Itens
1-15. (1ª Parte.)
Dezembro de 1862. — 16-24a. (2ª
Parte.) Janeiro de 1863. — 24b-29. (3ª
Parte.) Fevereiro de 1863. — 30-38a. (4ª
Parte.) Abril de 1863. — 38b-45. (5ª
Parte.) Maio de 1963. — 46-48.
(Novos detalhes sobre os possessos de Morzine.) Agosto
de 1864. |
Novos detalhes sobre os possessos de Morzine.
(Revista de agosto de 1864.)
46. — Na Revista Espírita dos meses de dezembro de 1862, janeiro, fevereiro, março e maio de 1863, apresentamos um relato circunstanciado e uma apreciação da epidemia demoníaca de Morzine † (Haute-Savoie), † e demonstramos a insuficiência dos meios empregados para combatê-la. A despeito de o mal jamais ter cessado completamente, tinha havido uma espécie de interrupção. Vários jornais, bem como a nossa correspondência particular, assinalam o reaparecimento do flagelo com nova intensidade. O Magnetiseur, jornal de magnetismo animal, n publicado em Genebra pelo Sr. Lafontaine, em seu número de 15 de maio de 1864, relata este caso:
“A epidemia demoníaca que, desde 1857, reina no burgo de Morzine e nos lugarejos vizinhos, situados entre as montanhas da Haute-Savoie, ainda provoca os seus estragos. O governo francês se inquieta com o caso, já que a Savoie lhe pertence. Enviou ao local homens especializados, inteligentes e capazes, inspetores de hospícios de alienados, etc., para estudar a natureza e observar a marcha da doença. Estes tomaram algumas medidas, tentaram o deslocamento e transportaram as moças doentes para Chambéry, † Annecy, † Evian, † Thonon, † etc. Contudo, o resultado dessas tentativas não foi satisfatório; apesar do tratamento médico que julgaram conveniente, as curas foram pouco numerosas; e quando essas infelizes retornaram à região, recaíram no mesmo estado de sofrimento. Depois de, inicialmente, ter atingido as crianças e as mocinhas, a epidemia estendeu-se às mães de família e às mulheres idosas. Poucos homens lhe sentiram a influência; todavia, custou a vida de um. Esse infeliz meteu-se no estreito espaço entre o fogão e a parede, de onde garantia não poder sair; ali ficou um mês, sem se alimentar; morreu de esgotamento e de inanição, vítima de sua imaginação impressionável.
“Os enviados do governo francês fizeram relatórios, num dos quais o Sr. Constant, entre outras coisas, declarava que o pequeno número de curas realizado naquela população era devido ao magnetismo por mim empregado em Genebra, † em moças e senhoras que me haviam trazido em 1858 e 1859.
“Nossos leitores sabem que o flagelo, atribuído pelos bons camponeses de Morzine e, o que é mais lamentável, por seus guias espirituais, ao poder do demônio, manifesta-se naqueles que são tomados por convulsões violentas, acompanhadas de gritos, de perturbações do estômago e de gestos da mais impressionante ginástica, sem falar dos juramentos e de outros processos escandalosos, de que os doentes se tornam culpados, tão logo constrangidos a entrar numa igreja.
“Conseguimos curar vários desses doentes, que não sofreram nenhum ataque enquanto moravam longe das influências desagradáveis do contágio e dos Espíritos feridos de sua região. Mas em Morzine o horrível mal não deixou de fazer estragos entre essa infeliz população; ao contrário, o número de suas vítimas foi crescendo. Em vão prodigalizaram preces e exorcismos; em vão levaram os doentes para hospitais de várias cidades distantes; o flagelo, que em geral ataca mocinhas, cuja imaginação é mais viva, encarniça-se sobre a sua presa, e as únicas curas constatadas são as operadas por nós, das quais fizemos um relato em nosso jornal.
“Enfim, esgotados os meios, quiseram tentar um grande golpe. Monsenhor Maguin, bispo de Annecy [Claude-Marie Magnin, bispo de Annecy de 1861- 1879], há pouco anunciou que iria a Morzine, tanto para crismar os habitantes que ainda não haviam recebido esse sacramento, quanto para descobrir os meios de vencer a terrível doença. A boa gente do vilarejo esperava maravilhas dessa visita.
