1.
O zimbório estrelado, aos raios liriais da Lua, espalhava em torno vibrações
de beleza inexprimível, semeando esperança, alegria e consolo.
2 Informado quanto aos objetivos
que nos conduziriam à Crosta, com escalas por uma colônia purgatorial
de vasta expressão, vali-me da hora amena para aproveitar a convivência
com o Instrutor, tentando arrancar-lhe observações que vinham sempre
revestidas de preciosos ensinamentos.
3 — É admirável pensar,
— aventurei respeitosamente, — que se formam verdadeiras expedições
em nossa Esfera para atender a simples caso de obsessão…
4 — Os homens encarnados,
— redarguiu o orientador com certa vaguidade no olhar, qual se trouxesse
a alma presa a imagens fugidias do pretérito, — não suspeitam a extensão
dos cuidados que despertam em nossos Círculos de ação. 5
Somos todos, eles e nós, corações imantados uns aos outros, na forja
de benditas experiências. No romance evolutivo e redentor da Humanidade,
cada Espírito possui capítulo especial. Ternos e ríspidos laços de amor
e ódio, simpatia e repulsão, acorrentam-nos reciprocamente. 6
As almas corporificadas na Crosta guardam-se em passageiro sono, com
esquecimento temporário quanto às atividades pregressas. Banham-se no
Estige dos antigos, cujas águas lhes facultam, durante certo tempo,
valiosa segurança para retorno a oportunidades de elevação, todavia,
enquanto se mergulham em olvido benéfico, demoramo-nos, por nossa vez,
em abençoada vigília. 7
Os perigos que nos ameaçam os entes amados de agora ou de épocas que
o tempo consumiu, desde muito, não nos deixam impassíveis. Os homens
não se acham sozinhos na estreita senda de provas salutares em que se
confinam. A responsabilidade pelo aperfeiçoamento do mundo compete-nos
a todos.
8 — Esclarecido, com respeito
à jovem senhora que nos cabia socorrer, aduzi, reverente:
— A enferma, a cuja assistência fomos admitidos, está por exemplo em vosso passado espiritual…
9 — Sim, — confirmou
Gúbio, humilde, — mas não fui designado para servir no caso de Margarida,
a doente que nos compele à breve expedição do momento, apenas porque
houvesse sido minha filha em eras recuadas. 10
Em cada problema de socorro, é imprescindível considerar as várias partes
em jogo. Em virtude do enigma de obsessão que nos propomos resolver,
somos constrangidos a buscar todas as personalidades que compõem o quadro
de serviço. 11 Perseguidores
e perseguidos entrelaçam-se, em cada processo de auxílio, em grande
expressão numérica. Cada Espírito é um elo importante em extensa região
da corrente humana. 12
Quanto mais crescemos em conhecimentos e aptidões, amor e autoridade,
maior é o âmbito de nossas ligações na esfera geral. Almas existem que
se veem sob o interesse de milhões de outras almas. 13
Enquanto os movimentos da vida se estendem, harmoniosos, sob os ascendentes
do bem, as dificuldades não chegam a surgir; contudo, quando a perturbação
se estabelece, não é fácil desfazer obstáculos, porque, em tais circunstâncias,
é indispensável procedamos com absoluta imparcialidade, dando a cada
um quanto lhe caiba. 14
O homem terrestre, mormente nos dias tormentosos, costuma ver somente
o “seu lado”, mas, acima da justiça comum, propriamente considerada,
outros tribunais mais altos funcionam… 15
Em razão disso, todos os casos de desarmonia espiritual na Terra movem
aqui extensa rede de servidores que passam a tratá-los, sem inclinações
pessoais, em bases do amor que Jesus exemplificou e, nessas ocasiões,
preparamo-nos a satisfazer todos os imperativos de trabalho salvacionista
que a tarefa nos imponha ou proporcione, dentro das atividades que lhe
são conexas.
2.
A essa altura da instrutiva conversação, chegamos a gracioso templo.
2 Nesse doce recanto consagrado
à materialização de entidades sublimes, a luz suave da noite calma como
que se fazia mais bela.
3 As vibrações constantes
das preces, aí emitidas por vários séculos, tinham criado em torno da
edificação prodigioso clima de encantamento.
4 Melodia celeste derramava-se
à surdina e as flores delicadas do átrio pareciam corresponder aos sons
cristalinos, variando no brilho e na cor, quase que imperceptivelmente.
