O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano X — Janeiro de 1867.

(Idioma francês)

Os romances espíritas.

(Sumário)


O ASSASSINATO DA PONTE VERMELHA.  † 

Por Ch. Barbara.

1. — O romance pode ser uma maneira de exprimir pensamentos espíritas sem se comprometer, porque o autor temeroso pode sempre responder à crítica zombeteira que não pretendeu senão fazer uma obra de fantasia, o que é certo para o grande número. Ora, tudo é permitido à fantasia. Mas, fantasia ou não, não deixa de ser uma das formas a favor da qual a ideia espírita pode penetrar nos meios onde não seria aceita sob uma forma séria.

O Espiritismo ainda é muito pouco, ou melhor, muito mal conhecido pela literatura, para ter fornecido assunto a tantas obras deste gênero. A principal, como se sabe, é a que Théophile Gautier publicou sob o nome de Espíritan e ainda se pode censurar o autor por se ter afastado, em vários pontos, da ideia verdadeira.

Uma outra obra de que igualmente falamos, e que sem ter sido feita especialmente visando o Espiritismo, a ele se liga de certo modo, é a do Sr. Elie Berthet, publicada em folhetim no Siècle, em setembro e outubro de 1865, sob o título de A Dupla Vistan Aqui o autor dá provas de um conhecimento aprofundado dos fenômenos de que fala, e o seu livro alia a este mérito, o do estilo e de um interesse contínuo. É, ao mesmo tempo, moral e instrutivo.

A Segunda Vistan de X-B. Saintine,  †  publicada em folhetim no grande Moniteur, em fevereiro de 1864, é uma série de novelas que nem têm o fantástico impossível, nem o caráter lúgubre dos contos de Edgard Poe, mas a suave e graciosa simplicidade das cenas íntimas entre os habitantes deste e do outro mundo, nos quais o Sr. Saintine acreditava firmemente. Embora sejam histórias de fantasia, em geral pouco se afastam dos fenômenos que muitas pessoas puderam testemunhar. Aliás, sabemos que, em vida, o autor, que conhecemos pessoalmente, não era incrédulo nem materialista; as ideias espíritas lhe eram simpáticas, e o que escrevia era reflexo de seu próprio pensamento.

Séraphitan de Balzac, é um romance filosófico, baseado na doutrina de Swedenborg. Em Consuelo n e na condessa de Rudolstadtn da Sra. George Sand, o princípio da reencarnação representa papel capital. O Dragn da mesma autora, é uma comédia representada, há alguns anos, no Vaudeville,  †  e cujo enredo é inteiramente espírita. É fundado numa crença popular entre os marinheiros da Provença. Drag é um Espírito manhoso, mais malicioso que mau, que se diverte em pregar peças. É visto sob a figura de um jovem, exercendo sua influência e coagindo um indivíduo a escrever contra sua própria vontade. A imprensa, de ordinário tão benevolente para com essa escritora, mostrou-se severa com esta peça, que mereceria melhor acolhimento.

A França não tem o monopólio exclusivo deste gênero de produções. O Progrès colonial, da ilha Maurício,  †  publicou em 1865, sob o título de Histórias do Outro Mundo, contadas pelos Espíritos, um romance que não ocupava menos de vinte e oito folhetins, cuja trama era toda feita pelo Espiritismo, e no qual o autor, Sr. de Germonville, dá provas de perfeito conhecimento do assunto.

Em alguns outros romances, a ideia espírita simplesmente fornece o tema dos episódios. O Sr. Aurélien Scholl,  †  nos seus Novos Mistérios de Parisn publicados pelo Petit Journal, faz intervir um magnetizador, que interroga uma mesa pela tiptologia, depois uma moça posta em sonambulismo, cujas revelações deixam alguns assistentes em maus lençóis. A cena é bem apresentada e perfeitamente verossímil. (Petit Journal de 23 de outubro de 1866).


2. — A reencarnação é uma das ideias mais fecundas para os romancistas, e que pode fornecer efeitos tanto mais surpreendentes quanto em nada se afastam das possibilidades da vida material. O Sr. Charles Barbara, jovem escritor morto há alguns meses numa casa de saúde, dela fez aplicação das mais felizes em seu romance intitulado Assassinato da Ponte Vermelha,  †  que o Événement ultimamente reproduziu em folhetim.

