conseguida da seguinte forma: O Espírito de Castro,
com seu corpo mental, que permanece em padrão vibratório mais elevado
em relação ao perispírito, por isso mesmo não se fazia visível a André
Luiz, abandona seu veículo denso (v. Emancipação
da alma); e como o corpo mental congrega os princípios espirituais
de cada célula do soma é o Cordão
fluídico cervical do Espírito que faz a ligação entre os princípios
espirituais celulares e suas células correspondentes do veículo denso;
e a mente, com seu poder plasticizante, utilizando-se dos fluidos vitais
emanados do soma, compõe, assim, seu veículo de manifestação psicossomático,
ou perispírito, afastado do corpo denso, que no presente caso estava
revestido pelo duplo etérico, por isso apresentava-se em tamanho ligeiramente
maior.]
[2] [v. Cordão fluídico].
[3] [As colorações azulada e alaranjada apresentadas pelas respectivas lateralidades direita e esquerda são
devidas ao fato do duplo etérico, como emanação de fluídos nervosos (mais condensados) do corpo denso, ser dirigido pelo poder organizador do Centro Frontal que apresenta
essa dupla polaridade e essa coloração. v. Os centros de força.]
[4] [Vestuário comum. — Vide exemplo de locais onde são confeccionados utensílios
diversos em: As fábricas de Nosso Lar.]