“Ela ocorreu sábado, 30 de abril, e domingo, 1º de maio. Eis as circunstâncias que a assinalaram:
“Sábado, lá pelas quatro horas, o prelado aproximou-se da aldeia. Estava a cavalo, acompanhado por grande número de eclesiásticos. Tinham procurado reunir os doentes na Igreja; alguns tinham sido forçados a ir. Logo que o bispo pisou em terras de Morzine, diz uma testemunha ocular, as possessas, sentindo a sua aproximação, foram tomadas das mais violentas convulsões. Em especial, as que estavam confinadas na igreja, soltavam gritos e urros, que nada tinham de humano. Todas as jovens que, em diferentes épocas, tinham sido atingidas pela doença, a apresentaram novamente, e viram-se diversas, que há cinco anos não eram atingidas, vitimadas pelo mais aterrador paroxismo, pelas mais terríveis crises. O próprio bispo empalideceu ao ouvir os urros que acolheram a sua chegada. A despeito disto, continuou a avançar para a igreja, malgrado as vociferações de algumas doentes, que haviam escapado das mãos de seus guardas para se atirarem à sua frente e o injuriarem. Apeou à porta do templo e aí entrou com dignidade. Mal acabara de entrar, a desordem redobrou; deu-se, então, uma cena verdadeiramente infernal.
“As possessas, cerca de setenta, com um único rapaz, juravam, rugiam, pulavam em todos os sentidos; isto durou várias horas. Quando o prelado quis fazer o crisma, o furor recrudesceu, como se fosse possível. Tiveram de arrastá-las para junto do altar; sete ou oito homens viram-se forçados a conjugar os seus esforços para vencer a resistência de algumas; os policiais prestaram auxílio. O bispo devia partir às quatro horas; às sete da noite ainda estava na igreja, onde não puderam vencer a resistência de três doentes; conseguiram arrastar duas, ofegantes, espuma na boca, blasfêmias nos lábios, até os pés do prelado. A última resistiu a todos os esforços; vencido de fadiga e de emoção, o bispo viu-se obrigado a lhe negar a imposição das mãos; saiu da igreja tremendo, transtornado, as pernas cobertas de contusões recebidas das possessas, enquanto estas se debatiam sob sua bênção.
“Partiu do vilarejo, deixando aos habitantes boas palavras, mas sem lhes ocultar a impressão de profundo estupor que havia experimentado em presença de um mal, que não podia prefigurar tão grande. Terminou confessando que não se tinha sentido bastante forte para conjurar a chaga que tinha vindo curar e prometendo voltar o quanto antes, munido de maiores poderes.
“Não fazemos hoje nenhuma reflexão, limitando-nos a relatar esses fatos deploráveis. Talvez no próximo número relatemos todo o incômodo que em nós eles provocaram.”
Ch. Lafontaine. n
47. — Eis o relato sucinto que o Courrier des Alpes fez de tais fatos, e que vários jornais reproduziram sem comentários:
“Em Annecy comenta-se muito um incidente, tão doloroso quanto imprevisto, que assinalou a excursão de Monsenhor Maguin, nosso digno prelado. Todos conhecem a triste e singular doença que, há anos, aflige a comuna de Morzine, à qual não se sabe bem que nome dar; a Ciência aí se perde. Certo público caracterizou essa doença, que acomete principalmente as mulheres, chamando de possessos os que por ela são atingidos. Com efeito, muitos habitantes da comuna estão convencidos de que um sortilégio foi lançado sobre essa localidade.
“Lembra-se, também, que em 1862, um certo número de pessoas vitimadas por essa estranha doença, que reproduz todos os efeitos da loucura furiosa, embora não lhe tendo o caráter, foram espalhadas em diversos hospitais, situados em vários pontos da França, e de lá voltaram curadas. Este ano a doença ganhou outras pessoas e, desde algum tempo, vem tomando proporções alarmantes.
“Foi nestas circunstâncias que Monsenhor Maguin movido apenas pela caridade, fez a sua turnê pastoral a Morzine, e foi no momento em que administrava o sacramento da confirmação que, de repente, uma crise se apoderou de certo número desses infelizes que assistiam à cerimônia ou dela participavam. Deu-se, então, um terrível escândalo. Os detalhes dessa cena são muito confrangedores para serem relatados.
“Limitar-me-ei a dizer que a administração superior comoveu-se com esse triste caso e que um destacamento de trinta homens de infantaria já foi enviado ao local; sei de boa fonte que esse destacamento será duplicado e comandado por um oficial superior, encarregado de meticulosas instruções. Escusado dizer que outras medidas serão tomadas, tais, por exemplo, o envio de médicos especialistas, encarregados de estudar a doença. A força armada terá por missão proteger as pessoas.”