O assunto principal é um agente de câmbio que fugia para o estrangeiro, levando a fortuna de seus clientes. Atraído por um indivíduo a uma casa miserável, sob o pretexto de favorecer-lhe a fuga, aí é assassinado, despojado e jogado no Sena, ajudado por uma mulher chamada Rosália, que morava na casa desse homem. O assassino agiu com tal prudência e soube tomar tão bem suas precauções, que todo traço do crime desapareceu e toda suspeita de assassinato foi afastada. Casou-se pouco depois com sua cúmplice Rosália e ambos puderam, daí por diante, viver na abastança, sem temer perseguição alguma, a não ser a do remorso, quando uma circunstância fez que suas angústias atingissem o mais alto grau. Eis como ele próprio a conta:


3. — “Esta quietude foi perturbada desde os primeiros dias de nosso casamento. A não ser que se exclua a intervenção direta de um poder oculto, forçoso é convir que o acaso aqui se mostrou estranhamente inteligente. Por maravilhoso que pareça o fato, não pensareis em pô-lo em dúvida, porque, também, nele tendes a prova viva em meu filho. Aliás, muitas pessoas não deixarão de aí ver um fato puramente físico e fisiológico e de o explicar racionalmente. Seja como for, de repente notei traços de tristeza no rosto de Rosália. Perguntei a razão. Ela evitou responder.

“Como no dia seguinte e nos outros sua melancolia só fizesse aumentar, supliquei-lhe que me tirasse da inquietação. Ela acabou me confessando uma coisa que não deixou de me comover no mais alto grau. Logo na primeira noite de nossas núpcias, em meu lugar, embora estivéssemos no escuro, ela tinha visto, mas visto mesmo, garantia, o rosto pálido do agente de câmbio. Inutilmente tinha esgotado suas forças em rechaçar o que tomava a princípio por simples lembrança. O fantasma não saiu de seus olhos senão aos primeiros clarões da aurora. Além disso, o que realmente justificava seu pavor é que a mesma visão a tinha perseguido com uma tenacidade análoga durante várias noites seguidas.

“Afetei profundo desdém e tentei convencê-la de que tinha sido vítima de uma simples alucinação. Compreendi, pela tristeza que dela se apoderou e se transformou insensivelmente neste langor em que a vistes, que não tinha conseguido inculcar-lhe o meu sentimento. Uma gravidez penosa, agitada, equivalente a uma doença longa e dolorosa, piorou mais ainda esse mal-estar de espírito; e se um parto feliz, cumulando-a de alegria, teve influência salutar sobre o seu moral, foi de curta duração. Ainda mais, vi-me forçado a privá-la da felicidade de ter o filho ao seu lado, já que, em relação aos meus recursos oficiais, uma ama-de-leite morando em casa se me teria afigurado uma despesa superior às minhas posses.

“Comovidos pelos sentimentos de figurar dignamente numa pastoral, íamos ver nosso filho de quinze em quinze dias. Rosália o amava até a paixão, e eu mesmo não estava longe de o amar com frenesi, porque, coisa singular! nas ruínas que se amontoavam em mim, só os instintos da paternidade ainda restavam de pé. Abandonava-me a sonhos inefáveis; prometia-me dar uma educação sólida ao meu filho, preservá-lo, se possível, de meus vícios, de minhas faltas, de minhas torturas. Ele era minha consolação, minha esperança.

“Quando digo eu, falo igualmente da pobre Rosália, que se sentia feliz à ideia de ver o filho crescer ao seu lado. Assim, quais não foram as nossas inquietações, a nossa ansiedade, quando, à medida que a criança se desenvolvia, percebemos em seu rosto as linhas que lembravam o de uma pessoa que desejaríamos esquecer para sempre. A princípio não passou de uma dúvida, sobre a qual guardamos silêncio, mesmo um em frente ao outro. Depois a fisionomia do menino aproximou-se a tal ponto da de Thillard, que Rosália me falou com espanto, que eu mesmo não podia ocultar senão em parte as minhas cruéis apreensões. Enfim, a semelhança se nos mostrou tal, que pareceu realmente que o agente de câmbio tivesse renascido em nosso filho.

