1.
Após separar-se da genitora e da irmã, dispôs-se o rapaz a tomar o caminho
da residência que lhe era própria.
Seguimo-lo de perto. Doía-me identificar-lhe a posição de vítima, cercado pelas duas formas escuras.
2 As observações referentes
à microbiologia psíquica impressionavam-me fortemente.
Conhecia, de perto, as alterações circulatórias, determinando a embolia,
o infarto, a gangrena. Tratara, noutro tempo, inúmeros casos de infecção,
através de artrites e miosites, úlceras gástricas e abcessos miliares.
3 Examinara, atenciosamente,
no campo médico, as manifestações do câncer, dos tumores malignos, em
complicados processos patológicos. Vira múltiplas expressões microbianas,
no tratamento da lepra, da sífilis, da tuberculose. 4
Muitas vezes, na qualidade de defensor da vida, permanecera longos dias
em duelo com a morte, sentindo a inutilidade de minha técnica profissional
no ataque aos vírus estranhos que apressavam a destruição orgânica,
zombando-me dos esforços. 5
Na qualidade de médico, entretanto, na maioria dos casos, quando podia
contar ainda com a prodigiosa intervenção da Natureza, mantinha a presunção
de conhecer variadas normas de combate, em diversas direções. 6
No diagnóstico da difteria, não vacilava na aplicação do soro de Roux
e conhecia o valor da operação de traqueotomia no crupe declarado. Nas
congestões, não me esqueceria de intensificar a circulação. Nos eczemas,
lembraria, sem dúvida, os banhos de amido, as pomadas com base de bismuto
e a medicação arsenical e sulfurosa. Positivando o edema, recordaria
a veratrina, o calomelano, a cafeína e a teobromina, depois de analisar,
detalhadamente, os sintomas. No câncer, praticaria a intervenção cirúrgica,
se os raios X não demonstrassem a eficiência precisa. Para todos os
sintomas, saberia utilizar regimens e dietas, aplicações diversas, isolamentos
e intervenções, mas… e ali?
7 À nossa frente,
caminhava um enfermo diverso. Sua diagnose era diferente. Escapava ao
meu conhecimento dos sintomas e aos meus antigos métodos de curar. No
entanto, era paciente em condições muito graves. Viam-se-lhe os parasitos
escuros. Observava-se-lhe a desesperação íntima, em face do assédio
incessante. 8 Não haveria
remédio para ele? Estaria abandonado e era mais infeliz que os doentes
do mundo? Que fazer para aliviar-lhe as dores terríveis, a se manifestarem
à maneira de angustiosas e permanentes inquietações? 9
Já havia atendido a entidades perturbadas e sofredoras, balsamizando-lhes
padecimentos atrozes. Não ignorava os esforços constantes de nossa colônia
espiritual, a fim de atenuar sofrimentos dos desencarnados de ordem
inferior, mas, ali, em virtude da contribuição magnética de Alexandre,
o grande instrutor que me seguia, generoso, observava um companheiro
encarnado, presa de singulares viciações. Por que fatores ministrar
o socorro indispensável?
10 E, naturalmente, novas reflexões
ocorriam-me céleres. Semelhantes expressões microbianas acompanhariam
os desencarnados? Atacariam a alma, fora da carne? Quando me debatia
em amarguras inexprimíveis, nas zonas inferiores, certo havia sido vítima
das mesmas influenciações cruéis. Todavia, onde o remédio salutar? Onde
o alívio para tamanhas angústias?
11 Revelando paternal interesse,
Alexandre veio em meu socorro, esclarecendo:
— Estas interrogações íntimas, André, são portadoras de grande bem
para o seu coração. Começa a observar as manifestações do vampirismo,
as quais não se circunscrevem ao ambiente dos encarnados. Quase que
a totalidade de sofrimentos nas zonas inferiores, deve a ele sua dolorosa
origem. 12 Criaturas
desviadas da verdade e do bem, nos longos caminhos evolutivos, reúnem-se
umas às outras, para a continuidade das permutas magnéticas de baixa
classe. 13 Os criminosos
de vários matizes, os fracos da vontade, os aleijados do caráter, os
doentes voluntários, os teimosos e recalcitrantes de todas as situações
e de todos os tempos integram comunidades de sofredores e penitentes
do mesmo padrão, arrastando-se, pesadamente, nas regiões invisíveis
ao olhar humano. 14
Todos eles segregam forças detestáveis e criam formas horripilantes,
porque toda matéria mental está revestida de força plasmadora e exteriorizante.
