1.
Notei que a reunião atingia a fase terminal.
Duas horas bem vividas haviam corrido céleres para nós.
2 Raul Silva consultou o relógio
e cientificou os companheiros de haver chegado o momento das preces
de despedida.
3 Os amigos sofredores, aglomerados
no recinto, poderiam receber vibrações de auxílio, enquanto os elementos
do grupo recolheriam, através da oração, o refazimento das próprias
forças.
4 Pequeno cântaro de vidro,
com água pura, foi trazido à mesa.
E porque Hilário perguntasse se iríamos assistir a alguma cerimônia
especial, o Assistente explicou, afável:
— Não, nada disso. A água potável destina-se a ser fluidificada. O líquido simples receberá recursos magnéticos de subido valor para o equilíbrio psicofísico dos circunstantes.
5 Com efeito, mal acabávamos
de ouvir o apontamento, Clementino se abeirou do vaso e, de pensamento
em prece, aos poucos se nos revelou coroado de luz.
Daí a instantes, de sua destra espalmada sobre o jarro, partículas radiosas eram projetadas sobre o líquido cristalino que as absorvia de maneira total.
6 — Por intermédio
da água fluidificada, — continuou Áulus, — precioso esforço de medicação
pode ser levado a efeito. Há lesões e deficiências no veículo espiritual
a se estamparem no corpo físico, que somente a intervenção magnética
consegue aliviar, até que os interessados se disponham à própria cura.
2.
O Assistente silenciou, porquanto a palavra de Silva se fez ouvir, recomendando
aos médiuns observassem, através da vidência e da audição, os ensinamentos
que porventura fossem, naquela noite, ministrados ao grupo pelos amigos
espirituais da casa.
2 Reparamos que Celina, Eugênia
e Castro aguçaram as suas atenções.
Clementino, findo o preparo da água medicamentosa, consagrou-lhes maior carinho, aplicando-lhes passes na região frontal.
3 — Nosso amigo, —
esclareceu o Assistente, — procura ajudar aos nossos companheiros de
mediunidade, favorecendo-lhes o campo sensório. 4
Não lhes convêm, por agora, a clarividência e a clariaudiência demasiado
abertas. Na Esfera dos Espíritos reencarnados, há que dosar observações
para que não venhamos a ferir os impositivos da ordem. Cada qual de
nós deve estar em sua faixa de serviço, fazendo o melhor ao seu alcance.
5 Imaginemos um aparelho
radiofônico terrestre, coletando todas as espécies de onda, em movimento
de captação simultânea. O proveito e a harmonia da transmissão seriam
realmente impraticáveis, e não haveria propósito construtivo na mensagem.
6 Um médium, pois,
não deve demorar-se com todas as solicitações do meio em que se situa,
sob pena de arrojar as suas impressões ao desequilíbrio, a menos quando,
por sua própria evolução, consiga sobrepairar ao campo do trabalho,
dominando as influências do meio e selecionando-as, segundo o elevado
critério de quem já consegue orientar-se para o bem e orientar aqueles
que o acompanham.
7 Hilário refletiu um momento
e indagou:
— Os trabalhos mediúnicos, porém, são rigorosamente iguais nos três instrumentos sob nosso exame?
— Isso não. O círculo de percepção varia em cada um de nós. 8
Há diferentes gêneros de mediunidade; contudo, importa reconhecer que
cada Espírito vive em determinado degrau de crescimento mental e, por
isso, as equações do esforço mediúnico diferem de indivíduo para indivíduo,
tanto quanto as interpretações da vida se modificam de alma para alma.
9 As faculdades medianímicas
podem ser idênticas em pessoas diversas, entretanto, cada pessoa tem
a sua maneira particular de empregá-las. 10
Um modelo, em muitas ocasiões, é o mesmo para grande assembleia de pintores,
todavia, cada artista fixá-lo-á na tela a seu modo. 11
Uma lâmpada exibirá claridade lirial, em jato contínuo, mas, se essa
claridade for filtrada por focos múltiplos, decerto estará submetida
à cor e ao potencial de cada um desses filtros, embora continue sendo
sempre a mesma lâmpada a fulgurar em seu campo central de ação. 12
Mediunidade é sintonia e filtragem. Cada Espírito vive entre as forças
com as quais se combina, transmitindo-as segundo as concepções que lhe
caracterizam o modo de ser.
3.
Notando o cuidado que o irmão Clementino empregava na preparação dos
médiuns, meu colega inquiriu ainda:
2 — A clarividência e a clariaudiência
acaso estão localizadas exclusivamente nos olhos e nos ouvidos da criatura
reencarnada?