5 Eu trazia o coração opresso,
como se a felicidade das últimas horas, em que ouvira tão confortadoras
e tão graves reflexões atinentes à extensão do mundo e da vida, me aproximasse
a insignificância pessoal da grandeza divina, e lágrimas tranquilas
inundaram-me o rosto.
6 O Instrutor tomou-nos a
frente e, juntos, penetramos o jardim que circundava o aprazível santuário.
Alguns irmãos adiantaram-se, acolhedores.
7 Um deles, o Instrutor Gama,
que se encarregava dos serviços da casa, abraçou-nos e disse com bondade:
— Chegam no momento preciso. Os doadores de fluidos sublimados encontram-se a postos e a outra comissão já veio.
8 Entramos sem detença.
Soube, de imediato, que outro grupo, constituído, aliás, por duas irmãs,
ali se achava com o objetivo de receber instruções de serviço para Esferas
mais baixas.
9 Cariciosa claridade azul-brilhante
banhava o largo recinto, adornado de flores níveas, semelhantes aos
lírios que conhecemos na Terra.
Não houve tempo para conversações prévias.
10 Em seguida a saudações ligeiras
e cordiais, foi composto o conjunto de oração.
Os doadores de energia radiante, médiuns de materialização em nosso Plano, se alinhavam, não longe, em número de vinte.
11 Comovedora partitura soou,
argentina e leve, em aposento próximo, predispondo-nos à meditação de
ordem superior.
12 E logo após a
prece, formosa e espontânea, pronunciada pelo responsável mais altamente
categorizado na instituição, eis que a tribuna doméstica se ilumina.
Esbranquiçada nuvem de substância leitosa-brilhante adensa-se em derredor
e, pouco a pouco, desse bloco de neve translúcida, emerge a figura viva
e respeitável de veneranda mulher. 13
Indizível serenidade caracteriza-lhe o olhar simpático e o porte de
madona antiga, repentinamente trazida à nossa frente. Cumprimenta-nos
com um gesto de bênção, como que nos endereçando, a todos, os raios
da luz esmeraldina que em forma de auréola lhe exornam a cabeça.
14 As duas moças que formavam
a comissão de serviços, estranha à nossa, avançaram com lágrimas discretas
e rojaram-se, genuflexas.
15 — Mãe querida, — clamou
uma delas, com tal inflexão de voz que nos cortava as fibras mais íntimas,
— ajuda-me a falar-te! A saudade longamente reprimida é um fogo que
consome o coração. Auxilia-me! Não me deixes perder este doce e divino
minuto!
16 Apesar dos soluços de emoção
que lhe vibravam no peito, continuou:
— Abençoa-nos para a grande jornada!… Há muito tempo aguardamos esta hora breve
de reencontro contigo… Perdoa-nos, mãezinha, se insistimos tanto na
rogativa… Contudo, sem tua proteção amorosa, como vencer nos turbilhões
do abismo?
17 Desejando talvez justificar-se,
ante os olhos maternos, acrescentava em pranto:
— De conformidade com as tuas amadas recomendações, além de nossas tarefas habituais na zona de serviço em que a tua bondade nos situou, temos velado pelo paizinho, mergulhado nas sombras; todavia, há seis anos buscamo-lo embalde… Escapa-nos à influência renovadora e se compraz na companhia de entidades que, por onde passam, vampirizam as criaturas. Não nos recebe a atuação carinhosa, senão em forma de pensamentos vagos, de que se desvencilha facilmente, e, se multiplicamos providências salvacionistas, procede como louco… Gesticula a esmo, colérico e irritado, grita blasfêmias e solicita o concurso de seres viciados, a cujas radiações escuras se entrelaça, repelindo-nos as sugestões e a presença… Prefere o contato de entidades ignorantes e infelizes, detestando-nos a ternura…
18 Nesse ponto, crise mais
intensa de emotividade impediu-lhe continuar.