48. — A Ciência aí se perde é uma confissão de impotência. Então, o que é que farão os médicos? Já não os enviaram, e muito capacitados? Dizem que vão mandar especialistas. Mas, como estabelecer sua especialidade numa afecção cuja natureza não se conhece, e na qual a Ciência se perde? Concebe-se a especialidade dos oculistas para as afecções dos olhos, dos toxicologistas nos casos de envenenamento. Mas aqui, em que categoria serão recrutados? Entre os alienistas? Muito bem, se for demonstrado que é uma afecção mental. Mas os próprios alienistas fracassaram; não estão de acordo quanto à causa nem quanto ao tratamento. Ora, já que a Ciência aí se perde, o que é uma grande verdade, os alienistas não são mais especialistas que os cirurgiões. É verdade que lhes vão agregar uma força armada, mas já empregaram esse expediente sem sucesso. Duvidamos muito que desta vez sejam mais bem-sucedidos.
Se, pois, a Ciência falha, é que não está com a verdade. Que há para admirar? Tudo revela uma causa moral, e enviam homens que só creem na matéria; procuram na matéria e aí nada encontram. Isto prova sobejamente que não procuram onde é preciso. Se quiserem médicos mais especialistas, que os selecionem entre os espiritualistas, e não entre os materialistas; ao menos aqueles poderão compreender que possa haver algo fora do organismo.
A religião não foi mais feliz; usou suas munições contra os diabos, sem poder chamá-los à razão. Então os diabos são mais fortes, a menos que não sejam diabos. Seus constantes reveses, em casos semelhantes, provam uma de duas coisas: ou que ela não está com a verdade, ou que é vencida por seus inimigos.
O mais claro de tudo isto é que nada do que empregaram deu resultado e melhor resultado não obterão enquanto se obstinarem a não buscar a verdadeira causa onde ela está. Um estudo atento dos sintomas demonstra, como última evidência, que sua causa está na ação do mundo invisível sobre o mundo visível, ação que é a fonte de mais afecções do que se pensa, e contra as quais a Ciência falha pela razão de que combate o efeito e não a causa. Numa palavra, é o que o Espiritismo designa sob o nome de obsessão, levada ao mais alto grau, isto é, de subjugação e de possessão. As crises são efeitos consecutivos; a causa é o ser obsessor. É, pois, sobre este ser obsessor que se deve agir, como se age sobre os vermes nas convulsões por eles ocasionadas.
Sistema absurdo, dirão. Absurdo para os que nada admitem fora do mundo tangível, mas muito positivo para os que constataram a existência do mundo espiritual e a presença de seres invisíveis à nossa volta; sistema, aliás, baseado na experiência e na observação, e não numa teoria preconcebida. A ação de um ser invisível malfazejo foi constatada numa imensidão de casos isolados, tendo completa analogia com os fatos de Morzine, donde é lógico concluir que a causa seja a mesma, uma vez que os efeitos são semelhantes; a diferença está apenas no número. Todos os sintomas, sem exceção, observados nos doentes daquela localidade, o foram em casos particulares de que falamos. Ora, desde que libertaram os doentes atingidos pelo mesmo mal, sem exorcismo, sem medicamentos e sem polícia, o que se fez alhures poderia ser feito em Morzine.
Se é assim, perguntarão, por que os recursos espirituais empregados pela Igreja são ineficazes? Eis a razão.
A Igreja acredita nos demônios, isto é, numa categoria de seres de natureza perversa, e votados eternamente ao mal, por conseguinte, imperfectíveis. Com esta ideia, ela não procura melhorá-los. O Espiritismo, ao contrário, reconheceu que o mundo invisível é composto de almas ou Espíritos dos homens que viveram na Terra e que, depois da morte, povoam o espaço; nesse número os há bons e maus, como entre os homens. Dos que se regozijavam em vida em praticar o mal, muitos ainda se comprazem em fazê-lo após a morte; mas, pelo fato de pertencerem à Humanidade, estão submetidos à lei do progresso e podem melhorar-se. Não são, pois, demônios, como o entende a Igreja, mas Espíritos imperfeitos.
Sua ação sobre os homens se exerce, ao mesmo tempo, sobre o físico e o moral. Daí uma porção de afecções que não têm sede no organismo, loucuras aparentes refratárias a qualquer medicação. É um novo ramo da patologia, que se pode designar sob o nome de patologia espiritual. A experiência ensina a distinguir os casos desta categoria dos que pertencem à patologia orgânica.