3 Áulus acariciou-lhe a cabeça
e acentuou:
— Hilário, vê-se que você está começando a jornada no conhecimento
superior. Os olhos e os ouvidos materiais estão para a vidência e para
a audição como os óculos estão para os olhos e o ampliador de sons para
os ouvidos — simples aparelhos de complementação. 4
Toda percepção é mental. Surdos e cegos na experiência física, convenientemente
educados, podem ouvir e ver, através de recursos diferentes daqueles
que são vulgarmente utilizados. 5
A onda hertziana e os raios X vão ensinando aos homens que há som e
luz muito além das acanhadas fronteiras vibratórias em que eles se agitam,
e o médium é sempre alguém dotado de possibilidades neuropsíquicas especiais
que lhe estendem o horizonte dos sentidos.
6 Meu companheiro fixou o
gesto de quem aproveitara a lição, mas objetou, reverente:
— Desejava, porém, saber se Dona Celina, por exemplo, está enxergando o irmão Clementino e ouvindo-o, tão somente pelo processo curial de percepção na Terra.
7 — Sim, isso acontece,
por uma questão de costume cristalizado. Celina pensa ouvir o supervisor,
através dos condutos auditivos, e supõe vê-lo, como se o aparelho fotográfico
dos olhos estivesse funcionando em conexão com o centro da memória,
no entanto, isso resulta do hábito. 8
Ainda mesmo no campo de impressões comuns, embora a criatura empregue
os ouvidos e os olhos, ela vê e ouve com o cérebro, e, apesar de o cérebro
usar as células do córtex para selecionar os sons e imprimir as imagens,
quem vê e ouve, na realidade, é a mente. 9
Todos os sentidos na esfera fisiológica pertencem à alma, que os fixa
no corpo carnal, de conformidade com os princípios estabelecidos para
a evolução dos Espíritos reencarnados na Terra.
10 Sorrindo, ajuntou:
— Vocês possuem uma prova disso, quando o homem se encontra naturalmente desdobrado, cada noite, durante o sono, vendo e ouvindo, a despeito da inatividade dos órgãos carnais, na experiência a que chamam “vida de sonho”.
11 E, baixando o tom de voz,
acrescentou:
— Somos receptores de reduzida capacidade, à frente das inumeráveis formas
de energia que nos são desfechadas por todos os domínios do Universo,
captando apenas humilde fração delas. 12
Em suma, nossa mente é um ponto espiritual limitado, a desenvolver-se
em conhecimento e amor, na espiritualidade infinita e gloriosa de Deus.
4.
Decorreram mais alguns instantes.
— Centralizemos mais atenção na prece, adestrando-nos para o serviço do bem!
2 Essa frase foi pronunciada
por Clementino, em voz clara e pausada, como a oferecer uma base única
para a convergência de nossas cogitações.
3 Atento, porém, aos nossos
objetivos de estudo, acompanhei os médiuns mais diretamente interessados
no apelo.
Dona Celina registara as palavras com precisão e guardava a atitude do aluno disciplinado.
Dona Eugênia assimilara-as, em forma de ordem intuitiva, e mostrava-se na condição do aprendiz criterioso.
Castro, contudo, não as recolhera nem de leve.
4 Com permissão do supervisor,
pusemo-nos em tarefa de análise.
Observei que sutilmente ligados à faixa fluídica de Clementino, os três médiuns, cada qual a seu modo, lhe acusavam a presença.
5 Dona Celina anotava-lhe
os mínimos movimentos, à maneira do discípulo diante do professor; Dona
Eugênia lhe assinalava a vizinhança com menos facilidade, qual se o
distinguisse imperfeitamente, através dum lençol de nebulosidade; e
Castro, embora o visse com perfeição, parecia completamente alheio à
influência do instrutor.
6 — As possibilidades
de Celina e Castro, na clarividência e na clariaudiência, são por enquanto
mais vastas que em nossa irmã Eugênia, — esclareceu Áulus, prestimoso. 7 — Acham-se os três
levemente submetidos ao comando magnético de Clementino e podem identificar-lhe
a presença com analogia de observações, porque, nas circunstâncias em
que operam, estão agindo como pessoas comuns, utilizando-se da percepção
habitual.
8 — Entretanto, —
aduziu Hilário, — se o trio foi colocado sob a ordenação magnética do
supervisor, por que motivo nossas amigas lhe acataram o convite, enquanto
Castro se mantém visivelmente impermeável a ele?
9 — O mentor do recinto
exerce apenas branda influência, abdicando de qualquer pressão mais
forte, suscetível de provocar viciosa imanação, em desfavor de nossos
amigos, — disse Áulus, convicto. 10
— Além disso, a mente de Castro passou, de súbito, a alimentar propósitos
diferentes. Incapaz de concentrar a atenção, de modo irrepreensível,
na região superior do trabalho que nos compete levar a efeito, de momento
não mais se revela interessado em satisfazer ao programa de Clementino,
mas sim em provocar um reencontro com a progenitora desencarnada. 11
Enxerga o orientador do conjunto, como quem é constrangido a ver alguém
de passagem, todavia, sem qualquer preocupação de escutá-lo ou servi-lo,
confinado como se encontra às emoções do jardim doméstico. Basta a indiferença
mental para que nada ouça do que mais interessa agora ao esforço coletivo
da reunião.
