1.
No segundo dia de serviço espiritual definitivo, na tarefa de socorro
a Margarida, nossa movimentação aureolava-se de sublime entusiasmo no
santuário doméstico, que novamente se revestia das doces claridades
da paz.
2 A casa transformou-se.
Desde a véspera, Saldanha e Leôncio eram os primeiros a pedir instruções de trabalho.
3 Teimavam em dizer
que os adversários do bem voltariam à carga. Conheciam a crueldade dos
ex-companheiros e, porque muitos apaniguados de Gregório viriam fiscalizar
a normalidade do processo alienatório da esposa de Gabriel, Gúbio começou
por traçar expressivas fronteiras ao redor da casa, mantidas dali em
diante sob a responsabilidade dos colaboradores que Sidônio nos cedera
por gentileza.
4 Enquanto aprestávamos a
defensiva, o jovem casal louvava a alegria que lhes retornara aos corações.
Margarida sentia-se leve, bem disposta, e rendia graças ao Eterno pelo “milagre” com que fora contemplada. O esposo formulava mil promessas de trabalho espiritual, com o júbilo do neófito embriagado de sublime esperança.
5 De nosso lado, porém, as
responsabilidades passaram a crescer.
Atendendo às determinações de Gúbio, Saldanha dirigiu-se ao interior da casa e trouxe, por influência indireta, velha serva encarnada, que espanou móveis, bruniu adornos e abriu as janelas, dando passagem a vastas correntes de ar fresco.
6 O prédio como que se reconciliava
com a harmonia.
As medidas referentes à limpeza prosseguiam adiantadas, quando vozes ásperas se fizeram ouvir, partidas da via pública.
7 Elementos da falange gregoriana
gritavam por Saldanha, que compareceu, junto de nós, desapontado e algo
aflito. Nosso Instrutor paternalmente lhe recomendou:
— Vai, meu amigo, e mostra-lhes o novo rumo. Tem coragem e resiste ao venenoso fluido da cólera. Usa a serenidade e a delicadeza.
Saldanha estampou na fisionomia perceptível gesto de reconhecimento
e avançou na direção dos recém-chegados.
8 Uma das entidades de horrível
semblante, de mãos à cintura, gritou-lhe, irreverente:
— Então? Que houve aqui? Traindo o comando?
O interpelado, que os últimos sucessos haviam alterado profundamente, respondeu humilde, mas firme:
— Meus compromissos foram assumidos com a própria consciência e acredito dispor do direito de escolher a minha rota.
— Ah! — Disse o outro, sarcástico, — tens agora o direito… Veremos…
9 E tentando insinuar-se de
maneira direta, clamou:
— Deixa-me entrar!
— Não posso, — esclareceu o ex-perseguidor, — a casa segue noutra direção.
10 O interlocutor lançou-lhe
um olhar de revolta insofreável e indagou estentórico:
— Onde tens a cabeça?
— No lugar próprio.
— Não temes, porventura, as consequências do gesto impensado?
— Nada tenho de que penitenciar-me.
11 O visitante fez carantonha
de irritação extrema e aduziu:
— Gregório saberá.
E retirou-se acompanhado pelos demais.
12 Transcorridos alguns instantes,
outros elementos assomaram à entrada, assustadiços e insolentes, com
a repetição dos mesmos quadros.
2.
Em breve, cenas diversas passaram a desdobrar-se.
2 Gúbio colocou sinais luminosos
nas janelas, indicando a nova posição daquele abrigo doméstico, opondo-se
às manchas de sombra que provinham dali; e, naturalmente atraídos por
eles, Espíritos sofredores e perseguidos, mas bem intencionados, apareceram
em grande número.
3 A primeira entidade a aproximar-se
foi uma senhora que se ajoelhou, à entrada, suplicando:
— Benfeitores de Cima, que vos congregastes nesta casa, em serviço de luz, livrai-me da aflição!… Piedade! Piedade!…
4 O nosso Instrutor atendeu-a,
imediatamente, permitindo-lhe a passagem. E, no pátio ao lado, contou
em pranto que se mantinha, há muito tempo, num edifício próximo, segregada
por verdugos impassíveis que lhe exploravam antigas disposições mórbidas
para o vício. Achava-se, porém, cansada do erro e suspirava por mudança
benéfica. Penitenciava-se. Pretendia outra vida, outro rumo. Implorava
asilo e socorro.
