1.
Ponderando as sugestões carinhosas e sábias da mãe de Lísias, acompanhei
Rafael, convicto de que iria, não às visitas de observações, mas ao
aprendizado e serviço útil.
2 Anotava, surpreso, os magníficos
aspectos da nova região, rumo ao local onde me aguardava o Ministro
Genésio; contudo, seguia Rafael, em silêncio, estranho agora ao prazer
das muitas indagações. 3
Em compensação, experimentava novo gênero de atividade mental. Dava-me
todo à oração, pedindo a Jesus me auxiliasse nos caminhos novos, a fim
de que me não faltasse trabalho e forças para realizá-lo. Antigamente,
avesso às manifestações da prece, agora a utilizava como valioso ponto
de referência sentimental aos propósitos de serviço.
4 O próprio Rafael, de quando
em vez, lançava-me curioso olhar, como se não devesse esperar tal atitude
de minha parte.
2.
Deixou-nos o aeróbus à frente de espaçoso edifício.
Descemos, calados.
Em poucos minutos, achava-me diante do respeitável Genésio, um velhinho simpático, cujo semblante revelava, entretanto, singular energia.
2 Rafael apresentou-me fraternalmente.
— Ah! Sim, — disse o generoso Ministro, — é o nosso irmão André?
— Para servi-lo, — respondi.
— Tenho notificação de Laura, referente à sua vinda. Fique à vontade.
3 Nesse ínterim, o companheiro
aproximou-se respeitosamente e despediu-se, abraçando-me em seguida.
Rafael era esperado com urgência no setor de tarefas a seu cargo.
4 Fixando em mim os olhos
muito lúcidos, Genésio começou a dizer:
— Clarêncio falou-me a seu respeito, com interesse. Quase sempre recebemos pessoal do Ministério do Auxílio, em visita de observações que, na sua maior parte, redundam em estágios de serviço.
5 Compreendi a sutil alusão
e obtemperei:
— Este o meu maior desejo. Tenho mesmo suplicado às Forças Divinas que me ajudem o espírito frágil, permitindo seja convertida a minha permanência, neste Ministério, em estação de aprendizado.
6 Genésio parecia comovido
com as minhas palavras, e, valendo-me das inspirações que me inclinavam
à humildade, roguei, de olhos úmidos:
— Senhor Ministro, compreendo agora que minha passagem pelo Ministério
do Auxílio se verificou por efeito da graça misericordiosa do Altíssimo,
talvez devido a constante intercessão de minha devotada e santa mãe.
7 Noto, porém, que
somente venho recebendo benefícios, sem nada produzir de útil. Certo,
meu lugar é aqui, nas atividades regeneradoras. Se possível, faça, por
obséquio, seja transformada a concessão de visitar em possibilidade
de servir. 8 Compreendo
hoje, mais que nunca a necessidade de regenerar meus valores próprios.
Perdi muito tempo na vaidade inútil, fiz enormes gastos de energia na
ridícula adoração de mim mesmo!…
9 Satisfeito, notava, no fundo de meu coração, a sinceridade viva. Quando recorrera
ao Ministro Clarêncio, não estava ainda bastante consciente do que pedia.
Queria serviço, mas talvez não desejasse servir. 10
Não entendia o valor do tempo, nem enxergava as bênçãos
da oportunidade, santificantes. No fundo, era o desejo de continuar a ser o que tinha
sido até então — o médico orgulhoso e respeitado, cego nas pretensões
descabidas do egotismo em que vivia, encarcerado nas opiniões próprias.
11 No entanto, agora,
diante do que vira e ouvira, compreendendo a responsabilidade de cada
filho de Deus na obra infinita da Criação, punha nos lábios quanto possuía
de melhor. Era sincero, enfim. Não me preocupava o gênero de tarefa,
procurava o conteúdo sublime do espírito de serviço.
12 O velhinho fitou-me, surpreendido,
e perguntou:
— É mesmo você o ex-médico?
— Sim… — Murmurei, acanhado.
Silencioso, como quem encontrava resoluções imprevistas, Genésio acrescenou:
— Louvo seus propósitos e peço igualmente ao Senhor o conserve nessa posição digna.
13 E, como que preocupado em
levantar-me o ânimo e acender-me no espírito novas esperanças, acentuou:
— 14 O meu
amigo tem recebido enormes recursos da Providência. Está bem disposto
à colaboração, compreende a responsabilidade, aceita o dever. Tal atitude
é sumamente favorável à concretização dos seus desejos. 15
Nos Círculos carnais, costumamos felicitar um homem quando ele vinga
prosperidade financeira ou excelente figuração externa; entretanto,
aqui a situação é diferente. Estima-se a compreensão, o esforço próprio,
a humildade sincera.
16 Identificando-me a ansiedade,
concluiu:
— É possível obter ocupações justas. Por enquanto, porém, é preferível que visite, observe, examine.
3.
E logo, ligando-se ao gabinete próximo, falou em voz alta:
— Solicito a presença de Tobias, antes que se dirija às Câmaras de Retificação.
2 Não se passaram muitos minutos
e assomou à porta um senhor de maneiras desembaraçadas.
— Tobias, — explicou Genésio, atencioso, — aqui tem um amigo que vem do Ministério do Auxílio, em tarefa de observação. Creio de muito proveito para ele o contato com as atividades das câmaras retificadoras.
3 Estendi-lhe a mão, enquanto
o desconhecido correspondia, afirmando, gentil:
— Às suas ordens.
— Conduza-o, — prosseguiu o ministro, evidenciando grande bondade. — André precisa integrar-se no conhecimento mais íntimo de nossas tarefas. Faculte-lhe toda oportunidade de que possamos dispor.
4 Prontificou-se Tobias, revelando
a maior boa vontade.
— Estou de caminho, — acrescentou ele, bem-humorado, — se deseja acompanhar-me…
— Perfeitamente, — respondi, satisfeito.
O Ministro Genésio abraçou-me, comovido, com palavras de animação.
Segui Tobias resolutamente.
4.
Atravessamos largos quarteirões, onde numerosos edifícios me pareceram
colmeias de serviço intenso. Percebendo-me a silenciosa indagação, o
novo amigo esclareceu:
— Temos aqui as grandes fábricas de “Nosso Lar”. n A preparação de sucos, de tecidos e artefatos em geral, dão trabalho a mais de cem mil criaturas, que se regeneram e se iluminam ao mesmo tempo.
2 Daí a momentos, penetramos
num edifício de aspecto nobre. Servidores numerosos iam e vinham. Depois
de extensos corredores, deparou-se-nos vastíssima escadaria, comunicando
com os pavimentos inferiores.
— Desçamos, — disse Tobias em tom grave.
3 E notando minha estranheza,
explicou, solícito:
— As Câmaras de Retificação estão localizadas nas vizinhanças do Umbral. Os necessitados que aí se reúnem não toleram as luzes, nem a atmosfera de cima, nos primeiros tempos de moradia em “Nosso Lar”.
André Luiz
[1] [Vide: Algumas referências ao uso de itens materiais no Mundo Invisível do Plano Espiritual, como edificações providas dos mais diversos objetos, aparelhos, veículos de transporte, etc.]