O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Cartas e crônicas — Irmão X


28

Kardec e Napoleão

1 Logo após o 18 Brumário n (9 de novembro de 1799), quando Napoleão se fizera o Primeiro Cônsul da República Francesa, reuniu-se, na noite de 31 de dezembro de 1799, no coração da latinidade, nas Esferas Superiores, grande assembleia de Espíritos sábios e benevolentes, para marcarem a entrada significativa do novo século.

2 Antigas personalidades de Roma imperial, pontífices e guerreiros das Gálias, figuras notáveis da Espanha, ali se congregavam à espera do expressivo acontecimento.

3 Legiões dos Césares, com os seus estandartes, falanges de batalhadores do mundo gaulês e grupos de pioneiros da evolução hispânica, associados e múltiplos representantes das Américas, guardavam linhas simbólicas de posição de destaque.

4 Mas não somente os latinos se faziam representados no grande conclave. Gregos ilustres, lembrando as confabulações da Acrópole gloriosa, israelitas famosos, recordando o Templo de Jerusalém, deputações eslavas e germânicas, grandes vultos da Inglaterra, sábios chineses, filósofos hindus, teólogos budistas, sacrificadores das divindades olímpicas, renomados sacerdotes da Igreja Romana e continuadores de Maomet ali se mostravam, como em vasta convocação de forças da ciência e da cultura da Humanidade.

5 No concerto das brilhantes delegações que aí formavam, com toda a sua fulguração representativa, surgiam Espíritos de velhos batalhadores do progresso que voltariam à liça carnal ou que a seguiriam, de perto, para o combate à ignorância e à miséria, na laboriosa preparação da nova era da fraternidade e da luz.

6 No deslumbrante espetáculo da Espiritualidade Superior, com a refulgência de suas almas, achavam-se Sócrates, Platão, Aristóteles, Apolônio de Tiana, Orígenes, Hipócrates,  †  Agostinho, Fénelon, Giordano Bruno,  †  Tomás de Aquino, S. Luís de França, Vicente de Paulo, Joana D’Arc, Teresa d’Ávila, Catarina de Siena,  †  Bossuet, Spinoza,  †  Erasmo, Milton, Cristóvão Colombo, Gutenberg, Galileu, Pascal, Swedenborg e Dante Alighieri para mencionar apenas alguns heróis e paladinos da renovação terrestre e, em plano menos brilhante, encontravam-se, no recinto maravilhoso, trabalhadores de ordem inferior, incluindo muitos dos ilustres guilhotinados da Revolução, quais Luís XVI, Maria Antonieta, Robespierre, Danton,  †  Madame Roland,  †  André Chenier, Bailly, Camille Desmoulins,  †  e grandes vultos como Voltaire e Rousseau.

7 Depois da palavra rápida de alguns orientadores eminentes, invisíveis clarins soaram na direção do Plano carnal e, em breves instantes, do seio da noite, que velava o corpo ciclópico do mundo europeu, emergiu, sob a custódia de esclarecidos mensageiros, reduzido cortejo de sombras, que pareciam estranhas e vacilantes, confrontadas com as feéricas irradiações do palácio festivo.

8 Era um grupo de almas, ainda encarnadas, que, constrangidas pela Organização Celeste, remontavam à vida espiritual, para a reafirmação de compromissos:

9 À frente, vinha Napoleão, que centralizou o interesse de todos os circunstantes. Era bem o grande corso, com os seus trajes habituais e com o seu chapéu característico.

10 Recebido por diversas figuras de Roma antiga, que se apressavam em oferecer-lhe apoio e auxílio, o vencedor de Rivoli ocupou radiosa poltrona que, de antemão, lhe fora preparada.

11 Entre aqueles que o seguiam, na singular excursão, encontravam-se respeitáveis autoridades reencarnadas no planeta, como Beethoven; Ampère, Fulton, Faraday,  †  Goethe, John Dalton,  †  Pestalozzi, Pio VII,  †  além de muitos outros campeões da prosperidade e da independência do mundo.

12 Acanhados no veículo espiritual que os prendia à carne terrestre, quase todos os recém-vindos banhavam-se em lágrimas de alegria e emoção.

13 O primeiro Cônsul da França, porém, trazia os olhos enxutos, não obstante a extrema palidez que lhe cobria a face. Recebendo o louvor de várias legiões, limitava-se a responder com acenos discretos, quando os clarins ressoaram, de modo diverso, como se pusessem a voar para os cimos, no rumo do imenso infinito…

14 Imediatamente uma estrada de luz, à maneira de ponte levadiça, projetou-se do Céu, ligando-se ao castelo prodigioso, dando passagem a inúmeras estrelas resplendentes.

15 Em alcançando o solo delicado, contudo, esses astros se transformavam em seres humanos, nimbados de claridade celestial.

16 Dentre todos, no entanto, um deles avultava em superioridade e beleza. Tiara rutilante brilhava-lhe na cabeça, como que a aureolar-lhe de bênçãos o olhar magnânimo, cheio de atração e doçura: Na destra, guardava um cetro dourado, a recamar-se de sublimes cintilações…

17 Musicistas invisíveis, através dos zéfiros que passavam apressados, prorromperam num cântico de hosanas, sem palavras articuladas.

18 A multidão mostrou profunda reverência, ajoelhando-se muitos dos sábios e guerreiros, artistas e pensadores, enquanto todos os pendões dos vexilários arriavam, silenciosos, em sinal de respeito.

19 Foi então que o grande corso se pôs em lágrimas e, levantando-se, avançou com dificuldade, na direção do mensageiro que trazia o báculo de ouro, postando-se, genuflexo, diante dele.