12 Evidentemente desejoso de
definir a lição, no quadro de nossos conhecimentos terrestres, acrescentou:
— É uma antena que se insensibilizou, de improviso, recusando sintonizar-se com a onda que a procura.
13 Nesse instante, vimos que
um companheiro simpático de nosso Plano avançou do círculo de espectadores,
abeirando-se de Dona Celina e chamando-a, discreto.
14 A nobre criatura ouviu-lhe
a voz, mas não se voltou para trás. Entretanto, respondeu-lhe em pensamento,
numa frase que se fez perfeitamente audível para nós: — “Encontrar-nos-emos
mais tarde”.
15 Áulus informou, presto:
— É o esposo desencarnado de nossa irmã que a visita, com afetuosa solicitação, contudo, disciplinada quanto é, Celina sabe renunciar ao conforto de ouvi-lo, a fim de colaborar no êxito da reunião com maior segurança.
16 Logo após, vimos
Castro desdobrar-se de novo, auxiliado agora simplesmente pelo forte
desejo de ausentar-se do círculo e, revestido das emanações que lhe
desfiguravam o perispírito, ( † ) caminhou,
hesitante, ao encontro de uma entidade amiga que o aguardava a pequena
distância.
17 — Nosso cooperador,
— falou o Assistente, — menos habituado à disciplina edificante, julga
que já fez o possível, em favor dos trabalhos programados para esta
noite, e põe-se no encalço da mãezinha, que vem sendo beneficiada em
nossa organização.
18 Não nos foi, porém, possível
alongar anotações.
5.
Clementino, à cabeceira da assembleia, estendeu os braços e colocou-se
em prece.
2 Cintilações de safirino
esplendor revestiam-lhe agora o busto, dando-nos a impressão de que
o abnegado benfeitor se convertera num anjo sem asas.
3 Em momentos ligeiros, verdadeiro
jorro solar desceu do Alto, coroando-lhe a fronte e, de suas mãos, passou
a irradiar-se prodigiosa fonte de luz, que nos alcançava a todos, encarnados
e desencarnados, prodigalizando-nos a sensação de indescritível bem-estar.
4 Nada consegui dizer, não
obstante as perquirições que me esfuziavam o pensamento.
O êxtase do mentor impelia-nos a respeitosa mudez.
5 Aqueles minutos de vibração
sem palavras representavam precioso manancial de energias restauradoras
para quantos lhe abrissem as portas do espírito.
É o que eu conseguia depreender pelo revigoramento de minhas próprias forças.
6.
Terminada que foi a operação inesquecível, Raul solicitou ainda alguns
instantes de tranquilidade e expectativa.
2 Competia ao grupo aguardar
a manifestação de algum dos orientadores da casa, à guisa de instrução
geral no encerramento.
3 Dona Celina rogou licença
para notificar que vira surgir no recinto um ribeiro cristalino, em
cuja corrente muitos enfermos se banhavam, e Dona Eugênia seguiu-a,
explicando que chegara a contemplar um edifício repleto de crianças,
entoando hinos de louvor a Deus.
4 Registamos semelhantes
comunicados com surpresa.
Nada víramos ali que pudesse recordar sequer de longe um córrego de águas curativas ou algum pavilhão de serviço à infância.
A sala era demasiado estreita para comportar tais cenários.
5 Fitando-me, intrigado, Hilário
parecia perguntar se as duas médiuns não estariam sob o influxo de alguma
perturbação momentânea.
6 Assinalando-nos a estranheza,
o Assistente considerou, prestimoso:
— Importa não esquecer que ambas se encontram reunidas na faixa magnética
de Clementino, fixando as imagens que a mente dele lhes sugere. Viram-lhe
os pensamentos, relacionados com a obra de amparo aos doentes e com
a formação de uma escola, que a instituição pretende, em breve, mobilizar
no socorro ao próximo. 7
Ideias, elaboradas com atenção, geram formas, tocadas de movimento,
som e cor, perfeitamente perceptíveis por todos aqueles que se encontrem
sintonizados na onda em que se expressam. n 8
Não podemos olvidar que há fenômenos de clarividência e clariaudiência
que partem da observação ativa dos instrumentos mediúnicos, identificando
a existência de pessoas, paisagens e coisas exteriores a eles próprios,
qual acontece na percepção terrestre vulgar, e existem aqueles que decorrem
da sugestão que lhes é trazida pelo pensamento criador dos amigos desencarnados
ou encarnados, estímulos esses que a mente de cada médium traduz, segundo
as possibilidades de que dispõe, favorecendo, por isso mesmo, as mais
díspares interpretações.
9 — Oh! — Exclamou
Hilário, entusiasmado, — temos aí a técnica dos obsessores quando improvisam
para as suas vítimas variadas impressões alucinatórias…
— Sim, sim… — Confirmou o Assistente. — É isso mesmo. 10
No entanto, evitemos a conversação agora. O trabalho da reunião vai
terminar.
André Luiz
[1]
[Vide: Ideoplastia.]