O orientador consolou-a, bondoso, e prometeu-lhe amparo.
5 Logo após, surgiram dois
velhos, rogando pousada, Ambos haviam desencarnado em extrema indigência
num hospital. Revelavam-se possuídos de imenso terror. Não se conformavam
com a morte. Temiam o desconhecido e mendigavam elucidações. Padeciam
de verdadeira loucura.
6 Curiosa dama compareceu
pedindo providências contra Espíritos pervertidos e perturbadores que,
em grande bloco, lhe não permitiam aproximar-se do filho, instigando-o
à embriaguez.
7 Outra veio solicitar recursos
contra os maus pensamentos de um Espírito vingativo que lhe não dava
ensejo à oração.
8 A corrente dos pedintes,
contudo, não ficou aí. Tive a ideia de que a missão de Gúbio se convertera,
de repente, numa avançada instituição de pronto-socorro espiritual.
9 Dezenas de criaturas desencarnadas,
sob regime de prisão aos Círculos inferiores, alinhavam-se, agora, ao
lado da residência de Gabriel, sob a determinação de Gúbio que dizia
aguardar a noite para os serviços da prece em geral.
10 Antes, porém, que o dia
expirasse, começaram a surgir vários elementos da falange de Gregório,
afirmando-se dispostos à renovação de caminho.
11 Procediam da própria colônia
que visitáramos, e um deles, com grande assombro para mim, foi claro
na enunciação dos propósitos de que se achava inspirado.
12 — Salvem-me dos juízes cruéis!
— Suplicou, emocionando-nos pela inflexão de voz, — não posso mais!
Não suporto, por mais tempo, as atrocidades que sou constrangido a praticar.
Soube que o próprio Saldanha se transformou. Eu não posso persistir
no erro! Temo a perseguição de Gregório, mas, se é necessário arrostar
as maiores dores, enfrentá-las-ei de bom grado, preferindo-lhes o golpe
fulminatório a regressar. Ajudem-me! Aspiro à nova estrada, com o bem.
Apelos como este foram repetidos muitas vezes.
3.
Enfileirando os sofredores de intenções nobres e retas que nos alcançavam,
no vasto recinto de que dispúnhamos, nosso Instrutor recomendou que
eu e Elói nos colocássemos à disposição deles, ouvindo-os com paciência
e prestando-lhes a assistência possível, a fim de se prepararem mentalmente
para as orações da noite.
2 Confesso que me senti à
vontade.
Dividimo-nos, então, em dois setores distintos.
Organizei os irmãos que me cabia atender em assembleia fraternal; contudo, em vista de os necessitados continuarem chegando, de espaço a espaço, era imperioso abrir novos lugares no extenso grupo dos ouvintes.
3 Muitas entidades em desequilíbrio,
lá fora, reclamavam acesso, pronunciando rogativas comovedoras; todavia,
o nosso orientador aconselhara fosse a entrada privativa dos Espíritos
que se mostrassem conscientes das próprias necessidades.
4.
De há muito aprendera que uma dor maior sempre consola uma dor menor
e limitava-me a pronunciar frases curtas, para que os infelizes, ali
congregados, encontrassem reconforto, uns com os outros, sem necessidade
de doutrinação de minha parte.
2 Conduzindo-me desse modo,
pedi a uma das irmãs presentes, em deploráveis condições perispiríticas,
expor-nos, por gentileza, a experiência de que fora objeto.
3 A infortunada concentrou
a atenção de todos, em virtude das feridas extensas que mostrava no
semblante agora erguido.