15 — Mas, — objetei, — sinto
que o campo médico é muito maior, depois da morte do corpo.
— Sem dúvida, — redarguiu meu interlocutor, sereno, — quando compreendermos
a extensão dos ascendentes morais em todos os acontecimentos da vida.
16 — Entretanto,
— considerei, — horrorizam-me as novas descobertas na região microbiana.
Que fazer contra o vampirismo? Como lutar com as forças mentais degradantes?
No mundo, temos a clínica especializada, a técnica cirúrgica, os antídotos
de vários sistemas curativos. Mas aqui?
17 Alexandre sorriu, pensativo,
e falou, depois de pausa mais longa:
— Conforme verificamos, André, o tratamento remoto nos templos, a ascendência
da fé nos processos de Medicina, nos séculos passados, e a concepção
de que as entidades diabólicas provocam as mais estranhas enfermidades
no homem, não são integralmente destituídas de razão. 18
Indubitavelmente, entre os Espíritos encarnados, as expressões mentais
dependem do equilíbrio do corpo, assim como a boa e perfeita música
depende do instrumento fiel. Mas a ciência médica atingirá culminâncias
sublimes quando verificar no corpo transitório a sombra da alma eterna. 19 Cada célula física é instrumento de determinada vibração mental. 20 Todos somos herdeiros do Pai que cria, conserva, aperfeiçoa, transforma
ou destrói e, diariamente, com o nosso potencial gerador de energias
latentes, estamos criando, renovando, aprimorando ou destruindo alguma
coisa. 21 Justifico
a surpresa de seus raciocínios ante a paisagem nova que se desdobra
à sua vista. A luta do aperfeiçoamento é vastíssima. 22 Quanto ao combate sistemático ao vampirismo, nas múltiplas moléstias
da alma, aqui também, no Plano de nossas atividades, não faltam processos
saneadores e curativos de natureza exterior; no entanto, examinando
o assunto na essência, somos compelidos a reconhecer que cada filho
de Deus deve ser o médico de si mesmo e, até à plena aceitação desta
verdade com as aplicações de seus princípios, a criatura estará sujeita
a incessantes desequilíbrios.
23 Entendendo-me a estranheza,
Alexandre indicou o rapaz que se dispunha a penetrar o reduto doméstico,
depois de pequeno percurso a pé, e falou:
— Há diversos processos de medicação espiritual contra o vampirismo, os quais poderemos desenvolver em direções diversas; mas, para fornecer a você uma demonstração prática, visitemos o lar de nosso amigo. Conhecerá o mais poderoso antídoto.
2.
Curioso, observei que as entidades infelizes mostravam-se, agora, terrivelmente
contrafeitas. Alguma coisa impedia-lhes acompanhar a vítima ao interior.
2 — Naturalmente, — acentuou
meu generoso companheiro, — você já sabe que a prece traça fronteiras
vibratórias.
Sim, já observara experiências dessa ordem.
— Aqui, — prosseguiu ele, — reside uma irmã que tem a felicidade de
cultivar a oração fervorosa e reta.
3 Entramos. E, enquanto o
amigo encarnado se preparava a recolher, Alexandre explicava-me o motivo
da sublime paz reinante entre as paredes humildes.
— O lar, — disse, — não é somente a moradia dos corpos, mas, acima
de tudo, a residência das almas. 4
O santuário doméstico que encontre criaturas amantes da oração e dos
sentimentos elevados, converte-se em campo sublime das mais belas florações
e colheitas espirituais. 5
Nosso amigo não se equilibrou ainda nas bases legítimas da vida, depois
de extremas vacilações e levianas experiências da primeira mocidade;
no entanto, sua companheira, mulher jovem e cristã, garante-lhe a casa
tranquila, com a sua presença, pela abundante e permanente emissão de
forças purificadoras e luminosas, de que o seu Espírito se nutre.