20 O celeste emissário, sorrindo com naturalidade, ergueu-o, de pronto, e procurava abraçá-lo, quando o Céu pareceu abrir-se diante de todos, e uma voz enérgica e doce, forte como a ventania e veludosa como a ignorada melodia da fonte, exclamou para Napoleão, que parecia eletrizado de pavor e júbilo, ao mesmo tempo:

— Irmão e amigo, ouve a Verdade, que te fala em meu espírito! Eis-te à frente do apóstolo da fé, que, sob a égide do Cristo, descerrará para a Terra atormentada um novo ciclo de conhecimento…

21 César  †  ontem, e hoje orientador, rende o culto de tua veneração, ante o pontífice da luz! Renova, perante o Evangelho, o compromisso de auxiliar-lhe a obra renascente!…

22 Aqui se congregam conosco lidadores de todas as épocas. Patriotas de Roma e das Gálias, generais e soldados que te acompanharam nos conflitos da Farsália,  †  de Tapso  †  e de Munda,  †  remanescentes das batalhas de Gergóvia e de Alésia  †  aqui te surpreendem com simpatia e expectação… 23 Antigamente, no trono absoluto, pretendias-te descendente dos deuses para dominar a Terra e aniquilar os inimigos… Agora, porém, o Supremo Senhor concedeu-te por berço uma ilha perdida no mar, para que te não esqueças da pequenez humana e determinou voltasses ao coração do povo que outrora humilhaste e escarneceste, a fim de que lhe garantas a missão gigantesca, junto da Humanidade, no século que vamos iniciar.

24 Colocado pela Sabedoria Celeste na condição de timoneiro da ordem, no mar de sangue da Revolução, não olvides o mandato para o qual foste escolhido.

25 Não acredites que as vitórias das quais foste investido para o Consulado devam ser atribuídas exclusivamente ao teu gênio militar e político. A Vontade do Senhor expressa-se nas circunstâncias da vida. Unge-te de coragem para governar sem ambição e reger sem ódio. Recorre à oração e à humildade para que te não arrojes aos precipícios da tirania e da violência!…

26 Indicado para consolidar a paz e a segurança, necessárias ao êxito do abnegado apóstolo que descortinará a era nova, serás visitado pelas monstruosas tentações do poder.

27 Não te fascines pela vaidade que buscará coroar-te a fronte… Lembra-te de que o sofrimento do povo francês, perseguido pelos flagelos da guerra civil, é o preço da liberdade humana que deves defender, até o sacrifício. Não te macules com a escravidão dos povos fracos e oprimidos e nem enlameies os teus compromissos com o exclusivismo e com a vingança!…

28 Recorda que, obedecendo a injunções do pretérito, renasceste para garantir o ministério espiritual do discípulo de Jesus que regressa à experiência terrestre, e vale-te da oportunidade para santificar os excelsos princípios da bondade e do perdão, do serviço e da fraternidade do Cordeiro de Deus, que nos ouve em seu glorificado sólio de sabedoria e de amor!

29 Se honrares as tuas promessas, terminarás a missão com o reconhecimento da posteridade e escalarás horizontes mais altos da vida, mas, se as tuas responsabilidades forem menosprezadas, sombrias aflições amontoar-se-ão sobre as tuas horas, que passarão a ser gemidos escuros em extenso deserto…

30 Dentro do novo século, começaremos a preparação do terceiro milênio do Cristianismo na Terra.

31 Novas concepções de liberdade surgirão para os homens, a Ciência erguer-se-á a indefiníveis culminâncias, as nações cultas abandonarão para sempre o cativeiro e o tráfico de criaturas livres e a religião desatará os grilhões do pensamento que, até hoje, encarceram as melhores aspirações da alma no inferno sem perdão!…

32 Confiamos, pois, ao teu espírito valoroso a governança política dos novos eventos e que o Senhor te abençoe!…

33 Cânticos de alegria e esperança anunciaram nos céus a chegada do século XIX e, enquanto o Espírito da Verdade, seguido por várias coortes resplandecentes, voltava para o Alto, a inolvidável assembleia se dissolvia…

34 O apóstolo que seria Allan Kardec, sustentando Napoleão nos braços, conchegou-o de encontro ao peito e acompanhou-o, bondosamente, até religá-lo ao corpo de carne, no próprio leito.




35 Em 3 de outubro de 1804, o mensageiro da renovação renascia num abençoado lar de Lião, mas o Primeiro Cônsul da República Francesa, assim que se viu desembaraçado da influência benéfica e protetora do Espírito de Allan Kardec e de seus cooperadores, que retomavam, pouco a pouco, a integração com a carne, confiantes e otimistas, engalanou-se com a púrpura do mando e, embriagado de poder, proclamou-se Imperador, em 18 de maio de 1804, ordenando a Pio VII viesse coroá-lo em Paris.

36 Napoleão, contudo, convertendo celestes concessões em aventuras sanguinolentas, foi apressadamente sitiado, por determinação do Alto, na solidão curativa de Santa Helena,  †  onde esperou a morte, enquanto Allan Kardec, apagando a própria grandeza, na humildade de um mestre-escola, muita vez atormentado e desiludido, como simples homem do povo, deu integral cumprimento à divina missão que trazia à Terra, inaugurando a era espírita-cristã, que, gradativamente, será considerada em todos os quadrantes do orbe como a sublime renascença da luz para o mundo inteiro.


Irmão X

(Humberto de Campos)


[1] [Brumário: Nome do 2º mês do ano (22 de outubro a 21 de novembro) no calendário da Revolução Francesa.]


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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