O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano X — Janeiro de 1867.

(Idioma francês)

Pensamentos espíritas que correm o mundo.

(Sumário)

1. — Em nosso último número referimos alguns pensamentos que se encontram aqui e ali, na imprensa, e que o Espiritismo pode reivindicar como partes integrantes da doutrina. [vide: Revista da Imprensa relativa ao Espiritismo.] Continuaremos a referir, de vez em quando, os que vierem ao nosso conhecimento. Estas citações têm o seu lado útil e instrutivo, pois provam a vulgarização das ideias espíritas.

Na revista hebdomadária do Siècle de 2 de dezembro, o Sr. E. Texier, dando conta de uma nova obra do Sr. P. J. Stahl, intitulada Bonnes fortunes parisiennesn assim se exprime: “O que distingue essas Boas sortes parisienses é a delicadeza de toque na pintura do sentimento, é o bom perfume do livro, que se respira como uma brisa. Raramente tinham tratado este assunto tão vasto, tão explorado, tão rebatido e sempre novo — o amor — com verdadeira ciência, sentida observação, mais tato e leveza de mão. Disseram que, numa existência anterior, Balzac deveria ter sido mulher; poder-se-ia dizer também que Stahl tinha sido uma jovem. Todos os pequenos segredos do coração que se abre ao contato do primeiro arroubo, ele os capta e os fixa até em seus mais finos matizes. Ele fez melhor do que estudar as suas heroínas; dir-se-ia que sentiu todas as suas impressões, todas as suas vibrações, todos esses lindos choques — alegria ou dor — que se sucedem na alma feminina e a enchem aos primeiros botões da floração de abril.”


Não é a primeira vez que a ideia das existências anteriores é expressa fora do Espiritismo. O autor do artigo outrora não poupava sarcasmos à nova crença, a propósito dos irmãos Davenport, em quem, como a maioria de seus confrades em jornalismo, julgou, e talvez ainda julgue encarnada a doutrina. Escrevendo estas linhas, certamente não suspeitava que formulava um de seus mais importantes princípios. Que o tenha feito seriamente ou não, pouco importa! A coisa não prova menos que os próprios incrédulos encontram na pluralidade das existências, ainda que só admitida a título de hipótese, a explicação das aptidões inatas da existência atual. Este pensamento, lançado a milhões de leitores pelo vento da publicidade, se populariza, se infiltra nas crenças; habitua-se a ele; cada um aí procura a razão de ser de uma imensidade de coisas incompreendidas, de suas próprias tendências: aqui gracejando, ali seriamente; a mãe cujo filho é um tanto precoce sorri de bom grado à ideia de que ele possa ter sido um homem de gênio. Em nosso século racionalista, a gente quer dar conta de tudo; repugna ao maior número ver nas boas e más qualidades trazidas ao nascer, um jogo do acaso ou um capricho da divindade; a pluralidade das existências resolve a questão mostrando que as existências se encadeiam e se completam umas pelas outras. De dedução em dedução chega-se a encontrar, neste princípio fecundo, a chave de todos os mistérios, de todas as aparentes anomalias da vida moral e material, das desigualdades sociais, dos bens e dos males daqui de baixo; enfim o homem sabe de onde vem, para onde vai, por que está na Terra, por que é feliz ou desgraçado e o que deve fazer para assegurar a sua felicidade futura.

Se se acha racional admitir que já vivemos na Terra, não o é menos que possamos aqui reviver ainda. Como é evidente que não é o corpo que revive, só pode ser a alma; esta conservou, pois, a sua individualidade; não se confundiu no todo universal; para conservar suas aptidões, é preciso que tenha ficado ela mesma. O único princípio da pluralidade das existências é, como se vê, a negação do materialismo e do panteísmo.

Para que a alma possa realizar uma série de existências sucessivas no mesmo meio, é preciso que não se perca nas profundezas do infinito; deve permanecer na esfera de atividade terrestre. Eis, pois, o mundo espiritual que nos rodeia, em meio do qual vivemos, no qual se derrama a Humanidade corporal, como ele mesmo se derrama nesta. Ora, chamai estas almas de Espíritos e eis-nos em pleno Espiritismo.