A nobre senhora que descera da tribuna, erguendo as filhas e acolhendo-as nos braços, exclamou com acento consolador na voz sem lágrimas, não obstante a visível melancolia:
19 — Filhas amadas,
o Sol combate a treva todos os dias. Batalhemos contra o mal, incessantemente,
até à vitória. Não se suponham sozinhas no conflito doloroso. Desculpemos
o papai, infinitamente, e colaboremos por restituí-lo à terra firme
da luz. 20 Se o Cristo
trabalha por nós, desde o princípio dos séculos, sem que lhe possamos
compreender a amplitude dos sacrifícios, que dizer das nossas obrigações
de amparo e tolerância, uns para com os outros? 21
Cláudio se fez para sempre credor da nossa estima e gratidão, apesar
do pavoroso crime oculto que no-lo arrebatou às profundezas… Envenenou
um parente para conseguir a riqueza material que nos ofereceu educação
e conforto na Esfera carnal. 22
Por extrema dedicação a nós três, não hesitou diante da tentação que
o constrangeu a infernal compromisso. Dono de afeição inquieta, não
soube esperar a bênção do tempo e lançou mão de inconfessável processo
para localizar-nos em um oásis de superioridade mentirosa… 23
Para que ele nos sentisse garantidas e felizes, viveu durante quarenta
anos consecutivos, entre o remorso e o sofrimento, psiquicamente sintonizado
com Espíritos maliciosos e vingativos, das sombras, mas, na realidade,
sobre as aflições dele nos foi possível atravessar abençoada existência
de progresso e conforto, numa casa ditosa e farta, sem sabermos que
em nossos alicerces espirituais vivia um ato escuro de assassínio e
violência!
24 A essa altura, a entidade
materializada chorou, comovedoramente.
Abraçadas as três, num quadro emocionante e mudo, a mãezinha encontrou recursos a fim de prosseguir:
— Tornaremos, contudo, ao campo de luta regeneradora e benfazeja… Que
vale para nós a paisagem celestial sem a libertação daqueles que amamos?
O coração amoroso, atormentado, abdicará do ingresso numa estrela para
persistir ao lado de um ente querido, em duelo com as serpentes de um
charco… 25 Poderíamos
gozar, porventura, o espetáculo augusto das Esferas resplandecentes,
ouvindo-lhes a harmonia indefinível, numa situação de destaque adquirida
à custa daqueles que gemem e desfalecem nas trevas? Abandonar quem nos
serviu de degrau em plena ascensão divina é das mais horrendas formas
de ingratidão. 26
O Senhor não pode abençoar uma ventura colhida ao preço de angústias
para aqueles que no-las deram. Estou convencida de que há mais grandeza
no anjo que desce ao inferno para salvar os filhos de Deus, transviados
e sofredores, do que no mensageiro espiritual que se dá pressa em comparecer
ante o Trono do Eterno para louvá-Lo, com esquecimento dos próprios
benfeitores…
27 A venerável matrona enxugou
o pranto copioso e prosseguiu:
— Olvidemos, pois, minhas filhas, o que hoje somos, para socorrer os
que, com o propósito de nos servirem, resvalaram a despenhadeiro sinistro
e tormentoso. Saldemos nossas dívidas secretas com abnegação e devotamento.
28 Mais tarde, receberei
Antônio, o sobrinho envenenado, em meus braços maternos, reaproximando-o
de Cláudio, através da cordialidade e do respeito vividos em comum.
Ensinar-lhe-ei com alegre ternura a pronunciar o nome de Deus e a desfazer
as pesadas nuvens de revolta que lhe empanam a vida íntima. 29
A fim de incliná-lo à compreensão e à piedade, com mais eficiência,
comprometi-me a acolher também no tabernáculo materno as seis criaturas
desviadas do bem, às quais se apegou, desvairado, nas regiões inferiores,
em face da culpa de quem nos foi desvelado amigo. 30
Meu afeto reinará dificilmente num lar repleto de corações menos afins
com o meu, onde Jesus me ensinará a soletrar, venturosa, a doce lição
do sacrifício silencioso… Muitas vezes, lidarei com a discórdia e a
tentação; todavia, não podemos acreditar em felicidades de improviso.
31 Conquistaremos
em cooperação abençoada aquela paz que Cláudio sonhou para nós e que
ele próprio não desfrutou…
32 Para que eu parta, porém,
no rumo da reencarnação, é necessário que o papai renasça primeiro.