— Ai de mim! — Começou, penosamente, — ai de mim, a quem a paixão cegou
e venceu, transportando-me ao suicídio! 4
Mãe de dois filhos, não suportei a solidão que o mundo me impusera com
a morte de meu marido tuberculoso. Cerrei os olhos ao campo de obrigações
que me convidavam ao entendimento e sufoquei as reflexões ante o futuro
que se avizinhava. Olvidei o lar, os filhos, os compromissos assumidos
e precipitei-me no vale fundo de sofrimentos inenarráveis. 5
Há quinze anos, precisamente, vagueio sem pouso, à feição da ave imprevidente
que aniquilasse o ninho… Leviana que fui! Quando me vi só e aparentemente
desamparada, entreguei meus pobres filhos a parentes caridosos e sorvi,
louca, o veneno que me desintegraria o corpo menosprezado. 6
Supunha reencontrar o esposo querido ou chafurdar-me no abismo da inexistência;
todavia, nem uma realização nem outra me surpreenderam o coração. Despertei
sob denso nevoeiro de lama e cinza e debalde clamei socorro, à face
dos padecimentos que me asfixiavam. Coberta de chagas, qual se o tóxico
letal me atingisse os mais finos tecidos da alma, gritei sem destino
certo!
7 A essa altura, porque a
emotividade lhe interceptasse a voz, interferi, perguntando, de modo
a fixar o ensinamento:
— E não conseguiu retornar ao santuário doméstico?
— Ah! Sim! Fui até lá, — informou a interpelada tentando dominar-se,
— mas, para acentuar-me a angústia, o toque de meu carinho nos filhos
amados, que confiara aos parentes próximos, provocava-lhes aflição e
enfermidade. 8 As irradiações
de minha dor lhes alcançavam os corpos tenros, envenenando-lhes a carne
delicada, através da respiração. Quando compreendi que a minha presença
lhes inoculava pavoroso “vírus fluídico”, deles fugi aterrada. 9
É preferível suportar o castigo de minha própria consciência isolada
e sem rumo que infligir-lhes sofrimento sem causa! Experimentei medo
e horror de mim mesma. Desde então, perambulo sem consolo e sem norte.
É por isto que venho até aqui implorando alívio e segurança. Estou cansada
e vencida…
10 — Convença-se de que receberá
os recursos que pleiteia, por intermédio da prece, — esclareci, prometendo-lhe
a colaboração eficiente de Gúbio.
5.
A pobrezinha sentou-se, mais calma; e reparando que um dos irmãos presentes
buscava salientar-se, no intuito de relatar-nos a experiência de que
era vítima, roguei atenção, em torno das palavras que pronunciaria.
2 Fitei-o, vigilante, e notei-lhe
o singular brilho dos olhos. Parecia alucinado, abatido.
Com a expressão típica da loucura cronicificada, falou, aflito:
— Permite-me indagar?
— Perfeitamente, — respondi surpreso.
3 — Que é o pensamento?
Não aguardava a pergunta que me era desfechada, mas, centralizando minha capacidade receptiva, no propósito de responder com acerto, elucidei como pude:
4 — O pensamento é, sem dúvida,
força criadora de nossa própria alma e, por isto mesmo, é a continuação
de nós mesmos. Através dele, atuamos no meio em que vivemos e agimos,
estabelecendo o padrão de nossa influência, no bem ou no mal.
5 — Ah! — Fez o estranho
cavalheiro, um tanto atormentado, — a explicação significa que as nossas
ideias exteriorizadas criam imagens, tão vivas quanto desejamos?
— Indiscutivelmente.
6 — Que fazer, então, para
destruir nossas próprias obras, quando interferimos, erroneamente, na
vida mental dos outros?
— Auxilie-nos a apreciar seu caso, contando-nos alguma coisa de sua experiência,
— pedi com interesse fraternal.
7 O interlocutor, provavelmente
tocado pelo tom de minha solicitação afetuosa, expôs a perturbação que
lhe vagava no íntimo, com frases incisivas, quentes de sinceridade e
dor:
— Fui homem de letras, mas nunca me interessei pelo lado sério da vida.