“O fenômeno teria transtornado um cérebro menos sólido que o meu. Ainda muito firme para ter medo, pretendi ficar insensível ao golpe desferido em minha afeição paternal e fazer Rosália partilhar de minha indiferença. Sustentei que nisto havia apenas um acaso; acrescentei que nada havia de mais mutável que o rosto das crianças e que, provavelmente, a semelhança desapareceria com a idade. Finalmente, caso acontecesse o pior, sempre nos seria fácil manter a criança afastada. Falhei completamente. Ela se obstinou em ver na identidade dos dois rostos um fato providencial, o germe de um castigo atroz que, mais cedo ou mais tarde, devia esmagar-nos e, sob o império desta convicção, seu repouso foi abolido para sempre.

“Por outro lado, sem falar da criança, que era nossa vida? Vós mesmos pudestes ver a perturbação permanente, as agitações, os abalos, cada dia mais violentos. Quando todo traço de meu crime havia desaparecido, quando eu não tinha absolutamente mais nada a temer dos homens, quando a opinião a meu respeito tinha se tornado unanimemente favorável, em vez de uma segurança fundada na razão, eu sentia crescerem as minhas inquietações, as minhas angústias, os meus terrores. Eu mesmo me inquietava com as fábulas mais absurdas; no gesto, na voz, no olhar do primeiro que chegasse eu via uma alusão ao meu crime.

“As alusões me mantiveram incessantemente no cadafalso do carrasco. Lembrai-vos desta noite em que o Sr. Durosoir contou uma de suas instruções. Dez anos de dores lancinantes, que jamais equivaleriam ao que senti no momento em que, saindo do quarto de Rosália, encontrei-me cara a cara com o juiz, que me fitava no rosto. Eu era de vidro; ele lia no fundo de meu peito. Num instante entrevi o patíbulo. Lembrai-vos do ditado: “Em casa de enforcado não se fala em corda”, e vinte outros detalhes do gênero. Era um suplício de todos os dias, de todas as horas, de todos os segundos. O que quer que fosse, fazia-se no meu espírito uma horrorosa devastação.

“O estado de Rosália era ainda muito mais doloroso: vivia realmente nas chamas. A presença da criança na casa acabou por tornar a estada intolerável. Incessantemente, dia e noite, vivemos em meio às cenas mais cruéis. O menino me gelava de horror. Vinte vezes quase que o sufoquei. Além disso, Rosália, que se sentia morrer, que acreditava na vida futura, nos castigos, aspirava a se reconciliar com Deus. Zombava dela, insultava-a, ameaçava batê-la. Entrava em furores para assassiná-la. Ela morreu a tempo para me preservar de um segundo crime. Que agonia! Ela jamais me sairá da memória.

“Depois não vivi. Vangloriava-me de não ter mais consciência: esses remorsos cresceram ao meu lado, em carne e osso, sob a forma de meu filho. Esta criança, que consinto em ser seu guarda e o escravo, a despeito de sua imbecilidade não deixa de me torturar por seu ar, seu olhar estranho, pelo ódio instintivo que me vota. Não importa aonde eu vá, segue-me passo a passo, marcha ou se senta em minha sombra. À noite, após um dia de fadiga, sinto-o ao meu lado e basta seu contato para tirar-me o sono ou, pelo menos, perturbar-me com pesadelos. Receio que de repente a razão lhe venha, sua língua se solte e que ele fale e me acuse.

“A Inquisição, em seu gênio de torturas, o próprio Dante, na sua suppliciomanie, jamais imaginaram algo de tão espantoso. Isto me torna monomaníaco. Surpreendo-me desenhando à pena o quarto onde cometi o crime; escrevo em baixo esta legenda: Neste quarto envenenei o agente de câmbio Thillard-Ducornet, e assino. É assim que, nas minhas horas de febre, detalhei em meu jornal mais ou menos palavra por palavra tudo que vos contei.

“Mas não é tudo. Consegui subtrair-me ao suplício com que os homens castigam o assassino, e eis que este suplício se renova para mim quase todas as noites.