Sem esse marco inicial, não posso atacar o nosso processo redentor em
nova fase. Ajudemo-nos, assim, reciprocamente. Enquanto procuro transformar
Antônio, reajustando-lhe as fibras afetivas, inclinem ambas o espírito
paterno à esperança e à meditação reconstrutivas…
33 As jovens derramavam
pranto comovedor, em que se misturavam angústia e alegria, e a matrona
iluminada, revelando-se em despedida, acrescentou:
— Não desanimem. O tempo é das mais preciosas dádivas do Senhor e o
tempo nos auxiliará. O porvir reunir-nos-á, de novo, em abençoado refúgio
terrestre. 34 Eu
e Cláudio, então renovado, receberemos muitos filhinhos, e vocês duas
estarão entre eles, reconfortando-nos os corações. Terei sobre o peito
algumas pedras preciosas por lapidar, no esforço de cada dia e, dentro
dalma, duas flores, em ambas, cujo perfume celeste me sustentará as
energias necessárias à perseverança até ao fim… 35
Compensar-me-ão vocês duas de todas as canseiras… Juntas pelo amor imperecível,
trabalharemos sustentadas pela recordação, embora imprecisa, da gloriosa
vida espiritual que, um dia, nos acolherá, felizes e triunfantes. Lembremo-nos
de Jesus e avancemos…
36 Silenciou a emissária,
e as moças, provavelmente avisadas de que o tempo permanecia esgotado,
abraçaram-na de encontro ao coração, sedentas de carinho. A mãezinha
beijou-as, enternecida, e, após saudar-nos cordialmente, tornou à tribuna,
em cujo topo desapareceu ao nosso olhar, numa onda de neblina evanescente.
37 Entreolhamo-nos em lágrimas,
como quem tivera permissão de repousar a mente em branda melodia.
As irmãs retomaram o lugar que ocupavam e música balsâmica se fez ouvir, renovando-nos o ambiente, obedecendo, certo, ao intuito de modificar-nos o campo vibracional.
38 Ponderando na incomensurável
bondade do Pai, recordei os laços afetivos que me ligavam ao pretérito
e observei, mais uma vez, que todas as medidas do bem são planejadas
e pacientemente executadas pelos que se angelizam nas virtudes do Céu,
lastimando, intimamente, as oportunidades perdidas noutro tempo, quando
o verdadeiro entendimento da vida me não felicitava o espírito.
3.
Ainda não voltara a mim mesmo da salutar divagação, quando outro lençol
de alva substância, coroada de tons dourados, se fez visível no alto.
Em breves instantes, revestida de luz, outra mensageira surgia na tribuna.
2 Dos olhos irradiava doce
magnetismo santificante.
Trajava um peplo estruturado em fina gaze azul-radiosa e desceu, ereta e digna, fitando-nos suavemente, à procura de alguém, com interesse particular.
O Instrutor ergueu-se, reverente, e caminhou na direção dela, qual discípulo submisso.
3 A recém-chegada pronunciou
frases de paz, sem afetação, e endereçou-lhe a palavra, em tom de infinita
ternura:
— Irmão Gúbio, agradeço-te o concurso dadivoso. Creio haver chegado,
efetivamente, o instante de aceitar-te a ajuda fraterna, em favor da
libertação de meu infortunado Gregório.
4 Espero, há séculos,
pela renovação e penitência dele. Impressionado pelos imensos recursos
do poder, no passado distante, cometeu hediondos crimes da inteligência.
5 Internado em perigosa
organização de transviados morais, especializou-se, depois da morte,
em oprimir ignorantes e infelizes. Pelo endurecimento do coração, conquistou
a confiança de gênios cruéis, desempenhando presentemente a detestável
função de grande sacerdote em mistérios escuros. 6
Chefia condenável falange de centenas de outros Espíritos desditosos,
cristalizados no mal, e que lhe obedecem com deplorável cegueira e quase
absoluta fidelidade. Agravou o passivo de suas dívidas clamorosas, trazidas
da insânia terrestre, e vem sendo instrumento infeliz nas mãos de inimigos
do bem, poderosos e ingratos… 7
Há cinquenta anos, porém, já consigo aproximar-me dele, mentalmente.
Recalcitrante e duro, a princípio, Gregório agora experimenta algum
tédio, o que constitui uma bênção nos corações infiéis ao Senhor. Já
lhe surpreendo no espírito rudimentos de necessária transformação. 8
Ainda não chora sob o guante do arrependimento benéfico e parece-me
longe do remorso salvador; entretanto, já duvida da vitória do mal e
abriga interrogações na mente envilecida. Não é tão severo no comando
dos Espíritos desventurados que lhe seguem as determinações e o colapso
de sua resistência não me parece remoto.