6 Achava-me eminentemente
surpreendido. De fato, a tranquilidade interior era grande e confortadora.
Em cada ângulo das paredes e em cada objeto isolado havia vibrações
de paz inalterável.
O rapaz, agora, penetrava o aposento modesto, naturalmente disposto ao descanso noturno.
7 Alexandre tomou-me a destra,
paternalmente, encaminhou-se até à porta, que se fechara sem estrépito,
e bateu, de leve, n
como se estivéssemos ante um santuário que não devíamos penetrar sem
religioso respeito.
8 Uma senhora muito jovem,
em quem percebi imediatamente a esposa de nosso companheiro, desligada
do corpo físico, em momentos de sono, veio atender e saudou o instrutor
afetuosamente. Após cumprimentar-me, graças à apresentação de Alexandre,
exclamou, jovial:
— Agradeço a Deus a possibilidade de orarmos juntos. Entrem. Desejo transformar nossa casa no templo vivo de Nosso Senhor.
9 Ingressamos no aposento
íntimo e, de minha parte, mal continha a surpresa da situação. Nesse
mesmo instante, punha-se o rapaz entre os lençóis, com evidente cuidado
para não despertar a esposa adormecida.
Contemplei o quadro formoso e santificante. Rodeava-se o leito de intensa luminosidade. Observei os fios tenuíssimos de energia magnética, ligando a alma de nossa nobre amiga à sua forma física, placidamente recostada.
10 — Desculpem-me,
— disse, bondosa, fixando o olhar no instrutor, — preciso atender agora
aos meus deveres imediatos.
— Esteja à vontade, Cecília! — Falou o orientador com a ternura dum pai que
abençoa, — passamos aqui tão só para visitá-la.
11 Cecília beijou-lhe as mãos
e rogou:
— Não se esqueça de deixar-nos os seus benefícios.
Alexandre sorriu em silêncio e, por alguns minutos, manteve-se em meditação mais profunda.
12 E, enquanto ele
se mantinha insulado em si mesmo, reparava eu a paisagem edificante. A esposa,
desligada do corpo, sentou-se à cabeceira e, no mesmo instante, o rapaz
como se estivesse ajeitando os travesseiros descansou a cabeça em seu
regaço espiritual. 13
Cecília, acariciando-lhe a cabeleira com as mãos, elevava os olhos ao
Alto, revelando-se em fervorosa prece. Luzes sublimes cercavam-na toda
e eu podia sintonizar com as suas expressões mais íntimas, ouvindo-lhe
a rogativa pela iluminação do companheiro a quem parecia amar infinitamente.
14 Comovido com a
beleza de suas súplicas, reparei com assombro que o coração se lhe transformava
num foco ardente de luz, do qual saíam inúmeras partículas resplandecentes,
projetando-se sobre o corpo e sobre a alma do esposo com a celeridade
de minúsculos raios. 15
Os corpúsculos radiosos penetravam-lhe o organismo em todas as direções
e, muito particularmente, na zona do sexo, onde identificara tão grandes
anomalias psíquicas, concentravam-se em massa, destruindo as pequenas
formas escuras e horripilantes do vampirismo devorador. Os elementos
mortíferos, no entanto, não permaneciam inativos. Lutavam, desesperados,
com os agentes da luz. 16
O rapaz, como se houvera atingido um oásis, perdera a expressão de angustioso
cansaço. Demonstrava-se calmo e, gradativamente, cada vez mais forte
e feliz, no momento em curso. Restaurado em suas energias essenciais,
enlaçou devagarinho a esposa generosa que se conservava maternalmente
ao seu lado e adormeceu jubiloso.
17 A cena íntima era maravilhosamente
bela aos meus olhos.
Dispunha-me a pedir explicações, quando o instrutor me chamou delicadamente, encaminhando-me ao exterior.
