1 Atravessara, aflito, os umbrais do outro mundo
E, ao erguer-se da lousa, exânime, febrento,
No sepulcro imagina o suntuoso aposento
Onde, a sós, afagava o tesouro infecundo.
2 — “Meu dinheiro!” — reclama, exasperado e atento.
“Ouro! Meu ouro só! Por nada me confundo! n
Ladrões! Quem me furtou?” — esbraveja iracundo
Em largo desafio aos sarcasmos do vento.
3 Ouve o silêncio em torno e ruge: — “Agora, agora! n
Achei meu cofre! Achei!…” — gargalha, grita, chora, n
Na homérica ilusão que ele mesmo proclama…
4 Inclina-se. Algo colhe e, em delírio perfeito,
Investe contra a sombra e aperta contra o peito n
Velha tampa de esquife empastada de lama.
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[1] CIRO COSTA — Depois de formar-se em Direito pela Faculdade de S. Paulo, o artista de “Pai João” viajou pela Europa e pelo Oriente, chegando a visitar a Índia e o Egito. Residiu por algum tempo no Rio de Janeiro. Juntamente com Olavo Bilac, Martins Fontes e outros intelectuais, fundou a “Sociedade dos Homens de Letras do Brasil”. Colaborou nas revistas paulistas da época, dentre elas A Cigarra e A Vida Moderna. Eleito para a Academia Paulista de Letras, não chegou a tomar posse. “Ciro Costa era uma irradiação larga, amplíssima de talento e de simpatia” — afirma Marques da Cruz na Revista da Academia Paulista de Letras, nº 25, pág. 169. “Epígono da geração acadêmica do Romantismo”, fundamentalmente um romântico, ele viveu, porém, a vida da sua época. “Foi parnasiano e simbolista” — escreve Marques da Cruz, concluindo. (Limeira, Est. de S. Paulo, 18 de Março de 1879 — Rio de Janeiro, Gb, 22 de Junho de 1937.)
BIBLIOGRAFIA: Estelário; Terra Prometida.
[2] Verso 6 - Epímone. — Cf. 1ª nota do cap. 3 da 1ª Parte.
[3] Verso 9 - Ricochete: “… — Agora, agora!”
[4] Verso 10 - “Achei meu cofre! Achei!…”: Mesarquia. Cf. nota 7, pág. 42. Observe-se, ainda, a adequação dos verbos a exprimir uma gradação ascendente.
[5] Verso 13 - Epímone. — Cf. nota nº 6 deste capítulo.