9 Nesse instante, notei que
a venerável matrona derramava lágrimas discretas, que lhe deslizavam
na face como sementes de luz.
Parou por alguns momentos, controlada pelas reminiscências dolorosas, e continuou:
— Irmão Gúbio, perdoa-me o pranto que não significa mágoa ou esmorecimento…
10 Na pauta do julgamento
humano comum, meu filho espiritual será talvez um monstro… Para mim,
contudo, é a joia primorosa do coração ansioso e enternecido. 11
Penso nele qual se houvera perdido a pérola mais linda num mar de lama
e tremo de alegria ao considerar que vou reencontrá-lo. Não é paixão
doentia que vibra em minhas palavras. É o amor que o Senhor acendeu
em nós, desde o princípio. 12
Estamos presos, diante de Deus, pelo magnetismo divino, tanto quanto
as estrelas que se imantam umas às outras, no império universal. Não
encontrarei o Céu, sem que os sentimentos de Gregório se voltem igualmente
para a Eterna Sabedoria. Alimentamo-nos na Criação com os raios de vida
imperecível que emitimos uns para com os outros. Como surpreender a
perfeita ventura se recebo do filho amado tão somente raios de forças
em desvario?
13 O nosso orientador contemplou-a,
de olhos úmidos, e rogou:
— Nobre Matilde! n estamos prontos. Dita ordens! Por mais que fizéssemos por tua alegria, nosso esforço seria pobre e pequenino, diante dos sacrifícios em que te empenhas por nós todos.
14 Num sorriso triste, prosseguiu
a respeitável senhora:
— Descerei, dentro em breves anos, para o torvelinho de lutas carnais,
a fim de esperar Gregório em existência de resgate difícil e doloroso.
15 Educá-lo-ei sob
os princípios superiores que regem a vida. Crescerá sob minha inspiração
imediata e receberá a prova perigosa e aflitiva da riqueza material.
16 É de nosso plano
que ele acolha, no curso do tempo, em labor gradativo, a extensa legião
de servidores viciados que hoje o seguem e a ele obedecem, a fim de
encaminhá-los, tanto os possivelmente encarnados quanto os desencarnados,
através do carreiro de santificação pela disciplina benéfica em construtivo
suor. 17 Padecerá
calúnias e vilipêndios. Será muita vez humilhado à face dos homens.
Triunfará nos bens efêmeros e nas honrarias mentirosas. 18
Receberá, no desdobramento da tarefa salvadora, tentações de toda espécie
que lhe serão desfechadas pela colônia de ignorância, perversidade e
delinquência a que atualmente se filia, e conhecerá, depois de experiências
inquietantes, a deserção dos falsos amigos, o abandono, a miséria, a
enfermidade, a velhice e a solidão. 19
Apegar-se-á profundamente ao meu carinho, na infância, na mocidade e
na madureza; entretanto, na colheita de provações mais duras, tê-lo-ei
precedido na viagem do túmulo… Nessa época, porém, que pressinto de
tão longe, meu coração materno, embora na Esfera espiritual, encorajá-lo-á,
passo a passo, na direção do esperado triunfo… Nas amarguras e desilusões
que o ajudarão a reestruturar e aperfeiçoar os poderes da mente, minha
voz de amor eterno será por ele registada com mais precisão… 20
Até lá, porém, Gúbio, compete-me trabalhar muito e sem desânimo, com
incessante aproveitamento das horas. Moverei as cordas da intercessão
sublime, mobilizarei meus amigos, rogarei a Jesus fortaleza e serenidade.
Iniciaremos a liberação com o teu abnegado concurso na zona abismal.
21 A veneranda mensageira fez
ligeiro intervalo e, concentrando o olhar sobre o nosso Instrutor, aduziu
com nova inflexão de voz:
— Atenderás Margarida que te foi filha amantíssima e que a Gregório ainda se
encontra imantada por teias escuras do passado e colaborarás com o meu
devotamento materno para que na alma dele se converta a sublevação em
humildade e a frieza, em calor. 22
Encontrando-o, veste a capa do servo prestimoso e fala-lhe em meu nome.
Sob o gelo que lhe cristaliza os sentimentos, descansa, inapagada, a
chama do amor que nos une para sempre. Disponho, agora, da permissão
de fazer-me sentir e acredito que, à face de tua amorosa tarefa, mover-se-lhe-á
o espírito endurecido.