18 Fora do quarto, falou-me
paternalmente:
— Já observou quanto devia. Agora, poderá extrair as próprias ilações.
— Sim, — retruquei; — estou assombrado com o que vi; no entanto, estimaria
ouvi-lo em considerações esclarecedoras.
19 — Não tenha dúvida,
— prosseguiu o orientador, — a oração é o mais eficiente antídoto do
vampirismo. A prece não é movimento mecânico de lábios, nem disco de
fácil repetição no aparelho da mente. É vibração, energia, poder. A
criatura que ora, mobilizando as próprias forças, realiza trabalhos
de inexprimível significação. 20
Semelhante estado psíquico descortina forças ignoradas, revela a nossa
origem divina e coloca-nos em contato com as fontes superiores. Dentro
dessa realização, o Espírito, em qualquer forma, pode emitir raios de
espantoso poder.
3.
Após breve intervalo, Alexandre considerou, imprimindo mais força ao
ensinamento:
— E você não pode ignorar que as próprias formas inferiores da Terra
se alimentam quase que integralmente de raios. 2
Descem sobre a fronte humana, em cada minuto, bilhões de raios cósmicos,
oriundos de estrelas e planetas amplamente distanciados da Terra, sem
nos referirmos aos raios solares, caloríficos e luminosos, que a ciência
terrestre mal começa a conhecer. 3
Os raios gama, provenientes do radium que se desintegra incessantemente
no solo, e os de várias expressões emitidos pela água e pelos metais,
alcançam os habitantes da Terra pelos pés, determinando consideráveis
influenciações. 4 E,
em sentido horizontal, experimenta o homem a atuação dos raios magnéticos
exteriorizados pelos vegetais, pelos irracionais e pelos próprios semelhantes.
5 A admiração impusera-me
silêncio, mas o orientador prosseguiu, após ligeiro intervalo:
— E as emanações de natureza psíquica que envolvem a Humanidade, provenientes
das colônias de seres desencarnados que rodeiam a Terra? 6
Em cada segundo, André, cada um de nós recebe trilhões de raios de vária
ordem e emitimos forças que nos são peculiares e que vão atuar no Plano
da vida, por vezes em regiões muitíssimo afastadas de nós. 7
Nesse círculo de permuta
incessante, os raios divinos, expedidos pela oração santificadora, convertem-se
em fatores adiantados de cooperação eficiente e definitiva na cura do
corpo, na renovação da alma e iluminação da consciência. 8
Toda prece elevada é manancial de magnetismo criador e vivificante e
toda criatura que cultiva a oração, com o devido equilíbrio do sentimento,
transforma-se, gradativamente, em foco irradiante de energias da Divindade.
4 As elucidações do instrutor calaram-me profundamente no ser. Desejando, contudo, certificar-me quanto a outro pormenor da sublime experiência, interroguei:
— Bastará, porém, o recurso da esposa para que o nosso doente restaure o equilíbrio psíquico?
2 Alexandre sorriu e respondeu:
— O socorro de Cecília é valioso para o companheiro, mas o potencial
de emissão divina pertence a ela, como fruto incorruptível dos seus
esforços individuais. Significa para ele o “acréscimo de misericórdia”
que deverá anexar, em definitivo, ao patrimônio de sua personalidade,
através do trabalho próprio. 3
Receber o auxílio do bem não quer dizer que o beneficiado seja bom.
Nosso amigo precisa devotar-se, com fervor, ao aproveitamento das bênçãos
que recebe, porque, inegavelmente, toda cooperação exterior pode ser
interrompida e cada filho de Deus é herdeiro de possibilidades sublimes
e deve funcionar como médico vigilante de si mesmo.
André Luiz
[1]
[Naturalmente perguntamos: Como pode ser isso, pois que Alexandre é
um Espírito desencarnado, porque “bateu de leve” à porta, sendo esta
um objeto material? Humberto de Campos afirma que “Todo átomo de matéria tem a sua gênese no átomo invisível, de natureza psíquica.”]