“Sinto uma mão em meu ombro e ouço uma voz que me murmura ao ouvido: “Assassino!” Sou levado diante das togas vermelhas; um rosto pálido se ergue à minha frente e grita: “Ei-lo!” É meu filho. Nego. Meu desenho e minhas próprias memórias me são apresentados com minha assinatura. Como vedes, a realidade se mistura ao sonho e aumenta o meu pavor. Enfim, assisto a todas as peripécias de um processo criminal. Ouço a minha condenação: “Sim, ele é culpado.” Conduzem-me a uma sala escura, onde se vêm juntar a mim o carrasco e seus ajudantes. Quero fugir, laços de ferro me detêm e uma voz me grita: “Não há mais misericórdia para ti!” Experimento até a sensação do frio das lâminas em meu pescoço. Um padre ora ao meu lado e por vezes me convida ao arrependimento.

“Repilo-o com mil blasfêmias. Semimorto, padeço os solavancos de uma carroça na via pública; ouço os murmúrios da multidão, comparáveis aos das vagas do mar e, no alto, imprecações de mil vozes. Chego à vista do cadafalso. Subo os degraus. Entretanto, o sonho é interrompido. Desperto justamente no momento em que a lâmina desliza entre as ranhuras, quando ia ser arrastado em presença daquele que quis negar, do próprio Deus, para aí ter os olhos queimados pela luz, mergulhar no abismo de minhas iniquidades e ser supliciado pelo sentimento de minha própria infâmia. Sufoco, o suor me inunda, o horror enche-me a alma. Não sei mais quantas vezes já sofri este suplício.”


4. — A ideia de fazer reviver a vítima no próprio filho do assassino, e que aí representa a imagem viva de seu crime, ligada aos seus passos é, ao mesmo tempo, engenhosa e muito moral. Quis o autor mostrar que o criminoso, se sabe escapar às perseguições dos homens, não poderá subtrair-se às da Providência. Há aqui mais que remorso: é a vítima que se ergue sem cessar à sua frente, não sob a aparência de um fantasma ou de uma aparição, que poderia ser considerada como efeito da imaginação ferida, mas sob os traços de seu filho; é o pensamento que esta criança pode ser a própria vítima, pensamento corroborado pela instintiva aversão do menino, embora idiota, por seu pai; é a luta da ternura paternal contra esse pensamento que o tortura, luta horrível, que não permite ao culpado gozar sossegadamente o fruto de seu crime, como disso se tinha gabado.

Esse quadro tem o mérito de ser verdadeiro, ou melhor, perfeitamente verossímil, isto é, nada se afasta das leis naturais que, sabemos hoje, regem as relações dos seres humanos entre si. Aqui, nada de fantástico nem de maravilhoso; tudo é possível e justificado pelos numerosos exemplos que temos de indivíduos renascendo no meio onde já viveram, em contato com os mesmos indivíduos, para repararem seus erros ou cumprirem deveres de reconhecimento.

Admiremos aqui a sabedoria da Providência que, durante a vida, lança um véu sobre o passado, sem o qual os ódios se perpetuariam, ao passo que acabam por se apaziguar nesse novo contato e sob o império dos bons procedimentos recíprocos. É assim que, pouco a pouco, o sentimento da fraternidade acaba por substituir o da hostilidade. No caso de que se trata, se o assassino tivesse tido certeza absoluta quanto à identidade de seu filho, teria podido buscar sua segurança num novo crime; a dúvida o deixaria em luta com a voz da Natureza, que nele falava pela voz da paternidade. Mas a dúvida era um suplício cruel, uma ansiedade perpétua, pelo temor que esta fatal semelhança levasse à descoberta do crime.

Por outro lado, o agente de câmbio, ele próprio culpado, tinha, se não como encarnado, mas como Espírito, a consciência de sua posição. Se servia de instrumento para o castigo de seu assassino, sua posição também lhe era um suplício. Assim, esses dois indivíduos, ambos culpados, se puniam reciprocamente, detidos em seus ressentimentos mútuos pelos deveres que lhes impunha a Natureza. Esta justiça distributiva, que castiga por meios naturais, pela consequência mesma da falta, mas que sempre deixa a porta aberta ao arrependimento e à reabilitação, não é mais digna da bondade de Deus que a condenação irremissível às chamas eternas? Porque o Espiritismo repele a ideia do inferno, tal qual o representam, pode dizer-se que tire todo freio às más paixões? Compreende-se esse gênero de punição; aceita-se-o, porque é lógico; ele impressiona tanto mais quanto se o sente equitativo e possível. Esta crença é um freio muito mais poderoso que a perspectiva de um inferno em que já não creem, e do qual riem.


