1 Três estrelas que o céu guarda e emoldura,
Descem, descem, velozes pelo espaço, n
Seguem reunidas por divino laço,
Buscando a Terra além, magoada e escura…
2 Pousam, enfim, na gleba áspera e dura,
Luzes varando o serro triste e baço,
E avançam, refletindo, traço a traço,
A projeção de sol da imensa altura…
3 A quem vão socorrer na senda humana?
Sob a pálida luz da lua cheia, n
Para onde marcha a excelsa caravana?
4 Descem, agora, as três, aquém do monte,
E abraçam pobre mãe que ora e pranteia,
Em gelado desvão de velha ponte… n
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JOÃO DE DEUS Ramos — De origem humilde, João de Deus bacharelou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1859, exercendo brilhantemente o jornalismo e o magistério, sendo considerado um verdadeiro apóstolo da instrução. “É um lírico inimitável” — dele diz Mendes dos Remédios (História Lit. Port., pág. 586) — “e o mais espontâneo e genial burilador da poesia portuguesa. Nunca ninguém teve a arte de dizer coisas mais belas em frases tão simples.” (S. Bartolomeu de Messines, Algarve, Portugal, 8 de Março de 1830 — Lisboa, 11 de Janeiro de 1896.)
BIBLIOGRAFIA: a) do homem terreno: Flores do Campo; Ramo de Flores; Folhas Soltas; Cartilha Maternal, etc.; b) do poeta desencarnado: Jardim da Infância, pelo médium Francisco Cândido Xavier.
Nota ao poema Exortação: Num esquema estrófico peculiar ao poeta, observe-se o magnífico efeito do ricochete no terceiro verso de cada estância, com o quebrado ao fim de cada pensamento expresso, como numa das estrofes de “A Vida” (apud M. dos Remédios, Op. cit., pág. 675), que vamos transcrever:
“Que é desses cabelos de oiro
Do mais subido quilate,
Desses lábios de escarlate,
Meu tesoiro!”
[1] 27-31-35. Ler com hiato: “Ser/ve, a/ju/da,/ an/da,/an/da”; “O ou/vi/do/ que/ ou/ve,/ ou/ve”; “Do/a a/ to/dos,/ u/sa,/u/sa”.
[2] Leia-se numa silaba: Com os (Ectlipse).
[3] Anáfora: “Canta…/Canta…”.
[4] Cf. nota anterior. Observe-se, ainda, a beleza desse verso leonino.
[5] Além da anáfora, note-se a epanalepse: “Vibra o Sol, em raios vibra”.
[6] Além da epanadiplose, observe-se o ricochete. — Epanadiplose: “Nome dado à FIGURA que resulta quando se repete a mesma palavra ou frase no começo de um VERSO e no fim do seguinte, …” (Geir Campos Op. cit.) Ricochete: “Espécie de ECO repetindo a mesma palavra, …” (Idem, Ibidem.)
[7] “Sente, irmão, sente o perfume,”: Mesarquia — Cf. 2ª nota do cap. 7 da 1ª Parte.
[8] Onde-aonde. No Roteiro Literário do Brasil e de Portugal, vol. I, pág. 48, nota 5, lê-se: “onde: aonde. Nos melhores autores, antigos ou modernos, não se observa, em geral, a distinção entre onde e aonde que os gramáticos acham ser de rigor.”
[9] Atente-se na beleza da repetição intencional dos verbos, nos dois versos iniciais de cada estrofe, em que várias figuras se sucedem harmonicamente, como, por exemplo, epanadiplose na 3ª e 4ª estrofes, epanalepse, no 2º verso da 3ª estância. Além disso, observe-se a plasticidade dos versos quebrados que, sobre encantar pelo boleio do ritmo, instruem pela essência doutrinária que o poeta consegue imprimir com rara felicidade.
[10] A repetição enfática de descer, constituindo belíssima epizeuxe dá ideia da velocidade com que as três estrelas varam o espaço, buscando a Terra, além…
[11] Aliteração em l.
[12] Sempre preso àqueles assuntos de simplicidade que caracterizaram sua poética, JD, neste soneto, revela-se continuar sendo sempre o João de Deus do Campo de Flores, suave, terno, imensamente poeta.