Cultivava o chiste malicioso e com ele o gosto da volúpia, estendendo
minhas criações à mocidade de meus dias. Não consegui posição de evidência,
nos galarins da fama; entretanto, mais que eu poderia imaginar, impressionei,
destrutivamente, muitas mentalidades juvenis, arrastando-as a perigosos
pensamentos. 8 Depois
do meu decesso, sou incessantemente procurado pelas vítimas de minhas
insinuações sutis, que me não deixam em paz, e, enquanto isto ocorre,
outras entidades me buscam, formulando ordens e propostas referentes
a ações indignas que não posso aceitar. 9
Compreendi que me achava em ligação, desde a existência terrestre, com
enorme quadrilha de Espíritos perversos e galhofeiros que me tomavam
por aparelho invigilante de suas manifestações indesejáveis. 10
No fundo, eu mantinha por mim mesmo, no próprio espírito, suficiente
material de leviandade e malícia, que eles exploraram largamente, adicionando
aos meus erros os erros maiores que intentariam debalde praticar, sem
meu concurso ativo. 11
Acontece, porém, que abrindo meus olhos à verdade, na Esfera em que
hoje respiramos, em vão busco adaptar-me a processos mais nobres de
vida. Quando não sou atribulado por mulheres e homens que se afirmam
prejudicados pelas ideias que lhes infundi, na romagem carnal, certas
formas estranhas me apoquentam o mundo interior, como se vivessem incrustadas
à minha própria imaginação. 12
Assemelham-se a personalidades autônomas, se bem que sejam visíveis
tão somente aos meus olhos. Falam, gesticulam, acusam-me e riem-se de
mim. Reconheço-as sem dificuldade. São imagens vivas de tudo o que meu
pensamento e minha mão de escritor criaram para anestesiar a dignidade
de meus semelhantes. Investem contra mim, apupam-me e vergastam-me o
brio, como se fossem filhos rebelados contra um pai criminoso. 13
Tenho vivido ao léu, qual alienado mental que ninguém compreende! Como
entender, porém, os pesadelos que me possuem? Somos o domicílio vivo
dos pensamentos que geramos ou as nossas ideias são pontos de apoio
e manifestação dos Espíritos bons ou maus que sintonizam conosco?
14 Havia nos ouvintes significativa
expectação, não obstante a calma reinante.
O infeliz deixou de falar, titubeante. Demonstrava-se atormentado por energias estranhas ao próprio campo íntimo, apalermado e trêmulo à nossa vista. Fitou em mim os olhos esgazeados de esquisito terror e, correndo aos meus braços, bradou:
— Ei-lo! Ei-lo que chega por dentro de mim… É uma das minhas personagens na literatura fescenina! Ai de mim! Acusa-me! Gargalha irônica e tem as mãos crispadas! Vai enforcar-me!…
Alçando a destra à garganta, denunciava, aflito:
— Serei assassinado! Socorro! Socorro!…
15 Os demais companheiros perturbados
e sofredores, ali presentes, alarmaram-se, desditosos.
Houve quem tentasse fugir, mas, com uma frase apenas, sustei o tumulto iniciante.
O pobre beletrista desencarnado contorcia-se em meus braços, sem que eu pudesse socorrer-lhe a mente transviada e ferida.
16 Cautelosamente, enviei um
emissário a Gúbio, que compareceu, em alguns segundos.
Examinou o caso e pediu a presença de Leôncio, o ex-hipnotizador de Margarida.
À frente do recém-chegado, indicou-lhe o doente em crise e falou peremptório,
mas bondoso:
— Opera, aliviando.
— Eu? eu? — Falou o convertido, semi-apalermado, — merecerei a graça de transmitir
alívio?…
17 Gúbio, no entanto, obtemperou,
sem hesitar:
— Serviço construtivo e atividade destrutiva constituem problema de direção. A corrente líquida, devastadora, que derruba e mata, pode sustentar uma usina de força edificante. Em verdade, meu amigo, todos somos devedores, enquanto nos situamos nas linhas do mal. É imperioso reconhecer, contudo, que o bem é a nossa porta redentora. O maior criminoso pode abreviar longos anos de pena, entregando-se ao resgate próprio, através do serviço benéfico aos semelhantes.
18 Dissipando-lhe as dúvidas,
acentuou com inflexão de ternura:
— Começa hoje, aqui e agora, com o Cristo. Em tua determinação de ajudar, esconde-se a solução do segredo da felicidade própria.
19 Leôncio não mais vacilou.
Magnetizou o enfermo dementado que, poucos minutos depois, silenciou, em profundo repouso.
20 Desde esse instante, o ex-perseguidor
não mais me abandonou nas experiências do dia, desempenhando as funções
de excelente companheiro.
6.
A assembleia, porém, crescia de hora a hora.
2 Entidades de boa intenção
buscavam-nos sequiosas de paz e esclarecimento, mas, francamente, doía-me
observar tanta ignorância, além da morte do corpo.