Não nos propomos descrever o tratamento das afecções desse gênero, porque já foi indicado alhures. Limitar-nos-emos a lembrar que consiste numa tripla ação: a ação fluídica, que libera o perispírito do doente da opressão do perispírito do Espírito malévolo, o ascendente exercido sobre este último pela autoridade que sobre ele dá a superioridade moral, e a influência moralizadora dos conselhos que se lhe dá. A primeira não passa de acessório das duas outras; sozinha ela é insuficiente, porque, caso se consiga, momentaneamente, afastar o Espírito, nada o impede de voltar à carga. É a fazê-lo renunciar voluntariamente a seus maus propósitos que nos devemos empenhar, moralizando-o. É uma verdadeira educação a fazer, que exige tato, paciência, devotamento e, acima de tudo, uma fé sincera. Prova a experiência, pelos resultados obtidos, o poder deste meio; mas também demonstra que, em certos casos, é necessário o concurso simultâneo de várias pessoas, unidas na mesma intenção.
Ora, que faz a Igreja em semelhantes casos? Convicta de que trata com demônios incorrigíveis, não se ocupa absolutamente com a sua melhora; crê amedrontá-los e afastá-los por sinais, fórmulas e aparatos de exorcismo, de que eles se riem e se tornam mais excitados, redobrando a malícia, como sempre sucedeu quando tentaram exorcizar os lugares em que se produzem barulhos e perturbações. É fato confirmado pela experiência que os sinais e os atos exteriores nenhum poder exercem sobre eles, ao passo que se tem visto os mais endurecidos e perversos Espíritos cederem a uma pressão moral e voltarem aos bons sentimentos. Tem-se, então, a dupla satisfação de livrar o obsidiado e de reconduzir a Deus uma alma transviada.
Talvez perguntem por que os espíritas — já que estão convencidos da causa do mal e dos meios de o combater — não foram a Morzine para ali operar seus milagres? Em primeiro lugar, os espíritas não fazem milagres; a ação curativa que se pode exercer em semelhantes casos nada tem de maravilhoso, nem de sobrenatural; repousa numa lei da Natureza: a das relações entre o mundo visível e o mundo invisível, lei que, dando a razão de certos fenômenos incompreendidos, por falta de conhecimento, vem restringir os limites do maravilhoso, em vez de os alargar. Em segundo lugar, dever-se-ia perguntar se o seu concurso teria sido aceito; se não teriam encontrado uma oposição sistemática; se, longe de serem secundados, não teriam sido entravados pelos próprios que fracassaram; se não teriam sido insultados e maltratados por uma população superexcitada pelo fanatismo, acusados de feitiçaria junto aos próprios doentes e de agirem em nome do diabo, como se viram amostras em certas localidades. Nos casos individuais e isolados, os que se devotam ao alívio dos aflitos geralmente são auxiliados pela família e pela vizinhança, muitas vezes pelos próprios doentes, sobre o moral dos quais devem atuar, por meio de palavras boas e encorajadoras, que devem excitar a prece. Semelhantes curas não se obtêm instantaneamente. Os que as empreendem necessitam de calma e de profundo recolhimento. Nas circunstâncias atuais, essas condições seriam possíveis em Morzine? É mais que duvidoso. Quando vier o momento de deter o mal, Deus o proverá.
Aliás, os fatos de Morzine e sua continuação têm sua razão de ser, assim como as manifestações do mesmo gênero em Poitiers. Eles se multiplicarão, quer isolada, quer coletivamente, a fim de convencer da impotência dos meios até agora empregados para lhes pôr um termo, e para forçar a incredulidade a reconhecer, enfim, a existência de um poder extra-humano.
Para todos os casos de obsessão, de possessão e de quaisquer manifestações desagradáveis, chamamos a atenção sobre o que, a respeito, diz O Livro dos Médiuns, capítulo da obsessão; sobre os artigos da Revista relativos a Morzine e referidos acima; sobre nossos artigos dos meses de fevereiro, março e junho de 1864, concernentes à jovem obsedada de Marmande; enfim, sobre os nº 325 a 335 da Imitação do Evangelho. Aí encontrarão as instruções necessárias para se guiarem em circunstâncias análogas.
[1]
Le Magnétiseur, journal du magnétisme animal - Google Books.
[2] [v.
Charles Lafontaine.]