5. — Eis um exemplo real da influência desta doutrina, para um caso que, embora menos grave, não prova menos o poder de sua ação:

Um senhor de nosso conhecimento pessoal, espírita fervoroso e esclarecido, vive com um parente muito próximo, que diversos indícios, tendo um grande caráter de probabilidade, lhe fazem crer tenha sido seu pai. Ora, esse parente nem sempre age para com ele como deveria. Sem tal pensamento aquele senhor, em muitas circunstâncias, por questões de interesse, teria usado de um rigor que estava em seu direito, e provocado uma ruptura. Mas a ideia de que poderia ser seu pai o reteve; mostrou-se paciente, moderado; suportou o que não teria tolerado da parte de uma pessoa que tivesse considerado como estranha. Não havia, em vida do pai, uma grande simpatia entre este e seu filho; mas a conduta deste, em tal circunstância, não era susceptível de aproximá-los espiritualmente e de destruir as prevenções que os afastavam um do outro? Se se reconhecessem de maneira certa, sua posição respectiva seria muito falsa e constrangedora; a dúvida em que está o filho basta para o impedir de agir mal, embora lhe deixe todo o seu livre-arbítrio. Que o parente tenha sido ou não o seu pai, o filho não tem menos o mérito do sentimento da piedade filial; se não lhe é nada, ser-lhe-á sempre levado em conta de seu bom procedimento, e o verdadeiro Espírito de seu pai lhe será grato.

Vós que zombais do Espiritismo, porque não o conheceis, se soubésseis o que ele encerra de poder para a moralização, compreenderíeis tudo o que a sociedade ganhará com a sua propagação e sereis os primeiros a aplaudi-lo. Vê-la-íeis transformada sob o império das crenças que conduzem, pela própria força das coisas e das leis da Natureza, à fraternidade e à verdadeira igualdade; compreenderíeis que só ele pode triunfar dos preconceitos, que são a pedra de tropeço do progresso social e, em vez de ridicularizar os que o propagam, os encorajaríeis, porque sentiríeis que é do vosso próprio interesse, de vossa segurança. Mas, paciência! isto virá ou, melhor dizendo, isto já veio. Cada dia as prevenções se apaziguam, a ideia se propaga, infiltra-se sem ruído e começa-se a ver que existe aí algo de mais sério do que se pensava. Não está longe o tempo em que os moralistas, os apóstolos do progresso aí verão a mais poderosa alavanca que jamais tiveram nas mãos.


6. — Lendo o romance do Sr. Charles Barbara, poder-se-ia crer que fosse espírita fervoroso e, contudo, não o era. Como dissemos, morreu numa casa de saúde, atirando-se pela janela num acesso de febre ardente. Era um suicídio, mas atenuado pelas circunstâncias. Evocado pouco tempo depois na Sociedade de Paris, e interrogado quanto às suas ideias a respeito do Espiritismo, eis a comunicação que deu a respeito:


(Paris,  †  19 de outubro de 1866. — Médium: Sr. Morin.)

Permiti, senhores, a um pobre Espírito infeliz e sofredor, vos pedir autorização para vir assistir às vossas sessões, todas de instrução, de devotamento, de fraternidade e de caridade.

Sou o infeliz que tinha o nome de Barbara e, se vos peço esta graça, é que o Espírito despojou o homem velho, e já não se crê mais tão superior em inteligência, como se julgava em vida.

Agradeço ao vosso chamamento e, tanto quanto estiver em meu poder, vou tentar responder à questão motivada por uma página de uma de minhas obras. Mas eu vos pediria, previamente, levar em conta o meu estado atual, que se ressente fortemente da perturbação, aliás muito natural, que se experimenta ao passar bruscamente de uma a outra vida.