3 Na maior parte dos presentes
não surgia o mais leve traço de compreensão da espiritualidade. Raciocínios
e sentimentos jaziam presos ao chão terrestre, vinculados a interesses
e paixões, angústias e desencantos.
4 E nosso orientador fora
categórico, nas últimas informações que transmitira. A noite próxima
assinalar-nos-ia o término da permanência junto ao lar de Margarida,
e cabia-nos preparar quantos nos buscavam, famintos de conhecimento
santificante, para os serviços de oração que ele pretendia realizar.
Não convinha comparecessem desprevenidos de avisos salutares e oportunos,
acerca das obrigações e esperanças que lhes competiam desenvolver.
5 Em razão disso, interferi
nas conversações, disseminando os esclarecimentos de que podia dispor.
Ao entardecer, a conformação e o contentamento reinavam em todos os rostos.
6 Nosso Instrutor
prometera conduzir os companheiros de boa vontade a Esfera mais elevada,
garantindo-lhes a passagem para a condição superior, e doce júbilo transparecia
de todos os olhares.
7 Na exaltação da fé e confiança
que nos dominavam, simpática senhora pediu-me permissão para cantar
um hino evangélico, ao que anuí, prazeroso, e era de ver a beleza da
melodia desferida em notas de maravilhoso encantamento.
8 Alegre e reconfortado pela
expressão do serviço que nos fora conferido, tinha meus olhos nublados
de pranto, quando, aos últimos versos do cântico de esperança, jovem
dama, de triste fisionomia, avançou para mim e disse, em voz súplice:
— Meu amigo, de hoje em diante adotarei novo rumo. Sinto, neste cenáculo de fraternidade, que o mal nos afundará invariavelmente nas trevas.
9 Fixou os olhos lacrimosos
nos meus e rogou, depois de comovente intervalo:
— Promete-me, porém, a bênção do olvido na “esfera do recomeço”! n
Fui mãe de dois filhinhos, tão belos e tão puros como duas estrelas,
mas a morte me arrebatou muito cedo do lar. Mas não foi a morte o único
algoz que me feriu, desapiedado… Meu marido, em seis meses, esqueceu
as promessas de muitos anos e entregou-me os dois anjos à madrasta sem
entranhas, que cruelmente os amesquinha… 10
Há vinte meses luto contra ela, tomada de incoercível revolta; todavia,
estou entediada do ódio que me constringe o coração! Preciso renovar-me
para o bem, a fim de ser mais útil. Entretanto, meu amigo, tenho sede
de esquecimento. 11
Ajuda-me por piedade! Prende-me em algum lugar, onde minhas recordações
amargas possam tranquilamente morrer. Não me deixes, por mais tempo,
entregue aos caprichos que me arrastam. Minha inclinação ao bem é insignificante
réstia de luz, no seio da noite do mal que me envolve. 12
Compadece-te e ajuda-me! Não sei amar, ainda, sem o ciúme violento e
aviltante! Entretanto, não ignoro que o Mestre Divino se entregou à
cruz, em extrema renúncia! Não permitas que as minhas elevadas aspirações
desta hora venham a perecer!
13 As rogativas e lágrimas
daquela mulher acordaram-me a lembrança viva do próprio passado.
Eu também sofrera intensivamente para desvencilhar-me dos laços inferiores da carne. Sensibilizado, nela enxerguei uma irmã pelo coração e que me cumpria esclarecer e amparar.
14 Abracei-a, comovido, como
se o fizesse a uma filha, chorando por minha vez. E refletindo nas dificuldades
de quantos empreendem a reveladora viagem da morte, sem bases de verdadeiro
amor e de legítimo entendimento nos corações que permanecem à retaguarda,
exclamei:
15 — Sim, farei tudo quanto
estiver em minhas forças para auxiliar-te. Fixa-te em Jesus e doce esquecimento
do perturbado campo terrestre te balsamizará o espírito, preparando-te
para o voo às torres celestes. Serei teu amigo e desvelado irmão.
Ela abraçou-me, confiante, como a criancinha quando se sente segura e feliz.
André Luiz
[1] Nos Círculos mais próximos da experiência humana, “Esfera do recomeço” significa reencarnação. — Nota do autor espiritual.