23 Sei quanto te
custa a incursão nos domínios da dor, porque só aquele que sabe amar
e suportar consegue triunfo nas consciências que se degradaram no mal;
entretanto, meu amigo, os dons divinos descem sobre nós, dentro de justas
condicionais. 24 O Senhor
nos enriquece para que enriqueçamos a outrem, dá-nos alguma coisa para
ensaiarmos a distribuição de benefícios que Lhe pertencem, ajuda-nos
a fim de que auxiliemos, por nossa vez, aos mais necessitados. Mais recolhe
quem mais semeia…
25 Diante daqueles olhos divinos,
agora velados de lágrimas que não chegavam a cair, Gúbio valeu-se do
intervalo e considerou, reverencioso:
— Abnegada Matilde, sou pequenino em excesso para merecer-te as palavras.
Onde existe a alegria, o sofrimento não se detém. 26
Socorreste-me com a tua intercessão, amparando-me o zelo afetivo, perante
as necessidades de Margarida. Um coração paternal é sempre venturoso,
em se humilhando pelos filhos que ama. 27
Sou simplesmente teu devedor, e, se Gregório me flagelasse nos Círculos
em que domina, semelhante aflição se converteria igualmente em júbilo,
dentro de mim. 28
De qualquer modo, ele me recordará tua bondade e teu devotamento apoiando-me
os propósitos de descer para servir. As dores que me acarretasse seriam
abençoados espinhos nas rosas que me ofereceste. 29
Em teu nome, salvarei minha filha, cuja experiência atual no corpo denso
nos é sumamente importante às reencarnações porvindouras… Trabalharei
reconhecido ao ensejo que me deste, lutarei, encorajado e feliz…
30 Mostrando intenso júbilo
e grande esperança na expressão fisionômica, a senhora agradeceu com
palavras generosas e concluiu:
— Ao terminares a fase essencial de tua missão, nos dias próximos, sobre o
que serei notificada por nossos mensageiros, irei ao teu encontro nos
“campos de saída”. n
31 Então, quem sabe?
É provável se verifique o encontro pessoal que almejo há muito tempo,
porquanto Gregório virá possivelmente em tua companhia, até a um ponto
em que de alguma sorte a manifestação da luz será possibilitada ante
as trevas.
32 A emissária acentuou a expressão
brilhante do rosto, exteriorizando a doce expectativa que lhe povoava
a alma, e considerou:
— A hora é chegada… O Senhor estará conosco. Há tempo de plantar e tempo de colher. Gregório e eu semearemos de novo. Seremos mãe e filho, outra vez!
33 Detendo-se particularmente
sobre nosso Instrutor, falou, extática:
— Possam minhas lágrimas de alegria orvalhar-te o espírito laborioso. Seguir-te-ei
a ação e aproximar-me-ei no instante oportuno. 34
Creio na vitória do amor, logo resplandeça o minuto do reencontro. Nesse
dia abençoado, Gregório e os companheiros que mais se afinarem com ele
serão trazidos por nós a Círculos regeneradores e, dessas Esferas de
reajustamento, conto reorganizar elementos ante o futuro promissor,
sonhando em companhia dele as realizações que nos competem alcançar.
35 Gúbio pronunciou algumas
frases de compromisso fraterno.
Trabalharíamos sem descanso.
Desvelar-nos-íamos pela execução das ordens afetuosas.
36 A singular entrevista terminou
entre preces de gratidão ao Eterno Pai.
Findo aquele culto vivo de amor imortal, despedimo-nos da família cristã que ali se congregava.
37 Cá fora, a noite se fizera
mais bela.
A Lua reinava num trono de azul macio, constelado de estrelas luzentes.
Flores inúmeras saudavam-nos com perfume inebriante.
38 Ergui para o Instrutor olhos
repletos de indagações, mas Gúbio, afagando-me os ombros, delicadamente
murmurou:
— Repousa a mente e não perguntes por agora. Amanhã, seguiremos na direção da tarefa nova, que nos exigirá muita prudência e compreensão fraternal, e convence-te de que o serviço nos esclarecerá com a sua linguagem viva.
André Luiz
[1] [Condessa Matilde de Canossa, protetora de Gregório VII.]
[2] A expressão
“campos de saída” define lugares-limites, entre as Esferas inferiores
e superiores. — Nota do Autor espiritual.