Se Balzac pôde ter sido mulher e Stahl uma jovem, então as mulheres podem encarnar-se como homens e, por conseguinte, os homens podem encarnar-se como mulheres. Não há, pois, entre os dois sexos senão uma diferença material, acidental e temporária, uma diferença de vestimenta carnal; mas quanto à natureza essencial do ser, ela é a mesma. Ora, da igualdade de natureza e de origem, a lógica conclui pela igualdade dos direitos sociais. Vê-se a que consequências conduz o só princípio da pluralidade das existências. Provavelmente o Sr. Texier não acreditava ter dito tanta coisa nas poucas linhas que citamos.


2. — Mas, talvez digam, o Espiritismo admite a presença das almas em meio a nós e suas relações com os vivos; eis onde está o absurdo. Sobre este ponto escutemos o Sr. abade V…, novo cura de São Vicente de Paulo.  †  No discurso que ele pronunciou domingo, 25 de novembro último, por sua investidura, fazendo o elogio do patrono da paróquia, disse: “O Espírito São Vicente de Paulo está aqui, eu o afirmo, meus irmãos; sim, ele está em meio a nós; paira sobre esta assembleia; ele nos vê e nos ouve; sinto-o perto de mim, a inspirar-me.” Que mais teria dito um espírita? Se o Espírito São Vicente de Paulo está na assembleia, por quem é atraído, senão pelo pensamento simpático dos assistentes? É o que diz o Espiritismo. Se aí está, outros Espíritos igualmente aí podem encontrar-se. Eis o mundo espiritual que nos cerca. Se o Sr. abade sofre sua influência, pode sofrer a de outros Espíritos, assim como outras pessoas. Há, pois, relações entre o mundo espiritual e o mundo corporal. Se fala pela inspiração desse Espírito, então é médium falante; mas se fala, também pode escrever sob essa mesma inspiração o que, sem dúvida, terá feito mais de uma vez sem o suspeitar; ei-lo, então, médium escrevente inspirado, intuitivo. Entretanto, se lhe dissessem que havia pregado o Espiritismo, provavelmente se defenderia com todas as suas forças.

Mas sob que aparência o Espírito São Vicente de Paulo poderia estar nessa assembleia? Se o Sr. cura não diz, São Paulo o diz: é com o corpo espiritual ou fluídico, o corpo incorruptível, que reveste a alma depois da morte, e ao qual o Espiritismo dá o nome de perispírito. [1 Cor 15.38-42.]


3. — O perispírito, um dos elementos constitutivos do organismo humano, constatado pelo Espiritismo, tinha sido suspeitado há muito tempo. É impossível ser mais explícito a este respeito que o Sr. Charpignon, em sua obra sobre o magnetismo, publicada em 1842. n Com efeito, lê-se no capítulo II, página 355:

“As considerações psicológicas a que acabamos de nos entregar tiveram como resultado fixar-nos na necessidade de admitir, na composição da individualidade humana, uma verdadeira trindade, e achar neste composto trinário um elemento de natureza essencialmente diferente das duas outras partes, elemento perceptível, mais por suas faculdades fenomenais que por suas propriedades constitutivas, porque a natureza de um ser espiritual escapa aos nossos meios de investigação. O homem é, pois, um ser misto, um organismo de composição dupla, a saber: combinação de átomos formando os órgãos, e um elemento de natureza material, mas indecomponível, dinâmico por essência, numa palavra, um fluido imponderável. Isto quanto à parte material. Agora, como elemento característico da espécie hominal: este ser simples, inteligente, livre e voluntário, que os psicólogos chamam alma…”

Estas citações e as reflexões que as acompanham têm por fim mostrar que a opinião está menos afastada das ideias espíritas do que se poderia crer, e que a força das coisas e a irresistível lógica dos fatos a isto conduzem por um pendor bem natural. Não é, pois, uma vã presunção dizer que o futuro é nosso.



[1] [Pierre-Jules Hetzel,  †  nasceu em 15 de janeiro de 1814 em Chartres,  †  e faleceu em 17 de março de 1886 em Monte Carlo,  †  foi um escritor e editor francês, conhecido sob o pseudônimo de P. J. Stahl.]


[2] Physiologie, médecine et métaphysique du magnétisme - Google Books, por Charpignon, 1 vol. In-8. Paris, Baillière, 17, Rue de l’École-de-Médecine.  †  Preço: 6 fr.


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