Estou perturbado por duas causas principais: a primeira é devida à minha provação, que era de suportar as dores físicas que experimentei, ou, antes, que meu corpo experimentou, quando me suicidei. — Sim, senhores, não temo dizê-lo, eu me suicidei, porque se meu Espírito estava perdido por momentos, eu o recobrei antes de me arrebentar no chão e… disse: tanto melhor!… Que falta e que fraqueza!… As lutas da vida material estavam terminadas para mim, meu nome era conhecido, doravante não tinha senão que marchar a via que me era aberta e tão fácil de seguir!… Tive medo!… e, contudo, nas horas de incerteza e de desânimo, tinha lutado a despeito de tudo. A miséria e suas consequências não me tinham desalentado, e foi quando tudo se acabou para mim que exclamei: O passo está dado; tanto melhor!… não terei mais que sofrer! Egoísta e ignorante!…

A segunda é que, depois de haver errado na vida, entre a convicção do nada e o pressentimento de um Deus que não podia ser senão uma força, única, grande, justa, boa e bela, nós nos encontramos em presença de uma inumerável multidão de seres ou Espíritos que nos conheceram, que nos amaram; que descobrimos vivas as nossas afeições, as nossas ternuras e amores; numa palavra, quando percebemos que apenas mudamos de domicílio. Então concebeis, senhores, que é muito natural que um pobre ser que viveu entre o bem e o mal, entre a crença a incredulidade sobre uma outra vida, é muito natural, repito, que fique perturbado… de felicidade, de alegria, de emoção, um pouco de vergonha, vendo-se obrigado a confessar a si mesmo que, em seus escritos, o que atribuía à sua imaginação em trabalho, era uma profunda realidade, e que muitas vezes o homem de letras, que se infla de orgulho, vendo ler e ouvindo aplaudir páginas que julgava obra sua, por vezes não passa de um instrumento que escreve sob influência dessas mesmas potências ocultas, cujo nome lança ao acaso da pena num livro.

Quantos grandes autores de todos os tempos escreveram, sem conhecer todo o valor filosófico, páginas imortais, marcos do progresso, colocadas por eles e por ordem de um poder superior, a fim de que, num dado tempo, a reunião de todos esses materiais esparsos forme um todo, tanto mais sólido quanto é o produto de várias inteligências, porque a obra coletiva é melhor: é, aliás, o que Deus assinará ao homem, pois a grande lei da solidariedade é imutável.

Não, senhores, não; eu não conhecia absolutamente o Espiritismo quando escrevia esse romance, e confesso que eu mesmo notei com surpresa o profundo modo de dizer de algumas linhas que lestes, sem compreender todo o alcance que, hoje, vejo claramente. Depois de as haver escrito, aprendi a rir do Espiritismo, para fazer como os meus esclarecidos colegas e não querer parecer mais adiantado no ridículo do que eles próprios queriam. Ri!…, agora choro; mas também espero, porque mo ensinaram aqui: todo arrependimento sincero é um progresso, e todo progresso leva ao bem.

Não duvideis, senhores, de que muitos escritores são, por vezes, instrumentos inconscientes para a propagação das ideias que as forças invisíveis julgam úteis ao progresso da Humanidade. Não vos admireis, pois, de os ver escrever sobre o Espiritismo sem nele crer; para eles é um assunto como outro qualquer, que se presta ao efeito, e não suspeitam que a ele sejam levados sem o saber. Todos esses pensamentos espíritas, que vedes emitidos por aqueles mesmos que, ao lado disso, fazem oposição, lhes são sugeridos, mas nem por isso deixam de fazer o seu caminho. Eu fui deste número.

Orai por mim, senhores, porque a prece é um bálsamo inefável. A prece é a caridade que se deve fazer aos infelizes do outro mundo, e eu sou um deles.


Barbara. n



[1] [Espírita - Google Books.]


[2] [La double vue - Google Books.]


[3] [La seconde vie - Google Books.]


[4] [Séraphita - Google Books.]


[5] [Consuelo - Google Books.]


[6] [La Comtesse de Rudolstadt. vol. I - Google Books La Comtesse de Rudolstadt. vol. II - Google Books.]


[7] [Le drac: drame fantastique en trois actes - Google Books.]


[8] [Les nouveaux mystères de Paris - Google Books.]


[9] [v. Charles Barbara.]


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